Comentários sobre convidado do XVI SNEF

 

 

Boletim [012/2005]

 

Histórias de ‘português'


António Manuel Baptista

Apresento-me:: sou físico e português e, assim, como para muitos outros portugueses,‘ tudo o que é brasileiro não me é estranho '. Por um amigo, notável físico e professor, soube que A Sociedade Brasileira de Física tinha convidado neste Ano Internacional da Física, o Professor de Física. Carlos Fiolhais e o Professor de Sociologia da Universidade de Coimbra, Boaventura de Sousa Santos. Como ele comentou, o primeiro seria o representante das ciências ‘duras' e, o segundo, das ciências ‘moles'. Confesso que me chocou o facto de brasileiros de uma Sociedade de Física, do país que ‘inventou' as histórias de ‘português' se tivesse substituído aos actores habituais nestas ‘histórias'.
Estou-me a referir, claro está, ao Professor Sousa Santos que se tem ‘notabilizado' como autor de diversos livros, desde há décadas, em que fala do que ele ‘pensa' (impensávelmente) sobre ciência, em geral e, em particular, sobre a física. Surgem nesses escritos mas que são uma ( não me é difícil encontrar a palavra apropriada) digamos, estranha, combinação de palavras uma incontida logorreia que sem tem continuado sem emendas ao longo do tempo. Assim, ‘aprendemos' desses livros que “Einstein não se deu conta de que foi o primeiro rombo (sic) no paradigma (gosta muito falar de paradigmas), um rombo aliás, e cito, “mais importante do que o que Einstein foi subjectivamente capaz de admitir” e fala, sem saber minimamente do que se trata, do problema da simultaneidade na teoria da relatividade, passando depois com o mesmo alegre descuido, para a mecânica quântica que ‘teria introduzido o observador na Física' (não o observador com os seus instrumentos e o seu sistema de referência) mas indivíduos concretos, o Silva, o Nunes ou a D. Oliveira, etc., etc., com todos os biliões de habitantes do planeta. Fala também, inevitavelmente do teorema de Godel (de que não faz a menor ideia) e que exerce uma atracção fatal estranha para certas mentes.. Depois há a substituição do quantitativo pelo qualitativo, e somos informados de que todo o “conhecimento (incluindo o científico), é autobiográfico”, de que a “mecânica quântica introduziu a consciência no acto do conhecimento” (sic), etc. etc. Tem de haver necessariamente entre os brasileiros quem pareça ser clone do Professor Sousa Santos (ou vice versa) pois estou certo de que não se trata de um produto regional com marca registada. Além disso, continua o nosso ‘cientista' (assim se apresenta), estamos no início de um novo paradigma (lá está o cansado paradigma) onde a ciência se vai desenvolver “baseada nas ciências sociais” e uma nova retórica vai substituir a actual retórica que já é, aliás, a ciência (embora, insinua, os cientistas que sabem disto não o confessem por uma nova retórica; que vamos ter no novo paradigma (outra vez) o desenvolvimento da ciência a partir das ciências sociais, vamos poder, por exemplo, entrevistar pássaros (sic) e anuncia, como profeta, um novo Deus…É impossível falar dos inumeráveis ‘achados' do Professor Sousa Santos que são impossíveis de criticar, pois tudo se reduz a proclamações, como algumas que referi. Nunca usa argumentos e, portanto, é escusado tentar argumentar com ele, recusando-se até a estar presente quando convidado para discutir em público as questões a que se refere. Ele lá sabe porquê…
