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Textos sobre a Conferência Ciência-Mulher 2004 - Mulheres Latino-americanas nas Ciências Exatas e da Vida extraídos do

Jornal da Ciência (JC E-Mail)
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Edição 2649 - Notícias de C&T - Serviço da SBPC
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18 de novembro de 2004

Por uma ciência mais feminina e justa

Até esta sexta-feira, pesquisadoras do Brasil e outros países da América Latina discutem no RJ os caminhos para aumentar a participação feminina nas ciências exatas e da vida

Daniela Oliveira escreve para o 'JC e-mail':

Embora tenha crescido nos últimos anos, a atuação das mulheres nas ciências exatas e da vida ainda é pequena. Mas como superar a tradicional maioria masculina e ganhar espaço nessas áreas?

Essas e outras questões estão na pauta da Conferência Ciência-Mulher 2004 - Mulheres Latino-americanas nas Ciências Exatas e da Vida, que acontece até sexta-feira, no Hotel Othon Palace, RJ.

A idéia é tratar da questão do gênero tendo como pano de fundo a América Latina, como explicou Elisa Baggio-Saitovitch, pesquisadora do CBPF e coordenadora da conferência.

Os países da região, consideradas as diversidades, apresentam perfis semelhantes no que tange à participação feminina na ciência, especialmente na área de exatas.

Elisa contou que a realização do evento foi impulsionada quando o presidente Lula decretou 2004 como o Ano da Mulher. 'Isso foi uma sinalização de que precisávamos organizar alguma coisa em nível latino-americano'.

Durante os três dias de conferência, estão reunidos pesquisadores, representantes de sociedades científicas e membros do governo. 'Sem a participação dos realizadores das políticas científicas, nossas conclusões poderiam se encerrar dentro do Hotel Othon, no RJ', afirmou Elisa.

As discussões giram em torno de temas específicos que afetam a carreira da mulher na ciência, tais como estrutura de poder e ascensão profissional. Os participantes buscam identificar as razões para a presença tão reduzida do sexo feminino na ciência e os meios de enfrentar este problema.

Os preconceitos, barreiras e estereótipos enfrentados pelas mulheres na carreira científica também serão discutidos, bem como as políticas públicas capazes ampliar e qualificar a participação feminina nos centros de tecnologia. Tudo isso com foco na América Latina.

'Enquanto não mudarmos o vetor de nossas considerações científicas, econômicas e políticas, deixando de priorizar as relações com o Hemisfério Norte, valorizando os laços regionais e incentivando a participação qualificada das mulheres, pouco mudará o quadro da América Latina neste mundo globalizado', considerou Elisa Saitovitch.

Minoria saudável

Presente à cerimônia de abertura da conferência, o presidente do CBPF, Ricardo Galvão, lembrou de suas colaborações com colegas do sexo feminino, segundo ele 'tão ou mais qualificadas que os homens'.

Para Galvão, o Brasil não tem uma situação muito ruim se comparado a outros países, até mesmo da Europa, onde a mulher ainda carece de espaço na ciência. 'Mas é preciso que haja apoio e incentivo à participação feminina', salientou.

A maioria expressiva de mulheres na platéia fez com que o presidente da Faperj, Pedricto Rocha, brincasse ao tomar a palavra, dizendo estar, juntamente com Galvão, numa 'minoria saudável'. Eles e o diretor do Centro Latino-americano de Física (Claf), Feliciano Sánchez, eram os únicos homens presentes à cerimônia.

Nilcéa Freire, ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, também comentou a ausência masculina na abertura da conferência. 'Não estou mais acostumada a falar para os homens, sempre pouco presentes nas discussões sobre gênero, em qualquer área do conhecimento'.

Representando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Nilcéa afirmou que a inclusão da mulher em todas as áreas é uma meta de governo. Segundo ela, a criação da secretaria especial não se deu apenas por pressão ou por uma necessidade histórica, mas pela compreensão, por parte do governo, de que não haverá democracia sem a incorporação plena e cidadã das mulheres - que representam 52% da população - na sociedade.

A ministra afirmou que sua pasta já elabora ações conjuntas com o MCT para serem desenvolvidas em 2005, no sentido de aumentar a participação das mulheres nas políticas de C&T.

Entre as ações estão incluídos seminários que pensem C&T e gênero de forma conjunta, para que se faça um levantamento da produção científica no Brasil e, a partir daí, desenvolver programas de fomento na área.

Outra proposta é instituir um concurso de monografias de graduação e pós-graduação que abordem temas relativos à participação das mulheres na sociedade e no mercado de trabalho.

