Agência FAPESP

  • Cenários diversos
  • Exclusão acelerada
  • Derrubando muros
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    Cenários diversos

    12/04/2005

    Por Washington Castilhos, do Rio de Janeiro

    Agência FAPESP - Na sessão plenária do primeiro dia do 4º Congresso Mundial de Centros de Ciência, que está sendo realizado no Rio de Janeiro até 14 de abril, a discussão feita por representantes de centros de ciência de diferentes países – ricos e pobres – concentrou-se em como os centros de ciência em geral podem contribuir para a educação básica e para a promoção da inclusão social.

    O presidente da Fundação IBM nos Estados Unidos, Stanley Litow, citou a educação como a maior preocupação da gigante da informática e comentou algumas iniciativas da empresa nesse sentido, por meio de programas de capacitação e de desenvolvimento de tecnologias em escolas norte-americanas e de outros 150 países.

    Educação básica e inclusão social também podem ser feitas pelos centros de ciência. Congresso no Rio discutiu o problema
    ( foto: African Societies )

    Analisando uma realidade completamente diferente da norte-americana, Lídia Brito, secretária do Ministério de Educação Superior, Ciência e Tecnologia de Moçambique, sugeriu caminhos para quebrar as barreiras e tornar possível o desenvolvimento.

    “Temos de investir em capacidade científica e dar à população acesso à tecnologia e ao conhecimento. O desenvolvimento sustentável depende disso. Precisamos desenvolver uma cultura de ciência”, disse ela.

    Paulo Gadelha, vice-presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), citou a experiência brasileira na promoção da ciência e do diálogo da comunidade científica com os cidadãos.

    “A Fiocruz trabalha na fronteira da tecnologia com a saúde, então disponibilizamos à população aquilo que foi desenvolvido dentro dos laboratórios como, por exemplo, uma vacina. Por outro lado, temos os programas sociais de inclusão, nos quais incorporamos a comunidade das favelas que nos cercam ao trabalho na Fundação”, explicou.

    Para a engenheira Elisabeth Rasekoala, fundadora da Rede África-Caribe para a Ciência e Tecnologia, localizada na Inglaterra, certos tipos de iniciativas e programas não dão certo porque têm uma abordagem de cima para baixo.

    “É preciso fazer convergir o conhecimento dos dois lados, e não achar que somente a comunidade científica tem informação e conhecimento a oferecer aos cidadãos que não fazem parte dela”, afirmou.

    Ela citou dois programas desenvolvidos pela Comunidade Européia – os projetos Delivering Inclusion in Science Communication (Disc), direcionado a adultos, e o Ethnic, direcionado a crianças –, que buscam evitar barreiras étnicas e de raça pela da integração de cientistas e minorias étnicas.

    “Muitos dos cientistas disseram que nunca tinham interagido com minorias étnicas e vice-versa. Esse é um quadro que tem de mudar. O interesse existe, o problema é superar a exclusão”, disse a pesquisadora.

    Elisabeth contou que o projeto da Comunidade Européia funciona em rede. A idéia é que centros de ciência europeus “apadrinhem” comunidades tidas como minorias. Exemplos são a Itália, que tem programas com filipinos e peruanos, e a Áustria, que desenvolve projetos com a comunidade turca, que representa quase 30% da população do país.

    O Congresso Mundial de Centros de Ciência acontece a cada três anos, e já foi sediado na Finlândia, na Índia e na Austrália. A Fiocruz é a instituição anfitriã desta edição no Brasil.

    Exclusão acelerada

    12/04/2005

    Por Washington Castilhos, do Rio de Janeiro

    Agência FAPESP - Globalização foi o assunto em destaque no primeiro dia do 4º Congresso Mundial de Centros de Ciência, que está sendo realizado no Rio de Janeiro até 14 de abril. Em sua conferência de abertura, o economista e cientista político José Luis Fiori definiu o tema como “a última grande utopia do século 20”.


    Globalização, a última grande utopia do século 20
    ( foto: T21 )

    O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro apresentou uma reflexão sobre o tema, discussão oportuna num evento cujo mote era justamente a quebra das barreiras e o papel dos centros de ciência na inclusão social.

    “A globalização é a resposta tecnológica ocorrida na década de 70 e que deu origem a um paradigma da informação, base material de um sistema político cada vez mais cosmopolita. O desaparecimento de fronteiras seria o melhor caminho na convergência da riqueza das nações. Além disso, o sistema em redes permitiria uma informação mais rápida”, disse Fiori.

    Entretanto, segundo o economista, a utopia teve vida curta. “Assistimos a um processo acelerado de concentração não só de riquezas, mas também do controle da produção e da difusão científica”, afirmou, citando dados que ilustram a situação. “Cerca de 90% das patentes depositadas pertencem aos Estados Unidos, Alemanha e Japão, e 40% das publicações científicas são norte-americanas. Outros 40% são da comunidade européia.”

    Outro fator levantado na conferência lança luz sobre a chamada tecnologia de ponta. “A rapidez nos avanços da ciência e da tecnologia aumenta ainda mais a separação entre ricos e pobres, criando desigualdades”, analisou Fiori.

