Observações Fundamentais para a Cosmologia

Profa. Thaisa Storchi Bergmann

Bibliografia de consulta: Capítulo 2 do livro de Barbara Ryden, Introduction to Cosmology, Wikipedia

O céu é escuro à noite

O fluxo de uma estrela de luminosidade L a uma distância r é dado por:

(1)   \begin{equation*}  f(r)=\frac{L}{4\pi r^2} \end{equation*}

Seja uma camada esférica de estrelas, de raio r e espessura dr, centrada na Terra (Fig. 2.1), do livro de Barbara Ryden. A intensidade da radiação desta camada de estrelas é:

(2)   \begin{equation*}  dJ(r)=\frac{Lndr}{4\pi}\left[erg\; cm^{-2}s^{-1}str^{-1}\right] \end{equation*}

Sendo n a densidade de estrelas em cada ângulo sólido:

(3)   \begin{equation*}  n=\frac{N}{dV}=\frac{N}{dAdr} \end{equation*}

onde dA é o produto entre r2 e o elemento de ângulo sólido dω. Assim:

(4)   \begin{equation*}  nr^2dr=\frac{N}{d\omega} \end{equation*}

Então a intensidade da radiação fica:

(5)   \begin{equation*}  dJ(r)=\frac{LN}{4\pi r^2d\omega} \end{equation*}

Fazendo r ir ao infinito, a intensidade total da luz tem o seguinte comportamento:

(6)   \begin{equation*}  J=\int dJ=\frac{nL}{4\pi}\int dr=\infty \end{equation*}

Este resultado é conhecido como o Paradoxo de Olbers: a intensidade total da luz tende ao infinito, ou seja, o céu deveria ser totalmente brilhante à noite, pois estaria coberto de estrelas. Toda as linhas de visada deveriam chegar até a superfície de uma estrela.

Solução do Paradoxo

Hipóteses erradas
  1. Temos as linhas de visada desobstruídas a todas as estrelas no Universo; isto não é verdade, algumas estrelas vão ficar atrás de outras mas se a distribuição de estrelas é infinita, isto não resolveria o paradoxo.
  2. A matéria interestelar esconderia cada vez mais as estrelas que estivessem mais distantes. Isso também não resolve, pois se as estrelas e a poeira estivessem distribuídas uniformemente, a poeira entraria em equilíbrio com as estrelas e brilharia também.
  3. Considera-se a densidade de estrelas n e sua luminosidade L como constantes em todo o Universo. Isto não é verdade. Se nL fosse proporcional r-2, por exemplo, não teríamos infinito para a intensidade total da luz, como vimos acima.
  4. O Universo é infinito. Se não for:

    (7)   \begin{equation*}  J=\frac{nLr_{max}}{4\pi} \end{equation*}

  5. O Universo tem idade infinita. Se não tiver:

    (8)   \begin{equation*}  J \approx \frac{nLct_0}{4\pi} \end{equation*}

    onde t0 = idade do Universo.

  6. Fluxo de uma estrela distante é dado pela equação 1, como sabemos. Isto vale para a geometria Euclidiana. Mas para um espaço que se curva e se expande isto não vale mais.
Fator principal para solução do Paradoxo

O Universo tem idade finita e existe uma distância limite, que é a “distância do horizonte”, a partir da qual a luz não teve tempo de chegar até nós. Uma maneira simples de quantificar isto é considerar um círculo com raio r = 1 parsec, que pode ser considerada como uma distância média entre as estrelas. Se a seção reta de uma estrela é πR2, onde R é o raio da estrela, o no. mínimo de estrelas necessário para preencher toda a área πr2, na hipótese de que nenhuma estrela fique atrás da outra, é:

(9)   \begin{equation*}  N=\frac{\pi(1pc)^2}{\pi R^2}=\frac{(3,086\times 10^{13}km)^2}{(700000km)^2}=2\times 10^{15} estrelas \end{equation*}

onde consideramos como raio típico de uma estrela o raio do Sol. A distância mínima r que devemos atingir no Universo para acumular este no. de estrelas, na hipótese de que nenhuma estrela fique atrás de outra é:

