4. Exemplos de projetos do CTA

Abaixo são apresentados alguns dos principais projetos do Centro de Tecnologia Acadêmica que se enquadram na modalidade de tecnologias fim, como descrito anteriormente. Tais iniciativas ilustram a criação da infraestrutura para o desenvolvimento de hardware aberto e livre, projetos pedagógicos para uso em laboratórios de ensino e pesquisa, assim como projetos de ciência cidadã.

4.1 TropOS: o Sistema Operacional PorTátil do Laboratório Livre

A maioria das atividades realizadas pelo CTA, tanto locais como as externas, necessitam do uso do computador. Uma grande dificuldade encontrada para a realização de oficinas refere-se à garantia dos computadores executarem as mesmas versões dos softwares necessários para a oficina. A saída encontrada para isto foi a personalização de uma distribuição GNU/Linux executada diretamente a partir de um pendrive que contém todas as ferramentas de softwares necessárias para as atividades. A nossa versão do GNU/Linux é chamada TropOS1.

A uniformidade nas versões dos softwares rodando nos pendrives permite que as soluções pudessam ser facilmente compartilhadas por todos durante um curso, por exemplo. Devido ao seu desenvolvimento ser razoavelmente genérico sem apresentar dependência em hardware específico para o seu funcionamento, espera-se que o TropOS funcioner em qualquer computador pessoal compatível com arquitetura PC de 32-bit - que são praticamente todos os computadores pessoais. Com esta abordagem, é necessário manter um único sistema ao mesmo tempo em que existem muitos usuários para testá-la, tornado simples a verificação de problemas e o auxilio aos usuários.

O TropOS é uma distribuição GNU/Linux baseada no Debian2 feita especialmente para Laboratórios Pesquisa e Ensino. Esta distribuição acompanha pacotes específicos para atividades de pesquisa científica e ensino de física, astronomia, eletrônica, matemática, geografia, geologia e atividades artísticas. É um sistema operacional completo que pode ser utilizado sem a necessidade de instalação no computador, basta executá-lo através da inicialização do sistema a partir de pendrive inicializável. É ótimo para um primeiro contato com um sistema operacional livre sem a necessidade de instalá-lo e com a conveniência de permitir a instalação de mais programas. As informações de como criar um pendrive com o TropOS ou até mesmo como criar uma nova versão personalizada do Debian estão disponíveis na Wiki do TropOS. Também são disponibilizados fóruns e as demais estruturas comuns aos projetos mantidos pelo CTA para formação de comunidade.

4.2 Fresadora PCI João-de-barro

A primeira contribuição do CTA para as máquinas de fabricação digital da Bancada de Hiperobjetos consiste em uma máquina de prototipagem ou fabricação em pequena escala de placas de circuitos eletrônicos: a Fresadora PCI João-de-barro 3. Dada a existência de impressoras 3D de baixo custo, consideramos a fresadora de placas de circuito impresso (PCI) o próximo passo no desenvolvimento da bancada. Ela se enquadra em custo e nível de complexidade um pouco superior às impressoras 3D, mas bem inferior aos de máquinas CNC's (do inglês Computer Numeric Control, ou controle numérico computadorizado) de maior porte como aquelas para corte de peças metálicas, tais como engrenagens, que serão desenvolidas como HAL no futuro próximo.

Fresadoras equivalentes atualmente encontradas no mercado possuem um preço elevado, o que impossibilita que escolas, laboratórios de ensino, pequenos laboratórios de pesquisa e desenvolvimento, oficinas e hackerspaces disponham de uma. O método convencional para a produção de placas de circuito impresso consiste na corrosão química da camada de cobre da placa seguida pela furação manual para fixação dos terminais dos componentes eletrônicos. É um processo lento e trabalhoso, de risco considerável, potencialmente nocivo ao meio ambiente, cuja complexidade pode comprometer a qualidade dos protótipos.