     

    Derrubando muros

    13/04/2005

    Por Washington Castilhos, do Rio de Janeiro

    Agência FAPESP - Na Índia, a grande barreira a ser quebrada pela ciência em sua luta pela inclusão social é a superstição do povo indiano. “Mesmo com todo o progresso da ciência e da tecnologia, a mentalidade de nosso povo ainda está fortemente enraizada no passado. Os jovens são tão supersticiosos quanto seus pais ou avós”, afirmou o astrofísico Jayant Narlikar, diretor da Universidade de Astrofísica e Astronomia, em sua conferência no segundo dia do 4º Congresso Mundial de Centros de Ciência, que está sendo realizado no Rio de Janeiro até 14 de abril.

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    Para Narlikar, o jovem indiano ainda tem a mentalidade enraizada no passado
    ( foto: IUCAA )

    Famoso popularizador da ciência em um país tradicionalmente repleto de crenças e mitos, Narlikar falou sobre o papel da ciência na derrubada de superstições, apresentando a bem-sucedida experiência indiana como um modelo para outros países, experiência obtida por meio de novos modelos de centros de ciência: planetários, museus de ciência e uma cidade científica próxima a Calcutá.

    O papel do primeiro desses – o planetário – é, segundo o pesquisador, de fundamental importância no contexto indiano, uma vez que lá, lembra ele, em dias de eclipse, as ruas ainda ficam inteiramente vazias. E não é só. “As pessoas também acreditam que fenômenos como o alinhamento de planetas e o aparecimento de cometas, são ‘coisas do mal’ e podem trazer grandes catástrofes”, explicou.

    A princípio, a maior questão enfrentada por Narlikar foi: como podem os planetários mudar a opinião dos crentes? “Hoje em dia, podemos mostrar como e por que o eclipse ocorre e como eles podem ser explicados pela física. A Lei de Kepler explicou como se movem os planetas, tornando possível, hoje, computar matematicamente o trajeto de uma nave da Terra a Marte”, disse.

    Para Narlikar, um planetário pode e deve fazer mais do que mostrar constelações. “Devemos mostrar e responder a questões do tipo: o que é o sol da meia-noite, uma chuva de meteoros, o buraco negro e o nascimento de uma estrela”, afirmou.

    “Em nosso centro, fizemos um experimento no qual crianças fabricavam itens fantásticos de materiais descartados. Devido à baixa renda na Índia, esses brinquedos têm grande relevância por lá. Antes, as crianças liam sobre ciência em seus livros didáticos. Hoje, elas fazem ciência”, contou o astrofísico.

    Os Museus de Ciência são, para Narlikar, o local ideal para se projetar a história do progresso da ciência. “Essa história precisa ser contada. A tecnologia da informação já nos deu muitas ferramentas para isso. Os desastres naturais, como as tsunamis, podem ser mostrados em exposições, assim como a ameaça da camada de ozônio. São formas de atrair os leigos e aumentar o envolvimento da comunidade científica com a sociedade”, sugeriu.

    As cidades da ciência são um conceito relativamente novo. Narlikar citou as experiências do local construído em Calcutá. “Funciona como um parque de diversões, com a diferença que a educação é mais importante que o entretenimento. Só não devemos deixar que as pessoas percebam isso, se não elas sentirão como se estivessem em uma sala de aula. A idéia é ter um cinema 3D, mostrando filmes de ficção científica, com a simulação de uma viagem à Lua ou dentro do corpo humano, um parque jurássico ou a simulação de um holocausto”, disse.

    Após a conferência, Jayant Narlikar falou à Agência FAPESP:

    Agência FAPESP - Essa dicotomia ciência versus superstição não deveria ser vista de forma convergente, ou seja, a ciência não poderia integrar-se à tradição?
    Narlikar - É preciso passar por uma gama de tradições, desde que se diferencie o que é correto cientificamente, o que tem uma coerência científica com a realidade.

    Agência FAPESP - A superstição cresce com as novas tecnologias?
    Narlikar - Sem dúvida, hoje em dia existem superstições que não existiam cem anos atrás, como por exemplo os discos voadores ou o triângulo das Bermudas, que só existem por conta das experiências espaciais.

    Agência FAPESP - Como o sr. lida com o fato de existirem tantos idiomas na Índia? Esse não é um entrave no processo de popularização da ciência no país?
    Narlikar - Por isso mesmo é que a demanda de cidades ciência na Índia é tão grande. Atualmente, os cientistas falam em romper barreiras. Mas não seria arrogância de muitos cientistas o fato de eles sempre estarem olhando a sociedade e as minorias de cima? Quanto a isso, costumo sempre citar uma história que ouvi quando criança. O Sol disputava com o vento quem tinha mais poder. Então eles viram um homem e combinaram que aquele que conseguisse arrancar o casaco daquele homem seria o mais poderoso. O vento decidiu soprar forte enquanto o Sol esquentou ainda mais, e fez o homem tirar o casaco. Aqui na Índia, nosso desafio é: se conseguirmos fazer as pessoas pensarem que a superstição não é correta, poderemos fazê-las “tirar o casaco”.

    Mais informações e a programação completa do 4º Congresso Mundial de Centros de Ciência: www.museudavida.fiocruz.br/4scwc .