Caderno Cultura

Sábado, 18 de junho de 2005, p.6

Gente

A Teoria da Relatividade sob o luminoso sol do Brasil

 

ANTONIO AUGUSTO PASSOS VIDEIRA*


Professor da UERJ recapitula a visita de Albert Einstein ao Rio de Janeiro, 80 anos atrás. Em 2005, comemora-se também o centenário da maior descoberta do célebre físico judeu

Em 1925, Albert Einstein (1879 - 1955) esteve duas vezes no Brasil, mais precisamente na cidade do Rio de Janeiro, então capital federal e sede de algumas das mais importantes instituições de ensino e pesquisa do país. A primeira dessas passagens ocorreu no dia 21 de março, quando o navio (o Capitão Polônio), que o levava para a Argentina, atracou no porto do Rio, aí permanecendo algumas horas. A segunda passagem de Einstein pela cidade foi entre 5 e 13 de maio.

Einstein dirigia-se à Argentina convidado oficialmente por um comitê que reunia cientistas, intelectuais e membros da comunidade judaica daquele país. Deveria permanecer um mês ali, a fim de proferir palestras, interagir com personalidades locais e contribuir para a causa sionista. Aproveitando a primeira escala no Rio, integrantes das comunidades científica e judaica brasileiras convidaram-no a conhecer a cidade mais detalhadamente quando estivesse de regresso para a Europa. Tal como se dera na Argentina, Einstein, em sua segunda passagem pelo Brasil, deveria repetir essencialmente o mesmo roteiro: proferir palestras, participar de banquetes ou cerimônias oficiais com membros das comunidades judaica e alemã, ser recebido por membros dos governos nacionais, além, é claro, de conhecer as belezas naturais e as mais importantes instituições científicas e tecnológicas da capital. Também por razões do trajeto do navio de volta, Einstein parou no Uruguai.

Apesar de incluir a realização de três palestras científicas (duas sobre Teoria da Relatividade e uma sobre Física Quântica), não creio que se possa afirmar que a vinda de Einstein ao Brasil foi científica. Pelo seu lado, o interesse - que o movia a cumprir uma extensa e pesada agenda social - seria a curiosidade em conhecer o país que contribuíra com o eclipse de 1919 para a confirmação da Teoria da Relatividade Geral. Pelo lado dos brasileiros, os interesses eram muitos e diferentes. Os cientistas preocupavam-se em conseguir apoio, mesmo que indiretamente, para a causa da ciência, em especial a ciência pura. Para esse grupo, o Brasil, até então, parecia não reconhecer devidamente a importância da ciência pura, tida por muitos como desimportante.

Já os membros da comunidade judaica pretendiam quebrar possíveis barreiras para uma plena integração no ambiente local. Entre os alemães, a preocupação era de se mostrarem capazes de contribuir, através de uma celebridade como Einstein, para o progresso da humanidade, além de poderem conviver harmoniosamente com diferentes raças, culturas e credos religiosos. Em suma, era importante apresentarem-se como pacíficos, afastando as críticas, freqüentemente feitas, desde a I Guerra Mundial.

Nas duas ocasiões em que passou pelo Rio de Janeiro, a visita de Einstein foi muito documentada pela imprensa. Também o rádio registrou a presença do criador da Teoria da Relatividade: Einstein fez uma locução breve pela Rádio Sociedade. Entre os periódicos existentes naquela época, foi O Jornal, de propriedade de Assis Chateaubriand, aquele que mais cobriu a estada do físico entre nós. Notícias diárias eram publicadas com o objetivo de descrever a programação a ser cumprida pelo cientista, então descrito como alemão, como judeu suíço ou ainda como teuto-israelita. Além de relatarem com detalhes as atividades de Einstein, os jornais publicaram artigos sobre a Teoria da Relatividade. Esses artigos foram escritos por defensores e opositores dessa teoria. Entre os defensores, encontravam-se pessoas como Roberto Marinho de Azevedo (professor da Escola Politécnica) e Lélio Gama (Observatório Nacional); entre os opositores, estavam Gago Coutinho (navegador português) e Licínio Cardoso (professor da Escola Politécnica). Até Pontes Miranda, jurista de formação positivista, escreveu um artigo sobre as conseqüências filosóficas da Relatividade. Não é exagerado dizer que os principais registros da vinda de Einstein ao Brasil são as notícias dos jornais e revistas da época.