O baixo custo de fabricação da Fresadora PCI João-de-Barro, sua precisão e qualidade e seus atributos de HAL se apresentam como uma solução aos problemas apresentados. O projeto está disponível de maneira aberta e livre para a comunidade. Por ser um hardware aberto e livre (HAL), sua documentação está licenciada sob termos da licença de hardware aberto do CERN Ver. 1.24, o que permite que qualquer interessado possa usar, estudar, fabricar, comercializar e modificar sua versão da Fresadora PCI João-de-Barro desde que respeite os termos da licença. Além disso, os softwares necessários para sua operação - KiCad, FlatCam, Universal G-Code Sender - são todos livres.

A Fresadora PCI João-de-barro é uma máquina capaz de criar trilhas e realizar a furação em placas de circuito impresso para confecção de equipamentos eletrônicos através de comandos numéricos computadorizados (sigla CNC). Tais trilhas criam o isolamento necessário para que haja contato elétrico apenas entre componentes desejados a serem posicionados e soldados posteriormente na placa de circuitos. Em analogia ao pássaro que constrói seu ninho e simboliza a ideia de liberdade, a Fresadora ganhou o nome de João-de-Barro, fazendo ainda menção à origem gaúcha da máquina.

O primeiro protótipo da Fresadora PCI João-de-barro
Figure: O primeiro protótipo da Fresadora PCI João-de-barro

O seu desenvolvimento teve como objetivo projetar a máquna para que seja de fácil fabricação e manutenção, baixo custo, fácil obtenção das peças, sem comprometer sua qualidade. É robusta, com precisão de 12.5 micrômetros e área de trabalho de 200 mm x 150 mm. É capaz de fresar sua própria placa de controle, o que facilita seu processo de replicação. Agilizando e facilitando o processo de prototipagem, com ela foi possível produzir várias placas de diferentes projetos do CTA5, cujos projetos estão todos disponíveis como hiperobjetos. Após o lançamento da primeira versão, seu desenvolvimento continua e pode ser acompanhado pelo fórum6. O projeto de uma fresadora mais robusta para usinagem de materiais mais resistentes como plástico e até metais está sendo elaborada.

4.3 Shield Arduino Básico

O Arduino é uma placa de prototipagem de eletrônicos de código aberto que tem popularizado o desenvolvimento de projetos digitais. Se mostrou uma porta de entrada para entusiastas interessados em eletrônica e programação, de modo que são usuais as oficinas de Arduino em escolas, eventos e feiras de tecnologias. O CTA oferece regularmente oficinas de introdução ao Arduino e seus participantes identificaram a familiarização com a protoboard e a montagem de circuitos eletrônicos simples como sendo a etapa limitante destas atividades, mesmo quando o foco é a programação do dispositivo. Assim decidiu-se criar o Shield Arduino Básico 7 que consiste em um projeto de uma placa dedicada à introdução à programação para uso em oficinas de Arduino que dispunham de curtos períodos de tempo sem que necessitasse da montagem de um circuito eletrônico simples numa placa de ensaio (protoboard). A placa foi desenhada com o auxílio do software livre KiCAD e pode ser confeccionada com a Fresadora PCI João-de-Barro.

Este projeto consiste de uma placa de circuito impressa que, integrada à placa Arduino, fornece um instrumento para programação básica e aquisição de dados utilizando o Arduino. O Shield Arduino Básico permite que o usuário realize todas atividades de exemplo da plataforma Arduino, tais como controlar LED's (diodo emissor de luz, ou Light Emitting Diode do inglês) e adquirir dados de luminosidade através de um resistor dependente de luz (LDR, ou Light Dependent Resistor).

Assim, o Shield Arduino Básico possibilita a inserção de um instrumento de ensino tecnológico básico em diversos espaços e atividades pedagógicas de forma prática e com baixo custo. A plataforma Arduino em si trouxe um grande avanço no acesso à educação tecnológica, e o Shield traz suporte a essa plataforma. A documentação livre do projeto, além de seu desenvolvimento através de ferramentas livres, torna o Shield Arduino Básico um hardware aberto e livre (HAL), atingindo um dos objetivos do Centro de Tecnologia Acadêmica.

