Observações Fundamentais para a Cosmologia (continuação)

Profa. Thaisa Storchi Bergmann

Bibliografia de consulta: Capítulo 2 do livro de Barbara Ryden, Introduction to Cosmology

Principais partículas que constituem o Universo

Bárions

São partículas “pesadas”.

Exemplo: prótons e nêutrons (ambos feitos de quarks). Os nêutrons decaem em 90 segundos se estiverem livres. Os prótons têm tempo de decaimento maior que a idade do universo.

Léptons

São partículas “leves”.

Exemplo: Elétrons.

O Universo é neutro, ou seja, o número de elétrons é igual ao número de prótons. Como a massa do próton é muito maior que a do elétron, a matéria do Universo como conhecemos, que é constituída de íons, átomos e moléculas, é chamada de matéria bariônica.

Setenta e cinco por cento da matéria bariônica do Universo é composta por H (Hidrogênio), vinte e três por cento por He (Hélio) e somente dois por cento são elementos mais pesados que H e He.

Neutrinos

Interagem fracamente com a matéria através da força nuclear fraca: um neutrino emitido pelo Sol precisaria passar por uma espessura de alguns parsecs (muito além do raio do Sistema Solar) de chumbo para ter 50% de chance de interagir com um átomo de chumbo. Ainda não se sabe o valor para sua massa.

Fótons

Fótons são fáceis de criar. Basta aquecer um material como o filamento de uma lâmpada incandescente. Se o objeto é opaco, prótons e nêutrons, elétrons e fótons vão entrar em equilíbrio térmico. Nesta situação, caracterizada por uma temperatura T, a densidade de energia e dos fótons só depende da temperatura:

(1)   \begin{equation*}  	\epsilon(v)dv=\frac{8\pi h}{c^3}\frac{v^3dv}{e^\frac{hv}{kT}-1} \end{equation*}

Distribuição de energia de Corpo Negro – Lei de Planck (ver Fig. 2.7), do livro de Bárbara Ryden.

onde:

(2)   \begin{equation*}  \setlength{\jot}{10pt} \begin{gathered} 	v=\frac{c}{\lambda} \\ 	hv_{max}=2,82kT \\ 	\lambda_{max}T=0,29cm.K \end{gathered} \end{equation*}

onde νmax é a freqüência correspondente ao máximo da distribuição ε(ν)dν e λmax é o comprimento de onda correspondente ao máximo da distribuição de ε(λ)dλ. A última expressão acima é conhecida como Lei do deslocamento de Wien (deslocamento do pico da distribuição conforme o valor da temperatura T).

A densidade total de energia emitida por um corpo negro é dada por:

(3)   \begin{equation*}  \setlength{\jot}{10pt} \begin{gathered} 	\epsilon_\gamma=\alpha T^4 \\ 	\alpha=\frac{\pi^2k^4}{15\bar{h}^3c^3}=7,56\times 10^{-16}Jm^{-3}K^{-4} \end{gathered} \end{equation*}

A densidade de fótons é dada por:

(4)   \begin{equation*}  \setlength{\jot}{10pt} \begin{gathered} 	n_\gamma=\beta T^3 \\ 	\beta=\frac{2,404}{\pi^2}\frac{k^3}{\bar{h}^3c^3}=2,03\times 10^7m^{-3}K^{-3} \end{gathered} \end{equation*}

E a energia média do fóton é: εmédia ~ 2,70 kT, semelhante à energia de pico do espectro (hνmax = 2,82 kT).

Exercício: Calcular a energia média dos fótons emitidos por nós (humanos). Solução: Se temos uma temperatura T = 310 K, então a εmédia ~ 2,70k(310K) ~ 0,072 eV, assim λ = 1,7×10-5 m.

Exercício: Fazer este cálculo para o Sol, assumindo T = 5800 K.

Matéria escura

Desde a década de 1970, os astrônomos concluíram que o potencial gravitacional das galáxias e aglomerados de galáxias são dominados por algo que não vemos, e que por isto chamamos de “Matéria Escura”. Veja em http://www.if.ufrgs.br/~thaisa/materia-escura-e-cosmologia/ uma descrição das evidências observacionais da presença de matéria escura no Universo. Hoje em dia, sabemos que ela constitui cerca de 26% do conteúdo de matéria e energia do Universo, comparado com 4% que é a contribuição da matéria bariônica (galáxias, estrelas, planetas, enfim o que conhecemos do Universo). Portanto, a matéria escura domina a gravitação no Universo, e nas simulações cosmológicas é muito mais importante na evolução do Universo do que a matéria bariônica (que, em geral, nem entra nas simulações, pois sua contribuição relativa seria de somente 4/26 = 15%).

Já se cogitou que ela poderia ser formada por planetas, estrelas anãs marrons (que emitem pouca luz), mas observações (envolvendo efeitos de microlentes gravitacionais) têm descartado que tais objetos contribuam de forma importante para produzir os efeitos observacionais encontrados.

Os candidatos mais cotados são partículas massivas pouco interagentes conhecidas como WIMPS – do inglês Weak Interacting Massive Particles. Seriam semelhantes aos neutrinos (mas mais massivos), que interagem só através da força fraca e gravitacional.