Ivonice Campos, representante do MCT, disse que os debates e discussões desenvolvidos na conferência contribuirão para a definição de diretrizes políticas e estratégias capazes de ampliar e qualificar a participação das mulheres no desenvolvimento da C&T no país.

'Temos o compromisso e a obrigação de contribuir para as políticas estabelecidas na Conferência Nacional de Mulheres', afirmou Ivonice, referindo-se ao encontro realizado em julho. Ela aproveitou para convidar a SBPC para auxiliar na criação de uma agenda comum do MCT e da Secretaria da Mulher, já para o próximo ano.

Também compuseram a mesa de abertura a vice-presidente da SBPC, Dora Fix Ventura; a vice-presidente da Third World Third World Organization for Women in Science (TWOWS), Lilliam Alvarez Diaz; e a secretária-executiva da SBPC, Regina Pekelmann Markus, representando o CNPq.

Confira a programação para esta sexta-feira e outros detalhes da conferência no site http://www.cbpf.br/~mulher

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9 -  Por que tão poucas mulheres se destacam nas ciências exatas?

Estudos cada vez mais numerosos de gênero na C&T mostram que a participação feminina nas ciências chamadas 'duras' é quase insignificante se comparada à masculina

Carla Almeida escreve para o 'JC e-mail':

Estes trabalhos têm buscado indicadores cada vez mais precisos para diagnosticar a real proporção, mas ainda não conseguiram responder a principal pergunta: por que isso ocorre?

Houve muitos avanços a partir do século XX no que diz respeito à condição feminina. Falsas teorias sobre características biológicas inferiores das mulheres foram desacreditadas, elas conquistaram maior espaço no mercado de trabalho, aumentaram sua participação na literatura e o tema passou a despertar interesse na academia.

No entanto, um aspecto da questão foge aos movimentos feministas e pouco tem avançado nas últimas décadas: a mulher ainda não deslanchou na pesquisa de ponta, nem no Brasil, nem na América Latina, nem no mundo.

Quem analisa o fato é a pesquisadora Fanny Tabak, fundadora do primeiro Núcleo Acadêmico de Estudos sobre a Mulher (NEM) na PUC-Rio, no final de 1980. Ela dedicou a maior parte de sua vida a estudar a condição feminina e acaba de lançar um livro sobre o tema, chamado 'Laboratório de Pandora'.

'Fico muito feliz de comprovar que não somos apenas nós, da área de humanas, que estamos preocupadas com a questão da mulher nas ciências. Finalmente, os pesquisadores das ciências exatas, nosso objeto de estudo, estão tomando essa iniciativa', destacou Fanny durante sua participação na conferência 'Mulheres latino-americanas nas ciências exatas e da vida', promovida pelo CBPF.

Em sua palestra, ela procurou estimular a reflexão sobre o tema levantando questões provocativas: Por que as mulheres continuam se direcionando às áreas de humanas? Por que as carreiras tradicionalmente femininas ainda são as mesmas? Por que as mulheres que optam pela carreira nas ciências exatas são obrigadas a provar que são muito melhores que os homens?

Sem respostas prontas, Fanny insistiu em um ponto: é preciso estimular o interesse das meninas, principalmente na fase escolar, pelas ciências. A começar por mostrar a elas o que é fazer ciência e acabar com o esteriótipo do cientista louco, de roupa branca, enfurnado em um laboratório.

Ela citou a iniciativa da PUC de promover, com a colaboração de pesquisadores, encontros e palestras destinadas a meninas de nível secundário, em que cientistas falam sobre suas profissões e as moças são estimuladas a fazer visitas a laboratórios e centros de pesquisa.

Fanny também elogiou o Programa de Vocação Científica da Fiocruz, o Provoc, que promove a iniciação científica de alunos do nível médio de ensino nas diferentes áreas de pesquisa em saúde com o objetivo de despertar o interesse dos estudantes pela pesquisa científica.

O Provoc compreende duas etapas. Na primeira, com um ano de duração, os alunos são convidados a participar de diferentes atividades científicas, ganhando familiaridade com a dinâmica da pesquisa científica. Após finalizada essa etapa, os alunos tem a opção de, durante 18 meses, elaborar um plano de trabalho em que as questões identificadas na primeira fase são aprofundadas e discutidas.

'As pesquisadoras devem visitar mais as escolas e as estudantes devem visitar mais os locais onde a ciência é feita', sugeriu a pesquisadora.