4.4 Shield amplificador de instrumentação

O Shield Amplificador de Instrumentação foi desenhado para amplificação e aquisição de dados correspondente a sinais de baixa intensidade com um Arduino em um sistema de alto desempenho e baixo custo. Permite a amplificação de sinais negativos, que, através de um bit de sinal e um retificador ideal, duplica a resolução da conversão analógica digital do Arduino para sinais alternados. Este projeto foi desenvolvido em uma parceria entre o Setor de Eletrônica do Instituto de Física e o Centro de Tecnologia Acadêmica da UFRGS para apoiar as atividades do curso de Instrumentação Física oferecido para estudantes de Bacharelado em Engenharia Física, mas tem potencial aplicação em outras áreas de engenharias e de nível técnico. As características do projeto o tornam ideal para a utilização em projetos científicos e tecnológicos.

Shield amplificador de instrumentação com indicação das suas conexões
Figure: Shield amplificador de instrumentação com indicação das suas conexões

O repositório do projeto8 contém os arquivos fonte do esquemático e placa de circuito impresso em projeto KiCAD, que foi projetada para ser facilmente confeccionada com a Fresadora PCI João-de-Barro. O projeto está disponível sob os termos da Licença de Hardware Aberto do CERN ver 1.2. Além disso, o repositório contém notas técnicas com descrições do funcionamento dos principais estágios do circuito e orientações para sua calibração.

4.5 Estações meteorológicas modulares

Fenômenos extremos, tanto naturais como de origem antropogênica cada vez mais despertam as atenções em todo o mundo, tanto pelo aumento de frequência como da sua severidade. Vivemos em um tempo no qual ações são necessárias a fim de reduzir os impactos negativos das ações humanas no planeta. Para que estas atitudes sejam conscientes e esclarecidas, é importante trazer à atenção do cidadão as questões climáticas e ambientais.

O projeto das Estações Meteorológicas Modulares visa a atingir este objetivo através do engajamento cidadão em ações de monitoramento climático e ambiental, pela aplicação de estações meteorológicas modulares na formação de redes de coleta e análise de dados meteorológicos e ambientais. É fruto de uma parceria entre o CTA, o Colégio de Aplicação (CAp) e o Centro Estadual de Pesquisa em Sensoriamento Remoto e Meteorologia (CEPSRM) da UFRGS. Esperamos que dê origem a uma rede de coleta de dados meteorológicos mais densas que aquelas compostas por estações institucionais, que seja capaz de monitorar microclimas com instrumentos abertos, de baixo custo e fácil reprodução e cujos resultados de medidas sejam disponíveis abertamente.

Com essas condições favoráveis satisfeitas, esperamos que estes instrumentos sejam instalados também em instituições de capacidade financeira mais modestas como escolas, institutos de pesquisa, propriedades rurais, associações de moradores. Em ambientes escolares, a instrumentação da estação ou partes dela poderão ser utilizadas para aquisição de dados ao mesmo tempo em que são utilizadas em atividades de ensino e pesquisa. Além disso, a utilização dos instrumentos em atividades pedagógicas tem grande potencial na formação de cidadãos capazes de estudar e modificar, operar e calibrar a estação, qualificando-os para manter a rede de monitoramento climática e ambiental como também para o desenvolvimento de novas tecnologias a partir das habilidades adquiridas.

Essa participação cidadã pode ser chamada de ciência cidadã, que se enquadra em um caso específico de crowdsourcing, que pode ser entendido de maneira simplificada como processo de construção pelas multidões9. Esta abordagem expande o trabalho que teoricamente poderia ser feito por um grupo limitado de pessoas para uma comunidade aberta. A ciência cidadã recai no caso específico da contribuição de "cidadãos voluntários" na obtenção de dados, resultados e interpretações. A participação cidadã em massa é um o processo que viabiliza iniciativas científicas que apresentariam custos proibitivos ou mesmo que seriam impraticáveis sem essa colaboração (SOARES; SANTOS, 2011).

