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Resenha do livro Sutil é o Senhor... de Abraham Pais, tradução de Fernando Parente e Viriato Esteves. Editora Nova Fronteira
Publicado em Zero Hora (Caderno Cultura), Porto Alegre 08/07/95

Grande parte do atual estágio tecnológico é conseqüência direta daquilo que hoje se denomina física moderna, a revolução científica iniciada em fins do século passado. Em várias etapas desse processo revolucionário, vê-se a significativa participação de Einstein. É verdade que ele tornou-se mundialmente popular pela sua teoria da relatividade, mas suas contribuições não são menos importantes em outras áreas da física. Em 1905, além de dois artigos sobre a teoria da relatividade restrita, ele foi o responsável pela introdução do revolucionário conceito de quantum de luz, ao explicar o mistério que rondava o efeito fotoelétrico desde 1887. Como se isso fosse pouco, ele explicou o movimento browniano, outro desafio que persistia desde o início do século 19. Incluindo a tese de doutoramento, apresentada à Universidade de Zurique, Einstein produziu seis magníficos trabalhos naquele anno mirabile. Ninguém, antes ou depois, alargou tanto os horizontes da física em tão curto espaço de tempo.

Essa fantástica contribuição ao avanço da ciência foi apresentada por um jovem de 26 anos, vivendo à margem da sociedade burguesa e enfrentando todo tipo de adversidade material e preconceito racial. Do nascimento em Ulm (1879), pequena cidade ao sul da Alemanha, à juventude em Zurique, Einstein, para usar um dito popular, comeu o pão que o diabo amassou. Entre mudanças de cidades e falências das empresas do seu pai, Einstein enfrentou o autoritarismo da escola secundária alemã, e os preconceitos à sua condição de judeu. Em 1896, após a conclusão do secundário, é aceito no Instituto Politécnico Federal da Suíça, o ainda hoje famoso ETH (Eidgenössisch Technische Hochschule) de Zurique. Ali torna-se grande amigo de Marcel Grossmann, que, aluno aplicadíssimo, emprestava seus cadernos para que Einstein pudesse preparar-se para os exames. Em 1905, Einstein dedica-lhe a tese de doutoramento. Entre seus colegas de classe, uma jovem de origem sérvia, Mileva Maric, virá a ser sua primeira mulher, com quem terá dois filhos: Hans Albert (1904-1973) e Eduard (1910-1965).

Para fugir ao tédio das monótonas aulas no ETH, Einstein decide gazeteá-las, aproveitando o tempo livre para ler obras de física teórica. Devora livros e mais livros que seus professores deixavam de lado: Boltzmann, Helmholtz, Hertz, Kirchhoff, Maxwell. . . Ao concluir o curso, em agosto de 1900, tenta ocupar o cargo de assistente do seu ex-professor Hurwitz, mas perde o emprego`por influência do seu ex-orientador, H.F. Weber; começam aqui as manifestações de má vontade de seus ex-professores.

Em 1901 Einstein consegue apenas empregos temporários, como professor substituto em escolas secundárias, onde aproveita o tempo para iniciar suas investigações científicas. Escreve uma tese de doutoramento, que não foi aceita pela Universidade de Zurique (uma nova tese viria a ser aceita em 1905). Com a ajuda do pai de Marcel Grossmann, Einstein recebe a promessa do seu primeiro emprego permanente, no Departamento Suíço de Patentes. Antes mesmo de ser convocado para uma entrevista, ele pede demissão de um emprego numa escola particular, em Schaffhausen, e se instala em Berna em fevereiro de 1902. Cria, com os amigos Conrad Habicht e Maurice Solovine, a Akademie Olympia. Ao lado de Paul Habicht, Michele Besso e Marcel Grossmann, esse grupo de boêmios, recém-formados procura de emprego, constitui uma contra-cultura das mais profícuas da história da ciência. Pode-se comparar a Akademie Olympia ao grupo de discussão liderado por Freud, que na mesma época se reunia em Viena. As discussões na academia giravam em torno de ciência, filosofia e política, a partir das idéias de Marx, Mach, Spinoza, Poincaré, Sófocles, etc. Com esses colegas, Einstein discute seus primeiros trabalhos sobre a teoria da relatividade restrita.

