CONCEPÇÕES EPISTEMOLÓGICAS DE ESTUDANTES DE BIOLOGIA E SUA TRANSFORMAÇÃO POR UMA PROPOSTA EXPLÍCITA DE ENSINO SOBRE HISTÓRIA E FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS
(Epistemological conceptions of biology majors and their transformation by an explicit proposal for teaching about the history and philosophy of science)
 

Charbel Niño El-Hani
Depto. de Biologia Geral
Instituto de Biologia, Universidade Federal da Bahia
Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências, UFBA/UEFS. Mestrado em Ecologia e Biomonitoramento, UFBA.

Eraldo José Madureira Tavares
Mestrado em Ensino, Filosofia e História das Ciências, UFBA/UEFS

Pedro Luís Bernardo da Rocha
Depto. de Zoologia
Instituto de Biologia, Universidade Federal da Bahia.
Mestrado em Ecologia e Biomonitoramento, UFBA.

Resumo

        Este artigo relata os resultados do teste de uma proposta de ensino de história e filosofia das ciências para alunos de cursos de Ciências Naturais do Ensino Superior. A proposta parte da discussão de exemplos históricos concretos para a colocação e abordagem de questões filosóficas. Trata-se de uma proposta explícita, enfocando conteúdos epistemológicos de maneira direta, tendo sido elaborada e testada desde a perspectiva de um professor-investigador. O teste da proposta foi feito por meio de uma abordagem de pesquisa quali-quantitativa. Os dados foram coletados em uma turma de uma disciplina de história e filosofia das ciências de um curso de Bacharelado em Ciências Biológicas, por meio da aplicação do questionário aberto VNOS-C (Views of the Nature of Science, Form C), no começo e ao final da disciplina. O tratamento qualitativo consistiu na análise de categorias construídas a partir das respostas dos alunos. Com base em alguns pontos de concordância entre diversas teorias da ciência pós-positivistas, a adequação das concepções epistemológicas dos estudantes foi avaliada, obtendo-se escores para cada questão, que, somados, resultaram em um escore total para cada questionário respondido. O efeito da proposta de ensino sobre as visões dos alunos foi analisado com base na discussão das freqüências de respostas adequadas, parcialmente adequadas e inadequadas às questões do instrumento e de teste estatístico comparando os escores totais obtidos por cada aluno, no pré- e no pós-teste. Para analisar o efeito sobre cada conteúdo epistemológico abordado no instrumento, foram realizados testes de comparação dos escores obtidos pelos alunos em cada questão, no pré- e no pós-teste. Em termos gerais, a proposta promoveu uma evolução das visões sobre a natureza da ciência de todos os alunos que responderam ao questionário em ambas as etapas. Ela se mostrou eficaz na promoção de mudança das visões sobre a demarcação entre a ciência e outros modos de conhecer, as diferenças entre leis e teorias, e as relações entre modelos e evidências. No entanto, teve um sucesso mais limitado no caso das visões sobre o que é um experimento, o requisito da experimentação na prática científica, as causas da mudança teórica e a possibilidade de conclusões diferentes serem obtidas com base no mesmo conjunto de dados.
Palavras-chave: Natureza da ciência, Ensino superior de Biologia, Abordagem explícita
 
 

Abstract

    This paper reports the results obtained in the test of a proposal for the teaching of history and philosophy of science to Higher Education students enrolled in courses on natural sciences. The proposal takes actual historical examples as a basis for eliciting discussions about philosophical issues. It amounts to an explicit approach, directly addressing epistemological contents, which was elaborated and tested from the perspective of a teacher-researcher. The proposal was tested through a quali-quantitative approach. Data were gathered in a class of a course on history and philosophy of science for Biology majors, through the questionnaire VNOS-C (Views of the Nature of Science, Form C), at the beginning and end of a term. They were qualitatively treated by analyzing categories built from the answers given by the students. Based on some issues agreed upon by several post-positivist theories of science, we evaluated the adequacy of the students’ epistemological views, obtaining scores for each question, the sum of which resulted in a total score for each questionnaire. The effects of the proposal on the students’ views were analyzed qualitative and quantitatively by means of a discussion of the frequencies of adequate, partially adequate, and inadequate answers to each question and a statistical test comparing the total scores of each student, in the pre- and post-tests. To analyze the effects on each epistemological aspect addressed in the questionnaire, we performed tests comparing the scores obtained by the students in each question, at the beginning and end of the term. Generally speaking, the proposal resulted in an evolution of the views about the nature of science of all students who did both the pre- and post-tests. It was more effective in promoting a change in views about the demarcation between science and other ways of knowing, the differences between laws and theories, and the relationship between models and evidence. Nevertheless, it had a more limited success in the case of views about what is an experiment, the requirement of experimental methods in scientific practice, the causes of theoretical change, and the possibility of drawing different conclusions from the same data.
Keywords: Nature of science, Biology higher education, Explicit approach