Representação de protótipo da EMM tipicamente utilizado em oficindas.
Figure: Representação de protótipo educacional uma Estação Meteorológica Modular em protoboard

A documentação do projeto é distribuída sob a licença Creative Commons BY-SA 4.0, pode ser encontrada na wiki do projeto10 onde constam os materiais de desenvolvimento como o firmware do Arduino e o código python para a coleta de dados, o desenho do suporte e abrigo da estação, desenhado pelos estudantes do CAp, assim como os diagramas dos circuitos eletrônicos, como ilustrado na figura. A versão mais atual da estação é capaz de monitorar temperatura, pressão, umidade relativa do ar e luminosidade e compartilhar os dados coletados através do servidor de dados abertos do CTA. A modularidade possibilita a adição e seleção de módulos à EMM, permitindo a adaptação do projeto para medição de outros parâmetros assim como para aplicações distintas de acordo com as demandas locais.

Os trabalhos desenvolvidos até o momento resultaram no artigo "Estações meteorológicas de código aberto: Um projeto de pesquisa e desenvolvimento tecnológico" (SILVA et al., 2015), publicado na Revista Brasileira de Ensino de Física em Março de 2015. O artigo descreve o desenvolvimento da Estação Meteorológica Modular, a calibração dos sensores e a comparação entre medidas obtidas com o primeiro protótipo da EMM e com uma estação meteorológica do CEPSRM.

Notas:

1. TropOS - o Sistema Operacional PORTátil do laboratório livre. Disponivel em: http://cta.if.ufrgs.br/tropos. Acessado em 4 de Janeiro de 2016.
2. Debian, O sistema operacional universal;
3. Fresadora João-de-Barro. Disponível em: http://cta.if.ufrgs.br/pcijb. Acessado em 7 de Janeiro de 2016.
4. CONSEIL EUROPÉEN POUR LA RECHERCHE NUCLÉAIRE, CERN Open Hardware Licence v1.2. Disponível em: http://www.ohwr.org/documents/294. Acessado em 7 de Janeiro de 2016.
5. Lista de placas criadas para a Fresadora PCI João-de-Barro. Disponível em:http://cta.if.ufrgs.br/projects/fresadora-pci-joao-de-barro/wiki/Lista_de_placas_-_Fresadora_PCI_João-de-Barro. Acessado em 7 de Janeiro de 2016.
6. Estado atual do desenvolvimento da JB. Disponível em: http://cta.if.ufrgs.br/boards/4/topics/5. Acessado em 7 de Janeiro de 2016.
7. Shiels Arduino Básico. Disponível em: http://cta.if.ufrgs.br/projects/shield-arduino-basico/wiki/. Acessado em 8 de Janeiro de 2016.
8. Centro de Tecnologia Acadêmica IF/UFRGS. https://git.cta.if.ufrgs.br/CTA/shield-AI. Acessado em 25 de Agosto de 2015.
9. HOWE, J. (2006a) ‘Crowdsourcing: A Definition’, Crowdsourcing: Tracking the Rise of the Amateur (weblog, 2 June). Disponível em: http://crowdsourcing.typepad.com/cs/2006/06/crowdsourcing_a.html. Acesso em: 04 nov. 2015.
10. Estações meteorológicas Modulares: monitoramento climático e ambiental. Disponível em: http://cta.if.ufrgs.br/projects/estacao-meteorologica-modular/wiki/Wiki. Acessado em 4 de Janeiro de 2016.
11. FREE SOFTWARE FOUNDATION. O que é software livre? Diponível em : https://www.gnu.org/philosophy/free-sw.html. Tradução: Rafael Beraldo. Acessado em 4 de Janeiro de 2016.
12. Fab Lab. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fab_lab. Acessado em 7 de Janeiro de 2016