Polêmicas em torno do artigo Mancadas Einsteinianas,

publicado no Jornal da Ciência (JC E-Mail)

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Edição 2717 - Notícias de C&T - Serviço da SBPC
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2 de março de 2005

Mancadas Einsteinianas

Domingos S.L. Soares

A imparcialidade científica exclui, por definição, a reverência e o culto de personalidade. Errar é humano e Einstein errou em muitas ocasiões

Domingos S.L. Soares é pesquisador do Depto. de Fisica da UFMG. Artigo enviado pelo autor ao 'JC e-mail':

O Ano Mundial da Física 2005 celebra Einstein 1905. Uma celebração excessiva de uma única personalidade pode ser prejudicial, como comportamento padrão, para a geração mais jovem.

Com esta idéia em mente, comento alguns episódios da carreira científica de Einstein, os quais são até certo ponto, caracterizados por comportamentos que poderiam ser identificados como verdadeiras mancadas. O objetivo final é obviamente humanizar o personagem, em contraposição à tendência presente de deificação.

Introdução

``O Ano Mundial da Física 2005 é uma celebração internacional da física patrocinada pelas Nações Unidas. Ao longo do ano eventos salientarão a vitalidade da física e a sua importância no próximo milênio, e comemorarão as contribuições pioneiras de Albert Einstein em 1905'

Esta é a declaração de abertura que aparece na página eletrônica http://www.physics2005.org , a qual se dedica à divulgação do Ano Mundial da Física.

A idéia parece ser, primeiro, celebrar a física, e, segundo, comemorar Einstein. Contudo, nota-se sem muito esforço que já, no começo do ano, tem havido excessiva atenção, através de escritos e manifestações diversas nos meios audio-visuais sobre a figura de Einstein, com uma destacada tendência à idolatria científica, característica inimaginável em ciência.

Nós, cientistas, temos presumivelmente que respeitar unicamente a Natureza como única fonte de inspiração para as nossas atividades, tanto no domínio experimental quanto no teórico.

Está fora de questão que 1905 foi o annus mirabilis de Einstein. Naquele ano, o mundo testemunhou a publicação de três obras-primas da literatura científica contemporânea.

Foram elas: o trabalho sobre o movimento browniano, estabelecendo a realidade dos átomos, o trabalho sobre o efeito fotoelétrico, estabelecendo os quanta de radiação, e a Teoria da Relatividade Especial.

Mas Einstein não foi único neste aspecto. Houve um antecedente, de tal momento brilhante, na história da ciência: 1666 é assinalado como o annus mirabilis de Isaac Newton.

De 1665 a 1667, ele também abriu as portas para três novas áreas da pesquisa científica, a saber, ele lançou os fundamentos do cálculo diferencial e integral, desenvolveu a teoria das cores, e propôs a sua teoria de gravitação universal.

A publicação em 1687 de sua maior obra, os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, marcou o início de uma nova era no empreendimento científico, de forma geral. Há portanto um claro paralelo com a contribuição de Einstein para a ciência moderna.

Nas três seções seguintes eu comento sobre aspectos da vida científica de Einstein que são geralmente vistos com uma aceitação respeitosa, apesar de constituirem-se em maus exemplos de comportamento científico.

A constante cosmológica

Num importante artigo publicado nos Anais da Academia Real Prussiana de Ciências, em 1917, intitulado ``Kosmologische Betrachtungen zur Allgemeinen Relativitätstheorie'', i.e., 'Considerações Cosmológicas na Teoria da Relatividade Geral'', Einstein inaugurou a era da cosmologia mooderna aplicando as suas idéias da Relatividade Geral ao universo como um todo.

Para este fim, ele abandonou as suas equações de campo originais em favor de uma nova lei na qual havia um termo constante adicional, que representava um potencial gravitacional constante repulsivo.

O termo fornece uma pequena força repulsiva próximo à origem mas que aumentava diretamente proporcional à distância -- potencial constante -- até contrabalançar a atração gravitacional entre as massas do universo, para grandes distâncias. A sua intenção era obviamente obter um modelo estático.

