Jornal da Ciência (JC E-Mail)
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Edição 2717 - Notícias de C&T - Serviço da SBPC
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2 de março de 2005

Haverá um novo Einstein?


A física é, atualmente, vasta demais para ser dominada por uma só pessoa, alega a maioria dos cientistas

Dennis Overbye escreve para 'The New York Times':

Ele não pareceu muita coisa a princípio. Era gordo e tinha a cabeça tão grande que sua mãe temia que fosse deformada ou danificada.

Só começou a falar depois dos 2 anos, apresentando estranha ecolalia - tendência a repetir automaticamente sons e palavras ouvidas -, o que intensificou os temores dos pais.

Os primórdios de Albert Einstein são fonte de conforto para pais que gostariam de esperar que, contra as evidências, sua gracinha cresça e se transforme numa figura mundial.

Mas perseguem gente como eu, que anseia por um assento na primeira fila da Próxima Grande Coisa e se pergunta se em algum lugar poderá haver um novo Einstein, usando seu tempo para fazer experiências num laboratório de biologia, escrever softwares ou conectar um detector gigante nas entranhas de algum acelerador de partículas enquanto dá os toques finais numa revolução da nossa percepção da realidade.

'Einstein mudou a maneira como os físicos pensam sobre o universo de uma forma que a população pôde compreender', disse Michael Turner, cosmólogo da Universidade de Chicago e diretor de ciências físicas e matemáticas da Fundação Nacional da Ciência.

Poderia acontecer de novo? 'Onde está o novo Einstein'? Nenhuma pergunta tem mais probabilidade de enfurecer um cientista.

E nada seria mais perturbador e até desmoralizante para alguns jovens cientistas do que serem rotulados de 'o novo Einstein'.

'É sempre uma pergunta tola', confirma Lawrence Krauss, cosmólogo da Case Western Reserve University.

Para Stephen Hawking, o cosmólogo britânico e autor de best sellers sempre citado, tais comparações têm menos a ver com suas realizações e mais com a necessidade da mídia por heróis.

Perguntar se poderá haver um novo Einstein é também perguntar sobre o papel do indivíduo na ciência moderna. Parte da confusão é uma desconexão entre o que constitui a fama pública e a fama científica.

Dizem historiadores e cientistas que o status de ícone de Einstein resultou de uma convergência única entre gênio científico, circunstâncias históricas e carisma, o que é improvável que se repita.

A física é vasta demais para ser dominada por uma pessoa da forma como ele a dominou há um século.

A tecnologia é a heroína não celebrada do progresso científico, dizem eles - os computadores e os chips tornaram possível absorver e contar cada fóton de um quasar distante ou os quilômetros de fios e toneladas de sensores que envolvem os pontos de colisão de partículas subatômicas com a velocidade da luz.

Um documento de física sobre alta energia informando os resultados de alguma experiência pode ter 500 autores.

Probabilidades

'Einstein resolveu problemas nos quais as pessoas nem estavam pensando', disse Edward Witten, do Institute for Advanced Studies de Princeton, New Jersey, o território de Einstein nos seus últimos 32 anos.

'Pode ser que haja grandes perguntas que ninguém esteja fazendo, mas há tanta gente na física que é menos provável que grandes questões continuem sem resposta.' Mas nunca se sabe.

Na realidade, admitem os físicos, a ciência é cheia de questões exasperantes e fundamentais, como a natureza da energia negra que faz pressão para dividir o universo ou o significado da teoria de cadeia, a tentativa matematicamente elegante, mas tosca, de unificar todas as forças da natureza pensando nas partículas elementares como cadeias ondulantes.

'Podemos formular uma questão einsteiniana. Como você sabe, fazer a pergunta é a chave', disse Leon Lederman, ganhador do Nobel e ex-diretor do Fermi National Accelerator Laboratory.

Ele gosta de pensar que isso será resolvido por um 'garoto brasileiro num vilarejo' e disse esperar que continue a haver Einsteins.

Uma forma de medir o impacto deles - sugeriu - foi quanto tempo a sociedade demorou para digerir descobertas e ir adiante.

Por essa medida, Isaac Newton derrota Einstein como o maior (ao menos desde que foi inventada a ciência). O mundo de Newton durou mais de 200 anos antes que fosse derrubado por Einstein.

Este 'durou 100 anos', observou. 'Investidores experientes dizem que algo vai acontecer e a lei da relatividade não durará outros 200 anos.'

Einstein passou dez anos dando tratos à bola e tomando emprestado talentos matemáticos de seus amigos tentando estender a relatividade ao domínio da gravidade.

Quando 'essa grande aventura do pensamento', como foi chamada, atingiu a praia com segurança, Einstein pegou uma onda que o elevou bem acima da física e da ciência. O mundo estava exaurido pela 1.ª Guerra e as pessoas, prontas para algo novo. Einstein lhes deu um universo novo.

Indagados sobre o que consideram especial em Einstein, os físicos dizem que são seus altos padrões, uma necessidade quase biológica de encontrar ordem e consistência lógica na ciência e na natureza e a habilidade de deslindar e questionar as pressuposições subjacentes ao consenso geral sobre a realidade.
(O Estado de SP, 2/3)