1. Introdução

        A importância da história e filosofia das ciências para uma educação científica de qualidade tem sido freqüentemente defendida na literatura (e.g., Robinson 1965; Duschl 1985; Hodson, 1991; Burbules & Linn 1991; Lederman 1992; Matthews 1992, 1994, 2000; Driver et al. 1996; Monk & Osborne 1997; McComas et al. 1998; Freire Jr. 2002). A partir desta defesa, constituíram-se as chamadas abordagens contextuais do Ensino de Ciências (Matthews 1994), nas quais se propõe que a aprendizagem das ciências deve ser acompanhada por uma aprendizagem sobre as ciências (ou sobre a natureza da ciência). A crise contemporânea do Ensino de Ciências, evidenciada pelos altos índices de ‘analfabetismo científico’ e evasão de professores e alunos das salas de aulas de ciências (Miller 1983; Matthews 1992, 1994), também contribuiu para que uma maior atenção recaísse sobre as abordagens contextuais do Ensino de Ciências.

        Alguma compreensão, mesmo modesta (Matthews 1998), da história e filosofia das ciências é importante tanto para pesquisadores quanto para professores. Estes últimos necessitam de pelo menos três competências (Matthews 1994): (i) o conhecimento e a apreciação da ciência que ensinam; (ii) alguma compreensão da história e filosofia das ciências; e (iii) alguma teoria ou visão educacional que informe suas atividades na sala de aula. Pesquisadores, por sua vez, não podem ignorar as relações complexas entre as ciências, a tecnologia e a sociedade, e, tampouco, as dimensões históricas, filosóficas e culturais das ciências e da tecnologia, necessitando de bases seguras para decisões de ordem ética, metodológica etc. que devem tomar no contexto de sua prática científica (Ziman 2002, Hansen 2002). Apesar das transformações sociais dos últimos 60 anos, que fizeram avanços científicos e tecnológicos influenciarem as estruturas sociais, a cultura e a vida cotidiana de uma maneira que não tem precedentes, os currículos de Ciências praticamente não mudaram, retratando a prática científica como se fosse separada da sociedade, da cultura e da vida cotidiana, e não possuísse uma dimensão histórica e filosófica.

        Abordagens contextuais têm sido propostas com o intuito de mudar os currículos de Ciências, em todos os níveis de ensino, propondo-se que elas podem contribuir para (i) humanizar as ciências, conectando-as com preocupações pessoais, éticas, culturais e políticas; (ii) tornar as aulas de ciências mais desafiadoras e estimular o desenvolvimento de habilidades de raciocínio e pensamento crítico; (iii) promover uma compreensão mais profunda e adequada dos próprios conteúdos científicos[1]; (iv) melhorar a formação dos professores, ajudando-os no desenvolvimento de uma compreensão mais rica e autêntica das ciências; (v) ajudar os professores a apreciar melhor as dificuldades de aprendizagem dos alunos, alertando para dificuldades históricas no desenvolvimento do conhecimento científico; (vi) promover nos professores uma compreensão mais clara de debates contemporâneos na área de educação com um forte componente epistemológico, a exemplo dos debates sobre o construtivismo ou o multiculturalismo (Matthews 1992, 1994).

        As pesquisas acerca das concepções de estudantes sobre a natureza da ciência, a despeito da variação na metodologia (Lederman et al. 1998), chegaram, todas, a resultados semelhantes, demonstrando que os estudantes em geral apresentam concepções inadequadas sobre a natureza da ciência (Aikenhead 1973; Lederman & O’Malley 1990; Lederman 1992; Ryan & Aikenhead 1992; Pomeroy 1993; Roth & Roychondhury 1994; Solomon 1994; Abrams & Wandersee 1995; Roth & Lucas 1997; Abd-el-Khalick & Lederman 2000). Entre as concepções inadequadas freqüentemente encontradas, podemos citar: a compreensão do conhecimento científico como verdade absoluta; uma visão empírico-indutivista da ciência; a ignorância do papel da criatividade e da imaginação na produção do conhecimento científico; a falta de compreensão das noções de ‘fato’, ‘evidência’, ‘observação’, ‘experimentação’, ‘modelos’, ‘leis’ e ‘teorias, bem como de suas inter-relações etc. Estes achados levaram à conclusão de que os currículos não estavam conseguindo propiciar o desenvolvimento de uma visão mais adequada sobre a natureza da ciência, dando origem a uma diversidade de propostas metodológicas para a instrução a este respeito (para revisões, ver Lederman 1992, Abd-el-Khalick & Lederman 2000).

