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Publicado em Zero Hora, Opinião, 16/4/96

Em sua coluna publicada no jornal Zero Hora de 28/03/96, o Sr. Paulo Francis (PF) manipula dados estatísticos na tentativa de demonstrar o que ele classifica de ineficiência do ensino universitário público, especialmente daquele ministrado nas universidades federais. As argumentações do articulista poderiam ser igualmente rebatidas sob diferentes enfoques, todavia o contraditório aqui apresentado será restrito apenas a alguns aspectos relevantes para a área de atuação do subscritor.

Usando dados do Ministério da Educação, PF apresenta uma ingênua conclusão, típica de quem ignora a realidade do ensino superior brasileiro. Como se sabe, a distribuição dos estudantes universitários brasileiros é, em números aproximados, a seguinte: 64% freqüentam universidades e escolas isoladas particulares; 21% estão nas universidades federais; 11% nas universidades estaduais; 4% nas escolas isoladas estaduais e municipais. Tais dados levaram PF a concluir: "Os pais preferem pagar pela educação dos filhos a tê-los de graça pelo Estado. (...) Educação, instrução só se consegue no Brasil em escola privada." Ingenuidade ou má-fé? Ora, é do mais amplo conhecimento que os estudantes buscam as universidades particulares pela limitada capacidade de absorção das universidades públicas, e não pela ineficiência destas.

PF também usa dados financeiros para apresentar outras conclusões equivocadas. Pouco importa se os dados são corretos, ou não. Em qualquer hipótese a argumentação do jornalista é grosseiramente falha. Dividindo o orçamento das universidades federais pelo total de estudantes, ele chega ao fantástico número de R$ 12.050,00, que representaria o custo médio anual de um estudante de universidade federal. Para as universidades particulares ele afirma que a média anual é R$ 4.668,00, o que corresponderia a 38,74% do custo médio nas universidades federais. PF esquece, ou desconhece, que parte considerável da atuação das universidades federais está no desenvolvimento de pesquisa científica e tecnológica e na implementação de programas de extensão universitária. Assim, no caso do sistema federal de educação superior, é um erro flagrante e grosseiro dividir o orçamento pelo número de estudantes para estimar o custo médio anual. Obviamente essa estimativa é mais realista no caso das universidades particulares, que desenvolvem pouca, ou quase nenhuma pesquisa científica.

Setores esclarecidos da economia gaúcha sabem o valor que tem a qualidade do ensino e da pesquisa científica desenvolvida na UFRGS. Como se não bastasse a boa formação de técnicos e engenheiros e os serviços de consultoria prestados junto aos mais diversos segmentos industriais, a UFRGS tem motivado o surgimento de novos empreendimentos de alto valor tecnológico agregado. Por exemplo, há mais de vinte anos, quando a microinformática era uma realidade em escala limitadíssima, pesquisadores do Instituto de Física da UFRGS (IF-UFRGS), exigindo de seus auxiliares técnicos conhecimentos superiores àqueles exigidos pelo meio industrial, propiciaram a competente participação de alguns desses técnicos na implantação do pólo de informática do Rio Grande do Sul.

Outro exemplo que bem caracteriza a diferença entre universidades públicas e privadas, é a relação dos mais importantes cientístas brasileiros, publicada pelo jornal Folha de São Paulo (FSP), em 21/05/95. Trata-se de dados fornecidos pelo ISI (Institute for Scientific Information), insuspeito e respeitado órgão de pesquisa norte-americano. Pelo critério de mérito científico utilizado pela FSP, 170 cientistas compuseram a seleta relação. Desses, 69 pertenciam ao conjunto das universidades federais; 66 às universidades estaduais paulistas (USP, UNICAMP e UNESP); 32 trabalhavam em órgãos de pesquisa governamentais; 1 pertencia ao Hospital da Beneficência Portuguesa; 1 trabalhava no Instituto Ludwig (Pesquisa do Câncer); 1 pertencia à PUC/RJ.

Atenção, não pense o leitor que o orçamento destinado à ciência e tecnologia vai exclusivamente para as universidades públicas (federais e estaduais). Nos julgamentos das solicitações de financiamento para a pesquisa e para o ensino de pós-graduação, o CNPq, a FINEP, a CAPES e as fundações estaduais de apoio à pesquisa, não levam em conta a natureza orgânica da instituição solicitante. É a qualidade do projeto e do corpo técnico-científico que determina a alocação de recursos. O sistema universitário público tem mais recursos para a pesquisa porque tem quadros mais qualificados, e principalmente porque tem objetivos dirigidos para essa finalidade. A estatística publicada pela FSP é o mais cristalino reflexo dessa realidade, que setores neoliberais gostariam de ver destruída.


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