(10)   \begin{equation*}  N=nAr\to r=\frac{N}{nA} \end{equation*}

onde A é a área do círculo de 1 pc de raio e a densidade de estrelas n pode ser estimada como n = 1/pc3. Resulta então:

(11)   \begin{equation*}  r=\frac{2\times 10^{15}}{pc^{-3}\pi pc^2}=0,64\times 10^{15}pc=2,08\times 10^{15}al=1,5\times 10^5ct_0 \end{equation*}

onde t0 = 13,7×109 anos é a idade do Universo. Ou seja, para acumular 2×1015 estrelas, dentro de um círculo de 1 pc de raio, precisaríamos poder observar muito além do horizonte, que é a distância máxima que podemos observar no Universo, correspondente a distância percorrida pela luz desde o Big Bang.

Obs.: A distância do horizonte corresponde ao raio do Universo observável. Acredita-se que o Universo seja bem maior. Por exemplo, num modelo de Universo com inflação, no instante ti = 10-36s, a distância do horizonte era dhor(ti) = cti = 6×10-28m, mas logo após a inflação, 10-34s depois, a distância do horizonte ficou dhor(ti) = cti = 6×1016m = 0.8pc. Se calcularmos a velocidade do horizonte, obtemos uma velocidade muitas ordens de grandeza maior do que a velocidade da luz! Assim, a luz não teve tempo de percorrer ainda todo o Universo, e vemos somente uma parte dele.

Em grandes escalas o Universo é isotrópico e homogêneo

  • Isotrópico => não há direção preferencial, todas são equivalentes.
  • Homogêneo => não há lugar preferencial, todos são equivalentes.

A diferença entre isotropia e homogeneidade é mostrada na Fig. 2.3, do Livro de Bárbara Ryden.

Isso vale para distâncias a partir de 100Mpc (ordem dos diâmetros de superaglomerados de galáxias e dos vazios observados entre os aglomerados). Daí vem o Princípio Cosmológico: “Não há nada de especial sobre a nossa localização no Universo. Ela é equivalente a qualquer outra.”

As galáxias têm redshift proporcional à sua distância.

(12)   \begin{equation*}  z=\frac{\lambda_{obs-\lambda_{em}}}{\lambda_{em}} \end{equation*}

Obs.: Algumas poucas galáxias têm z < 0 (Grupo Local) mas todas as demais têm z > 0. Descoberta: Vesto Slipher em 1912.

Lei de Hubble (1929)

Edwin Hubble, medindo a velocidade das galáxias através do efeito Doppler da luz, descobriu que a velocidade das galáxias v = cz (para v << c) era proporcional à sua distância r:

(13)   \begin{equation*}  z=\frac{H_0r}{c} \end{equation*}

para z < 0.01, cz = v = H0r (Fig.2.4), do livro de Bárbara Ryden, onde H0 é a constante de Hubble e vale atualmente 72 ± 3 km s-1 Mpc-1.

A Lei de Hubble, à primeira vista, sugere que estamos num lugar privilegiado no Universo: todas as galáxias se afastam da nossa! Um pouco mais de reflexão mostra que uma expansão isotrópica e homogênea produz a mesma observação.

Matematicamente: sejam 3 galáxias 1, 2 e 3 separadas por:

(14)   \begin{equation*}  \setlength{\jot}{10pt} \begin{gathered} r_{12}=|\vec{r_1}-\vec{r_2}| \\ r_{23}=|\vec{r_2}-\vec{r_3}| \\ r_{31}=|\vec{r_3}-\vec{r_1}| \end{gathered} \end{equation*}

formando um triângulo. Uma expansão homogênea e uniforme significa que a forma do triângulo é preservada na expansão. Para mostrar a relação entre as distâncias num tempo t0 em relação às distâncias num tempo t num Universo em expansão fazemos:

(15)   \begin{equation*}  \setlength{\jot}{10pt} \begin{gathered} r_{12}(t)=a(t)r_{12}(t_0) \\ r_{23}(t)=a(t)r_{23}(t_0) \\ r_{31}(t)=a(t)r_{31}(t_0) \end{gathered} \end{equation*}

Sendo a(t) o fator de escala, que cresce com o tempo e t_0 é o tempo presente. Convencionou-se adotar para o tempo presente a(t_0) = 1, ou seja, expressamos o fator de escala de qualquer época em unidades do fator de escala do tempo presente. Como o fator de escala cresce com o tempo, e, quando olharmos para uma galáxia distante (na verdade, para qualquer galáxia!), estamos olhando para o passado, quando o Universo era menor, quando t <t_0, a(t) < a(t_0) e portanto a(t) < 1.

O fator de escala a(t) caracteriza a expansão homogênea e isotrópica do Universo. Em qualquer tempo t, um observador na galáxia 1 vai ver as outras galáxias se afastando com uma velocidade:

(16)   \begin{equation*}  \setlength{\jot}{10pt} \begin{gathered} v_{12}(t)=\frac{dr_{12}}{dt}=\dot{a}(t)r_{12}(t_0)=\frac{\dot{a}(t)}{a(t)}a(t)r_{12}(t_0)=\frac{\dot{a}(t)}{a(t)}r_{12}(t)=Hr_{12}(t) \\ v_{23}(t)=\frac{dr_{23}}{dt}=\dot{a}(t)r_{23}(t_0)=\frac{\dot{a}(t)}{a(t)}a(t)r_{23}(t_0)=\frac{\dot{a}(t)}{a(t)}r_{23}(t)=Hr_{23}(t) \\ v_{31}(t)=\frac{dr_{31}}{dt}=\dot{a}(t)r_{31}(t_0)=\frac{\dot{a}(t)}{a(t)}a(t)r_{31}(t_0)=\frac{\dot{a}(t)}{a(t)}r_{31}(t)=Hr_{31}(t) \end{gathered} \end{equation*}

onde:

(17)   \begin{equation*}  H=\frac{\dot{a}(t)}{a(t)} \end{equation*}

Lei de Hubble

(18)   \begin{equation*}  H=\frac{v}{r} \end{equation*}

Se as galáxias estão se afastando no presente, elas deviam estar mais próximas no passado. Na ausência de aceleração, podemos obter o tempo em que elas estavam todas juntas, que é o tempo de Hubble :

(19)   \begin{equation*}  t_0=\frac{r}{v}=\frac{r}{H_0r}=H_0^{-1} \end{equation*}

O valor de t_0 é 13,7 ± 1.4 Ganos (Giga-anos ou 109 anos) que é o tempo em que as galáxias deveriam estar todas juntas. Esta observação leva, naturalmente, a um modelo de um estado compacto inicial conhecido como Big Bang.

Observamos que, consistentemente, 13,7 Gyr é aproximadamente a idade dos objetos mais velhos do Universo. Entretanto, a idade do Universo não é necessariamente igual ao tempo de Hubble. A atração da gravidade produzida pela matéria deveria ter retardadado a expansão e o Universo deveria ter se expandido mais rapidamente no passado e seria mais jovem que H0-1. Por outro lado, hoje os astrônomos estão concluindo que a densidade de energia no Universo é dominada pela constante cosmológica que corresponde a uma força repulsiva, contrária à atração gravitacional, e isto pode levar a uma idade do Universo maior do que H0-1. O Modelo padrão, baseado em observações atuais do Universo, sugere que a idade do Universo é muito próxima a H0-1.

Distância de Hubble

A distância de Hubble, dH é obtida fazendo, na lei de Hubble, a velocidade ser igual à maior velocidade observável, que é a velocidade da luz c:

(20)   \begin{equation*}  d_H=\frac{c}{H_0}=4300\pm 400Mpc \end{equation*}

Exercício: Calcular o tempo e a distância de Hubble para H0 = 72 ± 3 km s-1 Mpc-1.