É bom lembrar que, naquele tempo, mesmo as galáxias não eram reconhecidas como entidades cosmológicas independentes. Somente no final da década de 1920, com o trabalho do astrônomo Edwin Hubble, a existência das galáxias veio a ser definitivamente comprovada.

As soluções que Einstein tinha obtido inicialmente com a aplicação das equações de campo originais eram instáveis e levavam ao colapso gravitacional do modelo.

A modificação preservava a covariância geral da teoria -- requisito formal -- e resolvia o problema da instabilidade (North 1990, capítulo 5). A cosntante tornou-se conhecida como a constante cosmológica, e é até hoje matéria de muito debate.

Descrevo a seguir alguns fatos que levaram à primeira mancada einsteiniana aqui descrita. E no final das contas, ela parece ser na verdade uma mancada dupla, como eu sugiro abaixo.

A introdução da constante cosmológica levou a um grande debate concernente aos muitos aspectos dos novos horizontes abertos pela Relatividade Geral em relação ao universo.

Um modelo infinito possui claros problemas de condições de contorno, algo que era reconhecido mesmo no contexto de uma cosmologia newtoniana (ver Harrison 2000, capítulo 16).

Com a constante cosmológica, Einstein resolvia todos os problemas introduzindo um modelo finito, espacialmente fechado e estático, esta última característica sendo derivada das crenças de Einstein -- e da maioria dos cientistas da época -- relativas ao mundo físico.

Contudo, Einstein posteriormente a rejeitar a sua própria modificação das equações de campo da Relatividade Geral. North (1990, p. 86) assinala que já por volta de 1919, Einstein considerava que a introdução da constante fora ``seriamnete perniciosa quanto à beleza formal da teoria''; ele a considerava como uma adição ad hoc às equações de campo.

Mais tarde ele teve as suas convicções quanto à rejeição reforçadas devido a dois novos desenvolvimentos científicos: pelo lado observacional, o trabalho de Hubble na relação desvio para o vermelho-distância, para as galáxias, estava sendo interpretado como uma indicação de um universo em expansão -- as soluções estáticas eram desnecessárias --, e pelo lado teórico, a solução de 1922, das equações de campo pelo Russo Aleksandr Friedmann, e a solução de 1927, do Belga Georges Lemaître, as quais admitiam modelos em expansão.

George Gamov (1970) conta a estória, que se tornou legendária, de que numa ocasião Einstein lhe dissera que a constante cosmológica fora a ``minha maior mancada.''

Mas por que trata-se de uma mancada dupla? Einstein rejeitou a constante cosmológica baseado em considerações de inconsistências físicas e estéticas que ele acreditava existirem, como resultado de sua adoção. Aqui ele viu a sua mancada, a sua maior mancada.

Por outro lado, do ponto de vista estritamente teórico e formal, a Relatividade é de fato enriquecida pela adição do novo termo, ao mesmo tempo em que ainda mantém as suas características de uma teoria covariante, viável e geral, de gravitação.

Daqui provém o carácter duplo da mancada. O fato de abandonar a constante constitui uma mancada em cima de outra. Esta impressão é sugerida também por North (p. 86), o qual escreve que ``ele finalmente descartou termo em 1931, e ao fazer isto, deliberadamente restringiu a generalidade de sua teoria.''

Reivindicações recentes -- a partir do final da década de 1990 -- de um uniiverso em expansão acelerada têm levado a uma ``ressurreição'' da constante cosmológica, que poderia fornecer a repulsão cósmica responsável pela aceleração.

Esta idéia, e inúmeras outras variantes, tornaram-se uma feição dominante da cosmologia moderna. O status quo presente da cosmologia moderna não está entretanto livre de oposição. Um exemplo dela materializou-se recentemente numa Carta Aberta à Comunidade Científica (Lerner 2004).

O eclipse solar de 1919

As reações de Einstein aos resultados científicos obtidos a partir do eclípse solar total de 1919 são descritos em uma de suas biografias (Bernstein 1975, p. 123). O assunto principal era o desvio da trajetória da luz por uma fonte gravitacional, e a ocasião era extremamente apropriada para os testes observacionais da teoria da Relatividade Geral.