        Estas propostas podem ser caracterizadas como ‘implícitas’, quando utilizam instrução sobre habilidades relacionadas à prática científica ou engajamento em atividades investigativas como um meio para a melhoria das visões sobre a natureza da ciência, ou ‘explícitas’, quando o ensino enfoca diretamente conteúdos epistemológicos ou emprega elementos de história e filosofia das ciências no tratamento de conteúdos específicos (Abd-el-Khalick & Lederman 2000). Abd-el-Khalick & Lederman concluíram que abordagens explícitas são relativamente mais bem sucedidas do que abordagens implícitas na promoção de melhorias das visões de professores em formação inicial ou em serviço sobre a natureza da ciência. Em vista disso, é recomendável que tentativas de promover mudanças das concepções epistemológicas de professores e alunos tenham um caráter explícito e reflexivo.

        As investigações acerca das visões de professores sobre a natureza da ciência constataram que estes também possuem concepções inadequadas, predominando visões empírico-indutivistas e absolutistas da natureza da ciência (Brickhouse 1989, 1990; Nussbaum 1989; Cleminson 1990; King 1991; Gallagher 1991; Lederman 1992; Pomeroy 1993; Abell & Smith 1994; Lakin & Wellington 1994; Abd-El-Khalick & BouJaoude 1997; Harres 1999, Gil et al. 2001). Esses achados estimularam a elaboração e o teste de propostas visando à melhoria das visões dos professores sobre a natureza da ciência.

        Este artigo relata resultados obtidos no teste de uma proposta explícita de ensino sobre a natureza da ciência, no contexto do Ensino Superior, mais especificamente, na formação inicial de pesquisadores e professores no campo da biologia. A proposta parte da discussão de exemplos históricos concretos para a colocação de questões filosóficas e, então, para a abordagem de algumas destas questões. Com esta abordagem, esperamos que os alunos possam compreender as razões pelas quais as questões epistemológicas trabalhadas em sala foram colocadas ao longo da história das ciências e se sintam mais motivados para a aprendizagem sobre as dimensões históricas e filosóficas do trabalho científico.
 
 

2. Uma proposta para o ensino de história e filosofia das ciências para estudantes de ciências naturais

        A proposta de ensino apresentada neste artigo foi elaborada e testada numa disciplina obrigatória de um curso de Bacharelado em Ciências Biológicas,da Universidade Federal da Bahia, ministrada por um dos autores (C. N. El-Hani). Trata-se, portanto, de um estudo de intervenção envolvendo um professor-investigador. A disciplina "Evolução do Pensamento Científico" aborda conteúdos de história e filosofia das ciências, com ênfase sobre a história e filosofia da biologia. Ela foi criada no ano de 1988, quando foi implantado o Bacharelado no Curso de Ciências Biológicas[2]. Este curso apresenta duas características peculiares, entre os cursos superiores de Biologia de nosso país, no que tange ao ensino de história e filosofia das ciências. Primeiro, ele inclui uma disciplina obrigatória com este objetivo específico. Segundo, esta disciplina é ministrada no próprio Instituto de Biologia, e não em uma unidade universitária dedicada às humanidades. A disciplina está situada no meio do curso, que abrange nove semestres, mas, como não tem pré-requisitos e não é pré-requisito para qualquer outra disciplina, observa-se uma grande variação nos anos de ingresso dos alunos matriculados a cada semestre.

