Analisando uma realidade completamente diferente da norte-americana, Lídia Brito, secretária do Ministério de Educação Superior, Ciência e Tecnologia de Moçambique, sugeriu caminhos para quebrar as barreiras e tornar possível o desenvolvimento.
“Temos de investir em capacidade científica e dar à população acesso à tecnologia e ao conhecimento. O desenvolvimento sustentável depende disso. Precisamos desenvolver uma cultura de ciência”, disse ela.
Paulo Gadelha, vice-presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), citou a experiência brasileira na promoção da ciência e do diálogo da comunidade científica com os cidadãos.
“A Fiocruz trabalha na fronteira da tecnologia com a saúde, então disponibilizamos à população aquilo que foi desenvolvido dentro dos laboratórios como, por exemplo, uma vacina. Por outro lado, temos os programas sociais de inclusão, nos quais incorporamos a comunidade das favelas que nos cercam ao trabalho na Fundação”, explicou.
Para a engenheira Elisabeth Rasekoala, fundadora da Rede África-Caribe para a Ciência e Tecnologia, localizada na Inglaterra, certos tipos de iniciativas e programas não dão certo porque têm uma abordagem de cima para baixo.
“É preciso fazer convergir o conhecimento dos dois lados, e não achar que somente a comunidade científica tem informação e conhecimento a oferecer aos cidadãos que não fazem parte dela”, afirmou.
Ela citou dois programas desenvolvidos pela Comunidade Européia – os projetos Delivering Inclusion in Science Communication (Disc), direcionado a adultos, e o Ethnic, direcionado a crianças –, que buscam evitar barreiras étnicas e de raça pela da integração de cientistas e minorias étnicas.
“Muitos dos cientistas disseram que nunca tinham interagido com minorias étnicas e vice-versa. Esse é um quadro que tem de mudar. O interesse existe, o problema é superar a exclusão”, disse a pesquisadora.
Elisabeth contou que o projeto da Comunidade Européia funciona em rede. A idéia é que centros de ciência europeus “apadrinhem” comunidades tidas como minorias. Exemplos são a Itália, que tem programas com filipinos e peruanos, e a Áustria, que desenvolve projetos com a comunidade turca, que representa quase 30% da população do país.
O Congresso Mundial de Centros de Ciência acontece a cada três anos, e já foi sediado na Finlândia, na Índia e na Austrália. A Fiocruz é a instituição anfitriã desta edição no Brasil.
O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro apresentou uma reflexão sobre o tema, discussão oportuna num evento cujo mote era justamente a quebra das barreiras e o papel dos centros de ciência na inclusão social.
“A globalização é a resposta tecnológica ocorrida na década de 70 e que deu origem a um paradigma da informação, base material de um sistema político cada vez mais cosmopolita. O desaparecimento de fronteiras seria o melhor caminho na convergência da riqueza das nações. Além disso, o sistema em redes permitiria uma informação mais rápida”, disse Fiori.
Entretanto, segundo o economista, a utopia teve vida curta. “Assistimos a um processo acelerado de concentração não só de riquezas, mas também do controle da produção e da difusão científica”, afirmou, citando dados que ilustram a situação. “Cerca de 90% das patentes depositadas pertencem aos Estados Unidos, Alemanha e Japão, e 40% das publicações científicas são norte-americanas. Outros 40% são da comunidade européia.”
Outro fator levantado na conferência lança luz sobre a chamada tecnologia de ponta. “A rapidez nos avanços da ciência e da tecnologia aumenta ainda mais a separação entre ricos e pobres, criando desigualdades”, analisou Fiori.
Famoso popularizador da ciência em um país tradicionalmente repleto de crenças e mitos, Narlikar falou sobre o papel da ciência na derrubada de superstições, apresentando a bem-sucedida experiência indiana como um modelo para outros países, experiência obtida por meio de novos modelos de centros de ciência: planetários, museus de ciência e uma cidade científica próxima a Calcutá.
