Resenha de julho/2000
C.A. dos Santos
Instituto de Física - UFRGS
Escreva-me, críticas e comentários são bem-vindos

 
 

Resumo das principais discussões do livro IMPOSTURAS INTELECTUAIS

SOKAL, Alan, BRICMONT, Jean. Imposturas intelectuais. Rio de Janeiro: Record, 1999. Publicado originalmente em francês sob o título Impostures intellectuelles, em 1997.

Resenha elaborada por Letícia Strehl,
Bibliotecária do Instituto de Física da UFRGS
Estudante de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação (PPGCom) - UFRGS

A história deste livro começa com uma farsa. Durante anos, fomos ficando escandalizados e angustiados com a tendência intelectual de certos círculos da academia americana. Vastos setores das ciências sociais e das humanidades parecem ter adotado uma filosofia que chamaremos, à falta de melhor termo, de "pós-modernismo": uma corrente intelectual caracterizada pela rejeição mais ou menos explícita da tradição racionalista do Iluminismo, por discursos teóricos desconectados de qualquer teste empírico, e por um relativismo cognitivo e cultural que encara a ciência como nada mais que uma "narração", um "mito" ou uma construção social entre muitas outras.

Para responder a esse fenômeno, um de nós (Sokal) decidiu tentar uma experiência não-científica mas original: submeter à apreciação de uma revista cultural americana da moda, a Social Text, uma caricatura de um tipo de trabalho que havia proliferado em anos recentes, para ver se eles o publicariam. O artigo, intitulado "Transgredindo as fronteiras: em direção a uma hermenêutica transformativa da gravitação quântica", está eivado de absurdos e ilogismos flagrantes. Ademais, ele defende uma forma extrema de relativismo cognitivo: depois de ridicularizar o obsoleto "dogma" de que "existe um mundo exterior, cujas propriedades são independentes de qualquer indivíduo e mesmo da humanidade como um todo", proclama categoricamente que "a 'realidade' física, não menos, que a 'realidade' social, é no fundo uma construção social e lingüística". Por meio de uma série de raciocínios de uma lógica espantosa, o artigo chega à conclusão de que "o p de Euclides e o G de Newton, antigamente imaginados como constantes e universais, são agora entendidos em sua inelutável historicidade". O restante prossegue na mesma linha.

Apesar disso, o artigo foi aceito e publicado. Pior, foi publicado numa edição especial da Social Text destinada a refutar a crítica dirigida ao pós-modernismo e ao construtivismo social por vários cientistas eminentes. É difícil imaginar, para os editores da Social Text, um meio mais radical de atirar nos próprios pés. (Sokal e Bricmont, Imposturas intelectuais, 1999, p.15-16)

PENSAMENTO CLARO E LÓGICO PENSAMENTO CONFUSO
Conduz à acumulação de conhecimentos (cujo melhor exemplo é fornecido pelo progresso das ciências naturais), e o avanço do conhecimento cedo ou tarde solapa a ordem tradicional Leva a lugar nenhum e pode ser tolerado indefinidamente sem produzir nenhum impacto no mundo
(Stanislav Andreski, Social Sciences as Sorcery, 1972, p. 90)

O QUE CONSTITUI A PARÓDIA
Reunião de citações sem sentido, porém INFELIZMENTE autênticas, sobre as implicações filosóficas e sociais da física, da matemática e das ciências naturais, proferidas por proeminentes intelectuais franceses e americanos.

A ÚNICA CONTRIBUIÇÃO DE SOKAL
Providenciar um "cimento" (cuja "lógica" é evidentemente fantasiosa) para juntar estas citações e elogiá-las.

A ORIGEM DO LIVRO
Em seguida, Sokal reuniu uma série de textos mais longos para ilustrar a manipulação dos conceitos. O livro surgiu da necessidade de explicar para os não-cientistas porque as mencionadas passagens são absurdas ou sem sentido.

OS AUTORES EM QUESTÃO
Panteão da "teoria francesa" contemporânea. Gilles Deleuze, Jacques Derrida, Félix Guattari, Luce Irigaray, Julia Kristeva, Jacques Lacan, Bruno Latour, Jean-François Lyotard, Michel Serres e Paul Virilio.

Debates sobre o livro Impostures intellectuelles nos círculos intelectuais:
"A moderna filosofia francesa é um monte de velhas tolices" " São uns cientistas pedantes sem senso de humor que corrigem erros gramaticais em cartas de amor"
Jon Henley, The Guardian Robert Maggiori, Libération

Por que ambas as caracterizações do livro são errôneas?

