A Professora Titular do Instituto de Física da UFRJ, Belita Koiller (BK), detentora do prêmio Unesco/L'Oréal para Mulheres na Ciência de 2005 (veja matéria no Spin 416), esteve no IF-UFRGS em 8 de abril p.p. Ministrou o seminário "Nova Computacao com Materiais Tradicionais" e concedeu uma entrevista para o Acervo de História Oral do IF-UFRGS. Participaram da entrevista a profa. Márcia Barbosa (MB), o professor Carlos Alberto dos Santos (CAS) e os bolsistas de Iniciação Científica Gabriel de Freitas Focking e João Batista Carvalho da Cruz, responsáveis pelos registros fotográficos. A íntegra da entrevista está em processo de catalogação para inclusão no acervo. Aqui o Spin apresenta parte desse material.

Sobre os estudos colegiais:

- Estudei no Colégio de Aplicação do Rio de Janeiro, onde fui aluna de física do prof. Anselmo Paschoa, que acho que fazia pós-graduação na PUC. Foi ele quem falou que podíamos fazer física como profissão.


A partir da esquerda: Márcia Barbosa, Belita Koiller, João Batista e Carlos Alberto

Eu nem imaginava que existia esta possibilidade. Então, já desde o colégio tive uma trajetória, digamos assim, privilegiadíssima. O livro-texto adotado foi o PSSC, que era na época um livro experimental, e que me fez decidir fazer física.

Sobre a graduação na PUC/RJ e a pós-graduação em Berkeley:

- Estudei na PUC de 1968 a 1971. Cursei Física I e II com o prof. Pierre Lucie, o que foi um privilégio e Física Física III e IV com o prof. Sérgio Rezende, também um privilégio. Outros exemplos de excelentes professores que tive: Mecânica Clássica com o prof. Luis Davidovich e Mecânica Quântica com o prof. Andre Swieca. Eletromagnetismo com a profa. Sarah de Castro Barbosa e Física do Estado Sólido com o prof. Sérgio Costa Ribeiro.

- Fui monitora do Pierre Lucie em Mecânica Clássica, cujos alunos eram, entre outros, Raimundo Rocha dos Santos, Jose D'Albuquerque, Carlos Alberto Aragão, Roberto Bechara, Paulo Murilo, Nicolaci (é astrônomo). Essa foi uma turma excepcional, em termos profissionais.

- Alguns professores que eu tive são (ou foram, pois Pierre, Swieca e Sérgio Costa Ribeiro infelizmente já faleceram) excepcionais físicos e professores. Foi um privilégio que eu percebi mais tarde. Quando eu cheguei em Berkeley e fui a melhor aluna de Mecânica Quântica, percebi a qualidade da minha graduação. Os americanos não estudam muito na graduação, não são tão focalizados, lá a graduação é muito ampla. Para os que fazem física, grande parte do aprendizado se dá na pós-graduação. Pelos resultados nos cursos, nos exames que eu tive que fazer, deu para ver que estava muito bem formada, mas eu só fiquei com essa sensação lá em Berkeley. Na PUC eu era boa aluna, como outros, uma coisa normal. O contraste lá foi maior.

- Fui direto para o doutorado. Casei, meu marido estava saindo para o doutorado dele em matemática, foi também uma oportunidade de fazer um doutorado fora. A opção por Berkeley foi conjunta.

O retorno:

- Em janeiro de 76 voltei para a PUC do Rio de Janeiro, para trabalhar em propriedades eletrônicas de sólidos. Fiquei até 1994, e desde 94 eu estou na UFRJ. Em números redondos são 20 anos na PUC e 10 na UFRJ.

Sobre o Prêmio L'Oreal:

- Eu não sei dos bastidores deste prêmio. É um prêmio por indicação, não é uma candidatura. Na verdade é meio desconfortável a situação porque vários colegas me pediram o currículo e me disseram que sabiam que eu estava sendo indicada. Várias pessoas me telefonaram – mas quantas candidatas havia? Como é que é? – eu não sei, eu acho que é um processo sério, o júri é totalmente independente e a coleta das indicações é feita de uma maneira ampla.

Márcia Barbosa esclarece:

- O prêmio é dado a uma cientista de cada continente. Em um ano é dado para ciências da vida e no outro ano para ciências exatas. Para ciências exatas é dada para a física da matéria condensada porque se aproxima das coisas que a L’Oreal faz. Eu fui membro do júri que escolhe os indicados. O único banco de dados que a L'Oreal possuía era o banco de dados do prêmio Nobel, que tem mais indicações do primeiro mundo. Então eu cedi o meu banco de dados em física da matéria condensada. Nos cinco continentes, tivemos mais de 200 indicações nas duas vezes em que fui do júri, sendo que muitas dessas 200 são pessoas que não tem um número de publicações suficiente. O júri seleciona 60. O júri se reúne um dia e escolhe uma de cada continente. O México é colocado na América Latina, e assim fica América do Norte só com Estados Unidos e Canadá. Neste último prêmio chegamos a menos de 20 indicações da América Latina, basicamente Argentina e Brasil.