Duas expedições astronômicas foram organizadas por Sir Arthur Eddington, renomado cientista e amigo de Einstein. Uma das expedições dirigiu-se ao nordeste do Brasil e outra para a ilha de Príncipe, na costa Africana.

O objetivo de ambas era medir com precisão as posições das estrelas em torno do disco solar, durante o eclípse de 29 de maio de 1919.

Ilse Rosenthal-Schneider, estudante de Einstein, conta que a sua primeira reação às notícias de que as medidas apontavam para uma concordância com a predição, para o desvio da luz, baseada na Relatividade Geral foi: ``-- Eu sabia que a teoria é correta.''

Ela perguntou a ele: ``-- O que teria acontecido se não se vissem confirmadas as suas previsões?'' Einstein então respondeu: ``-- Da könnt' mir halt der liebe Gott leid tun, die Theorie stimmt doch'', ou, ``-- Então eu lamentaria pelo bom Deus, mas a teoria está correta.''

Seria esta uma reação aceitável vinda de um teórico, quando confrontado com fatos experimentais ou observacionais que fossem importantes no contexto de sua teoria? Certamente que não.

Einstein encontra-se com Hubble

O protagonista aqui é outro Einstein, ou melhor, outra: Elsa Einstein, a segunda esposa do cientista. Ela é descrita às vezes como uma mulher de carácter um tanto frívolo e personalidade pouco profunda (ver Pais 1983).

A estória aparece em muitas fontes biográficas, didáticas e científicas. A versão que apresentarei consta da biografia do grande astrônomo extragaláctico Edwin Powell Hubble, reputada como provavelmente a melhor de todas (Christianson 1995).

Hubble foi quem provou definitivamente a existência das galáxias, e seria agraciado com o prêmio Nobel de física, no início da década de 1950, não fosse por sua morte prematura em 1953 (para uma descrição mais detalhada, ver Soares 2001).

A visita de Einstein aos institutos do Caltech, nos Estados Unidos, em 1931, fora motivada pela sua curiosidade pelo trabalho em física-matemática de Richard Tolman, relacionados à relatividade, e pelo trabalho observacional de Hubble, no Observatório de Monte Wilson, na Califórnia.

Ele e a esposa fizeram a primeira excursão à montanha, onde se localiza o Observatório, em meados de fevereiro. Eles estavam acompanhados de Hubble e outros.

O grupo visitou todas as instalações do Observatório, inclusive a cúpula do telescópio de 2,5 m de abertura, denominado telescópio Hooker. Este era na época, o maior telescópio do mundo, e nele estavam sendo conduzidos os trabalhos pioneiros de Hubble, em astronomia extragaláctica.

O biógrafo de Hubble, em certo ponto, escreve (p. 206): ``Quando Elsa Einstein, que parecia sempre estar na defensiva, ouviu que o gigantesco telescópio Hooker foi essencial para a determinação da estrutura do universo, testemunhas afirmam que ela teria replicado, `Ora, ora, meu marido faz isto nas costas de um envelope usado.''

Da mesma forma que na seção anterior, vê-se aqui um certo menosprezo pela ciência experimental, neste caso, pelas atividades observacionais.

Poder-se-ia argumentar que não se trata aqui de mancada einsteiniana legítima, desde que foi a Sra. Elsa quem declarou as palavras acima.

Temos dois contra-argumentos contra essa interpretação: o argumento na forma fraca e o argumento na forma forte. Em sua forma fraca, o contra-argumento constitui-se apenas num jogo de palavras e pode ser colocado da seguinte forma: ``Elsa é Einstein, portanto trata-se de uma mancada einsteiniana.''

O argumento forte é o de que o episódio aparece frequentemente nas biografias de Einstein e Hubble, e em textos de naturezas diversas, onde a participação de Einstein é lembrada. Trata-se claramente de uma característica einsteiniana. Como tal ela deve ser, com toda justiça, incluída na galeria das autênticas mancadas einsteinianas.

Considerações finais

É compreensível que entre nós, físicos e astrônomos, se manifeste uma atitude de verdadeira reverência por Albert Einstein. Ele é sem dúvida o maior cientista do século XX.

Esta espécie de adoração pode ser vista em muitos lugares. Por exemplo, a mais celebrada das biografias de Einstein, a saber, aquela de autoria do físico teórico Abraham Pais (Pais 1983), é fortemente contaminada por este viés sentimental.