A radiação cósmica de fundo (CMB)

Descoberta acidentalmente por Penzias & Wilson em 1965, depois mapeada com o satélite COBE e mais recentemente com o satélite WMAP, esta radiação permeia o Universo e apresenta um espectro de corpo negro à temperatura T = 2,725 ± 0,001 K. Usando então as expressões válidas para um corpo negro, podemos obter sua densidade de energia:

(5)   \begin{equation*}  	\epsilon_\gamma=\alpha T^4=4,17\times 10^{-14}Jm^{-3} \end{equation*}

Podemos comparar a densidade de energia na radiação de fundo com a densidade de energia na radiação emitida pelas estrelas e galáxias:

(6)   \begin{equation*}  \setlength{\jot}{10pt} \begin{gathered} 	nL=2\times 10^8L_{Sol}Mpc^{-3}=2\times 10^8\times 3,8\times 10^{26}Js^{-1}\times (3.086\times 10^{22}m)^{-3} \\ 	nL=2,59\times 10^{-33}Js^{-1}m^{-3} \end{gathered} \end{equation*}

Mas esta é uma densidade de luminosidade, e não de energia. Multiplicando pela idade do Universo:

(7)   \begin{equation*}  	\epsilon_*=nLt_H=2,59\times 10^{-33}Js^{-1}m^{-3}\times 13,7\times 10^9anos\times 365,25\times 24\times 3600s=1,12\times 10^{-15}Jm^{-3} \end{equation*}

ou seja, a densidade de energia na radiação emitida pelas estrelas é cerca de 3% somente da densidade de energia na radiação de fundo, e a densidade de energia contida em radiação no Universo é dominada pela radiação de fundo.

Podemos também calcular a densidade de fótons:

(8)   \begin{equation*}  	n_\gamma=\beta T^3=4,11\times 10^8m^{-3} \end{equation*}

Ou seja, existem 411 milhões de fótons da radiação de fundo em cada metro cúbico do Universo!

E a energia média por fóton é eg/ng:

Emédia = 6,34×10-4 eV, que corresponde a um comprimento de onda λ = 2mm.

Exercício: Provar a afirmação acima.

A CMB pode ser explicada, e inclusive é predita, pelo modelo de Big Bang, no qual o Universo era muito quente e denso no seu início, com um espectro de corpo negro. Depois de terem se formado todas as partículas do Universo, a matéria bariônica estava inicialmente toda ionizada e os elétrons livres espalhavam a radiação. À medida que o Universo expandia, se esfriava. Quando a temperatura baixou a T ~ 3000 K, os elétrons se combinaram com os átomos e a radiação começou a escapar. O Universo “ficou transparente” e os fótons puderam escapar porque deixaram de interagir com os elétrons livres, que foram capturados pelos átomos. Diz-se que, neste instante, houve o desacoplamento da matéria e da radiação e a CMB é esta radiação que observamos agora, muito mais fria (3000 K → 2,725 K), devido à expansão do Universo.

Para entender a queda de temperatura T, da radiação de fundo, consideremos uma região do Universo com volume V proporcional ao fator de escala do Universo ao cubo: a(t)3. Neste volume, a densidade de energia é eγ = αT4 e a pressão dos fótons é Pγ = eγ/3. Pela primeira lei da termodinâmica, dQ = dE + PdV: quantidade de calor que flui para dentro ou para fora do volume V.

Num Universo homogêneo, não há fluxo de calor entre regiões (tudo tem a mesma T), ou seja, dQ = 0. Então:

(9)   \begin{equation*}  \setlength{\jot}{10pt} \begin{gathered} 	\frac{dE}{dt}=-P(t)\frac{dV}{dt} \\ 	E=\epsilon_\gamma V=\alpha T^4V \\ 	P=\frac{\epsilon_\gamma}{3}=\frac{\alpha T^4}{3} \end{gathered} \end{equation*}

Substituindo as duas últimas na primeira equação:

(10)   \begin{equation*}  	\alpha 4T^3\frac{dT}{dt}V+\alpha T^4\frac{dV}{dt}=-\frac{\alpha T^4}{3}\frac{dV}{dt} \end{equation*}

Dividindo tudo por αT3 e rearranjando:

(11)   \begin{equation*}  \setlength{\jot}{10pt} \begin{gathered} 	4\frac{dT}{dt}V=-T\frac{dV}{dt}-\frac{T}{3}\frac{dV}{dt}=-\frac{4}{3}T\frac{dV}{dt}\to V\frac{dT}{dt}=-\frac{T}{3}\frac{dV}{dt} \\ 	\frac{1}{T}\frac{dT}{dt}=-\frac{1}{3V}\frac{dV}{dt} \end{gathered} \end{equation*}

Como V = cte = a(t)3, substituindo acima resulta:

(12)   \begin{equation*}  \setlength{\jot}{10pt} \begin{gathered} 	\frac{1}{T}\frac{dT}{dt}=-\frac{1}{a}\frac{da}{dt} \\ 	\frac{d}{dt}\left(ln(T)\right)=\frac{d}{dt}\left(ln(a)\right) \end{gathered} \end{equation*}

Assim: T(t) resulta proporcional a a(t)-1.

Na época do desacoplamento, T = 3000 K. Na época atual T0 = 2,725 K. Assim, podemos calcular a variação no fator de escala do Universo:

(13)   \begin{equation*}  	\frac{T}{T_0}=\frac{3000K}{2,725K}=\frac{a_0}{a}=1100 \end{equation*}

O fator de escala aumentou de um fator de 1100 desde o desacoplamento até agora, ou seja, na época do desacoplamento o Universo era 1100 vezes menor.