Simetria e Supersimetria
Esse conceito estranho e de difícil compreensão, proposto na
teoria das partículas
elementares, começa a ser confirmado pela experimentação
POR JAN JOLIE / ILUSTRAÇÕES BRYAN CHRISTIE DESIGN
A supersimetria é uma simetria notável. Na física de partículas elementares, ela inter-relaciona partículas completamente diferentes: os férmions (como os elétrons, prótons e nêutrons), que constituem o mundo material, e os bósons (como os fótons), que geram as forças da natureza. Os férmions são os individualistas e solitários do mundo das partículas: dois férmions jamais ocupam o mesmo estado quântico. Sua aversão a companheiros íntimos é forte o bastante para evitar o colapso de uma estrela de nêutrons, mesmo quando a gravidade supera todas as outras forças da natureza. Os bósons, ao contrário, são imitadores de fácil convívio, e unem-se prontamente em estados idênticos. Cada bóson que se encontra num certo estado instiga os outros de sua espécie a imitá-lo. Sob condições propícias, os bósons formam exércitos de clones. É o que ocorre com os fótons de um raio laser ou os átomos do hélio-4 superfluido. Porém, no espelho mágico da supersimetria, os anti-sociais férmions de alguma maneira se parecem com os sociáveis bósons - e vice-versa.
De forma figurada, pode-se dizer que a supersimetria é um tipo de simetria
que permite comparar maçãs e laranjas. Segure uma maçã
diante do espelho da supersimetria, e o reflexo dessa maçã terá
a aparência e o sabor de uma laranja. Nenhuma simetria simples existente
na física possui essa magia. Simetrias simples podem agir como os espelhos
deformadores de um parque de diversões, fazendo, por exemplo, com que
inofensivos elétrons se pareçam com fantasmagóricos neutrinos,
mas nunca poderiam transformar um férmion num bóson. Só
a supersimetria é capaz de fazê-lo. Essa é, pelo menos,
a teoria. Os teóricos das partículas elementares estudam com afinco
a supersimetria desde sua invenção, na década de 1970,
e muitos crêem que ela guarda a chave para o próximo grande avanço
em nossa compreensão das partículas e das forças fundamentais.
Os pesquisadores experimentais, no entanto, procuraram as partículas
previstas pela supersimetria em seus aceleradores de altíssima energia,
até agora sem resultado.
Na década de 1980, os teóricos propuseram que as colisões
violentas de partículas não seriam necessariamente a única
maneira de detectar a supersimetria. Eles previram que uma forma diferente de
supersimetria poderia existir em determinados núcleos atômicos.
Neste caso, também, a supersimetria relaciona objetos físicos
que são muito diferentes entre si: núcleos com números
pares de prótons e nêutrons e núcleos com números
ímpares de prótons e nêutrons. Mais uma vez, isso envolve
férmions e bósons, pois uma partícula composta que contém
um número ímpar de férmions é ela mesma um férmion,
ao passo que um número par de férmions produz um bóson.
Para compreender melhor a supersimetria nuclear, imagine um salão cheio
de pessoas dançando, representando os núcleons que formam um núcleo.
Quando há um número par de pessoas, todos têm seus parceiros
e o salão fica cheio de casais dançando. Quando há um número
ímpar de pessoas, uma delas fica vagando sozinha pelo salão. No
espelho supersimétrico, porém, essa pessoa se parece magicamente
com qualquer outro casal e dança em sincronia com os demais.
Da mesma forma, um núcleo com um número ímpar de prótons
e nêutrons tem por imagem um núcleo com número par de núcleons
- e vice-versa.
MODELOS NUCLEARES
Cem trilhões (1014) de vezes mais densos do que a água, os núcleos
(a) são pacotes extremamente compactos de prótons (bolas alaranjadas)
e nêutrons (bolas azuis). Devido à força e complexidade
da poderosa atração nuclear que mantém os núcleos
coesos, há muito os físicos recorrem a modelos aproximados para
descrever os seus estados quânticos.
O modelo de camadas (b) é muito semelhante ao que descreve os elétrons
nos átomos. Ele considera o núcleo atômico como um conjunto
de nêutrons e prótons (núcleons) interagindo fracamente,
mantidos num poço de energia potencial. Os núcleons podem ocupar
várias órbitas, de forma análoga aos elétrons no
átomo, mas constituindo dois conjuntos distintos - um para os prótons
e outro para os nêutrons. Assim como os elétrons, os núcleons
são partículas fermiônicas, e o princípio de exclusão
de Pauli aplica-se a eles. Isso significa que dois núcleons não
podem ocupar a mesma órbita. As órbitas formam camadas ou conjuntos
de órbitas com energias similares, com grandes vazios entre elas. Núcleos
com uma camada fechada (cheia) de prótons ou uma camada fechada de nêutrons,
e especialmente aqueles com ambas, apresentam grande estabilidade, assim como
os átomos de gases nobres, que possuem camadas fechadas de elétrons.