Ele adota a tendência conformista de evitar tocar nos assuntos ``desconfortáveis'', tanto pessoais quanto científicos, da vida de Einstein (para mais detalhes, ver Soares 2003).

O leitor certamente deve ter observado que nenhum dos casos relatados acima refere-se a quaisquer dos trabalhos do annus mirabilis de Einstein. Eles estão de certa forma relacionados à Teoria da Relatividade Geral, a qual foi desenvolvida nos dez -- ou mais -- anos posteriores.

A explicação para este desvio é simples. Trata-se de um efeito de seleção, dado que o autor do presente artigo é um astrônomo extragaláctico. Em outras palavras, isto não significa que Einstein não tenha cometido mancadas relacionadas àquele período.

Elas podem ser garimpadas, por exemplo, no mencionado livro de Abraham Pais. Neste caso específico, não sem considerável esforço, em vista do comentário feito no parágrafo anterior.

E a respeito da primeira bomba atômica mundial? Certamente o fato não pode ser incluído no contexto de uma mancada einsteiniana, apesar de seu envolvimento decisivo na questão, especialmente pelo lado político (ver Pais 1983 para detalhes). A bomba foi, antes de mais nada, a maior mancada mundial.

A imparcialidade científica exclui, por definição, a reverência e o culto de personalidade. Errar é humano e Einstein errou em muitas ocasiões. Estas são as mensagens aqui contidas para as novas gerações de estudantes e cientistas.

Finalmente, velhos e jovens, nunca nos esqueçamos do famoso dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues, o qual sempre dizia que ``toda unanimidade é burra.'' Realmente.




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Edição 2718 - Notícias de C&T - Serviço da SBPC
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3 de março de 2005

Comentário de Raul Abramo

Instituto de Física - USP


Só os mais ingênuos crêem que Einstein foi perfeito -- sua ironia, por exemplo, às vezes peca pelo excesso de sutileza e passa desapercebida de alguns observadores menos perspicazes


Lamentavelmente os belíssimos trabalhos de Einstein sobre movimento Browniano, efeito fotoelétrico e Relatividade Especial, que completam 100 anos em 2005, parecem ainda provocar recalques mundo afora.

Em artigo no JC o Prof. Domingos S. L. Soares, da UFMG, chega ao cúmulo de empregar até uma frase picaresca de uma das esposas de Einstein para -- touché! -- demonstrar que, afinal de contas, 'nem Einstein era perfeito'.

O professor também comete erro primário ao interpretar a Constante Cosmológica como uma 'força repulsiva próximo à origem mas que aumentava diretamente proporcional à distância' (sic). Errado: o que a Constante Cosmológica provoca é uma expansão global do espaço-tempo, em cujo fluxo todas as partículas são arrastadas igualmente. A essa expansão não corresponde nenhuma misteriosa 'anti-gravidade' - mesmo porque a aceleração não depende da massa das partículas.

Mais pra frente, o Prof. Soares cita uma certa 'Carta Aberta à Comunidade Científica' na qual a Cosmologia Moderna (um legado central das teorias de Einstein) é criticada.

Entretanto, seria talvez útil mencionar aos leitores não-especialistas que a tal carta teve impacto diretamente proporcional à projeção científica dos signatários -- qual seja, nula. Do ostracismo saiu, ao ostracismo retornou.

Só os mais ingênuos crêem que Einstein foi perfeito -- sua ironia, por exemplo, às vezes peca pelo excesso de sutileza e passa desapercebida de alguns observadores menos perspicazes.

Nas comemorações desse Ano Internacional da Física, que festejam os incomensuráveis sucessos das teorias de Einstein, não pode faltar também uma revisão crítica da vida e da obra de Einstein. Porém, com sua carta rancorosa o Prof. Domingos Soares conseguiu o oposto do que esperava: Einstein parece melhor do que nunca, e seus críticos...


