Radiação e matéria

Efeito foto-elétrico

Observações iniciais e expectativas clássicas

Em 1886-87, Hertz1 realizou experimentos que demonstraram a existência de ondas eletromagnéticas. Para gerar as ondas, Hertz produzia descargas entre dois eletrodos. Em alguns casos, ele observou que, quando luz incidia sobre o catodo, a descarga ficava mais intensa. Ele tinha descoberto o efeito fotoelétrico, uma emissão de raios catódicos - elétrons - induzida pela luz.

Dada a natureza eletromagnética da luz - estabelecida na mesma época, graças em especial aos trabalhos do próprio Hertz, não era em si surpreendente que ela possa levar à ejeção de elétrons. Um campo eletromagnético oscilante aplica uma força também oscilante sobre as partículas carregadas que constituem o material, e se a força for suficientemente intensa e atuar durante um tempo suficiente, ela poderá realizar sobre as cargas um trabalho suficiente para libertá-las do material.

Na base desta visão clássica, esperava-se que o efeito foto-elétrico possuisse as seguintes características:

Fatos

Um estudo sistemático do efeito foto-elétrico pode ser realizado com o dispositivo representado na figura. A luz penetra no tubo evacuado através de uma janela de quartz. Os elétrons emitidos pelo catodo são acelerados pela diferença de potencial ajustável V. O amperímetro mede a corrente I. A chave de inversão permite aplicar valores negativos de V, no qual caso os elétrons estão sendo freados após emissão.


Dispositivo para estudo do efeito fotoelétrico

Resultados típicos estão mostrados na figura abaixo.


Efeito fotoelétrico: variação da corrente com a voltagem, para dois valores da intensidade luminosa.

Para um dado valor da intensidade luminosa L, observa-se que a corrente aumenta com a voltagem, alcançando um valor de saturação. Podemos interpretar este resultado como indicando que, se a voltagem for suficiente, todos os elétrons, até mesmo aqueles que saem do catodo com pouquíssima energia, conseguem chegar até o coletor.

Observa-se também que, para zerar a corrente, é necessário aplicar uma voltagem negativa -V0. Nesta situação, nem mesmo os mais energéticos dos elétrons emitidos conseguem chegar até o coletor. Se denotarmos por Kmax a energia cinética máxima dos elétrons ao serem expelidos do material, temos a relação
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Se aumentarmos a intensidade da luz, sem modificar a sua freqüência, observamos que a corrente de saturação aumenta na mesma proporção. Já o valor do potencial de corte V0 permanece o mesmo. Este fato é surpreendente do ponto de vista das idéias clássicas lembradas acima, pois seria de se esperar que uma maior intensidade da luz - maior campo eletromagnético - levasse a uma maior força aplicada a um elétron no material e portanto permitiria uma maior energia final deste.

Outro fato surpreendente é que não se observa nenhum atraso no estabelecimento da corrente em relação ao começo da exposição do material à luz, mesmo para luz de intensidade muito baixa. Não é difícil estimar, na base das ideias clássicas, que tal atraso deveria ser facilmente observável.

Em 1902, Lenard2 constatou que, para a maioria dos materiais, o efeito era muito diminuido caso a luz tivesse que atravessar uma janela de vidro antes de incidir sobre o catodo. Ou seja, era a componente ultravioleta (filtrada pelo vidro) da radiação que produzia o efeito. Este resultado também era surprendente, já que a teoria clássica não implicava em nenhuma restrição sobre o valor da freqüência da radiação. Lenard também observou que a energia cinética máxima dos elétrons emitidos aumentava com a freqüência da radiação utilizada. Porém, ele não foi capaz de estabelecer uma lei quantitativa que descrevesse esta dependência.

[1] Heinrich Rudolph Hertz, físico alemão, 1857-1894.
[2] Philipp Lenard, físico alemão, nascido na Tcheco-Eslováquia, 1862-1947.

Teoria de Einstein

No seu "ano maravilhoso" de 1905, Einstein1, motivado pelo trabalho de Planck e inspirado por sua nova visão da cinemática, introduziu a ideia da quantização da radiação, ressuscitando assim a visão corpuscular da mesma.

Para explicar o espectro de radiação do corpo negro, Planck tinha postulado que a energia de uma onda eletromagnética numa cavidade assumia valores quantizados. Porém, Planck acreditava que esta propriedade era essencialmente uma característica - até aí não explicada - das trocas de energia entre as cargas nas paredes da cavidade e a radiação nela contida.

Einstein deu um passo gigantesco para frente ao interpretar a hipótese de Planck como indicando que a radiação era composta de pacotes ou quanta de energia, propagando-se como partículas. A cada uma destas partículas - agora chamadas fótons, ele atribuiu uma energia relacionada com a freqüência n da radiação por
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O estado da onda de energia
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prevista pela teoria de Planck é então interpretado como um estado de n fótons.

As interações entre radiação e matéria passam a ser consideradas com processos de emissão e absorção de fótons. Em especial, o efeito fotoelétrico é interpretado como a absorção de um fóton pela matéria, levando à ejeção de um elétron. A energia é conservada neste processo, de maneira que se denotarmos por w o trabalho necessário para liberar o elétron do material, a energia cinética do elétron após ejeção é
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Em geral, o trabalho w não é igual para todos os elétrons. Alguns elétrons estão mais firmemente ligados ao material que outros. O valor mínimo de w, que denotaremos por w0, é uma quantidade característica de cada material chamada função trabalho. Obviamente, este trabalho mínimo leva à máxima energia cinética do elétron emitido (para uma dada freqüência):
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Evidentemente, se o lado direito desta equação for negativo, não haverá possibilidade de o efeito ocorrer. Ou ainda, o efeito ocorrerá apenas quando a freqüência for superior a um valor  n0 dado por
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Para valores menores da freqüência, o fóton não traz energia suficiente para vencer a função trabalho e o elétron permanece preso no material.

Vê se que a teoria de Einstein prevê uma simples dependência linear para a variação da energia cinética máxima com a freqüência. Como já mencionado, as observações de Lenard não tinham permitido a determinação desta função. Foi apenas em 1914 que Millikan2 conseguiu confirmar experimentalmente a teoria de Einstein. A figura abaixo ilustra o caso do efeito fotoelétrico sobre um catodo de sódio. Repare que a análise do gráfico da variação de Kmax em função de n permite a determinação da função trabalho do material considerado e fornece uma determinação da constante de Planck. A concordância, dentro das limitações experimentais, do valor obtido com aquele extraído da análise da radiação de corpo negro, constitui-se numa confirmação da teoria de Einstein.


Efeito fotoelétrico: variação da energia máxima dos elétrons com a freqüência.

Na teoria de Einstein, a energia cinética máxima dos elétrons, e portanto o potencial de corte V0, depende da freqüência da radiação, mas não da sua intensidade. Na visão corpuscular, aumentar a intensidade da radiação significa aumentar o número de fótons incidente por segundo. O número de elétrons liberados por segundo ou seja, a corrente elétrica, aumenta na mesma proporção, como observado experimentalmente.

A teoria de Einstein também permite entender porque não se observa qualquer atraso no estabelecimento da corrente em relação ao começo da iluminação. Mesmo se a intensidade da radiação for muito baixa, tão logo a iluminação for iniciada, haverá fótons alcançando o material. Já que apenas um fóton é necessário para produzir o efeito, a corrente será estabelecida imediatamente. Apenas, o seu valor será pequeno também.

[1] Albert Einstein, físico alemão, 1879-1955.
[2] Robert Andrews Millikan, físico americano, 1868-1953.