É claro que como físico, e como português, me senti ‘insultado' pelo vosso convite especial dirigido a este curioso personagem, e deveria ter começado. por insistir e dizer que nada tenho, mas mesmo nada, de carácter pessoal directa ou indirectamente, contra esta curiosa figura bem conhecida por surgir na televisão portuguesa polindo a sua imagem pois que conhece bem o que Boorstin dizia :” É-se famoso porque se tem fama”. Comecei a ler os seus livros há pouco e ainda que a argumentação seja impossível, como disse, havia que expor o chorrilho de disparates (Parece-vos demasiadamente duro o qualificativo? Se lerem os seus livros, louvar-me-iam a moderação..). Tive que escrever dois livros a propósito. Mas não devo parecer mais ofendido do que estou pois que até temos, sem actores brasileiros, o autêntico actor português referido (não se pode fazer nada para evitá-lo) em várias ‘histórias de ‘português' No seu curriculum, este convite da vossa Sociedade no Ano Internacional da Física ocupará, certamente, um lugar de honra ao lado de vários Prémios que lhe têm concedido (outras histórias de ' português') como o Prémio da Ciência de 1996, da Fundação Gulbenkian. A Fundação Gulbenkian é uma fundação portuguesa respeitada a quem Portugal (e não só) deve muito. Mas é dirigida por homens, e mesmo os homens mais qualificados são capazes de actos indignos do seu ofício e comportamento habitual. Sabemos até, porque o autor se deu ao trabalho de nos informar, que o seu primeiro livro baseado, parece, na sua tese de doutoramento!!!, Um Discurso Sobre as Ciências, foi adoptado em Portugal, em algumas escolas superiores e até no ensino secundário. Deve haver, pois, um rosário inesgotável de ‘histórias de português«, começando pela adopção do livro, e se houvesse registadas as perguntas dos jovens alunos mais curiosos, e as ‘respostas' dos pobres professores que não podem compreender quase nada do livro adoptado, e se dizem compreender, estão a ser desonestos intelectualmente, teríamos inúmeras “histórias de português'. Repito, poderá ser difícil de acreditar mas não existe nada de motivações pessoais nisto que escrevo, nem não me move nada de acrimonioso contra o visado. É uma questão de saúde pública no mundo científico que nos deve preocupar. Ainda há pouco vimos que por pouco Bruno Latour teria pertencido ao Instituto de Estudos Avançados de Princeton
Se não tem havido, directa e indirectamente, uma actuação de Steven Weinberg, Alan Sokal, Edward Witten e outros. Se pensam que este assunto também não nos diz respeito, claro que é inútil prosseguir.Todas as tentativas e houve algmas para uma discussão pública fracassaram pela permanente indisponibilidade do Professor Sousa Santos. A única vez que o vi foi numa reunião internacional dos físicos-,matemáticos aqui em Lisboa, pois o Professor Boaventura de Sousa Santos. foi convidado para participar numa mesa redonda sobre conhecimento científico e estou certo que nunca se esquecerá do que lhe fizeram-pobre alma !- Alan Sokal, Jean Bricmond. e Nuno Crato. Só um filósofo presente (com caridosas intenções, pareceu-me) tentou oferecer-lhe um colete de salvação, mas sem êxito. Eu, na assistência, via-o pela primeira vez e aproveitei a oportunidade única para lhe fazer algumas perguntas. Uma delas era se o Professor Sousa Santos nos poderia explicar o que escrevera sobre como se poderia avançar em física no estudo das partículas com as advogadas (por ele) concepções, de ódio, amor, violência, socialização, solidariedade, etc.? Não respondeu a nada durante a intervenção que fez dizendo não ter aceitado participar na mesa para discutir os problemas levantados mas, terminada a intervenção, e retomando o seu lugar na mesa, casualmente, dirigindo-se à assistência disse, do palco:: e quanto a essa questão ( a referida acima) limitei-me a citar Prigogine!…E nada mais disse tendo ficado soberanamente silencioso no resto da sessão...
Julgo que aí, na Sociedade Brasileira de Física, deve ter falado dos mesmos temas que ele considera científicos: relações norte-sul, solidariedade social, o colonialismo, o capitalismo, o socialismo, a pobreza no mundo,a justiçam, etc, etc,, tudo temas evidentemente de grande interesse mas que lhe servem para disfarçar a sua vacuidade e incompreensão do que é ciência, cantando até, sempre do mesmo fado, sempre o mesmo refrão.
Sei que se evocarão motivos tenebrosos para estes meus comentários mas não pretendo mais do que manifestar à Sociedade Brasileira de Física que, como colega, vos desejo, entre outras coisas, uma casa limpa e boa companhia. Vale.