O OBJETIVO DESTA OBRA
Oferecer uma contribuição, limitada porém original, à crítica do evidentemente nebuloso "pós-modernismo".

OS AUTORES NÃO PRETENDEM ANALISAR
O pensamento pós-modernista em geral.

APENAS CHAMAR A ATENÇÃO PARA
1º) O abuso reiterado de conceitos e terminologia provenientes da matemática e da física.
2º) A discussão das circunstâncias culturais que permitiram que esses discursos alcançassem tal reputação e não fossem, até agora, desmascarados.
3º) A idéia de que a moderna ciência não é mais que um "mito", uma "narração" ou uma "construção social", entre muitas outras.

O QUE DENOTA A PALAVRA "ABUSO" NO CONTEXTO DO LIVRO?

1. Usar a terminologia científica (ou pseudocientífica) sem se incomodar muito com o que as palavras realmente significam.
2. Importar conceitos próprios das ciências naturais para o interior das ciências sociais ou humanidades, sem dar a menor justificativa conceitual ou empírica.

Aprendemos com Lacan que a estrutura do paciente neurótico é precisamente como a Fita de Möbius (nada menos que a própria realidade, cf. p. 33); com Kristeva que a linguagem poética pode ser teorizada em termos da cardinalidade do continuum (p. 51), e com Baudrillard que a guerra moderna ocorre num espaço não-euclidiano (p. 147).

Tudo sem explicação.

Os autores não são contra a extrapolação de conceitos de um campo a outro, e sim contra extrapolações feitas sem fundamentação.

Também não pretendem dizer que o restante da obra desses autores é inválida, pois, para isto, não possuem condições para julgar.


3. Ostentar uma erudição superficial ao atirar na cara do leitor termos técnicos num contexto em que eles são totalmente irrelevantes. O objetivo é impressionar e intimidar os leitores não-cientistas.

4. Manipular frases e sentenças que são, na verdade, carentes de sentido.

Eles imaginam, talvez, que podem explorar o prestígio das ciências naturais de modo a transmitir aos seus próprios discursos uma aparência de rigor. E parecem confiar que ninguém irá revelar o emprego incorreto dos conceitos científicos. Ninguém irá dizer que o rei está nu.


RELACIONAMENTO DAS CRÍTICAS DO LIVRO COM POLÍTICA
Segundo os autores, as idéias analisadas no livro não possuem relação conceitual ou lógica com a política.
PORÉM,
existe UM VÍNCULO SOCIOLÓGICO entre
As correntes intelectuais "pós-modernistas" criticadas E Alguns setores da esquerda acadêmica americana


Os autores DESTACAM:

O livro não é contrário ao radicalismo político,
é contra a confusão intelectual.


O objetivo não é criticar a esquerda, MAS ajudá-la a defender-se de um segmento seu que está na moda.

"Não há nada verdadeiro, sábio, humano ou estratégico em confundir hostilidade à injustiça e à opressão, que é bandeira da esquerda, com hostilidade à ciência e à racionalidade, o que é uma tolice." (Michael Albert, Z Magazine)

A FILOSOFIA, AS HUMANIDADES E AS CIÊNCIAS SOCIAIS

Sokal e Bricmont não investem contra a filosofia, as humanidades ou as ciências sociais em geral.

Pelo contrário,
consideram que estes campos do conhecimento são da máxima importância
E
querem prevenir aqueles que trabalham nessas áreas (especialmente estudantes) contra alguns casos manifestos de charlatanismo.

Em especial,
querem "desconstruir" a reputação que certos textos têm de ser difíceis em virtude de as idéias ali contidas serem muito profundas.

Se muitas vezes os textos parecem incompreensíveis, isso se deve à excelente razão de que não querem dizer absolutamente nada.

Não é nada vergonhoso ser ignorante em cálculo infinitesimal ou em mecânica quântica. A crítica é à pretensão de alguns celebrados intelectuais de propor reflexões profundas sobre assuntos complexos que eles conhecem, na melhor das hipóteses, no plano da popularização.


Se muitas vezes os textos parecem incompreensíveis, isso se deve à excelente razão de que não querem dizer absolutamente nada.

Não seria bom (para nós, matemáticos e fisicos), dizem Sokal e Bricmont, que o teorema de Gõdel ou a teoria da relatividade tivessem implicações imediatas e profundas no estudo da sociedade? Ou que o axioma da escolha pudesse ser usado no estudo da poesia? Ou que a topologia tivesse algo a ver com a psique humana? Contudo, este não é o caso.


NESTE PONTO, O LEITOR DEVE NATURALMENTE ESTAR SE PERGUNTANDO:

Esses abusos nascem de uma fraude consciente, de auto-engano ou de uma combinação de ambos?

Não podemos dar nenhuma resposta categórica a essa questão, por falta de prova (publicamente disponível). (Sokal e Bricmont, 1999, p.20) Porém os autores não consideram essa questão importante. O propósito é estimular uma atitude crítica não simplesmente em relação a certos indivíduos, mas com respeito à parcela da intelligentsia (tanto nos Estados Unidos quanto na Europa e outras partes do mundo) que tolerou e até mesmo encorajou esse tipo de discurso.

OBJEÇÕES QUE OCORRERÃO AO LEITOR

1. O caráter marginal das citações.
Argumento:
Sokal e Bricmont procuraram pequenos deslizes de autores que reconhecidamente não têm formação científica, mas cuja contribuição à filosofia e/ou às ciências sociais não está, de maneira alguma , invalidada pelos "pequenos equívocos" revelados no livro. Resposta:
Os textos analisados contêm muito mais que meros "erros". Demonstram uma profunda indiferença, se não desdém, pelos fatos e pela lógica. O objetivo não é ridicularizar críticos literários que cometem enganos ao citar a relatividade ou o teorema de Gödel,
Mas
defender os cânones da racionalidade e da honestidade intelectual que são (ou deveriam ser) comuns a todas as disciplinas eruditas.
Os autores analisados diferem enormemente entre si em sua atitude em relação à ciência e na importância que dão a ela.
Exemplos:
A citação de Derrida contida na paródia de Sokal é muito engraçada, mas trata de um abuso isolado; uma vez que não existe um emprego sistemático incorreto da ciência na obra de Derrida, não existe capítulo específico sobre Derrida no livro.
A obra de Serres está repleta de alusões mais ou menos poéticas à ciência e sua história; contudo suas assertivas, embora extremamente vagas, não são, em geral, destituídas de sentido nem totalmente falsas, e por isso não as discutimos aqui em detalhe.
Os primeiros trabalhos de Kristeva se baseiam firmemente (e abusivamente) na matemática, mas ela abandonou esta abordagem há mais de vinte anos; Sokal e Bricmont os criticam porque os consideram sintomáticos de certo estilo intelectual. Todos os outros autores, em contrapartida, invocaram extensamente a ciência em suas obras.

2. Sokal e Bricmont não entenderam o contexto.
Argumento:
Defensores de Lacan, Deleuze et al. poderiam afirmar que suas citações de conceitos científicos são válidas se o contexto for compreendido.
Resposta:
Quando conceitos da matemática ou da física são trazidos para outra área do conhecimento, algum argumento deve ser fornecido para justificar sua pertinência.
Todos os casos apresentados no livro são destituídos de qualquer argumento deste tipo.

"Maneiras práticas de proceder" para determinar se a matemática está sendo incluída com algum objetivo intelectual verdadeiro em mente ou simplesmente para impressionar o leitor:

1º) Nos casos de uso legítimo, o autor necessita ter um bom conhecimento da matemática que ele pretende empregar e deve explicar as noções técnicas necessárias.
2º) Como os conceitos matemáticos têm significado preciso, a matemática é útil principalmente quando aplicada a campos nos quais os conceitos têm igualmente significado mais ou menos preciso.
3º) É especialmente suspeito quando conceitos matemáticos intricados, que raramente são usados, quando muito na física - e certamente nunca na química ou biologia -, se tornam milagrosamente relevantes em humanidades ou em ciências sociais.

3. Licença poética.
Sokal e Bricmont destacam que os exemplos citados no livro nada têm a ver com licença poética. Esses autores dissertam, com pretensa seriedade, sobre filosofia, psicanálise, semiótica ou sociologia. Seu objetivo é nitidamente produzir teoria, e é neste terreno que a crítica procede.

4. O papel das metáforas.
Uma metáfora é usualmente empregada para esclarecer um conceito pouco familiar relacionando-o com outro conceito mais familiar, não o contrário.


