Jornal da Ciência (JC E-Mail)

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Edição 2781 - Notícias de C&T - Serviço da SBPC
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3 de junho de 2005

Einstein, herói de um romance de Julio Verne

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão

A família Einstein, apesar ser de origem judia, encontrava-se no caminho de se germanizar, assim como a maioria dos judeus alemães. Ela havia rompido com a sua tradição e só reconhecia a sua cidadania alemã

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é pesquisador-titutar do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no qual foi fundador e primeiro diretor, autor de mais de 70 livros, entre outros livros, do "Explicando a Teoria da Relatividade". Artigo enviado pelo autor ao 'JC e-mail':

Até os 35 anos, Einstein acompanhou em todos os pontos essa evolução. Ele ignorava a sua natureza judaica. Não queria mais ser simplesmente judeu, acreditando que essa ruptura faria desaparecer o anti-semitismo.

Durante a Primeira Guerra Mundial, fez parte de um pequeno número de universitários alemães que de opunham publicamente a qualquer forma de militarismo inclusive o germânico. Foi justamente o contrário o que ocorreu.

No dia seguinte a sua derrota, na Primeira Guerra Mundial, ocorreu um brutal ressurgimento do anti-semitismo na Alemanha, justamente no momento em que Einstein se tornava uma celebridade.

Seu engajamento, em favor das teses pacifistas e sionistas, fê-lo alvo privilegiado dos anti-semitas e da extrema direita alemã. Até mesmo as suas teorias científicas foram objetos de ataques públicos e, particularmente, a teoria da relatividade.

Quando Hitler chegou ao poder, em 1933, Einstein foi obrigado a deixar a Alemanha, emigrando inicialmente para Paris, em seguida para a Bélgica, antes de se instalar nos EUA, onde ocupou uma cátedra no Instituto de Estudos Avançados em Princeton até a sua morte em 1955.

Ao assumir a defesa do sionismo, Einstein rompeu com o pacifismo dando ênfase a ameaça que representava para a humanidade o regime nazista.

Ao se tornar o judeu mais conhecido da Alemanha, Einstein se tornou alvo do ataque anti-semita a partir de 1920. Sua reação foi reinvidicar ou reclamar a volta à cidadania judia, reafirmando seu apoio e solidariedade aos judeus dos países do leste que procuravam refúgio na Alemanha.

Ele se associou ao movimento sionista ao fazer uma turnê pelos EUA, em 1921, com a finalidade de recolher recursos necessários para a construção de uma Universidade Hebraica em Jerusalém.

Este engajamento levou-o a entrar em conflito com as burguesias judia alemã, que o obrigou a assumir uma posição judaica que não fosse o simples retorno à religião dos seus antepassados.

Ao se situar em favor do ideal sionista chocava-se com o seu ideal da juventude antimilitarista e/ou pacifista, internacionalista e/ou antinacionalista. No início, se opôs à criação de um estado judeu, fundamentado no nacionalismo e no exército. Tudo isso que ele detestava.

Ele sempre sonhou com uma confraternização na Palestina entre os judeus e os árabes.

Exilado nos EUA em 1933 multiplicou as intervenções em favor dos judeus que fugiam da Alemanha nazista e tentavam emigrar para os EUA.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Einstein julgou as autoridades alemãs responsáveis pelos crimes nazistas, não os perdoando jamais.

Numa revanche, associou-se ao novo estado de Israel, o único país com o qual se sentia intimamente ligado por motivos humanitários e por razões associadas à defesa do povo judeu.

Em 1939, a pedido de outros físicos, Einstein aceitou escrever uma carta ao presidente norte-americano Franklin Roosevelt, prevenindo-o do perigo a que o mundo se encontrava exposto, se o governo alemão se comprometesse no caminho do desenvolvimento das armas que utilizavam a energia nuclear.

Essa famosa carta foi a origem do projeto Manhattan - programa norte-americano de pesquisa que visava a construção de uma bomba -, em cuja elaboração Einstein não tinha nenhum papel fundamental, ao contrário do que ocorria com os seus colegas, dentre eles o italiano Enrico Fermi e o dinamarquês Niels Bohr.

Em 1945, quando compreendeu que esse programa se tornaria uma realidade, tomou a mesma iniciativa de escrever uma nova carta a Roosevelt, para solicitar que se renunciasse às armas nucleares.

Em 1952, David Ben Gurion ofereceu a Einstein a Presidência da República de Israel. Ele recusou, mas fez da Universidade hebraica de Jerusalém sua herdeira universal.

Após a guerra lutou em favor do desarmamento internacional mundial, ao mesmo tempo em que continuava a apoiar a causa de Israel. Seus engajamentos em favor da causa social e política foram às vezes irrealistas, visionários.

Com efeito, suas proposições foram sempre cuidadosamente elaboradas.

Assim como as suas teorias científicas, elas foram elaboradas por uma poderosa e poderosa intuição, baseada numa avaliação perspicaz e profunda da prova e da observação.

Embora Einstein tenha consagrado uma grande parte da obra à defesa política e social, as ciências ocuparam uma posição de primeiro plano em seus trabalhos. De fato, ele dizia com freqüência que a descoberta da natureza do universo seria a única que teria um significado durável.

Na realidade, Einstein foi, por excelência, o herói de um romance, ou seja, um personagem idealista que viveu em conflito com o que pensava poder construir, mas que o destino e o mundo hostil impossibilitou se tornasse uma realidade.

Sob esse ponto de vista, sua vida é de uma limpidez extraordinária. Durante os primeiros 40 anos da sua vida, Einstein foi o que gostaria de ser e na segunda parte viu que tudo o que tentou construir foi destruído por governos insensíveis dominados pela sede de poder.

Poderíamos associá-lo à imagem do Capitão Nemo, personagem das Vinte mil léguas submarinas de Júlio Verne, um terrorista pacifista que construiu tudo aquilo que sua imaginação criativa e idealista concebeu; mas que, por não confiar nos governos, preferiu destruí-los, pois se recusava a entregá-los aos poderes irresponsáveis que dominaram e ainda dominam as nações.

Aliás, como o Capitão Nemo, Einstein amava o mar, a liberdade e a música.

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