Radiação e matéria

Efeito Compton

Espalhamento de raios X

Se um elétron pode ganhar energia ao absorver um fóton, como ocorre no efeito foto-elétrico, ele pode também perder energia emitindo fótons. Em especial, um elétron acelerado por um campo elétrico poderá, ao colidir com matéria, produzir um ou vários fótons. Se a diferença de potencial aceleradora tiver valores na faixa de dezenas ou centenas de kV, o(s) fóton(s) produzido(s) terão energia na mesma faixa. Por razões históricas, este tipo de radiação eletromagnética é denominado raio X.

É de se esperar que raios X sejam espalhados pela matéria, assim como ocorre para qualquer radiação eletromagnética. Dentro do quadro conceitual fornecido pela teoria clássica de Maxwell, a explicação do fenômeno é simples. Sob a ação do campo eletromagnético incidente, as cargas elétricas que compõem a matéria entram em movimento oscilatório de freqüência igual à do campo. As cargas então passam a atuar como emissores, que produzem radiação de freqüência igual à do seu próprio movimento. A característica essencial deste processo é então que as freqüências - e portanto os comprimentos de onda - da radiação incidente e da radiação espalhada são iguais.

Já numa visão corpuscular, o espalhamento seria interpretado com uma colisão entre um fóton de raio X e uma partícula do material. Neste caso, haveria transferência de momentum do fóton incidente para a partícula atingida. Uma partícula inicialmente em repouso adquiriria momentum, e portanto energia cinética, na colisão. Por conservação da energia, haveria então uma diminuição da energia do fóton. A nível ondulatório, ocorreria portanto uma diminuição da freqüência, ou ainda, um aumento do comprimento de onda.

Compton1 realizou experimentos nos quais raios X de energia inicial definida eram espalhados por um alvo de grafite. O comprimento de onda dos raios espalhados por um dado ângulo q, medido em relação à direção incidente, era determinado utilizando-se a difração de Bragg1,2.


Esquema do experimento de Compton.

Os resultados dos experimentos indicaram que, para qualquer direção de observação que não seja a direção do feixe incidente, o espectro de raios X espalhados exibia duas linhas, uma de comprimento de onda igual ao dos raios incidentes e a outra de comprimento de onda maior. A diferença de comprimento de onda entre as duas linhas, aumentava com o ângulo de espalhamento. Estas características são incompatíveis com a visão meramente ondulatória do espalhamento, e qualitativamente consistentes com a visão corpuscular.

Espectro observado no experimento de Compton, para vários valores do ângulo de espalhamento.

[1] Arthur Holly Compton, físico americano, 1892-1962.
[2] William Henry Bragg, físico inglês, 1862-1942.
[2] Este procedimento utiliza um cristal como rede de difração.

Teoria da colisão fóton-elétron

O próprio Compton desenvolveu a teoria do espalhamento de raios X pela matéria, baseando-se nas seguintes hipóteses: Lembramos que, na cinemática Einsteiniana, a velocidade de uma partícula é dada, em termos da sua energia total E e do seu momentum linear p por
(7-1)
No caso de uma partícula que anda à velocidade da luz, como é o caso do fóton, isto resulta em1,2
(7-2)
A nível ondulatório, esta relação traduz-se por
(7-3)
onde l é o comprimento de onda.

Para uma partícula massiva como o elétron, cuja massa de repouso denotamos por me, a relação Einsteiniana entre momentum e energia total fica
(7-4)

A cinemática da colisão está representada na figura. Antes da colisão, o momentum do fóton tem módulo pg. A energia correspondente é Eg e o comprimento de onda é l. O momentum inicial do elétron é pe = 0 e portanto a energia correspondente é Ee = me c2. Após a colisão, o momentum do fóton tem módulo pg' e faz um ângulo q com a direção do movimento do fóton incidente. A energia correspondente é Eg' e o comprimento de onda é l'. O elétron atingido recua com momentum pe' numa direção fazendo um ângulo f com a direção de movimento inicial do fóton. A sua energia final é Ee'.


Cinemática do espalhamento de Compton.