5. O papel das analogias.
Muitos autores, incluindo alguns daqueles discutidos aqui, tentam argumentar por analogia. A observação de uma analogia válida entre duas teorias atuais pode, com freqüência, ser muito útil ao desenvolvimento subseqüente de ambas. Entretanto, observa-se que as analogias são entre teorias bem estabelecidas (nas ciências naturais) e teorias demasiado vagas para serem testadas empiricamente (por exemplo, psicanálise lacaniana). Não se pode deixar de suspeitar que a função destas analogias é ocultar a fragilidade da teoria mais vaga.

6. Quem é competente?
Sokal e Bricmont desejam impedir os filósofos de falar sobre ciência porque eles não têm a formação requerida; mas que qualificações eles têm para falar de filosofia?
Mal-entendidos:
1º) Os autores não querem impedir ninguém de falar sobre coisa alguma.
2º) O valor intelectual de uma intervenção é determinado pelo seu conteúdo, não pela identidade de quem fala e muito menos pelos seus diplomas.
3º) O que está sendo analisado não é a psicanálise de Lacan, a filosofia de Deleuze ou a obra concreta de Latour na sociologia. Os autores se limitam às suas afirmações sobre a matemática e as ciências físicas ou sobre problemas elementares da filosofia da ciência.

7. Mas os autores analisados não são "pós-modernistas".
É verdade que os autores franceses abordados no livro não se definem todos como "pós-modernistas" ou "pós-estruturalistas".
Eles podem ser classificados, muito simplificadamente, em duas categorias das fases da vida intelectual na França:
1ª) Estruturalismo extremo (se estende até o começo dos anos 70)
Caracterizado pelos vagos discursos no campo das ciências humanas empregados num tom de "cientificidade" invocando algumas aparências externas da matemática.
Exemplos: a obra de Lacan e os primeiros trabalhos de Kristeva.
2ª) Pós-estruturalismo (começou em meados da década de 1970)
Momento em que qualquer pretensão de "cientificidade" é abandonada.
Exemplos: textos de Baudrillard, Deleuze e Guattari.

O termo autores "pós-modernistas" foi empregado por comodidade, considerando-se que todos os autores analisados são vistos como pontos de referência fundamentais no discurso pós-modernista em idioma inglês.

8. Por que Sokal e Bricmont criticam esses autores e não outros?
Uma longa lista de "outros" foi sugerida aos autores: a lista inclui virtualmente todas as aplicações da matemática nas ciências sociais (p. ex. economia), especulações de físicos em livros de divulgação científica (p. ex. Hawking, Penrose), etc.
O escopo dos autores analisados é limitado:
1º) Aos abusos cometidos nos terrenos científicos nos quais podemos reivindicar alguma perícia, isto é, matemática e física;
2º) Aos abusos que estão atualmente em moda em influentes círculos intelectuais;
3º) Aos abusos que não foram previamente analisados em detalhe.

A ESTRUTURA DO LIVRO
A maior parte deste livro consiste na análise de textos, autor por autor. Sokal e Bricmont fornecem, em notas de rodapé, breves explicações dos conceitos científicos relevantes, bem como referências a bons textos de popularização científica.

SOKAL E BRICMONT ADVERTEM:
Se as passagens parecerem incompreensíveis, é porque no original francês também o são.

A seguir serão transcritas as três primeiras páginas do capítulo 1 (p. 31-33) destinado a Jaques Lacan a fim de ilustrar a análise feita por Sokal e Bricmont a respeito do uso abusivo dos conceitos e terminologia científicos discutidos até aqui neste trabalho.

CAPÍTULO 1

JACQUES LACAN


Basta, para esse fim, reconhecer que Lacan confere, enfim, ao pensamento de Freud os necessário conceitos científicos.
Louis Althusser, Écrits sur la psychanalyse (1993, p.50).


Lacan é, como ele mesmo diz, um autor cristalino.
Jean-Claude Milner, L'Oeuvre claire (1995, p.7).


Jacques Lacan foi um dos mais famosos e influentes psicanalistas deste século. Todo ano, dezenas de livros e artigos são dedicados à análise de sua obra. De acordo com seus discípulos, ele revolucionou a teoria e a prática da psicanálise; segundo seus detratores, é um charlatão e seus escritos são pura verborragia. Não entraremos no debate sobre a parte puramente psicanalítica da obra de Lacan. De preferência, limitar-nos-emos à análise de suas freqüentes referências à matemática, para mostrar que Lacan ilustra perfeitamente, em diferentes partes de seu trabalho, os abusos enumerados em nossa introdução.