Caro Professor Paulo Murilo Castro de Oliveira:


Espanta-me que o Sr., enquanto editor do Boletim Electrónico da Sociedade Brasileira de Física, considere sequer publicar a carta torpe que contra a minha pessoa lhe enviou o Professor António Manuel Baptista (AMB). Aceitei o amável convite da Sociedade Brasileira de Física para um debate que, como teve ocasião de verificar, pois que o moderou, não teve nada a ver com o que neste ataque é mencionado. Considero um acto de descortesia impor-me a publicação de um texto deste teor.

A esse documento inqualificável, cujo tom preconceituoso e achincalhante ultraja tanto portugueses como brasileiros, não darei resposta. Não entro em diálogo com quem há muito deixou de dignificar o saber, o da física ou o de qualquer outra ciência, para se rever tristemente famoso nos ataques soezes que me dirige e a todos quantos defendem ideias diferentes das suas. Dialogo, sim, com cientistas probos, como Alan Sokal, a quem, na sequência do debate tão desvirtuadamente mencionado por AMB na carta que endereçou ao Sr., visitei no seu departamento em NYU. As nossas muitas divergências epistemológicas não impediram que tivéssemos um diálogo cordial e que identificássemos algumas convergências, nomeadamente no que respeita à crescente mercantilização da ciência, que a ambos preocupa.

Se, contudo, o Sr. já decidiu publicar essa flagrante manifestação de desleixo intelectual e improbidade científica, solicitar-lhe-ei que publique também a carta que ora lhe dirijo.

AMB, há muito aposentado, foi professor de Física Experimental e, nas décadas de 1960 e 1970, ficou conhecido em Portugal como divulgador da ciência. Há mais de 30 anos, porém, que não se lhe conhece qualquer produção científica de vulto. Talvez por isso, em 2005, AMB sinta necessidade de se apresentar à Sociedade Brasileira de Física. Não é este o meu caso no que respeita à comunidade dos cientistas sociais brasileiros, onde o meu trabalho é sobejamente conhecido. E já que AMB fala de prémios, talvez valha a pena mencionar, especialmente para o público brasileiro, dois por ele omitidos: Prémio Jabuti de Ciências Sociais e Humanas (2001); Prémio Euclides da Cunha da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro (2004).

Em 2002, no ocaso da vida e da carreira, AMB descobriu um livro meu, sobre questões epistemológicas, datado já de 1987 e intitulado Um discurso sobre as ciências. Trata-se, não de um ataque à ciência, como pretende AMB, mas de uma reflexão crítica sobre as concepções dominantes de ciência. Esta obra problematizadora vai já na 13ª edição em Portugal, está disponível no Brasil desde 2003 (já em segunda edição) e está traduzida em várias línguas. O impacto continuado deste livro incomoda tanto AMB que ele não resiste à tentação de vilipendiá-lo, e com tal virulência, que até críticos que estão próximos das suas concepções científicas consideram que ele presta um mau serviço à ciência. A verdade é que a metodologia e o tom dos livros em que AMB me insulta são os mesmos da carta que endereçou ao Sr.: relatos falseados, descrições omissas, citações descontextualizadas, recurso a obras mal citadas e mal referenciadas, tudo encadeado de graçolas injuriosas e em redacção atamancada, revisão apressada, ortografia deficiente e grande profusão de pontos de exclamação.

Ao nível a que se coloca, AMB não merece qualquer resposta. Ao contrário, as questões que se levantaram no último episódio da chamada “guerra das ciências” são importantes e devem ser discutidas. Por isso reuni em livro textos de cientistas de vários países, com quem ao longo dos últimos trinta anos tenho vindo a dialogar sobre questões epistemológicas, entre eles cinco brasileiros, dois deles físicos (Samuel McDowell e Olival Freire, Jr.). O livro intitula-se Conhecimento prudente para uma vida decente e está disponível no Brasil (São Paulo, Editora Cortez, 2004), estando para breve uma edição em língua inglesa (E.U.A.).

Não é fácil decidir se o que move AMB nesta verdadeira cruzada pseudo-científica é falta de discernimento ou de informação actualizada — ou má fé. Talvez uma mistura de tudo.

Com os meus melhores cumprimentos,

Boaventura de Sousa Santos