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Resenha do livro Einstein. A ciência da vida, de Denis Brian, tradução de Vera Caputo
Editora Ática

Publicado em Zero Hora, Caderno Cultura, 15/8/98

Consta do folclore que, examinando uma tese de doutorado Mário Schenberg, saudoso professor do Instituto de Física da USP, teria dito: "a tese tem novos e bons resultados, mas os novos não são bons, e os bons não são novos". Semelhante sentença pode ser aplicada a Einstein – A ciência da vida, a mais recente biografia desta iconoclástica personalidade, publicada no Brasil. Pode-se imaginar a dificuldade enfrentada por Denis Brian, o autor, para apresentar originalidade biográfica sobre quem mais de quatrocentos livros já foram publicados. O leitor brasileiro já conhece, entre outras, as obras de Abraham Pais, Sutil é o Senhor (ZH/Cultura, 8/7/98) e Einstein Viveu aqui (ZH/Cultura, 28/6/97), duas excelentes biografias. Além dessas, os historiadores reconhecem o grande valor da obra de Philipp Frank, Einstein – His life and times. Por outro lado, Einstein – The life and times, de Ronald W. Clark, raramente citado pelos principais historiadores, é considerada por Denis Brian como "a melhor biografia de Einstein". Basta conhecer essas quatro obras, para descobrir que o problema da originalidade não foi resolvido por Brian; as mais relevantes informações contidas na sua obra podem ser obtidas em um, ou mais, desses quatro livros.

E para o grande público, não familiarizado com esta literatura, qual é a contribuição de Denis Brian? Esta é uma questão básica, pertinente à avaliação de qualquer biografia científica. Para discuti-la é necessário ter em conta os aspectos relevantes deste tipo de produção intelectual. Certamente o leitor gostaria de compreender a ciência enfocada, suas vinculações com o desenvolvimento anterior e suas repercussões no desenvolvimento posterior. Sob o ponto de vista filosófico, pode interessar ao leitor a heurística das descobertas científicas. Sob a ótica humana, poderemos estar interessados em conhecer os diversos ângulos dos dramas psicológicos em que esteve envolvido a personalidade biografada; dramas psicológicos pertinentes ao desenvolvimento do seu trabalho, bem como aqueles de ordem estritamente pessoal, envolvendo parentes e amigos próximos. Raramente uma biografia aborda, a contento, todos esses aspectos. São diversos os parâmetros limitantes, independentemente da capacidade do autor. No caso da teoria da relatividade, há uma dificuldade intrínseca para que ela seja compreendida pelo grande público. Sua compreensão é difícil até mesmo para muitos cuja atuação profissional circunscreve-se à física e áreas afins. Em seu comentário a respeito do livro de Denis Brian, Elio Gaspari (ZH, 21/6/98) equivoca-se ao afirmar que ele "permite uma compreensão do que vem a ser a Teoria da Relatividade, coisa que todo mundo acha que algum dia terá tempo para entender".

Ainda segundo Gaspari, "Um de seus melhores momentos, inclusive na elegância, está na narrativa do caso da filha que Albert e Mileva Einstein tiveram em 1902." Se por um lado esta é uma questão de relevância histórica, por outro lado não é novidade. O leitor brasileiro já conhece o caso através de duas obras: Albert Einstein/Mileva Maric – Cartas de amor (J. Renn e R. Schulmann, Ed. Papirus, 1992) e Einstein Viveu aqui (A. Pais, Ed. Nova Fronteira, 1997). Depois de tudo que já foi escrito sobre Einstein, o que restaria a Denis Brian explorar? Quando arriscou-se na área da divulgação científica, cometeu o erro de intitular capítulos tais como: "A teoria especial da relatividade", "O princípio da incerteza" e "A teoria do campo unificado". Trata-se de uma prática mistificadora. No Capítulo 11, apenas alguns aspectos mais populares da teoria da relatividade são apresentados. O Capítulo 19 (O princípio da incerteza) é desenvolvido em 11 páginas, mas o tema do título não ocupa mais do que cinco, e deverá permanecer obscuro para o grande público. No caso da teoria do campo unificado (Capítulo 21) a situação é ainda mais grave. Apenas três, dos mais de cem parágrafos, tratam desse complexo tema. Obviamente o tratamento limita-se àquelas frases de efeito, como uma atribuída ao próprio Einstein: "Agora, e somente agora, sabemos que a força que movimenta os elétrons em suas elipses ao redor do núcleo dos átomos é a mesma que movimenta nossa Terra em seu curso anual ao redor do Sol, e é a mesma que nos traz os raios de luz e de calor que tornam possíveis a vida em nosso planeta". Nas palavras de Brian ficamos sabendo apenas que a teoria do campo unificado possibilitaria a incorporação do "fenômeno dos quanta e a causalidade". Pouca informação sobre algo que intitula um capítulo! Se a compreensão da teoria da relatividade é um objetivo inalcançável para o grande público, o mesmo não pode ser dito, por exemplo, da sua relação com a teoria do elétron de Lorentz, um tema que Denis Brian deixou escapar. Assim, a biografia não enfoca adequadamente as vinculações da teoria da relatividade com o desenvolvimento anterior, nem suas repercussões no desenvolvimento posterior.

Também não apresenta qualquer esforço interpretativo dos plausíveis dramas psicológicos enfrentados por Einstein. Numa biografia linear, cronológica, Brian apresenta detalhes da vida pessoal de Einstein que, quando não são conhecidos, quase sempre são irrelevantes. Uma personalidade complexa, quer seja no plano intelectual, ou nas suas relações pessoais, não pode ser tratada linearmente. Aproxima-se de uma tortura exigir que o leitor junte informações correlatas, quando elas são esparramadas ao longo de mais de 500 páginas. Por exemplo, na abordagem das relações de Einstein com as mulheres, algo que diferencia esta das outras biografias, o autor poderia ter produzido um texto específico, mas optou pela fidelidade cronológica. Ao final da leitura, será muito difícil saber com quantas e com quais mulheres Albert Einstein teve algum tipo de envolvimento amoroso, ou pelo menos indícios de envolvimento. Mais uma vez, o autor perdeu uma grande oportunidade de ser original ao deixar de incluir Margarita Konenkov no seu enorme elenco de mulheres próximas a Einstein. Sabe-se hoje da existência de cartas amorosos de Einstein para Margarita, que era casada com Sergei Konenkov (este sim, citado por Brian), escultor russo que, por volta de 1933, fez um busto de Einstein. Sabe-se também que no seu livro de memórias, publicado em 1994, o ex-agente da KGB Pavel Soudoplatov afirma ter sido Margarita Konenkov encarregada de influenciar a atuação política de Oppenheimer e outros cientistas americanos, uma bela pista para investigações mais aprofundadas.

Enfim, parafraseando Schenberg, as informações relevantes apresentadas por Brian não são novas, e as novas beiram a futilidade.


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