Jornal da Ciência (JC E-Mail)

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Edição 2794 - Notícias de C&T - Serviço da SBPC
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21 de junho de 2005

Reforma universitária, ciência e tecnologia

Evaldo Ferreira Vilela


"Deixamos de ser apenas traços nos indicadores internacionais de Ciência e Tecnologia, superando, e muito, o insignificante índice de 0,4% da produção do conhecimento científico mundial que ostentávamos"

Evaldo Vilela, professor titular e ex-reitor da Universidade Federal de Viçosa (2000-2004). Artigo enviado pelo autor ao 'JC e-mail':

É inegável o empenho do Ministro da Educação, Tarso Genro, na promoção da reforma do ensino superior, visando à consolidação do papel da universidade no desenvolvimento do país e na redução das atuais desigualdades, ao ampliar significativamente o acesso à formação superior de milhares de jovens.

Sem dúvida, uma questão estratégica para o desenvolvimento nacional e, acima de tudo, de justiça social. Mas é imprescindível que essa anunciada reforma também crie condições mais adequadas para o desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica, a qual, no Brasil, está majoritariamente concentrada nas instituições públicas de ensino superior.

Na última década, cresceu significativamente o envolvimento das Universidades na produção de novos conhecimentos, tecnologias e inovações, graças, sobretudo, a uma política consistente de formação de doutores, inclusive no exterior.

Deixamos de ser apenas traços nos indicadores internacionais de Ciência e Tecnologia, superando, e muito, o insignificante índice de 0,4% da produção do conhecimento científico mundial que ostentávamos.

Isso se deve, sobretudo, à competência e ao esforço, quase milagroso, da comunidade científica, uma vez que, além de insuficiente, a destinação de recursos pelas fontes de fomento não raras vezes ocorre de forma descontinuada e sem estimular convenientemente a consolidação de grupos de pesquisa emergentes.

Tem sido também muito difícil fazer pesquisa de ponta, com as adversidades impostas por certas leis, como a lei de licitações, e a escassez dos recursos orçamentários para manutenção e atualização dos parques laboratoriais.

Portanto, em vez de cercear possibilidades de financiamento da pesquisa, seriam interessantes reformas que viessem propiciar a diversificação dos mecanismos de obtenção de recursos, incluindo maior participação de outros ministérios, como os da Agricultura, Saúde e, em particular, o da Ciência e Tecnologia e suas agências de fomento, o CNPq e a Finep, parceiros incontestes dos pesquisadores na luta contra o cipoal de leis e normas que regem a utilização dos recursos financeiros destinados pela União.

Precisamos de reformas que nos livrem da brutal ingerência extrínseca de leis, decretos e medidas provisórias, justificáveis talvez no caso dos órgãos governamentais, mas incompatíveis com o modo operante das Universidades.

E a nova versão do anteprojeto da reforma do ensino superior, lançada no último dia 30 de maio, nada acrescentou na direção de aliviar a burocracia estatal sobre o trabalho dos nossos professores pesquisadores.

Se aprovada como está, continuarão obrigados a improvisar constantemente, na tentativa de vencer os obstáculos para manter a qualidade da pesquisa científica, a geração de tecnologias e a inovação, que tanto têm contribuído para o país, como nos casos do agronegócio e da exploração de petróleo, só para citar dois exemplos.

Para ganhar competitividade no cenário globalizado precisamos não apenas de mais investimentos, mas também de legislação própria e adequada para a condução das pesquisas nas Universidades e nos institutos de pesquisa, como tem alertado recorrentemente a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC e a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior - Andifes.

A reforma pode, assim, ser a oportunidade de dar às Ifes mecanismos efetivos de gestão dos recursos destinados às pesquisas, reconhecendo seu caráter estratégico como órgão do Estado e sua singularidade em relação às demais instituições do serviço público, em consonância com a recém-aprovada Lei da Inovação, que visa flexibilizar e modernizar a relação universidade - empresa.

A consecução desses objetivos passa inexoravelmente pela esperada autonomia de gestão das Ifes. A retirada do artigo 44 da proposta anterior, que descredenciava as Fundações de apoio das Universidades foi, sem dúvida, um gesto positivo, mas insuficiente, porque nenhum mecanismo foi acrescido para conciliar a autonomia universitária com condições adequadas de financiamento público, condição sine qua non para a consolidação da universidade como lócus do livre pensar; da produção de alta ciência; da renovação da cultura e da formação intelectual independente, sem os quais é difícil acreditar que possamos construir um país melhor.