        A proposta de ensino elaborada e testada na disciplina toma episódios da história do pensamento evolutivo como ponto de partida para a identificação e abordagem, na sala de aula, de problemas de história e filosofia das ciências, com ênfase sobre a biologia. A metodologia utilizada se baseia em discussões de textos lidos de antemão pelos alunos e exposições dialogadas. O programa da disciplina é dividido em seis módulos, que têm início com a discussão de fontes primárias, incluindo textos de Lamarck, Darwin, Wallace, Haeckel, Dobzhansky, Gould etc. Após o exame destes trabalhos científicos originais, artigos de historiadores das ciências são discutidos, com o propósito de contextualizar historicamente as fontes primárias examinadas e auxiliar na identificação de questões filosóficas/epistemológicas relacionados aos episódios históricos discutidos. Cada módulo comporta um ou mais problemas de cunho filosófico, que são trabalhados em sala com base na leitura e discussão de trabalhos filosóficos.

        Para tornar mais clara a estruturação dos módulos que compõem a disciplina, tomaremos como exemplo o quarto módulo, que se inicia com a discussão de um artigo publicado pelo filósofo político Henry Fawcett na Macmillan’s Magazine, no ano de 1860 (reproduzido em Hull 1973). Trata-se de uma exposição da teoria da seleção natural que evita defender ou atacar o darwinismo, propondo-se a informar o público leigo a respeito desta teoria e das controvérsias em torno dela. Ao ler e discutir este artigo, os estudantes têm uma visão dos debates sobre a teoria darwinista na década de 1860. De um lado, eles podem apreciar controvérsias de cunho religioso, que mostram, como argumenta Brooke (1991), menos um conflito entre ciência e religião do que entre dois estilos, um mais amador, outro mais profissional, de fazer ciência. De outro, tomam conhecimento das controvérsias metodológicas que também caracterizaram a recepção de A Origem das Espécies, decorrentes da acusação de que Darwin não teria empregado o ‘verdadeiro’ método baconiano. Estas controvérsias são situadas num contexto histórico apropriado pela discussão da introdução e do segundo capítulo do livro Darwin and his Critics, do historiador e filósofo da biologia David Hull (1973). Desse modo, os alunos podem compreender como o método indutivo baconiano foi construído e os requisitos que o mesmo colocava para a prática científica. A discussão em sala suscita um reconhecimento de que esses requisitos não podiam ser satisfeitos por nenhuma empreitada científica, uma vez que o método proposto por Bacon demandava que os pesquisadores jamais propusessem hipóteses, coletando dados sem qualquer idéia preconcebida. A partir de suas próprias experiências de iniciação científica, os alunos geralmente têm conhecimento de que observações dependem de idéias prévias, em particular, de teorias e hipóteses, sendo possível trazer este conhecimento à tona na sala de aula. A discussão naturalmente caminha para a conclusão de que "toda observação deve ser a favor ou contra alguma visão, para ter qualquer utilidade" (in: Darwin 1903, p. 195, apud Hull 1973).

        A discussão destes textos estabelece um terreno fértil para a identificação e abordagem de alguns problemas epistemológicos importantes, relacionados à natureza dos métodos científicos, ao papel das hipóteses na prática científica, ao problema da indução, à dependência teórica da observação etc. A partir dos episódios históricos examinados, é discutida a imagem do trabalho científico que se mostra dominante na opinião pública, na mídia e nas concepções de professores e estudantes, tipicamente comprometida com uma visão empírico-indutivista bastante ingênua. Esta discussão toma como base o primeiro capítulo de O Que é Ciência Afinal? (Chalmers [1982]1995). Em seguida, os problemas enfrentados pelo indutivismo são discutidos, com ênfase sobre o problema da indução e a dependência teórica da observação, com base no segundo e terceiro capítulos do livro de Chalmers. A teoria da ciência de Popper é então introduzida, a partir do quarto capítulo deste mesmo livro. Este módulo se encerra com uma discussão sobre a estrutura lógica hipotético-dedutiva, de modo a preparar os alunos para atividade na qual devem analisar projetos de pesquisa que eles próprios estejam desenvolvendo.
 

3. Metodologia

3.1. O instrumento de coleta de dados

        A abordagem da pesquisa foi de natureza quali-quantitativa[3]. Os dados foram coletados em uma turma da disciplina por meio da aplicação do questionário aberto VNOS-C (Views of the Nature of Science, Form C), elaborado e validado por Norm Lederman e colaboradores (2001, 2002), na forma de pré- e pós-testes. A versão traduzida do questionário foi validada por retro-tradução. Ela foi testada em estudo piloto na mesma disciplina na qual a coleta de dados teve lugar. O questionário VNOS-C, na versão traduzida para o português e modificada com base nos resultados do estudo piloto, é apresentado no Anexo 1.
 

