Introdução à Astronomia de Posição

O simples ato de olhar para o céu noturno, em uma noite sem nuvens e longe das luzes da cidade, e nele identificar o grande número de estrelas de variados brilhos e cores, se constitui em uma forma primitiva de praticar a Astronomia de Posição. Quem não teve a experiência de ver uma "estrela cadente", ou presenciar subitamente algum fenômeno no céu (passagem de um satélite, balão meteorológico ou mesmo um avião, aparente mudança de brilho de uma estrela, etc) e tentar descrever a outra pessoa em que posição do céu isso aconteceu? Em geral, para o leigo, este tipo de experiência leva ao uso das mãos: a primeira reação é apontarmos para a direção onde se deu o fenômeno. Já outras pessoas podem tentar usar estrelas vizinhas ao ponto ou região do céu em questão. O fato é que a necessidade de localizar e identificar objetos no céu acompanha a civilização humana desde o seu início.

Na antigüidade, a identificação de estrelas específicas no céu logo ao anoitecer ou amanhecer, ou mesmo a posição do Sol no céu com relação a marcos de referência em terra eram usados para marcar a sucessão das estações de calor ou frio, de secas ou cheias. Para facilitar seu trabalho, muitos povos usavam as estrelas mais brilhantes do céu, juntamente com um pouco de imaginação, para formar figuras familiares, de animais conhecidos, figuras de sua mitologia, ou cenas cotidianas no céu noturno. Essas figuras, as constelações, já representam um avanço na prática da Astronomia de Posição. Ao invés de apontar o dedo na direção de um certo fenômeno ou objeto celeste, o reconhecimento das constelações no céu permitia localizar este fenômeno ou objeto simplesmente fazendo menção à constelação cujas estrelas o circundavam.

Apesar do apelo que têm junto às pessoas (todos nós já ouvimos falar de constelações como o Cruzeiro do Sul, Escorpião, Sagitário, Touro, etc) atualmente a Astronomia de Posição faz pouco uso delas. O motivo para o pouco uso das constelações pode ser conhecido se nos dispusermos a passar uma noite olhando para o céu e tentando identificar as constelações nele presentes com o auxílio de um mapa celeste. No mapa, as estrelas que compõem a figura de cada constelação estão ligadas por linhas, de forma que, com alguma boa vontade, podemos identificar as formas dessas figuras que lhes dão o nome. Mas ao olharmos para o céu noturno a coisa se complica e muito. O que vemos é simplesmente um monte de estrelas, algumas mais brilhantes, outras menos, algumas avermelhadas, outras azuladas ou bem brancas. Aquelas figuras marcadas na carta celeste simplesmente não se materializam facilmente aos nossos olhos no céu acima de nós. Uma explicação para este fato poderia ser a de que as constelações que os mapas celestes descrevem até hoje são as mesmas que os gregos e romanos antigos identificaram. Figuras como o Sagitário, Centauro, Pégaso, Andrômeda, Cassiopéia, etc, fazem parte da cultura deles e não da nossa! Mas a verdade é que somente com muito treino poderíamos começar a separar a confusão de estrelas que vemos no céu em figuras distintas, mesmo que tentássemos identificar coisas bem familiares no céu, como por exemplo, o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar, o elevador Lacerda em Salvador, o prédio do Congresso Nacional em Brasília, o mapa do Brasil, o símbolo da CBF, uma cuia de chimarrão, animais domésticos como cachorros, gatos, bois, o que for!

Atualmente, nós temos meios mais eficazes de localizar um astro no céu. Eficaz aqui significa objetivo e simples; na verdade tão objetivo e simples quanto a Matemática que aprendemos no ensino básico. A posição de um astro no céu pode ser estabelecida por meio de um sistema de coordenadas. Nos capítulos que seguem nós vamos descrever os sistemas de coordenadas mais usados em Astronomia de Posição, em especial o sistema horizontal de coordenadas e o sistema equatorial de coordenadas. Estes sistemas, assim como os demais que veremos adiante, são todos de um mesmo tipo: a posição de uma estrela no céu pode ser definida pela especificação do valor de dois ângulos, um deles contado ao longo de um plano de referência, variando de 0° a 360°, e o outro contado a partir deste mesmo plano, variando de -90° a 90°. Estes sistemas são chamados de sistemas de coordenadas esféricas.

Antes de introduzirmos os sistemas horizontal e equatorial de coordenadas, contudo, faz-se necessário estabelecer alguns conceitos elementares. Quando apontamos o dedo para alguma estrela, estamos escolhendo uma direção no espaço. Todos os pontos situados ao longo da reta que, partindo de nós, passa pelo nosso braço a atinge a estrela, estão na mesma direção no espaço. Mas onde ao longo desta reta está localizada a estrela? Esta pergunta é inteiramente análoga a perguntarmos "a que distância está essa estrela de nós?". Para uma estrela "próxima", o tamanho do segmento de reta que nos une a ela será menor do que no caso de uma estrela "distante". Uma mesma direção no espaço pode conter mais de uma estrela, situadas a diferentes distâncias.

O fato é que as estrelas estão tão distantes de nós que, para o efeito de sua localização no céu, podemos considerar que elas estão a uma distância infinita! O que queremos dizer com isso é que em Astronomia de Posição estamos apenas preocupados em caracterizar a direção na qual se encontram os astros. Não nos interessa aqui a sua distância, bastando para nós aceitar que esta distância é muito maior do que as distâncias com que lidamos em nossas vidas cotidianas, ou mesmo do que o tamanho da Terra. Essa conclusão nos permite definir então a esfera celeste. Trata-se de um conceito abstrato, mas muito importante: a esfera celeste nada mais é do que uma forma de atribuir uma forma material ao céu de um observador. A esfera celeste tem raio infinito e centro no observador. Mas como seu raio é infinito, qualquer observador situado sobre a superfície da Terra pode se considerar igualmente situado em seu centro. Qualquer objeto celeste (Sol, Lua, planetas, estrelas, o que for) em um dado instante está situado em um ponto da esfera celeste. Este ponto resulta do prolongamento ad infinitum da direção no espaço na qual vemos o objeto.

Podemos desenhar círculos na esfera celeste. O exemplo mais fácil é o círculo do horizonte. O horizonte é um círculo sobre a esfera celeste que a divide ao meio: o hemisfério que está acima do horizonte é a parte visível da esfera celeste. Só conseguimos ver no céu os astros que estão no hemisfério visível, acima do horizonte. A metade abaixo do horizonte, obviamente, não conseguimos observar. O Sol, por exemplo, quando está acima do horizonte de um observador, ilumina tudo à sua volta, caracterizando o dia; quando o Sol está abaixo do horizonte, temos obviamente menos claridade, o que significa uma situação de noite. Aos círculos que, como o horizonte, dividem a esfera celeste ao meio chamamos de grandes círculos ou círculos máximos. Ao longo do nosso estudo, deparar-nos-emos com outros exemplos de grandes círculos como o equador celeste e a eclítica. Estes serão discutidos em mais detalhe ao longo do curso, mas podemos adiantar que o primeiro divide a esfera celeste em dois hemisférios: o norte e o sul celestes. Já a eclítica é um grande círculo no céu percorrido pelo Sol ao longo de um ano. Na verdade, todos os pontos e círculos que definimos sobre a superfície da Terra podem ser prolongados ad infinitum até encontrarem a esfera celeste. Assim podemos não apenas falar de Equador celeste e de hemisférios norte e sul celestes, mas também de pólos norte e sul celestes, paralelos celestes (assim como os paralelos ao Equador da Terra) e meridianos celestes.

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