Na notação vetorial, a equação de conservação do momentum linear fica
(7-5)
de onde tiramos
(7-6)
A conservação da energia toma a forma
(7-7)
ou
(7-8)
ou ainda, expressando as energias em termos dos momenta com a ajuda da relações (7-2) e (7-4):
(7-9)
Desenvolvendo o lado direito desta equação e efetuando algumas simplificações, obtem-se
(7-10)
Subtraindo a equação (7-10) da equação (7-6) e dividindo por 2, chegamos a
(7-11)
Conseguimos assim eliminar o momentum final do elétron das equações de conservação, obtendo, para um dado momentum inicial do fóton (ou seja, uma dada energia), uma relação entre o momentum final do fóton e o ângulo de espalhamento. Dividindo pelo produto dos momenta e reorganizando os termos, podemos re-escrever esta relação na forma:
(7-12)
Vale notar que até este ponto, o desenvolvimento foi inteiramente baseado na cinemática relativística de partículas. Para deduzir o resultado ondulatório desejado, qual seja, a expressão da modificação do comprimento de onda no espalhamento, basta multiplicar a equação (7-12) pela constante de Planck e invocar a relação (7-3); o resultado é:
(7-13)
Vê-se que o aumento do comprimento de onda no espalhamento é uma função simples do ângulo de espalhamento e é independente do comprimento de onda (ou da energia) inicial. A escala do deslocamento é determinada pela quantidade
(7-14)
o assim chamado comprimento de onda de Compton do elétron, cujo valor é
(7-15)
Aqui nós deparamos com um fato importante: ao introduzir uma escala de ação, epecificada pela constante de Planck, a física quântica associa a cada partícula uma escala intrínseca de comprimento, inversamente proporcional à massa.

Vale notar que a teoria desenvolvida acima, embora principalmente destinada a explicar o segundo pico no espectro dos raios X espalhados num dado ângulo, fornece também uma explicação do primeiro pico, cujo comprimento de onda é igual ao do feixe incidente. Para os elétrons mais ligados num material, a energia de ligação pode chegar a dezenas de kilo-eletronvolts. Neste caso, o elétron atingido pelo fóton não pode ser considerado como livre, e é o átomo como um todo que recua para absorver o momentum transferido pelo fóton na sua mudança de direção. Substituindo-se a massa do elétron na fórmula pela massa do átomo, dezenas de milhares de vezes maior, obtem-se um deslocamento de comprimento de onda inobservável. Assim, neste caso, a interpretação quântica do espalhamento leva ao mesmo resultado que a teoria clássica: o comprimento de onda da onda espalhada é igual ao comprimento de onda da onda incidente.

[1] Conforme a tradição, utilizamos a letra g para referimo-nós a um fóton.
[2] Vale lembrar que a mesma relação entre a energia e o momentum associados a uma onda eletromagnética pode ser derivada da teoria de Maxwell.

Produção de raios X

Raios X podem ser produzidos num tubo de raios catódicos, aplicando-se uma alta voltagem - dezenas de kilo-eletronvolts - entre o anodo e o catodo. Os raios X são produzidos pelos impactos dos raios catódicos sobre um alvo, que pode ser constituído de diversos materiais.

Aparelho de raios X.

O espectro dos raios X produzidos apresenta um contínuo, assim como linhas para comprimentos de onda bem definidos, que discutiremos após ter estudado a estrutura quântica do átomo. Ao serem freados pela matéria, os elétrons dos raios catódicos perdem energia e produzem radiação, por isso denominada radiação de freamento, responsável pela parte contínua do espectro. Uma característica notável deste espectro é que ele se extende apenas até um certo valor mínimo lmin do comprimento de onda, que depende da voltagem V aplicada ao tubo mas não da natureza do material utilizado para o alvo. Evidentemente, de acordo com a teoria de Einstein, esta radiação é constituída de fótons, e Einstein foi logo capaz de explicar o corte no espectro e calcular o valor de lmin, supondo que corresponde ao caso no qual toda a energia adquirida pelo elétron ao atravessar a diferença de potencial é perdida na emissão de um único fóton. Obviamente, isto fornece a maior freqüência possível nmax para o fóton de raio X,
(7-16)
e portanto o menor comprimento de onda,
(7-17)
Inserindo os valores das constantes fundamentais, esta relação pode ser re-escrita na forma conveniente:
(7-18)
com V em volts.