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Publicado no livro "Revivendo Areia Branca", coletânea de autores areia-branquenses, agosto/98, e no jornal Primeira Mão (Areia Branca, RN), outubro/98

O bom humor sempre foi considerado manifestação de inteligência. Isso não significa a falta de inteligência nos mal-humorados. São chatos, mas não necessariamente mentecaptos. Os bem-humorados, é certo, são agradáveis e inteligentes. Portanto, uma parte da inteligência de um povo transparece quando suas histórias de humor são contadas. Durante toda minha juventude areiabranquense presenciei e ouvi histórias do mais fino humor, algumas antológicas. Entre tantos personagens, quase-mitos, desse nosso acervo humorístico, destacarei o Zé de Antônio Noronha para contar uma história pouco conhecida.

Afastado de Areia Branca há tanto tempo - lá se vão mais de trinta anos -, não sei se as novas gerações têm conhecimento das estripulias do Zé Moconha (não sei quem colocou esse apelido, nem tampouco a verdadeira motivação). Quando bebia, e isso não era raro, Zé Moconha aprontava; às vezes com o mais surpreendente e refinado bom-humor; às vezes com a mais brutal violência. Quando extrapolava, a polícia intervinha, com a condescendência que se deve ter com um inocente travesso. Certa vez, bêbado como só ele sabia ficar, montou um cavalo e resolveu dar voltas na praça da Catedral, galopar pela rua do Meio e entrar no Cine Miramar. Quando finalmente o delegado de polícia conseguiu interpelá-lo, foi logo justificando:

  • Zé, você vai ficar preso porque tentou entrar no cinema e andou a cavalo sobre a praça.
  • Pela entrada no cinema o senhor pode me prender, mas pelo passeio na praça eu não mereço. A volta que eu dei num sentido, foi desfeita quando eu dei a volta no sentido contrário.
  • Quando sóbrio, era a doçura em pessoa. Minha mãe e minhas tias nunca acreditaram que o Zé fosse capaz de fazer aquelas coisas que diziam. Embora ligado por laços familiares, nunca tive uma grande aproximação com Zé Moconha, talvez por causa da diferença de idade. Contaram-me que quando eu era criança (por volta dos 4 ou 5 anos), Zé Moconha e amigos, incluindo o Cônego Ismar, costumavam divertir-se com minhas imitações (dizem que minha imitação do João de Quidoca era engraçadíssima).

    Bem no início dos anos sessenta, antes de Antônio Noronha sair de Areia Branca, Zé Moconha foi a Natal e hospedou-se na casa dos meus avós, com os quais eu morava durante o período escolar. Aproveitamos um domingo e fomos visitar uma exposição agropecuária em Parnamirim. Não consigo lembrar como lá chegamos, e não consigo esquecer como de lá saímos.

    O Zé começou a tomar umas e outras; coquetéis diversos. Divertia-se à vontade. Quando o dia foi escurecendo, eu, nos meus 12 anos, comecei a ficar preocupado quanto ao retorno. Zé Moconha não tava nem aí. "De algum jeito a gente sai daqui!" Dizia na maior tranqüilidade. Finalmente, ele consumiu o último centavo de daiquiri.

  • E agora, Zé?
  • Vam’bora!
  • Descobrimos um monte de gente subindo num caminhão. Iam até a Igreja São Pedro, no Alecrim. Subimos e ficamos encostados na grade, no final da carroceria. Lembro que o Zé perguntou o preço da passagem, mas eu não estava preocupado com o valor; qualquer que fosse, não tínhamos um tostão para pagá-la. Eu não imaginava como, mas confiava que Zé Moconha haveria de encontrar uma solução para pagar nossas passagens. Em plena viagem, alguém inicia a cobrança lá na outra ponta da carroceria. Imediatamente Zé Moconha começa também a cobrar as passagens, a partir da traseira do caminhão. Mais ou menos no meio da carroceria, os cobradores (o verdadeiro e o falso) encontram-se, e o Zé, na mais cândida inocência diz:
     

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