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Edição 2723 - Notícias de C&T - Serviço da SBPC
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10 de março de 2005

Mitos e Mancadas Einsteinianas 1

Marcos Cesar Danhoni Neves

Unanimidade de opinião pode ser adequada para uma igreja, para as vítimas temerosas ou ambiciosas de algum tipo (antigo ou moderno) ou para os fracos e conformados seguidores de algum tirano. A variedade de opiniões é necessária para o conhecimento objetivo

Marcos Cesar Danhoni Neves é professor da Universidade Estadual de Maringá e secretário regional da SBPC-PR. Artigo enviado pelo autor ao "JC e-mail":

Como físico e educador em ciência vejo com entusiasmo que, enfim começou o grande debate no Brasil, sobre o batizado "Ano Mundial da Física", relembrando o annus mirabilis de Albert Einstein, 1905.

O debate começa com um curioso e instigante artigo do prof. Domingos S.L. Soares, da UFMG, intitulado "Mancadas Einsteinianas" (JC E-mail 2717, de 2/3/05). A "reação" ao artigo se segue com uma carta do prof. Raul Abramo, da USP, publicada no "JC E-mail" 2718 (de 3/3/05).

Apesar da boa nova, creio firmemente que um dos dois errou profundamente o tom. E o 'tom' desafinado está com o prof. Abramo. Enquanto o trabalho do prof. Domingos apresenta de forma didática, e honesta, as 'destoadas' einsteinianas [o 'mancadas' do título é justificado a partir de um relato de um relativista convicto, George Gamow, citado no texto] que estão longe da divulgação atual da ciência, graças à mitificação do homem Albert, o prof. Abramo, ao contrário, confere tintas grossas à sua crítica.

O professor uspiano já em seu segundo parágrafo tenta, muito apressadamente, desqualificar as críticas do prof. Domingos, batizando-as de "recalques".

No quinto parágrafo este quadro de 'afoitamento' se consolida com um apelativo: "seria útil mencionar aos leitores não-especialistas [sic] que a tal carta ['Open Letter' - "Bucking the Big Bang", publicada na renomada revista inglesa New Scientist, em 2004] teve impacto diretamente proporcional à projeção científica dos signatários - qual seja, nula [sic]. Do ostracismo [sic] saiu, ao ostracismo retornou [sic]."

No último parágrafo, o prof. Abramo, finaliza laconicamente sua carta com a seguinte frase: "Porém, com sua carta rancorosa [sic] o prof. Domingos Soares conseguiu o oposto do que esperava: Einstein parece melhor do que nunca, e seus críticos ..." [sic]. Como o debate começou, é interessante analisarmos a posição de um e de outro dos contendores (e dos que se seguirão ...).

O prof. Domingos Soares, na minha compreensão, pretendeu ressaltar fatos/situações que são mal interpretados por livros-textos, historiadores da ciência parciais, e por mitômanos.

Aqui reside a curiosidade e a relevância de seu artigo: mostrar as várias facetas de um homem, e não um semi-deus, chamado Albert Einstein, como a mídia e os livros-textos o apresentam.

Por outro lado, o prof. Raul Abramo parece abraçar uma tese absolutista, qual seja, a de que o cientista Einstein está acima de qualquer suspeita do homem Albert, mesmo quando afirma que "só os mais ingênuos crêem que Einstein foi perfeito".

Apesar da aparente reação despropositada, ela nada tem de surpresa: o prof. Abramo sintetiza a expressão mais acabada daquela 'constelação de crenças', como definiu Thomas Kuhn, que deságuam na manutenção incondicional de um paradigma, no caso, o relativístico, que passa, desde sua gênese genial ('ciência extraordinária'), em 1905, à condição de 'ciência normal', no sentido kuhniano do termo.

Porém, a crítica vai além, e toca, infelizmente, no lado pessoal, com o prof. Abramo tentando desqualificar o seu oponente, o prof. Soares, ao afirmar que ele habita o ostracismo da ciência, compartilhado com outros cientistas que assinaram a 'Open Letter'.

Por ignorância ou 'fé duvidável', é de se perguntar ao prof. Abramo se cientistas do quilate de Halton Arp, Hermann Bondi, Jayant Narlikar, Jean-Claude Pecker, Vigier, Anthony L. Peratt, Thomas Gold, entre outros, além daqueles que aparecem no excelente documentário (em DVD duplo) "Universe: The Cosmology Quest" (dirigido por Randall Meyers - Floating World Films, 2003 - http://www.universe-film.com ), Sir Fred Hoyle, John Dobson, o Prêmio Nobel de 1993, Kary Mullis, Geoffrey e Margaret Burbidge, entre outros, são 'nulla scientia'.