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10 -  Discriminação e poucas oportunidades atingem mulheres cientistas nos países latino-americanos

Seja no Brasil, no Uruguai ou até mesmo em Cuba, a situação é bem parecida: mulheres em minoria nas ciências exatas, homens ocupando os cargos mais altos e de maior prestígio

A imagem é a de uma pirâmide, com sua base larga que vai se afunilando até chegar ao topo estreito. Tanto na política como na C&T, as mulheres mantém-se na base, ou no início das carreiras. No topo, aparecem os homens, que conseguem mais facilmente conquistar e permanecer nas funções mais altas e de maior prestígio.

A analogia foi utilizada por Nilcéa Freire, ministra da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, na mesa-redonda 'Políticas Públicas em Ciência e Tecnologia na Perspectiva de Gênero', realizada na manhã desta terça-feira na Conferência Ciência-Mulher 2004, no RJ.

Nilcéa Freire lembrou que, dentro da academia, os processos de discriminação e exclusão da mulher são sutis e sofisticados, mas igualmente perversos. 'Muitas vezes não nos damos conta do que acontece, já que estamos na Universidade ou em instituições de pesquisa, ambientes supostamente progressistas'.

Ela anunciou que, em dezembro, o governo vai lançar o Plano Nacional de Políticas para Mulheres, que atuará em quatro eixos: Saúde; Educação, Cultura e C&T; Violência contra as Mulheres e Autonomia no Mercado de Trabalho. 'Nosso trabalho é desconstruir o preconceito e os estereótipos que atingem a condição feminina', afirmou Nilcéa.

Países distintos, problemas semelhantes

A situação no Uruguai não difere muito da observada no Brasil, como mostrou a senadora Julia Pou, membro da Comissão de Educação, Saúde, Meio Ambiente e C&T do Senado uruguaio.

O percentual de mulheres uruguaias nas carreiras mais altas também é muito pequeno, principalmente se comparado ao número das concluintes do ensino superior, maior que o de homens.

Mas Julia Pou se diz otimista. 'É preciso construir uma nova identidade, nova cultura e nova realidade. E isto é possível com o acesso de todos, homens e mulheres, à educação'.

A senadora aposta na nova lei de C&T que será implementada no Uruguai, elaborada com base no modelo brasileiro dos fundos setoriais. 'Temos que entender que a C&T é mais que simples conhecimento, e sim o seu pleno uso pela sociedade', salientou.

A vice-presidente da Third World Third World Organization for Women in Science (TWOWS), Lilliam Alvarez Diaz, apresentou a situação de Cuba e mostrou as políticas do país baseadas no desenvolvimento da Educação e da C&T.

O país possui um complexo de C&T que compreende 15 pólos científicos-tecnológicos, 220 instituições científicas, 63 Universidades e investimento de 1,13% do PIB na área.

Neste contexto, as mulheres cubanas representam 66,6% da força técnica na área de C&T. No entanto, seguindo o que parece ser a regra, ocupam apenas 26% dos cargos de direção.

'Assim como em outros países, as mulheres em Cuba sofrem segregação ocupacional, com menor representação nas ciências exatas', apontou Lilliam, lembrando que o país sofre muito com a migração de cientistas, a chamada fuga de cérebros.

Lilliam Diaz também comparou as relações de trabalho no país com uma pirâmide, com mulheres na base e homens no topo. E resumiu a situação com uma expressão: a Liga do Triplo V. 'As mulheres são sempre Vice-decanas, Vice-reitoras, Vice-diretoras...', brincou.

Em busca de dados

A vice-presidente da SBPC, Dora Ventura, comentou uma série de situações de discriminação vividas por mulheres, e lembrou do caso do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos EUA, onde as pesquisadoras mediram com fita métrica seus laboratórios e verificaram que mesmo fisicamente ocupavam menos espaço que os homens.

E, ratificando o que já havia sido dito pelas demais participantes da mesa-redonda, apresentou uma série de dados referentes a bolsas de produtividade do CNPq, os quais apontavam a predominância das mulheres nas áreas humanas e sua menor presença nas ciências biológicas e exatas.

Dora Ventura afirmou que a SBPC vai contribuir para a elaboração dos programas propostos pelo MCT e pela Secretaria Especial da Mulher. Segundo ela, a questão do gênero será incluída nos estudos prospectivos que a SBPC vem realizando sobre a situação da Educação e da C&T no país.

'Políticas públicas só podem ser pensadas em cima de dados, e isso ainda não temos. Vamos nos empenhar em reunir informações também sobre gênero', comprometeu-se Dora Ventura.

A afirmação da vice-presidente da SBPC foi ao encontro dos anseios das pesquisadoras presentes à conferência. A questão dos dados, especialmente sobre as demandas das mulheres cientistas e o que está sendo atendido pelas agências de fomento, foi cobrada por muitas participantes.

A diretora científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e atual presidente em exercício, Nidia Noemi Fabré, disse que vai incluir os dados sobre a demanda feminina dos auxílios de sua instituição.

Segundo ela, a participação feminina nos programas de apoio da Fapeam é similar a dos homens. Mas, semelhante ao resto do Brasil e possivelmente do mundo, a maior presença é nas áreas humanas, sociais e biológicas.

Nídia Fabré entende que a área multidisciplinar pode ser um meio de reverter este quadro na Amazônia. 'Talvez fosse o caso de se pensar em desenvolver políticas de sustentabilidade ambiental, por exemplo, conduzidas por mulheres'.

Futuro da ciência

Presente ao primeiro dia da Ciência-Mulher 2004, Sara Teixeira, de 18 anos, é prova de que as novas gerações também estão preocupadas com a questão da mulher na ciência.

Bolsista de iniciação científica da Fiocruz há cerca de dois anos, a estudante afirma que ainda não sofreu preconceito ou teve alguma dificuldade por sua condição feminina. Mas ela acredita que, ao longo de suas trajetórias profissionais, passarão por isso.

'Acho que o homem ainda é muito valorizado no meio científico, tem mais crédito e até mais prestígio na carreira. Mas acho que a mulher a cada ano vem conseguindo virar o jogo', considera Sara, que pretende cursar Farmácia e continuar na área de pesquisa. (Daniela Oliveira, JC)

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11 -  Na Argentina, altos cargos científicos são ocupados majoritariamente por homens

O Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Tecnológicas (Conicet), órgão que reúne grande parte da comunidade científica argentina, conta com participação irrisória de mulheres nos postos de direção e avaliação. A situação não é muito diferente da brasileira

A Rede Argentina de Gênero, Ciência e Tecnologia (RAGCyT), entidade que há dez anos busca estimular o intercâmbio entre pesquisadoras interessadas pela situação da mulher na ciência e que vem analisando a participação feminina na área, traçou um diagnóstico, centrado no Conicet, da participação de cientistas argentinas em diversos setores da C&T e sua evolução nos últimos anos.

Os dados deste diagnóstico foram apresentados por Silvia Kochen, uma das fundadoras da rede, nesta quarta-feira, durante a conferência 'Mulheres latino-americanas nas ciências exatas e da vida', promovida pelo CBPF.

De acordo com o primeiro indicador, a divisão de gênero por disciplinas, os homens saem na frente nas ciências agrárias (65,3%), na matemática (65,3%), nas ciências exatas (65,9%) e nas áreas tecnológicas (57,1%); enquanto as mulheres são maioria nas ciências biológicas e saúde (51,7%) e nas ciências humanas e sociais (53,1%).

Quanto à distribuição de cargos entre homens e mulheres, os dados mostram a hierarquia masculina na ocupação de postos altos. As mulheres ocupam 53,5% dos cargos de assistência no Conicet, enquanto apenas 9,6% estão alocadas em posições superiores.

Quando se trata de cargos de decisão e avaliação, a situação é ainda mais desigual. No topo do organograma do Conicet, formado por seu presidente, cinco diretores, um vice-presidente de assuntos científicos e um vice-presidente de assuntos tecnológicos, apenas um cargo é ocupado por mulher.

Nos Comitês Assessores não é diferente. No CA de ciências agrárias, 100% dos membros são homens. A mesma coisa no de ciências biológicas - embora a participação feminina nesta área seja maior que a masculina. No comitê de ciências exatas, 83,3% dos membros são homens. Apenas nas ciências sociais as mulheres superam os homens. Elas representam 62% da composição do CA da área.

E ainda, nas comissões de avaliação, onde, segundo Silvia, devia se esperar uma maior igualdade, 67% são homens.

'A participação feminina nas decisões políticas relacionadas à C&T é ínfima', destacou Silvia, que além de membro fundadora da rede argentina, é pesquisadora da Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires.

E, finalmente, o diagnóstico mostra que, do total de recursos distribuídos pelo Conicet, seja através de subsídios ou por outras formas de apoio, 66% são destinados a pesquisadores homens.

'Estes dados mostram o caráter conservador das instituições de pesquisas e são prova da sistemática exclusão e discriminação das mulheres nas comunidades científicas', concluiu Silvia.
(Carla Almeida)

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