A teoria da relatividade geral surge em 1907, num artigo de revisão da relatividade restrita, e se consolida a partir de 1916, quando Einstein publica o primeiro trabalho sistemático sobre a sua nova teoria. Na revisão de 1907 ele introduz sua equação mais popular, E=mc2, e discute a deflexão da luz pela ação de um campo gravitacional. A comprovação desse fenômeno, durante o eclipse solar de 1919 - observado por duas expedições inglesas: na ilha do Príncipe, sob a coordenação de Sir Arthur Stanley Eddington, e em Sobral, no Ceará, sob a coordenação de Andrew Crommelin -, transforma Einstein numa personalidade internacionalmente conhecida. Jornais do mundo inteiro estampam manchetes alusivas ao eclipse e ao triunfo de Einstein.

Quando Einstein ocupa seu primeiro emprego universitário, em 1909 (Universidade de Zurique), já é respeitado pela comunidade científica européia. Entre 1910 e 1922, é indicado anualmente para receber o Prêmio Nobel de Física (excetuando-se 1911 e 1915), sendo agraciado em 1922 com o prêmio correspondente ao ano de 1921, que havia sido adiado. Ironicamente, o primeiro a indicá-lo foi Friedrich Whilhelm Ostwald, que o rejeitara, em 1901, para um cargo de assistente na Universidade de Leipzig. Em 1914, é nomeado diretor do Instituto de Física Kaiser Wilhelm, professor da Universidade de Berlim e pesquisador da Academia Prussiana de Ciências, ali permanecendo até 1933, quando emigra definitivamente para os Estados Unidos, fugindo da perseguição nazista. é imediatamente nomeado professor no Instituto de Estudos Avançados em Princeton, ali permanecendo até a data do seu falecimento: 18 de abril de 1955.

Esses e outros importantes fatos são apresentados na magnífica obra de Abraham Pais, "Sutil é o Senhor...": A Ciência e a Vida de Albert Einstein, recomendável para a biblioteca de qualquer pessoa culta, e obrigatória na cabeceira de qualquer cientista. Entre todos os que escreveram sobre Einstein - certamente o físico mais biografado de todos os tempos - Abraham Pais parece ser o mais qualificado. Físico teórico de reconhecida competência, professor emérito da Universidade Rockefeller, Nova York, Pais conviveu com Einstein de 1946 a 1955.

Todavia, apesar de inegável fonte bibliográfica, o livro apresenta um inconveniente para o leigo, que não entende e certamente não está interessado nas complicadas equações apresentadas ao longo das mais de 600 páginas. A propósito, Pais acaba de publicar nos Estados Unidos o livro Einstein Lived Here (New York: Oxford University Press, 1994), escrito para complementar Sutil é o Senhor..., e tratar a obra científica de Einstein sob um enfoque qualitativo e mais acessível a todos os leitores. Além disso, Pais prioriza nesse novo livro a dimensão humana da vida de Einstein, discutindo inclusive o fato, desconhecido até 1986, do nascimento e provável morte de Lieserl, uma filha que Einstein e Mileva tiveram antes do casamento.

A respeito do título da presente resenha, trata-se de uma adaptação de uma frase atribuída a Einstein pelo The New York Times, em 12 de março de 1944: "Por que ninguém me entende e todos gostam de mim?" Aliás, já em 1919 o Times repercutia esse tipo de sentimento: quando um jornalista pediu a Einstein uma descrição do seu trabalho que fosse acessível a mais de doze pessoas, "o doutor riu amigavelmente, mas insistiu na dificuldade de se fazer compreender por leigos"; em 18 de novembro o Times pediu aos leitores para não se sentirem ofendidos pelo fato de apenas doze pessoas poderem compreender a teoria do "subitamente famoso doutor Einstein".

O alerta não vale apenas para os leigos. Para os físicos não-especialistas em teoria da relatividade é igualmente muito difícil compreendê-la. De qualquer forma, pela genialidade das suas descobertas científicas, e pelo contexto humano da sua vida, o personagem Einstein merece ser bem conhecido por todos.


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