O tempo e a distância de Hubble são valores de referência, que dão a idade e tamanho aproximado do horizonte do Universo. Valores mais precisos dependem da história da expansão do Universo. Se a idade do Universo é t_0, a luz de galáxias mais distantes do que a distância de Hubble não teve tempo de chegar até nós. Observações mostram que a densidade de luminosidade do Universo é muito pequena: nL ~ 2×108 Lsol Mpc-3 e equivale a uma lâmpada de 40 Watts para iluminar uma esfera de 1 UA de raio!

Exercício: Calcular o fluxo total recebido de todas as das galáxias do Universo.

Solução:

(21)   \begin{equation*}  F_{gal}=4\pi J_{gal}\approx nL\int_0^{r_H}\, dr=nL\left(\frac{c}{H_0}\right)=9\times 10^{11}L_\odot Mpc^{-2}=2\times 10^{-11}L_\odot UA^{-2} \end{equation*}

Comparando com o fluxo que recebemos do Sol:

(22)   \begin{equation*}  F_\odot=\frac{L_\odot}{4\pi UA^2}\approx 0,08L_\odot UA^{-2}\to \frac{F_{gal}}{F_\odot}=3\times 10^{-10} \end{equation*}

ou seja, 10 ordens de grandeza menor que o fluxo de radiação que recebemos do Sol.

Exercício: Quanto maior/quanto mais velho teria que ser o Universo para que todos os lugares recebessem a mesma iluminação que a Terra?

Resposta: Como fluxo resulta proporcional a dH, esta teria que ser 1/(3×10-10) = 3,3×109 maior, ou seja, 3 bilhões de vezes maior e 3 bilhões de vezes mais velho (se as estrelas ficassem brilhando todo o tempo).

Dentro do modelo do Big Bang, as propriedades do Universo variam com o tempo (a densidade de matéria, por exemplo, que diminui com o tempo).

Porém, nos anos 1950 – 1960, havia muitos defensores do chamado Modelo do Estado Estacionário, que defendia o “Princípio Cosmológico Perfeito” onde a densidade de matéria deveria permanecer constante. Mas para isso seria necessário haver a criação de um átomo de hidrogênio por km3 por ano.

Exercício: Se o Universo está se expandindo, isto significa que os átomos, a Terra, o Sistema Solar e a Via Láctea estão ficando maiores?

Resposta (ver Raine & Tomas, an Introduction to Cosmology): Não! Estes objetos não se expandem porque são sistemas ligados por forças internas elétricas ou gravitacionais. Por exemplo: seja o potencial gravitacional da Via Láctea aproximado por:

(23)   \begin{equation*}  U=\frac{GM_G}{r_G} \end{equation*}

onde MG é a massa da galáxia e rG seu raio. A velocidade de escape vesc de uma massa de prova m fica:

(24)   \begin{equation*}  \frac{1}{2}mv_{esc}^2=\frac{GM_Gm}{r_G}\to v_{esc}=\sqrt{\frac{2GM_G}{r_G}} \end{equation*}

Mostre que, adotando MG = 1011MSol e rG = 50000 a.l., vesc = 4×10-3c. Podemos agora comparar esta velocidade com a velocidade de recessão da borda da galáxia em relação ao seu centro devida à expansão do Universo:

(25)   \begin{equation*}  v(km/s)=Hr_G \end{equation*}

Mostre que este valor resulta v = 3,7×10-6c, portanto 3 ordens de grandeza menor do que a velocidade de escape. Isto significa que a força gravitacional da galáxia domina sobre a expansão do Universo.

Exercício: Repita este cálculo para as galáxias dentro de um aglomerado de galáxias (M ~ 103MG e r ~ 200rG) e para os aglomerados de galáxias entre si (r ~ 3×200rG), e descubra qual é a escala de distância mínima em que podemos afirmar que a expansão do Universo domina sobre a força de atração gravitacional.