Crônica de junho/2000
C.A. dos Santos
Instituto de Física - UFRGS
Escreva-me, críticas e comentários são bem-vindos

 
 

Porto Alegre-Dublin: viagem da virada ou o faz-de-conta de sempre?

No início de maio, uma comissão constituída de deputados e empresários gaúchos viajou a Dublin com o objetivo de observar o recente e impressionante desenvolvimento econômico da pequena Irlanda. Nos primeiros relatos jornalísticos ressalta-se a base do desenvolvimento: a cooperação entre poder público, meio empresarial e universidade. Parece que a primeira visita da comitiva foi ao "Trinity College" uma importante universidade daquele país. Ouviram a "receita" do sucesso: pesquisa básica e tecnológica na universidade para aplicação industrial. Surpreendentemente nossa comitiva não tem qualquer representante da UFRGS, a contrapartida gaúcha do "Trinity College". Se fosse esta uma iniciativa original, até que podíamos imaginar uma justificativa para o evidente equívoco na formação da Comitiva. Mas esta é uma iniciativa recorrente. Por exemplo, na gestão do Prefeito Tarso Genro uma comitiva com a participação de pesquisadores universitários andou visitando tecnopolos europeus para servir de modelo ao projeto gaúcho.

Um empresário que participou da comitiva fez duas afirmações (no programa Gente da Rádio Bandeirante) mais ou menos assim: (i) a não participação de professores universitários gaúchos reflete o distanciamento desse segmento em relação à pesquisa tecnológica. (ii) a participação da universidade irlandesa no projeto de desenvolvimento daquele país reflete o fato de que os pesquisadores irlandeses "saíram da torre de marfim" para implementar projetos próximos da realidade. Discutiremos essas afirmações a seguir, porque neste momento é importante destacar a conclusão tirada desta viagem pela comitiva: o intercâmbio entre o segmento acadêmico e o segmento empresarial, mediado por agentes governamentais, é o melhor caminho para um saudável e autônomo desenvolvimento econômico. Como era de se esperar, não há qualquer novidade no "sucesso" irlandês. É fruto novo de idéias antigas. A Alemanha já fazia isso no século passado. Os EUA sempre fizeram isso. Os tecnopolos franceses exemplificam isso desde a década de 70. Tudo não passa de vontade política (expressão gasta, essa!).

Assim posto, duas questões básicas se impõem: (i) há disposição no meio empresarial para investimentos em C & T? (ii) nossas universidades têm competência para o empreendimento?

Historicamente os investimentos do empresariado brasileiro em C & T não favorecem uma resposta positiva para a primeira questão. Para discutir a segunda questão ficarei restrito a comentários no âmbito da física. A restrição não compromete uma avaliação mais geral, tendo em vista a destacada posição da física no desenvolvimento tecnológico da humanidade. Foram de pesquisas básicas em física que resultaram: a eletricidade, os raios X, a ressonância magnética e a microeletrônica, para citar apenas alguns exemplos.

Iniciemos com dois exemplos ilustrativos: a Edisa (lembram, aquela empresa de computadores?) teve início, nos anos 70, com técnicos e pesquisadores do Instituto de Física da UFRGS (IF-UFRGS). Não tenho elementos para contar toda a história da empresa, mas investidas de multinacionais e falta de interesse do empresariado local sufocaram-na. A Novus, uma pequena empresa que mereceu uma participação no programa Empreendedores da Rádio Bandeirante (apresentação de Afonso Ritter), foi criada, nos anos 80, por dois engenheiros que trabalhavam na oficina eletrônica do IF-UFRGS. Foram os desafios tecnológicos, necessidades da pesquisa básica, que permitiram aos engenheiros desenvolver os equipamentos que logo depois industrializaram.

O IF-UFRGS tem vários outros exemplos que também poderiam transformar-se em empreendimentos. Construímos um reator a plasma e temos desenvolvido pesquisa aplicada referente ao endurecimento de ligas metálicas, incluindo diversos tipos de aços. Estamos agora trabalhando com ligas de titânio para uso em implantes ortopédicos e odontológicos. Temos publicado nossos resultados em revistas de renome internacional. Vários pesquisadores do IF-UFRGS têm publicado, também em renomadas revistas internacionais, trabalhos de pesquisa sobre filmes finos magnéticos e magnetoresistência gigante, temas que a Philips, a Sony, a IBM, a Xerox, entre outras empresas, financiam em seus países de origem. Pelo simples fato de que gravação magnética de alta densidade só pode resultar dessas pesquisas. Só esses exemplos dariam origem a um pequeno parque industrial em volta dos laboratórios do IF-UFRGS. É necessário $$$$. É necessário espírito empreendedor para encarar esse desafio. O IF-UFRGS cumpre sua parte na formação de pessoal qualificado. Falta a aproximação do empresariado. Nós temos no IF-UFRGS apenas um professor que mantém estreita relação com o meio empresarial. Trata-se do prof. João Alziro Herz da Jornada, um pesquisador com enorme espírito empreendedor e que consegue esta relação empresarial a custo do seu gigantesco esforço pessoal. É preciso entender que embora tendo capacidade para a atividade de pesquisa aplicada, os pesquisadores necessitam de recursos para seus projetos. Os financiamentos estatais mais generosos são para a pesquisa básica, o que explica o atual estado de coisas.

Além do mais, uma parte do salário dos professores-pesquisadores vem de bolsa de pesquisa do CNPq. Para manter esta bolsa, dada a enorme concorrência, o Comitê de Física e Astronomia definiu como patamar mínimo, a publicação média de dois artigos por ano em revista de renome internacional. A exigência não é pequena. Para fazer uma comparação, investiguei a produtividade de 12 renomados pesquisadores internacionais (editores de revistas prestigiadas). Em três anos cobertos pela minha investigação, apenas 2 tiveram produtividade ao nível da exigida pelo CNPq. Todos sabem que a pesquisa tecnológica, quando não é secreta, tem um nível quantitativo e qualitativo de publicação inferior à pesquisa básica. Resulta que um pesquisador do CNPq corre o risco de perder sua bolsa se investir em pesquisa tecnológica. Os empresários estariam interessados em cobrir essas despesas?

De um lado, o nível de exigência do Comitê de Física e Astronomia do CNPq tende a afastar os pesquisadores da área tecnológica, de outro lado, indica o alto nível de competência em nosso meio acadêmico. Mesmo assim, é evidente que aqui no Brasil também tem muita gente fora da "torre de marfim", exemplo claro está no fato que quase toda universidade federal brasileira tem um projeto de "incubadora tecnológica". Todavia, o aproveitamento desta capacidade intelectual e material existente depende de iniciativas concretas e de projetos de investimento a longo prazo.



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