3.2. Análise dos dados

        O presente artigo relata os resultados obtidos em uma turma da disciplina que contava com 17 alunos. Foram coletados 16 questionários no pré-teste, que foram utilizados para a caracterização das visões dos alunos sobre a natureza da ciência no momento de seu ingresso na disciplina e para a obtenção de parâmetros para a avaliação da proposta de ensino, mediante comparação com os resultados do pós-teste. Somente 8 alunos responderam o questionário VNOS-C nas duas fases de coleta de dados (pré- e pós-testes).

        Foi realizada uma comparação dos escores totais[4] dos alunos que responderam o questionário ao final da disciplina e daqueles que não o fizeram, por meio de um teste não-paramétrico (Mann-Whitney), considerando-se que a distribuição dos dados era normal (P = 0.345), mas não apresentava homogeneidade de variância (P = 0.007).

        A amostra de alunos que fizeram o pré- e o pós-teste foi bastante homogênea. Somente uma aluna tinha experiência de ensino, iniciada há apenas um mês, quando ela respondeu o pré-teste. Todos os alunos tinham experiência de iniciação científica. Seis alunos tinham, na época do pré-teste, 22 anos; um aluno, 24; e uma aluna, 28. A única diferença importante encontrada foi relativa ao gênero, uma vez que a amostra era composta por 6 alunas e 2 alunos. Não nos parece, contudo, que esta distribuição permita que investiguemos diferenças nas visões sobre a natureza da ciência entre os gêneros.
 

3.2.1. Análise qualitativa

        A análise qualitativa consistiu de três etapas, nas quais a construção de categorias a partir das respostas dos alunos foi refinada gradualmente. Na primeira etapa, um investigador que não esteve envolvido na elaboração da proposta de ensino e na coleta dos dados analisou as respostas dos alunos, construindo um primeiro conjunto de categorias. Na segunda etapa, os pesquisadores discutiram a análise de cada uma das respostas e as categorias construídas, por meio da comparação dos dados brutos (as respostas dos alunos) e das interpretações feitas na primeira etapa da análise. Na terceira etapa, o conjunto total de categorias obtidas foi examinado, buscando-se diminuir ao máximo seu número, por meio da fusão de categorias similares. Após o número de categorias obtidas ter sido reduzido, os dados brutos e as interpretações foram discutidas mais uma vez, com o intuito de ajustar as categorizações feitas. Esta ocasião foi aproveitada para uma última verificação das interpretações e para uma avaliação dos seguintes itens: (i) adequação das visões dos estudantes sobre os aspectos abordados em cada questão do instrumento, nas duas fases de coleta de dados, de acordo com critérios discutidos na próxima seção; (ii) adequação da visão dos estudantes sobre a natureza da ciência, em termos globais, no pré- e no pós-teste.
 

3.2.2. Avaliando a adequação das visões dos alunos sobre a natureza da ciência

        Na análise dos resultados que obtivemos com a aplicação do questionário VNOS-C, buscamos avaliar o grau de adequação das respostas dos alunos e calculamos escores para cada questão e para cada questionário respondido. Cercamo-nos, contudo, de cautela nas avaliações que fizemos, buscando ter sempre em vista idéias nas quais detectávamos um grau considerável de concordância na filosofia das ciências.

        A decisão de avaliar a adequação das visões dos estudantes sobre a natureza da ciência pode mostrar-se controversa. A principal razão para uma crítica nesse sentido reside no fato de que há muitas divergências entre os filósofos das ciências, mesmo se nos restringirmos aos pós-positivistas (McComas et al. 1998, Gil et al. 2001). No entanto, a ênfase sobre as divergências tende a ocultar o fato de que há também um grau relativamente alto de concordância sobre alguns aspectos de uma visão adequada sobre a natureza da ciência. É possível derivar alguns pontos de concordância entre teorias sobre as ciências que discordam em muitos outros pontos, de modo que possamos ter uma noção mais clara sobre o que constituiria uma visão aceitável da prática científica e, assim, sobre quais objetivos devemos assumir ao ensinar a professores e estudantes sobre a natureza da ciência.