Nas reportagens publicadas pelos periódicos cariocas, nota-se uma preocupação muito grande em conhecer o lado humano daquele gênio que modificara profundamente as concepções de espaço, tempo e matéria. Tido com "um gênio com parcela de divindade", segundo o título da notícia publicada por O Jornal em 22 de março de 1925, Einstein despertava curiosidade entre praticamente todos aqueles que tinham acesso à imprensa escrita. Por isso, ele foi indagado sobre tudo. Os assuntos das entrevistas incluíam política internacional, ciência, arte e mesmo o comportamento das mulheres. A julgar pelas notícias veiculadas, Einstein respondia a todas as perguntas com boa vontade, simplicidade e mesmo ironia. Dentre todas as características da personalidade de Einstein, aquela que mais chamou a atenção dos jornalistas foi sua modéstia de personalidade e no modo de vestir.

Na sua primeira passagem pela então capital federal, e que se resumiu a umas poucas horas, Einstein foi levado para almoçar no Copacabana Palace, após ter conhecido o Jardim Botânico, lugar que o maravilhou. Indagado, durante o almoço, pela contribuição que o Brasil teria dado à comprovação da sua Teoria da Relatividade Geral, Einstein registrou numa folha de papel: "O problema, concebido pelo meu cérebro, incumbiu-se de resolvê-lo o luminoso sol do Brasil". Ao final da tarde, Einstein regressou ao porto para embarcar no navio.

Na segunda visita, Einstein chegava ao Rio contrariado e cansado da viagem pela Argentina. Estava mesmo arrependido de ter aceitado os convites. Afinal, ele era mostrado como se fosse um animal de circo. Mesmo a contragosto e apesar de estafante, Einstein cumpriu toda a programação previamente agendada entre ele e a comissão que organizou sua semana no Rio. Na Escola Politécnica, deu palestras que considerou muito pouco científicas. Sua primeira intervenção foi acompanhada por uma multidão que lotava a sala. Visitou o Observatório Nacional, o então Hospício Nacional, a sede da Associação Brasileira de Imprensa, a Academia Brasileira de Imprensa, a Escola de Engenharia, o Instituto Osvaldo Cruz, a Academia Brasileira de Medicina, o Palácio do Catete, onde foi recebido pelo presidente da República (Arthur Bernardes), o Pão de Açúcar e o Corcovado, entre outros lugares. Foram-lhe oferecidas recepções pelas comunidades judaica e alemã. Pôde também provar vatapá e cachaça, na casa de Juliano Moreira, então um dos mais importantes médicos brasileiros. De acordo com O Jornal, Einstein gostou da iguaria baiana.

O intenso programa que cumpriu entre nós só fez aumentar o cansaço de Einstein. Para ele, pouco ficaria dessa viagem. De modo geral, as populações da Argentina e do Brasil, à exceção dos uruguaios, pareceram-lhe fúteis e superficiais. Estavam mais preocupadas em parecer do que serem autênticas. Do Brasil, apreciou a hospitalidade e, acima de tudo as belezas naturais. Com razão, pois naquele tempo, o Rio ainda fazia jus ao epíteto de Cidade Maravilhosa.

 

 

Einstein, no centro da foto, sentado, com o chapéu no colo, durante visita ao Observatório Nacional do Rio de Janeiro, em 9 de maio de 1925. O físico esteve em duas ocasiões no Brasil, na ida e na volta de sua viagem à Argentina. Na volta, acabou cumprindo longa agenda

 

A revista Ciência & Ambiente, editada pela Universidade Federal de Santa Maria, consagra sua edição de número 30 integralmente ao Ano Internacional da Física - ou seja, às grandes descobertas de Albert Einstein. Artigos de pesquisadores nacionais e estrangeiros revisam o legado. O exemplar, com 184 páginas, custa R$ 17,50. Encomendas pelo site www.ufsm.br


*Professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro