Einstein na América do Sul1

Carlos Alberto dos Santos

IF-UFRGS

 

Há pouco mais de 79 anos, precisamente no dia 4 de maio de 1925, Albert Einstein escrevia no seu diário de viagem: “Chegada ao Rio ao pôr-do-sol e tempo fabuloso. Ilhas graníticas de formas fantásticas estão a pouco distância.” Ele vinha do Uruguai, onde passara uma semana depois de uma estada de 28 dias na Argentina. Longa viagem de navio, com início em 5 de março, no porto de Hamburgo, com uma rápida parada no Rio de Janeiro, no dia 21. Em 4 de maio estava de volta para permanecer uma semana na cidade maravilhosa. Na despedida demonstrava admiração pelo marechal Rondon: “Grande apresentação cinematográfica da vida dos índios e seu desenvolvimento exemplar através do general Rondon, um filantropo e líder de primeira ordem”, escrevia ele no dia 11. Em seguida indicaria Rondon para o Prêmio Nobel da Paz, honraria jamais concretizada.


Essas e outras informações são apresentadas no livro de Alfredo Tiomno Tolmasquim . É um belo livro. Mesmo que não o fosse, teria posição destacada na literatura sobre este ícone da ciência. É a primeira vez que se publica integralmente o diário de Einstein durante sua viagem à América do Sul, um evento vagamente mencionado na literatura internacional. Ao meu conhecimento, entre as dezenas de biografias amplamente conhecidas, apenas três fazem referência a esta viagem. No seu famoso livro “Einstein viveu aqui” (veja em www.if.ufrgs.br/einstein, resenha publicada em Zero Hora), Abraham Pais dedica apenas um pequeno parágrafo, e não faz qualquer referência ao diário de viagem. A primeira referência a este diário é apresentada no livro de Albrecht Fölsing “Albert Einstein” (Penguin Books, 1997). Num dos mais recentes livros publicados no Brasil (Thomas Levenson, “Einstein em Berlim”, Objetiva, 2003), o autor dá informações equivocadas sobre a viagem. Em primeiro lugar, Elsa, a esposa de Einstein, não o acompanhou. Depois, parece duvidoso que a “viagem era primordialmente de férias”.


Agora, com o livro de Tolmasquim, ficamos sabendo que a coisa não é assim tão simples. Em primeiro lugar, várias são as hipóteses para justificar a decisão de Einstein viajar à América do Sul. Uma delas é apresentada por Fölsing e corroborada por Tolmasquim: refere-se à preocupação do físico em buscar um lugar seguro onde se refugiar dos ataques sofridos na Europa. Depois do Assassinato do ministro Walter Rathenau em junho de 1922, temia-se que a vida de Einstein também estivesse em perigo. Fölsing também defende a hipótese que Einstein estava fugindo da sua jovem secretária, Betty Neuman, com quem tivera um caso amoroso. Tolmasquim usa um argumento convincente para contestar a hipótese de Fölsing. Se fosse apenas para viajar, Einstein bem poderia ter aceito outros convites na mesma época, como aquele do importante físico americano Robert Millikan, para visitar a Califórnia. Como Einstein, Millikan também era Prêmio Nobel de Física, e talvez tenha sido com frustração que leu a resposta do eminente colega alemão: havia sido preterido em favor dos sul-americanos.


É bem conhecido o interesse de Einstein em interagir com cientistas de outros países. Era um internacionalista convicto, mas por outro lado era pessimista quanto ao desenvolvimento da cultura científica nos países tropicais. Essa postura de Einstein irritou Ernesto Gaviola, um físico argentino que naquela época fazia um curso na Universidade de Berlim. De acordo com Enrique Gaviola (citado por Tolmasquim), Ernesto ficou ofendido não tanto pela descrença de Einstein quanto à ciência sul-americana, mas por ter tomado a Argentina por um país tropical. Ernesto Gaviola orgulhava-se das extensas zonas temperadas e frias do seu país. Outro motivo importante teria sido seu envolvimento com o judaísmo. Aparentemente ele tinha interesse na integração das jovens comunidades judaicas da América do Sul com a proposta de criação da Universidade Hebraica, que seria inaugurada durante a sua viagem. Esse foi outro importante evento que ele abdicou em favor dos compromissos assumidos com os sul-americanos.


Não havia, em qualquer dos três países visitados, atividade acadêmica à altura de .Albert Einstein. Assim, para a Universidade de Buenos Aires, que formulou o convite em 31 de dezembro de 1923, a visita era mais um evento que honraria a nação do que a possibilidade de intercâmbio científico com o Prêmio Nobel de Física de 1921. Talvez o Brasil tivesse uma posição destacada no imaginário de Einstein. Afinal, em 1919 sua teoria da relatividade geral havia sido comprovada num eclipse observado na cidade de Sobral, no nordeste brasileiro. Mas aqui o ambiente acadêmico era mais incipiente do que na Argentina, e como no país vizinho, foi a comunidade judaica brasileira que se mobilizou para viabilizar a visita de Einstein. A propósito, em janeiro de 1925 um jornal judaico argentino chamava a atenção dos judeus dos países vizinhos para não perder a oportunidade de ouvir aquele que era considerado o maior gênio daquela época.

Para o rabino Isaiah Raffalovich, representante da Jewish Colonization Association no Brasil, aquela era sem dúvida uma chance excelente para mostrar ao povo brasileiro que, entre os judeus, não havia apenas comerciantes e artesãos, havia também importantes intelectuais e cientistas. Enfim, a visita de Einstein seria oportuna para demostrar que a imigração judaica poderia trazer benefícios para o Brasil; era uma resposta às posições contrárias à entrada de imigrantes. Embora a mobilização político-religiosa fosse um fato, era desejo expresso de Einstein que ela não aparecesse como determinante da sua visita. Os convites teriam que partir de entidades acadêmicas. No Brasil isso ficou a cargo da Academia Brasileira de Ciência, da Escola Politécnica do Rio de Janeiro e do Clube de Engenharia.


O livro de Tolmasquim será um marco da literatura histórica brasileira, mas não foi o primeiro a tratar com detalhe a visita de Einstein ao país. Em 1995, a Editora da UFRJ publicou “Einstein e o Brasil”, livro organizado por Ildeu C. Moreira e Antonio A. Videira. O mérito inquestionável de Tolmasquim foi trazer ao conhecimento público o diário de Einstein, um documento imprescindível para a compreensão do sentimento de Einstein frente às populações tropicais.


(1)Alfredo Tiomno Tolmasquim. “Einstein: o viajante da relatividade na América do Sul”. Rio de Janeiro: Vieira & Lent Casa Editorial Ltda (2003).