No caso de núcleos que, além de uma camada fechada, possuem alguns
núcleons adicionais (c), podemos ignorar, até certo ponto, os
núcleons individuais na camada fechada, e nos concentrarmos nos poucos
núcleons que se encontram fora dela. As interações entre
esses núcleons externos é que devem ser levadas em conta. Em núcleos
pesados, com muitos núcleons fora da última camada fechada, os
cálculos tornam-se proibitivamente complexos, até mesmo para computadores
modernos.
O modelo coletivo, ou modelo da gota líquida (d), aplica-se a núcleos
pesados, compostos por cem ou mais núcleons. O modelo não considera
os núcleons individuais, mas vê o núcleo como uma gota de
líquido quântico, capaz de sofrer diversas vibrações
e rotações. As propriedades do núcleo são, então,
representadas por grandezas simples como densidade, tensão superficial
e carga elétrica distribuída no líquido. Este modelo mostrou-se
extremamente eficaz na descrição de certos tipos de núcleos
bem diferentes dos de camadas fechadas: aqueles que contêm uma grande
quantidade de núcleons na camada exterior.
Na física quântica, excitações, como as vibrações
de uma gota, assumem muitas propriedades características das partículas,
e podem comportar-se como férmions ou bósons. Quando o modelo
coletivo é aplicado aos sistemas mais simples (núcleos par-par,
que contêm quantidades pares de prótons e nêutrons), as vibrações
superficiais, que são os constituintes básicos do modelo, comportam-se
como bósons. No caso de um número ímpar de núcleons,
o último núcleon ocupa uma órbita que depende do estado
da gota, e as excitações são férmions.
O modelo de bósons interativos (e) unifica o modelo de camadas e o modelo
da gota líquida, empregando a propriedade de paridade da força
nuclear. O modelo analisa os núcleos pesados par-par como conjuntos de
pares de núcleons fora de uma camada fechada, como se fossem casais movimentando-se
numa pista de dança, em vez de indivíduos. Quando dois núcleons
formam um par, assemelham-se a um bóson, porém, diferentes tipos
de pares são possíveis. Em analogia à dança, alguns
casais dançam uma valsa lenta, enquanto outros dançam um rock
acelerado.
Pequisadores experimentais detectaram recentemente uma versão dessa extraordinária
simetria em isótopos de ouro e de platina, com prótons e nêutrons
agindo como dois grupos de estudantes, de duas escolas diferentes, dançando
no mesmo salão de baile. Nessa supersimetria nuclear, quatro casos estão
presentes, em vez de dois: o caso em que ambas as escolas têm um dançarino
sobrando (números ímpares de prótons e nêutrons),
os dois casos em que uma das escolas tem um dançarino sobrando (número
par de prótons e número ímpar de nêutrons, ou vice-versa),
e o caso em que todos têm parceiros (números pares de prótons
e de nêutrons).
O núcleo atômico é um sistema quântico fascinante,
que contém muitos segredos. Por décadas, seu estudo tem sido uma
fonte contínua de descobertas inesperadas. Os teóricos têm
de empregar diversas ferramentas para compreender todas as facetas da física
extremamente complexa dos núcleos. O novo resultado incorpora a supersimetria
ao conjunto das ferramentas - e demonstra que a supersimetria não é
uma mera curiosidade matemática, mas algo que existe mesmo no mundo.
A pesquisa em física nuclear também fornece ferramentas para a
compreensão de outros sistemas quânticos com características
gerais semelhantes às dos núcleos - os chamados sistemas finitos
de muitos corpos, contendo desde um punhado de partículas até
centenas delas. Os métodos experimentais permitem agora o estudo de objetos
como esses, constituídos por pequenas quantidades de átomos ou
moléculas. E a supersimetria pode ser importante também para esses
campos da física.
MEDINDO E IDENTIFICANDO ESTADOS NUCLEARES
Os núcleos diferem muito entre si, dependendo da quantidade par ou ímpar
de prótons e nêutrons que contenham(veja a imagem à direita).
