|
Antes de apresentarmos alguns dos trabalhos elaborados por Albert
Einstein, é interessante estabelecermos o panorama da física
no final do século passado e início deste século.
Aquilo que hoje se denomina física moderna surge com algumas experiências
cujos resultados não puderam ser explicados nem pela mecânica
newtoniana, nem pela teoria eletromagnética de Maxwell. Várias
das experiências que propiciaram a ruptura com o que hoje se denomina
física clássica tiveram origem nos estudos que Faraday realizou
por volta de 1830, referentes a descargas elétricas em gases rarefeitos.
Todavia, fenômenos estranhos e inexplicados só foram observados
depois de 1870. O efeito fotoelétrico foi descoberto por Hertz em
1887; as raias espectrais do hidrogênio começaram a ser observadas
por Balmer em 1885; os raios X foram descobertos por Röntgen em 1895;
Becquerel observa, em 1896, fenômenos que resultaram na descoberta
da radioatividade; em 1897 Pierre e Marie Curie descobrem o elemento radioativo
rádio. Ao lado desses resultados absolutamente inusitados, deve-se
salientar a importância dos estudos referentes às radiações
emitidas pelos materiais aquecidos, uma linha de pesquisa que girava em
torno do problema da radiação de corpo negro, cujo enigma
desafiou a inteligência humana durante muito tempo, particularmente
na segunda metade do século passado. A ruptura com o conhecimento
clássico e o surgimento da física moderna se dá inicialmente
com a realização dessas experiências nas duas últimas
décadas do século passado; as tentativas para entendê-los
originaram a teoria quântica.
Por volta de 1900, o professor da Universidade de Berlim, Max Planck, propõe,
na seqüência de uma série de trabalhos, o modelo de absorção
e emissão discreta de radiação, introduzindo uma constante
universal, hoje denominada constante de Planck. Cinco anos depois Einstein
utiliza a teoria de Planck e explica o efeito fotoelétrico. Neste
mesmo ano de 1905 ele publica mais quatro artigos sobre os quais falaremos
mais abaixo. Entre 1911 e 1913, Niels Bohr, um jovem dinamarquês
em estágio de pós-doutorado nas Universidades de Cambridge
e Manchester, desenvolve o primeiro modelo atômico da era moderna,
obtendo enorme sucesso na explicação do espectro discreto
do átomo de hidrogênio; era o início da teoria quântica.
Assim, sob um ângulo personalista podemos dizer que a revolução
em curso é sustentada pelo triplé Planck-Einstein-Bohr.
Einstein
é popularmente conhecido como o pai da teoria da relatividade, mas
recebeu o Prêmio Nobel especialmente pela descoberta da lei do efeito
fotoelétrico, fato pouco conhecido pelo grande público. Além
dessas duas áreas de conhecimento, Einstein tem contribuições
importantes em várias outras áreas da física. Seu
primeiro artigo científico foi publicado em 1901, na Annalen
der Physik, sobre as "conseqüências do efeito da capilaridade",
um problema de termodinâmica. Continua nessa linha de trabalho até
1905, publicando dois artigos em 1902, um em 1903 e outro em 1904, todos
na Annalen der Physik. Depois vêm os magníficos trabalhos
de 1905, para muitos, o annus mirabilis da sua vida científica.
O primeiro artigo deste ano miraculoso foi publicado com o título
"Über einen die Erzeugung und Umwandlung des Lichtes betreffenden
heuristischen Standpunkt" ("Sobre um ponto de vista heurístico
concernente à geração e transformação
da luz"). Entre os cinco, este foi o único considerado revolucionário
pelo próprio Einstein. Em carta ao amigo Conrad Habicht, Einstein
comenta: "(...) O artigo trata da radiação e das propriedades
energéticas da luz e é muito revolucionário, como
você verá(...)" (Stachel, p. 5). É neste artigo que
Einstein formula a lei do efeito fotoelétrico, fazendo uso da constante
de Planck para definir o quantum de energia do fóton, uma partícula
associada à luz. Sob vários aspectos esse trabalho ocupa
um lugar de destaque na história da física. Em primeiro lugar
ele retoma a interpretação corpuscular da luz, uma idéia
defendida por Isaac Newton e que fora abandonada depois dos efeitos de
interferência observados por Thomas Young em 1801. Depois, há
uma ironia nessa história. O triunfo da teoria ondulatória
da luz teve seu auge com o estabelecimento das equações de
Maxwell, em 1861, segundo as quais a luz era identificada com as ondas
eletromagnéticas. A existência das ondas eletromagnéticas
foi comprovada em 1887 através de experimentos realizados por Heinrich
Hertz. Ao mesmo tempo em que gerou ondas de rádio ("ondas hertzianas"),
Hertz observou que a incidência de luz sobre um objeto metálico
provocava uma corrente elétrica; estava descoberto o efeito fotoelétrico!
