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Edição 2726 - Notícias de C&T - Serviço da SBPC
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15 de março de 2005

Física nas prateleiras


Biografias, correspondências, e textos fundamentais de grandes cientistas, como Copérnico ou Isaac Newton, chegam às livrarias na esteira do centenário da Teoria da Relatividade, de Albert Einstein

Daniel Piza escreve para 'O Estado de SP':

Numa semana em que a física brasileira e mundial está de luto, pelas mortes de César Lattes e Hans Bethe, nada melhor do que lembrar que este ano, por ser o centenário da criação da Teoria da Relatividade por Albert Einstein (1879-1955), foi decretado também como o Ano Internacional da Física. E que esse fato já pode ser comprovado nas prateleiras das livrarias, entre lançamentos nacionais e importados.

Einstein, claro, é a constante da luz no universo da física moderna, o valor tomado como referência primordial para medir desdobramentos e deslocamentos.

Foi em março de 1905, quando ele tinha apenas 25 anos, que começou a publicar uma série de trabalhos que revolucionaram a física, o conhecimento e a cultura dos cem anos seguintes.

Foi seu 'annus mirabilis' - o período em que, entre pareceres sobre patentes de produtos elétricos numa firma suíça, brotou da sua obsessão e imaginação um conceito tão material quanto transcendente, o do espaço-tempo, ou do tempo como quarta dimensão da realidade.

Não por acaso esse é o tema de livros como O Futuro do Espaço-Tempo (Companhia das Letras), que reúne as conferências feitas no ano 2000 por cinco especialistas, entre eles Stephen Hawking e Alan Lightman, e um prefácio bastante didático de Richard Price; Einstein's Cosmos, de Michio Kaku (Atlas/Norton, a ser lançado no Brasil em maio), outra excelente introdução ao conceito; e Einstein 1905: The Standard of Greatness (Harvard), uma descrição mês a mês de sua decolagem para a genialidade.

Isso sem falar nas revistas, como a brasileira Sapiens, que estão chegando às bancas por esta ocasião.

Afinal, de março a junho de 1905, Einstein, inspirado pelos trabalhos de físicos como James Maxwell e Max Planck, matemáticos como Poincaré e filósofos como Kant, produziu nada menos que quatro 'papers' que propunham novas respostas para difíceis problemas:

no primeiro, sobre o efeito fotoelétrico, deduziu que a luz se compõe de partículas (e seria ele, e não a sua ainda estranhada Relatividade, o motivo para seu Nobel de Física em 1921);

no segundo e terceiro, sobre o movimento browniano (partículas batendo rápido num meio líquido), consolidou a realidade dos átomos, então emergente; no quarto, revelou sua Teoria da Relatividade, segundo a qual a velocidade da luz é a constante da qual dependem todas as variáveis do universo.

Em setembro, num texto de apenas três páginas, ele ainda formulou a equação famosa: E = mc2, onde 'c' é a constante da velocidade da luz.

Esses trabalhos, entre outros, estão num extraordinário volume organizado por Hawking, Os Gênios da Ciência (Campus), que também traz, comentados, os textos fundamentais de Copérnico, Galileu, Kepler e Newton.

Também nas livrarias é possível encontrar livros como O Que É Tempo?, de G.J. Whitrow (Jorge Zahar), que discute as implicações filosóficas de vê-lo como flecha, ciclo ou curva - e não custa nada lembrar que o próprio Einstein se via como pensador.

Há também as reedições, como a de suas cartas com Max Born, The Born-Einstein Letters (Macmillan), que tem prefácios de Werner Heisenberg e Bertrand Russell, dois outros gênios do século 20.

As cartas, de nível técnico mais difícil, começam em 1916, ano seguinte à formulação da Teoria Geral da Relatividade, a versão mais completa de sua interpretação do cosmos, e vão até 1955.

Os melhores momentos são aqueles em que Einstein e Born debatem a física quântica, surgida em 1925, na qual Einstein via consistência matemática e não uma descrição completa dos fenômenos subatômicos.

Essa questão, a da incompatibilidade entre a relatividade de Einstein e a teoria quântica de Niels Bohr e Heisenberg, aparece em outros livros recém-lançados, como O Arco-Íris de Feynman, de Leonard Mlodinow (Sextante), mais uma boa introdução aos pensamentos do grande físico americano;

e Incompleteness: The Proof and Paradox of Kurt Gdel, de Rebecca Goldstein (Atlas/Norton), biografia do grande matemático alemão que era o único colega do instituto Princeton que Einstein, exilado nos EUA, respeitava o bastante para partilhar as conversas no caminho para casa.

Muitos físicos contemporâneos, por sinal, no momento esperam por medições de superaceleradores de partículas na Europa e nos EUA para ver se, quem sabe, um novo Einstein não surge para dar forma a outra teoria tão poderosa quanto a sua, capaz de resolver a querela com a quântica.

Por mais que Einstein tenha sido revolucionário com sua noção do tempo como algo que não é absoluto, que não é fixo para qualquer parte do cosmos (como era para Newton, 230 anos antes), hoje seu apego a uma ordem universal, possível de ser descrita na teoria unificada que buscou nos 30 anos finais de sua vida, acaba soando 'clássico' para muitos.

Por isso mesmo, no entanto, estará sempre vivo.
(O Estado de SP, 13/3)