Essas diferenças existem porque, separadamente, os prótons e os
nêutrons tendem a formar pares, que se movimentam em estados coordenados
e estáveis. Maria Goeppert Mayer apresentou esse conceito na década
de 1950, quando trabalhou na Universidade de Chicago. No tipo mais simples de
núcleo, o par-par, todos os prótons e nêutrons estão
emparelhados. Esses núcleos têm pouquíssimos estados excitados
de baixa energia. Nos núcleos par-ímpar, que possuem um número
par de um tipo de núcleon e um número ímpar do outro tipo,
o núcleon desemparelhado introduz mais excitações. Os núcleos
ímpar-ímpar possuem um próton e um nêutron desemparelhados,
e são proporcionalmente mais complexos.
As reações de transferência forneceram dados cruciais para
a observação da supersimetria nuclear, ao determinar os estados
excitados do ouro 196. Numa típica reação de transferência
(veja a imagem à esquerda), um próton acelerado atinge o núcleo-pai
e carrega consigo um de seus nêutrons, formando um dêuteron. O núcleo-filho
fica num estado excitado, cuja energia pode ser determinada diretamente a partir
da energia do dêuteron.
Núcleos misteriosos
Tudo o que tem substância no mundo que nos cerca é composto por
átomos - nuvens de elétrons envolvendo núcleos minúsculos
e de grande massa. Os físicos e químicos compreendem muito bem
a organização desses elétrons, e sabem que as propriedades
que governam nosso mundo material surgem dessas estruturas. As previsões
mais bem-sucedidas da ciência devem-se a um detalhamento minucioso dos
níveis de energia dos elétrons presentes nos átomos. Os
núcleos atômicos, por outro lado, continuam bem menos compreensíveis.
A principal razão dessa disparidade é a natureza das forças
envolvidas. Os elétrons são mantidos em órbita em torno
dos núcleos pela força eletromagnética, que é relativamente
fraca. A força predominante no interior dos núcleos é aproximadamente
cem vezes maior (daí seu nome: força nuclear forte). Técnicas
teóricas capazes de descrever atrações fracas, como o eletromagnetismo,
não se aplicam a fenômenos tão fortes como a força
nuclear. Além disso, os elétrons são partículas
elementares desprovidas de estrutura, ao passo que os prótons e nêutrons
são aglomerados complexos de partículas chamados quarks e glúons.
A força existente entre esses núcleons não é uma
força fundamental como a eletromagnética, cujas equações
são conhecidas com precisão. Pelo contrário, a atração
nuclear entre os núcleons é um complicado subproduto das interações
entre os quarks e glúons que os constituem.
A força nuclear é fortemente atrativa em distâncias de alguns
femtômetros, (10-15 metro). Daí em diante, cai a zero. Essa força
une os núcleons, mantendo-os muito próximos e fazendo cada núcleon
interagir intensamente com todos os outros núcleons ao seu alcance (em
contraste, as órbitas dos elétrons são cerca de 10 mil
vezes mais distantes). A estrutura resultante é um dos mais desafiadores
sistemas quânticos conhecidos. Durante décadas, os físicos
desenvolveram vários modelos teóricos para tentar descrevê-la
(veja o quadro na página 63). Alguns modelos tratam o núcleo como
uma gota de fluido quântico capaz de vibrar e oscilar de modos específicos.
Outros imitam a estrutura que tão bem se aplica aos elétrons em
órbita: camadas de orbitais discretos, sucessivamente preenchidas pelos
núcleons, a partir do nível de energia mais baixo.
Os diferentes modelos tendem a funcionar melhor para classes específicas
de núcleos, dependendo do total de núcleons envolvidos e do nível
de preenchimento das camadas externas de prótons e nêutrons. Como
prótons e nêutrons gostam de formar pares, o comportamento do núcleo
varia drasticamente de acordo com uma quantidade par ou ímpar de prótons
e nêutrons (veja a ilustração na página 64). Os chamados
núcleos par-par são geralmente os mais simples, seguidos pelos
par-ímpar, sendo os ímpar-ímpar os mais complexos de todos.
A simetria é uma ferramenta importante e poderosa para o desenvolvimento
e uso desses modelos. Os princípios da simetria ocorrem em toda a física,
muitas vezes de formas inesperadas. Por exemplo, a lei da conservação
da energia pode ser derivada de um princípio de simetria envolvendo o
fluxo de tempo. Um aspecto central de simetria na física quântica
é a divisão das partículas em bósons e férmions:
partículas que possuem estados quânticos fundamentalmente diferentes
e comportamentos completamente distintos. Os férmions obedecem ao princípio
de exclusão de Pauli, segundo o qual dois férmions da mesma espécie
não podem permanecer simultaneamente no mesmo estado. Os bósons,
ao contrário, preferem unir-se em estados idênticos, como demonstram
os átomos de hélio-4 superfluido.