O segundo artigo, "Eine neue Bestimmung der Moleküldimensionen"
("Sobre uma nova determinação das dimensões moleculares"),
foi aceito, no mesmo ano, como tese de doutoramento na Universidade de
Zurique. Nas palavras do próprio Einstein, o artigo tratava da "determinação
do tamanho exato de átomos a partir da difusão e da viscosidade
em soluções diluídas de substâncias neutras"
(Stachel, p. 5).
O terceiro artigo, "Über die von der molekulartheoretischen
Theorie der Wärme geforderte Bewegung von in ruhenden Flüssigkeiten
suspendierten Teilchen" ("Sobre o movimento de partículas suspensas
em fluidos em repouso, como postulado pela teoria molecular do calor"),
trata do movimento Browniano, descrito pela primeira vez em 1828, pelo
botânico Robert Brown ao observar que o pólen de diversas
plantas dispersavam-se na água sob a forma de um grande número
de pequenas partículas, as quais apresentavam um movimento aleatório
(Einstein, 1956).
O quarto artigo, "Zur Elektrodynamik bewegter Körper" ("Sobre
a eletrodinâmica dos corpos em movimento") era, segundo Einstein
(Stachel, p. 5), "apenas um esboço grosseiro" sobre a eletrodinâmica
dos corpos em movimento, usando uma modificação da teoria
do espaço e tempo. Este "esboço" contém o primeiro
trabalho sobre a teoria da relatividade restrita.
No quinto artigo, "Ist die Trägheit eines Körpers von seinem
Energieinhalt abhängig?" ("A inércia de um corpo depende
da sua energia?") Einstein propõe sua famosa equação
E=mc2. Na carta enviada a Conrad Habicht, Einstein comenta:
"Ocorreu-me mais uma conseqüência do artigo sobre a eletrodinâmica
(dos corpos em movimento). O princípio da relatividade, em conjunção
com as equações de Maxwell, requer que a massa seja uma medida
direta da energia contida num corpo; luz transporta massa com ela." Concluindo
que a hipótese poderia ser testada em corpos nos quais o "conteúdo
energético é variável em grau elevado, por exemplo
sais de rádio" (Pais, 1995, p. 170), Einstein mostra que não
está seguro: "O argumento é divertido e sedutor, mas por
tudo que conheço o Senhor pode estar rindo de tudo isso e pregando
uma peça em mim" (Stachel, p. 5).
Além do inegável valor científico desses trabalhos,
há um interessante contexto de natureza psico-social na elaboração
dos mesmos. Trata-se da mais refinada e autônoma produção
intelectual, realizada por um técnico do Departamento de Patentes
de Berna, sem título de doutor e rejeitado pela comunidade acadêmica.
A partir de 1905 Einstein inicia uma frenética produtividade, com
uma média superior a 5 artigos por ano. Esta média diminuiu
consideravelmente depois que ele ganhou o Prêmio Nobel, em 1921.
Depois dos trabalhos publicados no annus mirabilis, sua contribuição
mais importante apareceu num artigo de revisão (1907) intitulado:
"Über das Relativitätsprinzip und die aus demselben gezogenen
Folgerungen" ("Sobre o princípio da relatividade e as conclusões
tiradas dele"). Neste artigo ele introduz as primeiras idéias sobre
a teoria da relatividade geral, cuja versão na forma que hoje a
conhecemos só foi aparecer em 1915, na seqüência de vários
artigos publicados ao longo de oito anos.
Vale lembrar, como curiosidade, que Feuer (p. 100-109) desenvolve uma
argumentação segundo a qual impulsos emotivos conduziram
Einstein até a denominação teoria da relatividade.