Sobre a mulher na ciência:

CAS: Recentemente teve uma polêmica enorme a partir de uma declaração do presidente de Harvard. Vocês podiam fazer algum comentário sobre essa situação?

BK: Eu acho que isso mostra que esse é um problema a ser enfrentado mesmo, eu acho que foi infeliz a declaração dele.

MB: É, ele foi infeliz. Imagino que o que aconteceu, eles estavam em uma reunião fechada, não tem gravação do que ele disse, mas a infelicidade dele é que nesta reunião estava lá a Nancy Hopkins, que é a mulher que começou um movimento dentro de uma equipe que se tornou numa coisa que foi ao congresso americano, de examinar o tamanho do espaço físico destinado aos pesquisadores. Ela constatou que o espaço físico não era proporcional ao que deveria ser, proporcional ao "grant". Tudo começou quando ela foi pedir mais espaço ao diretor, o diretor negou e ela resolveu examinar.

Ela descobriu que todas as mulheres tinham menos espaço proporcional aos recurso dos seus projetos. Elaborou um documento e levou ao governo americano. Imagino que ele tenha verbalizado essa coisa, que é verbalizada no mundo inteiro que a mulher tem menos tendências a fazer ciência, que é verbalizada mas não é provada, entende?

CAS: E vocês acham que de fato, com exceção talvez dos Estados Unidos, há um processo de discriminação pelo fato de serem mulheres atuando na ciência?

BK: Eu acho que existe discriminação, mas na minha história eu fui muito mais afetada por outros fatores. Por exemplo, as notícias ou boatos de que a CAPES vai encerrar assinatura eletrônica de periódicos; falta de infra-esctrutura como corte do fornecimento elétrico – perdem-se resultados dos programas que estão em execução nos computadores, interrompem-se experiências nos laboratórios, as aulas também. Há tantas dificuldades no Brasil que afetam igualmente homens e mulheres, que eu me sinto até mal de ficar me queixando de discriminação. Mas, há no nosso meio sinais de discriminação. Certo dia um colega fez o seguinte comentário sobre um cálculo complicado: "isso aqui é conta pra macho". Protestei imediatamente; eu não deixo passar baratinho.

CAS: Vocês acham que na comunidade de físicos do Brasil tem uma situação parecida com essa dos EUA?

BK: Não há discriminação no Brasil no mesmo nível que nos EUA: aqui existe isonomia salarial total, a ocupação de cargos, os concursos estão abertos. Lá eles estão brigando por algumas coisas que no Brasil não se aplicam.

CAS: O fato é que o número de mulheres na ciência é realmente muito pequeno. E isso é mundial. Você vai a Caxambu, para ficar na nossa comunidade, e você vê a proporção. Portanto, a proporção de mulheres ocupando cargos, ocupando posições importantes nos organismos de classe, é, mais ou menos, proporcional.

MB: Não, não é. O que mostram os levantamentos é que se existe vinte por cento de mulheres na graduação, há um por cento como pesquisadoras topo de carreira. Ou seja, proporcionalmente elas são mais podadas, e isso se dá por muitos motivos: dependendo de cada país isso mudar um pouquinho. E isso é uma regra universal, ou seja, em cada país o número pode ser diferente, mas o decaimento, à medida que se avança no nível da carreira, é muito semelhante.

BK: Deixe-me lembrar que esse prêmio é uma parceria da Unesco com a L’Oreal, e que a principal preocupação da Unesco não é se a mulher ocupa cargos no topo de carreira. A Unesco está mais preocupada com países onde as mulheres estão proibidas de ser alfabetizadas. Esse é o problema! Você encontra países onde a mulher não pode ser sequer alfabetizada. Então, de novo relativizando, eu acho que a gente tem que tentar melhorar aqui, e cada milímetro que se conseguir é lucro, mas no Brasil o problema do papel da mulher na ciência não é tão grave quanto em outros países, nem tão grave quanto outros problemas aqui que nos afetam a todos. Quanto à L’Oreal, há obviamente interesse específico de tentar promover e dar visibilidade às mulheres, porque as mulheres são o mercado principal da L’Oreal. Junta-se a isso a possibilidade de fazer marketing quanto à liderança em pesquisa científica, impactando também a imagem que passa aos consumidores sobre a qualidade dos produtos desta empresa. A Unesco está particularmente preocupada com os países onde a situação de inferioridade da mulher é muito gritante. E em muitos casos a situação é gravíssima. A apresentação e valorização de mulheres cientistas (por exemplo através de premiações) é uma das formas que a Unesco utiliza nesta campanha pela igualdade a nível mundial.