É nesse momento que a crítica do prof. Abramo se desqualifica. Aqui se desvela a pressa em finalizar um debate como se estivéssemos presenciando um campeonato de "vale-tudo".

Faz lembrar muito o 'afoitamento' do bispo Wilberforce ao tentar ridicularizar Huxley em sua célebre defesa da teoria de Darwin (diz Wiberforce: "o sr. é parente de macaco por parte de avô ou de avó?"; ao que Huxley respondeu: "obrigado Senhor por tê-lo colocado em minhas mãos").

Tirando esse aspecto lamentável da crítica é muito importante que esse ano, batizado de Ano Mundial da Física, devido ao excepcional trabalho do físico alemão cem anos atrás, desvele as inúmeras facetas do homem e do físico Albert Einstein.

É necessário desmistificar sua figura, no intuito de aproximar o homem do ser cientista, assim como já ocorreu com Aristóteles (a partir, principalmente, da reinterpretação tomista), Galileo (com sua equivocada teoria das marés e da inércia circular, além da suposta invenção do telescópio refrator) e Newton (com sua sanha destruidora de opositores, Flamsteed, Leibniz, entre outros, além de seus escritos alquímicos e sua cronologia bíblica) para ficar nos exemplos historicamente mais distantes.

Na física contemporânea, nomes como Murray Gell-Mann, Charles Townes, Eugene Wigner, entre outros já sofreram críticas públicas e contundentes pela ajuda que forneceram à Divisão Jason do Pentágono, durante cerca de dez anos, para o desenvolvimento de armas à Guerra do Vietnã.

Mesmo Enrico Fermi é questionado sobre os anos que trabalhou para o governo fascista antes que leis raciais fossem adotadas por Mussolini.

Para terminar esse primeiro artigo [oportunamente escreverei sobre outras questões relativas tanto à história da ciência quanto aos aspectos epistemológicos], reproduzo abaixo uma passagem de um dos escritos do renomado epistemólogo Paul K. Feyerabend [a quem a grande maioria dos físicos 'paradigmáticos', temerosos de qualquer crítica aos modelos de realidade que abraçaram, torce o nariz, esquecendo que a verdadeira natureza da ciência reside num mergulho profundo em sua episteme], jogando alguma luz sobre a polêmica que se inicia e sobre o contexto que ronda a ciência e a sua divulgação:

O mito [da ciência] foi ensinado por longo tempo; seu conteúdo recebe o reforço do medo, do preconceito e da ignorância, ao mesmo tempo que de um exercício clerical zeloso e cruel. Suas idéias penetram o idioma comum; infeccionam todas as formas de pensamento e atingem muitas decisões de relevante significação para a vida humana. O mito proporciona modelos para a explicação de qualquer concebível evento- concebível, entenda-se, para os que aceitaram o mito. (...) E surge a impressão de se haver, finalmente alcançado a verdade. Torna-se evidente, ao mesmo tempo, que se perdeu todo o contato com o mundo e que a estabilidade atingida, a aparência de verdade absoluta, não passa do resultado de um conformismo absoluto. (...) Cada mito dessa espécie é, em última análise, um método decepcionante. Dá forças a um conformismo sombrio e fala de verdade; leva à deterioração das capacidades intelectuais, do poder de imaginação e fala de introvisão profunda; destrói o mais precioso dom da juventude - o enorme poder de imaginação - e fala em educar.

Resumindo: Unanimidade de opinião pode ser adequada para uma igreja, para as vítimas temerosas ou ambiciosas de algum tipo (antigo ou moderno) ou para os fracos e conformados seguidores de algum tirano. A variedade de opiniões é necessária para o conhecimento objetivo.

E um método que estimule a variedade é o único método compatível com a concepção humanitarista. (FEYERABEND, P. "Contra o Método". RJ: Francisco Alves, 1977, pp. 56-57.)

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