Ele chama a atenção para o fato de que o escritor contemporâneo
preferido de Einstein era Thorstein Veblen, que tinha uma teoria sobre
o relativismo histórico. Uma assertiva originada nos trabalhos de
Marx, e usada por Veblen, estabelece que as leis econômicas não
são universalmente verdadeiras, mas são relativas a determinado
sistema social. Para reforçar parcialmente o ponto de vista de Feuer,
é interessante observar que em artigo comemorativo ao septuagésimo
aniversário de Einstein, Sommerfeld (Shilpp, p. 99-105) destaca
a má escolha do nome teoria da relatividade, chamando a atenção
para o fato de que no primeiro trabalho de Einstein, "Sobre a Eletrodinâmica
dos Corpos em Movimento", o conceito central é a independência
das leis naturais do ponto de vista do observador, e não a percepção
relativa de comprimento e duração. Em 1928, o próprio
Einstein reconheceu que "princípio da covariância" teria sido
uma denominação mais apropriada que "teoria da relatividade".
Teriam o ambiente sócio-cultural e o zeitgeist da sua geração
o influenciado nesse sentido? Feuer tenta convencer-nos que sim. O caráter
emocional do termo "relatividade" foi tão forte a ponto de justificar
a denominação, ainda mais artificial, de "teoria da relatividade
geral", ao invés de "teoria da gravitação".
Ref.?
Clique aqui
Portanto, a teoria
da relatividade geral trata de questões gravitacionais e cosmológicas,
entre as quais uma teve enorme repercussão, tanto no meio científico,
como no grande público, através da cobertura jornalística.
Refiro-me à previsão de Einstein, apresentada em artigo de
1911 ("Über den Einflub
der Schwerkraft
auf die Ausbreitung des Lichtes" - Sobre o efeito da gravidade na propagação
da luz), segundo a qual o campo gravitacional deveria provocar a curvatura
da luz. Sendo de pouca intensidade, o efeito só poderia ser detectado
com a observação de luz passando nas proximidades de um corpo
muito massivo. Durante o eclipse solar de 1919, observações
realizadas em Sobral, no Ceará, comprovaram a teoria de Einstein.
Ref.? Clique
aqui
O respeito
adquirido pela importância da sua produção intelectual
transformaram-no, em menos de cinco anos, de jovem marginalizado pela intelligentsia,
em scholar disputado para proferir conferências em eventos
de prestígio e para trabalhar em renomados centros de pesquisa.
Em 1909 recebe o primeiro doutoramento honoris causa, pela Universidade
de Genebra (nos anos seguintes Einstein recebeu dezenas de honrarias semelhantes).
Neste mesmo ano é nomeado Professor Assistente na Universidade de
Zurique. Em 1911 o imperador Francis Joseph assina um decreto nomeando
Einstein Professor Catedrático na Universidade Karl-Ferdinand, em
Praga. Em 1912 transfere-se para a ETH. Em 1913, aos 34 anos, Einstein
recebe, talvez, sua primeira grande consagração. Planck visita-o
em Zurique para fazer um convite irrecusável: ser membro da Real
Academia de Ciências da Prússia, e diretor do departamento
de pesquisa do Instituto Kaiser Wilhelm em Berlim. Logo depois, em 1916,
publica o artigo "Grundlage der allgemeinen Relativitätstheorie"
(Fundamentos da teoria da relatividade geral), e em 1921 ganha o Prêmio
Nobel de física.
Depois da relatividade geral Einstein investe numa área de trabalho
sem grande sucesso. Trata-se da sua teoria do campo unificado, uma síntese
da gravitação, do eletromagnetismo e da teoria quântica,
cujo primeiro trabalho ("Beweis für die Nichtexistenz eines überall
regulären zentrisch symmetrischen Feldes natch der Feldtheorie von
Kaluza" - Prova da não existência de um campo central
simétrico universalmente regular de acordo com a teoria de campo
de Kaluza) foi realizado com J. Grommer e publicado em 1923 na Scripta
Mathematica et Physica, da Universidade de Jerusalém.
Decepcionado com os seguidos insucessos ele escreve, em 1954, ao amigo
Michele Besso: "Admito como perfeitamente possível que a física
pode não estar fundamentada na noção de campo, isto
é, em elementos contínuos. Então não restará
nada da minha obra - incluindo a teoria da gravitação -,
e também praticamente nada da física moderna" (Speziali,
p.307).
Um mês antes da sua morte escreveu: "Parece duvidoso que uma teoria
de campos possa explicar a estrutura atomística da matéria
e a radiação, bem como os fenômenos quânticos.
Muitos físicos responderão com um convicto não porque
crêem que o problema quântico foi resolvido, em princípio,
por outros meios. Todavia, aconteça o que acontecer, resta-nos o
consolador ensinamento de Lessing: a aspiração à verdade
é mais preciosa do que sua posse garantida." (Pais, 1995, p.556).
|