Avaliação

"Se a boa escola é a que reprova, o bom hospital é o que mata".

Hamilton Werneck

        Quando se fala em avaliação, se imagina uma sala de aula com suas cadeiras dispostas de tal forma que parecem ter sido separadas milimetricamente com filas separadas entre pares e ímpares, sendo que um aluno não pode entrar em contato com o outro. Todos ficam posicionados como se estivessem em uma corrida, competitiva, que nos faz pensar que aquele que chega primeiro é o melhor. Alguns professores transpiram competição o tempo todo e, se pudessem, criariam verdadeiros sistemas de chegada com ganhos e perdas para todos os alunos a cada bimestre. Para estes educadores é impossível que todos aprendam. Mesmo diante de novas perspectivas, nos parece que o corpo docente que trabalha dentro das escolas no ensino básico, resiste à percepção de que a avaliação deve servir como meio de auxílio para professores e alunos. Os professores no ensino fundamental parecem estar mais abertos a novas mudanças, ou pelo menos, mais conscientes do papel das avaliações nas escolas.

        Não são raros os professores que aplicam provas sem, nem ao menos prepará-las com carinho, o que incluiria o conhecimento do aluno, o preparo e as possibilidades do mesmo. O processo avaliativo não existe por si só e não pretende uma melhora na aprendizagem, mas na racionalidade e na justiça nas práticas educativas. Avalia-se não só para cumprir com uma função do professor, de manter atua-lizado o currículo do aluno mas fundamentalmente, se faz avaliação para conseguir a melhoria do processo educativo como um todo.

        Mas se alguns professores economizam tempo ao prepararem suas provas, por outro lado dispendem um tempo enorme para corrigí-las e atribuir notas e conceitos ao término de cada período letivo. Isto só complica. Principalmente se tais provas são aplicadas após o término dos segmentos letivos. Pessoalmente acho que não existe maneira de avaliar um aluno apenas com um pedaço de papel onde a subjetividade do professor é que comanda tal avaliação ou, ainda, se o professor está de bem com a vida na hora da correção. Não compreendo até hoje o porquê de ter sido reprovada no 2º ano do meu antigo 2° grau. Precisaria, para passar de ano, obter uma nota 13 na minha prova de recuperação, o que era impossível. Porém foi estabelecido que conforme seriam as notas, individualmente falando, o aluno teria uma nova chance de tirar aquilo que faltasse para conseguir os pontos necessários. Estudei e cumpri meu papel de boa aluna: decorei todas as fórmulas que tinham para ser decoradas e o impossível aconteceu. Tirei uma maravilhosa nota 9, bem diferente do meu medíocre e costumeiro 1. Isto aliviou a todos, pois quem tira 9 em uma prova, conseguiria com tranqüilidade, tirar o resto que faltava, ou seja, a nota 4. A única coisa que me lembro agora é que o dia da segunda prova foi o dia mais quente do ano, era véspera de Natal, e quase todos os meus amigos estavam de férias. Fiz a prova e fui para casa. Algum tempo depois soube que estava reprovada porque uma nota 2 não seria o suficiente para passar. Não vi mais o professor, que no ano seguinte mudou de escola, e até hoje não sei onde foi que errei já que completei toda a prova. Fiquei "disparcerada" de meus colegas e até hoje detesto quando algum problema recai em uma Progressão Aritmética ou uma Progressão Geométrica, ou então em uma Análise Combinatória.

        Não me preocupei mais em compreender muitas coisas, mas sim em correr atrás de meus pontos, milésimos e décimos de pontos. Assim não foi só comigo. Esta competição é travada entre todos aqueles que querem passar de ano. Principalmente na faculdade isto existe e muito. Afinal, aquele que possui uma melhor nota ou desempenho será o melhor profissional. Será?

        Enfim se formos a fundo no que está errado diante dos processos avaliativos que existem, teríamos páginas e mais páginas depressivas que nos remeteriam a uma discussão sem fim. Discussão esta que está sendo feita há muito tempo por muitos especialistas. Porém o que mais me chama atenção nos textos que li, foi o medo que a grande maioria dos professores tem de mudar. São tantas as desculpas, tais como: Não temos tempo de fazer um outro tipo de avaliação. Ganhamos pouco e temos todo o tempo ocupado.

        Como já citei antes, o tempo gasto nas correções de provas é imenso e tais professores não compreendem que avaliar é acompanhar o aluno desde o momento que este coloca os pés em sala de aula. Ao mesmo tempo em que o aluno é avaliado, os métodos empregados pelo professor também proporcionam uma ótima oportunidade para o professor também crescer. Uma das discussões básicas levantadas por alguns profissionais é traduzida pelo seguinte artigo que saiu no Jornal O Globo em 01/12/91, pg.18: - "Proibir a repetência é um suicídio total, uma demagogia de baixíssimo nível, incompatível com a tentativa do Brasil de sair do Terceiro Mundo. E se depois de oito anos descobrirem que o aluno é analfabeto, o que vão fazer? Matar o aluno para não comprometer a modernidade do país? Parece me que é isso que está sendo proposto." Bem, para começar, o professor não é nenhum idiota. Ele sabe quando seus alunos estão evoluindo ou estagnados; aliás, é somente ele que pode dizer isto. Sabemos da pressão por parte dos pais, mas sabemos também do poder do professor dentro de sua sala de aula e na comunidade ao seu redor. As provas cansativas, e na maioria das vezes usadas como único recurso avaliativo, devem deixar de ser usadas como redes de segurança em termos do controle exercido pelos professores sobre os alunos, pelas escolas e pelos pais sobre os professores e do sistema sobre as escolas. Controle este que parece não garantir o ensino de qualidade que viemos pretendendo, pois as estatísticas são cruéis em relação à realidade de nossas escolas.

        A verdade é que tal sistema classificatório é tremendamente vago no sentido de apontar falhas no processo. Não aponta as reais dificuldades dos alunos e dos professores. Não sugere qualquer encaminhamento, porque discrimina e seleciona antes de tudo. Apenas reforça a manutenção de uma escola para poucos.

        Temos que perder o medo de também sermos avaliados, não no sentido de quantidade, mas de procurarmos novos caminhos onde todos, e principalmente o governo, devam cumprir o seu papel, proporcionando ao professor uma melhor qualidade material, incluindo os salários já tão discutidos por todos. Aí sim nós, os novos professores, estaremos prontos para aprender com os erros e os acertos do antigo sistema. A saída é perder o medo de dialogar e compreender o porquê de tanta resistência a mudanças que as pessoas têm.

" SE NÃO AMO O MUNDO, SE NÃO AMO A VIDA, SE NÃO AMO OS HOMENS, NÃO ME É POSSÍVEL O DIÁLOGO." ( Freire, 1979, p. 94 ).

Maria Luciana de Oliveira


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Bibliografia:

Werneck, Hamilton. Se a boa escola é a que reprova, o bom hospital é o que mata. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

Hoffmann, Jussara. Avaliação Mediadora – Uma Prática em construção da pré-escola à universidade. Porto Alegre: Editora Mediação, 2000.

Melchior, Maria Celina. O sucesso escolar através da avaliação e da recuperação. Novo Hamburgo: s.ed, 1998.