A "topologia psicanalítica"

O interesse de Lacan pela matemática centra-se fundamentalmente na topologia, ramo da matemática que trata (entre outras coisas) das propriedades dos objetos geométricos - superfícies, sólidos e assim por diante - que permanecem imutáveis quando o objeto é deformado sem ser partido. (Segundo uma anedota clássica, um topólogo é incapaz de perceber a diferença ente uma rosquinha e uma xícara de café, pois ambos são objetos sólidos com um só buraco através do qual se pode enfiar um dedo). Os escritos de Lacan contêm algumas referências à topologia já nos anos 50; todavia a primeira discussão extensiva (e disponível publicamente) nos reporta a um célebre congresso sobre o tema "As linguagens da crítica e das ciências do homem", que teve lugar na Universidade Johns Hopkins em 1966. Eis uma parte da conferência de Lacan [LACAN, Jacques. Of structure as an inmixing of an otherness prerequisite to any subject whatever. In: MACKSEY, Richard, DONATO, Eugenio. The languages of cristicism and the sciences of man. Baltimore: Johns Hopkins Press, 1970. P. 186-200.]

Este diagrama [a fita de Möbius, a qual pode ser construída tomando-se uma tira de papel retangular, segurando-a pelos lado menores, girando uma dos lados menores 180 graus, e colocando um lado menor junto ao outro. Desta forma, cria-se uma superfície com apenas uma face: "frente" e "verso" que se podem percorrer inteiramente de modo contínuo, e em que não se pode distinguir o de cima nem o de baixo.] pode ser considerado a base de uma espécie de inscrição essencial na origem, no nó que constitui o sujeito. Isso vai muito além do que à primeira vista se possa pensar, porquanto se pode procurar uma espécie de superfície em condições de receber tais inscrições. Pode-se verificar, talvez, que a esfera, esse velho símbolo da totalidade, é inadequada. Um toro, uma garrafa de Klein, uma superfície cross-cut [Um toro é a superfície formada por um pneumático oco. Uma garrafa de Klein é um pouco como a fita de Möbius, mas sem borda; para representá-la concretamente, necessita-se de um espaço euclidiano de dimensão mais elevada (pelo menos igual a quatro). A cross-cap (chamada por Lacan "cross-cut" provavelmente devido a um erro de transcrição) é ainda outro tipo de superfície.] são suscetíveis de receber semelhante corte. E esta diversidade é muito importante, pois explica muitas coisas sobre a estrutura da doença mental. Se o sujeito pode ser simbolizado por este corte fundamental, da mesma maneira se poderá mostrar que um corte num toro corresponde ao sujeito neurótico, e um corte numa superfície cross-cut, a outra espécie de doença mental.

Talvez o leitor esteja se perguntando o que estes diferentes objetos topológicos têm a ver com a estrutura da doença mental. Bem, nós também; e o restante do texto de Lacan nada esclarece sobre a matéria. Não obstante, Lacan insiste em que sua topologia "explica muitas coisas". Na discussão que se seguiu à conferência, ocorreu o seguinte diálogo:


HARRY WOLF: Peço a permissão para indagar se essa aritmética fundamental e essa topologia não constituem em si mesmas um mito ou simplesmente, na melhor das hipóteses, uma analogia para explicar a vida do espírito?


JAQUES LACAN: Analogia com o quê? "S" designa algo que pode ser escrito exatamente como esse S. E eu disse que o "S" que designa o sujeito é instrumento, matéria, para simbolizar uma perda. Uma perda que você apreende por experiência própria como sujeito (e eu também). Em outras palavras, a separação entre uma coisa que tem significados marcados e essa outra coisa que é meu verdadeiro discurso, que tento colocar no lugar onde você está, você não como outro sujeito mas como pessoa capaz de me compreender. Onde está o análogo? Ou essa perda existe, ou não existe. Se existe, só é possível designar a perda por um sistema de símbolos. Em todo caso, a perda não existe antes que esta simbolização indique seu lugar. Isso não é analogia. É na verdade, em alguma parte das realidades, essa espécie de toro. Este toro realmente existe e é exatamente a estrutura do neurótico. Não é uma analogia; nem mesmo uma abstração, porque uma abstração é alguma espécie de diminuição da realidade, e eu penso que isso é a própria realidade. (Lacan, 1970, p. 195-196)

Aqui, novamente Lacan não fornece nenhum argumento para sustentar sua terminante asserção segundo a qual o toro "é exatamente a estrutura do neurótico". Além do mais, quando indagado se se trata simplesmente de uma analogia, ele nega.





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