O papel do primeiro desses – o planetário – é, segundo o pesquisador, de fundamental importância no contexto indiano, uma vez que lá, lembra ele, em dias de eclipse, as ruas ainda ficam inteiramente vazias. E não é só. “As pessoas também acreditam que fenômenos como o alinhamento de planetas e o aparecimento de cometas, são ‘coisas do mal’ e podem trazer grandes catástrofes”, explicou.
A princípio, a maior questão enfrentada por Narlikar foi: como podem os planetários mudar a opinião dos crentes? “Hoje em dia, podemos mostrar como e por que o eclipse ocorre e como eles podem ser explicados pela física. A Lei de Kepler explicou como se movem os planetas, tornando possível, hoje, computar matematicamente o trajeto de uma nave da Terra a Marte”, disse.
Para Narlikar, um planetário pode e deve fazer mais do que mostrar constelações. “Devemos mostrar e responder a questões do tipo: o que é o sol da meia-noite, uma chuva de meteoros, o buraco negro e o nascimento de uma estrela”, afirmou.
“Em nosso centro, fizemos um experimento no qual crianças fabricavam itens fantásticos de materiais descartados. Devido à baixa renda na Índia, esses brinquedos têm grande relevância por lá. Antes, as crianças liam sobre ciência em seus livros didáticos. Hoje, elas fazem ciência”, contou o astrofísico.
Os Museus de Ciência são, para Narlikar, o local ideal para se projetar a história do progresso da ciência. “Essa história precisa ser contada. A tecnologia da informação já nos deu muitas ferramentas para isso. Os desastres naturais, como as tsunamis, podem ser mostrados em exposições, assim como a ameaça da camada de ozônio. São formas de atrair os leigos e aumentar o envolvimento da comunidade científica com a sociedade”, sugeriu.
As cidades da ciência são um conceito relativamente novo. Narlikar citou as experiências do local construído em Calcutá. “Funciona como um parque de diversões, com a diferença que a educação é mais importante que o entretenimento. Só não devemos deixar que as pessoas percebam isso, se não elas sentirão como se estivessem em uma sala de aula. A idéia é ter um cinema 3D, mostrando filmes de ficção científica, com a simulação de uma viagem à Lua ou dentro do corpo humano, um parque jurássico ou a simulação de um holocausto”, disse.
Após a conferência, Jayant Narlikar falou à Agência FAPESP:
Agência FAPESP - Essa dicotomia ciência versus superstição não deveria ser vista de forma convergente, ou seja, a ciência não poderia integrar-se à tradição?
Narlikar - É preciso passar por uma gama de tradições, desde que se diferencie o que é correto cientificamente, o que tem uma coerência científica com a realidade.
Agência FAPESP - A superstição cresce com as novas tecnologias?
Narlikar - Sem dúvida, hoje em dia existem superstições que não existiam cem anos atrás, como por exemplo os discos voadores ou o triângulo das Bermudas, que só existem por conta das experiências espaciais.
Agência FAPESP - Como o sr. lida com o fato de existirem tantos idiomas na Índia? Esse não é um entrave no processo de popularização da ciência no país?
Narlikar - Por isso mesmo é que a demanda de cidades ciência na Índia é tão grande. Atualmente, os cientistas falam em romper barreiras. Mas não seria arrogância de muitos cientistas o fato de eles sempre estarem olhando a sociedade e as minorias de cima? Quanto a isso, costumo sempre citar uma história que ouvi quando criança. O Sol disputava com o vento quem tinha mais poder. Então eles viram um homem e combinaram que aquele que conseguisse arrancar o casaco daquele homem seria o mais poderoso. O vento decidiu soprar forte enquanto o Sol esquentou ainda mais, e fez o homem tirar o casaco. Aqui na Índia, nosso desafio é: se conseguirmos fazer as pessoas pensarem que a superstição não é correta, poderemos fazê-las “tirar o casaco”.
Mais informações e a programação completa do 4º Congresso Mundial de Centros de Ciência: www.museudavida.fiocruz.br/4scwc .