Escreva-me, comentários e sugestões são bem-vindos


Resenha do livro Einstein viveu aqui, de Abraham Pais, Tradução de Carolina Alfaro
Editora Nova Fronteira

Publicado em Zero Hora (Caderno Cultura), Porto Alegre 28/06/97

Albert Einstein, todos sabem, é o principal artífice da teoria da relatividade, certo? Certo, mas esta é uma imagem não apenas estereotipada, como também extremamente simplificada de toda a genialidade e toda complexidade psicológica de um dos maiores pensadores de todos os tempos. Uma excelente visão da obra científica de Einstein é apresentada naquela que todos consideram a melhor biografia desse genial físico. Refiro-me ao livro de Abraham Pais, Subtle is the Lord, publicado em 1982, cuja tradução, Sutil é o Senhor, foi publicada pela Nova Fronteira em 1995 (ver resenha no Caderno ZH-Cultura, 8/7/95). Embora de inegável valor como fonte bibliográfica, Sutil é o Senhor não é totalmente acessível ao grande público. Com a presente obra, Einstein viveu aqui, Pais atende aos leitores de todos os naipes, do especialista em teoria da relatividade ao absolutamente leigo. Sem desprezar o rigor da abordagem histórica, ele prioriza a dimensão humana da vida de Einstein e nos brinda com um texto fluente e agradabilíssimo, abordando questões polêmicas, como o suposto envolvimento de Einstein com a fabricação da bomba atômica americana. Entre todos os que escreveram sobre Einstein, Abraham Pais parece ser o mais qualificado. Físico teórico de reconhecida competência, professor emérito da Universidade Rockefeller, Nova York, Pais conviveu com Einstein de 1946 até dezembro de 1954, quando o visitou pela última vez; não estava nos Estados Unidos quando Einstein faleceu, em 18 de abril de 1955.

Mesmo para o leitor razoavelmente atualizado com a literatura pertinente à história da física, Pais revela fatos esclarecedores. Por exemplo, no primeiro capítulo, há uma bela descrição da dramática vida conjugal de Albert e Mileva Maric, sua primeira mulher. A literatura histórica anterior registra o casamento de Albert e Mileva em 6 de janeiro de 1903, o nascimento do primogênito, Hans Albert, em 14 de maio de 1904, e o nascimento de Eduard, o segundo filho, em 28 de julho de 1910. A vida amorosa e a interação profissional do casal Einstein, no início do relacionamento, era superficialmente conhecida. Em 1969, a Editora Bagdala, de Krusevac (Iugoslávia) publicou uma biografia de Mileva Maric, intitulada U senci Alberta Ajnstajna (À sombra de Albert Einstein). Esta é, aparentemente, a melhor fonte bibliográfica sobre parte da vida de Mileva, principalmente sobre sua família e infância, e sobre os difíceis anos do fim de sua vida. Todavia o tema central da biografia, o papel de Mileva com relação à produção científica de Albert é, na opinião de Pais, surpreendente e chocante. Tanto, que ele decidiu não fazer referência a esse texto no seu livro Sutil é o Senhor. Agora, com a descoberta, em 1986, de 41 cartas de Albert para Mileva e 10 dela para ele, trocadas no período que termina em 1902, Pais retoma a discussão da questão central levantada na biografia de Mileva: a importância da sua influência no trabalho de Einstein, de modo particular na teoria da relatividade. Em duas páginas ele apresenta uma argumentação para concluir que tudo o que resta como evidência de um possível papel de Mileva no desenvolvimento da relatividade é o comentário de Einstein, numa carta de março de 1901: "Juntos concluiremos com êxito nosso trabalho sobre o movimento relativo." Pais atribui essa afirmação ao estado emocional em que se encontrava Albert; um jovem de 22 anos, profundamente apaixonado, sem emprego e sem contato com cientistas da sua geração. Mileva era a única caixa de ressonância sempre disponível para as suas idéias. Em suma, a afirmação acima poderia ter o peso e a medida da gratidão.

Essas cartas (a versão completa encontra-se em: Albert Einstein/Mileva Maric: Cartas de Amor, Editora Papirus, 1992), revelaram um fato até então (1986) absolutamente desconhecido: Mileva engravidara em abril de 1901, dando à luz, em janeiro de 1902, a uma menina chamada Lieserl. Mas, o que foi feito de Lieserl? Simplesmente ninguém sabe! Aparentemente, Einstein sequer chegou a vê-la. No verão de 1903 Mileva foi visitar a família na Iugoslávia. De Berna, Einstein lhe escreve mostrando-se preocupado com o ataque de escarlatina de Lieserl, e pergunta como a menina tinha sido registrada. Esta é a última comunicação conhecida do casal sobre a menina.

Tanto em vida, como após sua morte, Einstein foi alvo de intensa curiosidade pública. Isso está bem registrado em três capítulos. Em Amostras do die komische Mappe, Pais nos apresenta inúmeras e pitorescas mensagens de estranhos, desde notas de congratulações até pedidos de ajuda ou informações adicionais; de comentários inteligentes a declarações loucas; de expressões de ódio a ameaças. Não se sabe quantas dessas mensagens lhe foram enviadas, mas, não menos do que 600 sobreviveram. Einstein referia-se a esta coleção como die komische Mappe. A palavra alemã komisch possui uma variedade de traduções não equivalentes: estranho, engraçado, singular, bizarro, patético; o curioso conteúdo da coleção também reflete essa variedade de adjetivos. Nessa mesma linha de contato com o público, porém em melhor nível de seriedade, Pais dedicou a metade do livro. O alentado ensaio Einstein e a imprensa, representa a primeira abordagem desse tipo na extensa bibliografia a respeito de Einstein. Pais considera que Einstein, criador de uma parcela da melhor ciência de todos os tempos, é em si próprio uma criação da mídia, no sentido de ser e permanecer uma figura pública. O início do papel mítico de Einstein data de novembro de 1919, quando sua previsão da deflexão da luz pela ação de um campo gravitacional é comprovada durante o eclipse solar daquele ano. Ressalta-se aqui que esta comprovação foi apresentada por duas expedições inglesas: uma na ilha do Príncipe e outra em Sobral, no Ceará.

A propósito, a vida científica de Einstein foi tão abrangente e cheia de genialidade, que a percepção que se tem dela varia muito com o perfil do observador. Para o grande público, o prêmio Nobel de Einstein está associado à sua teoria da relatividade. No capítulo 6, Pais discute como o trabalho sobre o efeito fotoelétrico, e não a teoria da relatividade, permitiu a Einstein ganhar o prêmio Nobel. Neste capítulo é apresentada uma interpretação para o intrigante fato de ele não ter ganho o prêmio pela teoria da relatividade. No annus mirabilis de 1905, o mundo testemunhou a explosão criativa de Einstein, absolutamente excepcional. A hipótese do quantum de luz foi apresentada, o movimento browniano interpretado, um novo método para determinar o tamanho de moléculas introduzido e a teoria da relatividade restrita exposta. Qualquer uma dessas descobertas seria suficiente para garantir lhe uma posição proeminente e duradoura na história da ciência. No entanto, segundo os registros de Pais, nenhuma dessas contribuições causou sequer a mais modesta menção na imprensa, antes de 1919.

Enfim, a complexa personalidade desse genial pensador, faz de Einstein viveu aqui uma obra recomendável para a biblioteca de qualquer pessoa culta, e indispensável na cabeceira de qualquer cientista.


Voltar à página-portal de C.A. dos Santos
Veja outras resenhas