        Gil e colaboradores (2001), por exemplo, caracterizam uma visão aceitável do trabalho científico a partir da identificação de concordâncias entre filósofos da ciência e professores sobre idéias que devem ser evitadas e da detecção de teses compartilhadas por perspectivas epistemológicas distintas, como as de Popper, Kuhn, Bunge, Toulmin, Lakatos, Laudan e Giere. Entre as idéias que devem ser evitadas, eles mencionam as seguintes: (i) uma concepção empírico-indutivista e ateórica, na qual a observação e a experimentação são entendidas como atividade neutras, independentes de compromissos teóricos, deixando-se de lado o papel de teorias e hipóteses como orientadoras da investigação. (ii) Uma visão rígida da prática científica, que se resumiria ao emprego do ‘Método científico’, entendido como um conjunto de etapas que devem ser seguidas mecanicamente. (iii) Uma visão aproblemática e ahistórica, dogmática e fechada, das ciências, relacionada ao ensino como uma retórica de conclusões. (iv) Uma visão exclusivamente analítica da ciência, favorecendo uma posição epistemológica reducionista, na qual se considera o conhecimento das partes não somente necessário, mas também suficiente para a compreensão do todo (cf. El-Hani 2000). (v) Uma visão acumulativa, de acordo com a qual o crescimento do conhecimento científico é um processo linear, ignorando-se as crises e as revoluções científicas (Kuhn [1970]1996). (vi) Uma visão individualista e elitista da ciência, na qual o conhecimento científico é visto como a obra de gênios isolados, negligenciando-se a natureza cooperativa do trabalho científico. (vii) Uma visão socialmente neutra, descontextualizada, da ciência, perdendo de vista as relações entre ciência, tecnologia e sociedade. Estes autores também derivam características essenciais do trabalho científico a partir de idéias comuns a perspectivas epistemológicas distintas. Não as reproduziremos aqui, contudo, uma vez que elas refletem, basicamente, posições opostas às visões deformadas da natureza do trabalho científico listadas acima.

        Estabelecemos, para cada questão do VNOS-C, marcos de referência para a avaliação da adequação das visões dos estudantes sobre os aspectos epistemológicos abordados[5]. Estes critérios foram elaborados sempre tendo em vista que os objetivos de um curso de história e filosofia das ciências para alunos de ciências naturais devem ser modestos (Matthews 1998).

        Quanto à definição de ciência (questão 1), foram consideradas satisfatórias respostas nas quais a ciência era entendida como uma tentativa de estudar, investigar, compreender e/ou explicar fenômenos naturais.

        No que diz respeito à demarcação entre ciência e outras formas de conhecimento (questão 2), todas as respostas que não admitiram a existência de diferenças entre modos diversos de conhecer o mundo foram consideradas insatisfatórias. Alguns filósofos da ciência (e.g., Feyerabend 1975) se opuseram à idéia de que haveria uma demarcação entre ciência e outras formas de conhecimento. Este é um caso no qual a opção filosófica dos professores/investigadores envolvidos neste estudo teve um papel importante. Quando o problema da demarcação foi abordado na disciplina, a necessidade de uma diferenciação entre formas de conhecimento foi destacada, apresentando-se e apreciando-se criticamente diferentes soluções para o problema da demarcação. Foram consideradas satisfatórias respostas que diferenciavam a ciência de outras formas de conhecimento com base em seus pressupostos epistemológicos, sua metodologia e/ou sua visão de mundo.

        Qualquer definição de experimento (questão 3) que não fazia referência ao conceito de controle foi considerada insatisfatória, dado que qualquer tipo de teste empírico é entendido, nesses termos, como um ‘experimento’, perdendo-se de vista a existência de métodos cientificamente válidos que não são experimentais, a exemplo do método comparativo (Mayr 1982, Harvey & Pagel 1991). Em contrapartida, respostas que caracterizavam experimentos como séries de observações feitas de maneira controlada foram consideradas satisfatórias.

        Na questão 4, respostas de caráter experimentalista foram consideradas insatisfatórias, enquanto respostas que reconheciam a existência de métodos não-experimentais cientificamente válidos foram consideradas satisfatórias.

        No que concerne à visão dos alunos sobre modelos e suas relações com evidências empíricas (questão 5), foram consideradas satisfatórias respostas nas quais os alunos evitavam a reificação de modelos, enquanto respostas que confundiam modelos e realidade foram consideradas insatisfatórias.

        Quanto aos conceitos de ‘lei’ e ‘teoria’ (questão 6), foram consideradas insatisfatórias respostas que não diferenciavam estes dois conceitos ou não mostravam uma compreensão dos papéis distintos de teorias e leis no conhecimento científico, como no caso da afirmação de que teorias podem transformar-se em leis com o acúmulo de evidências a seu favor. Foram consideradas satisfatórias respostas nas quais leis e teorias foram diferenciadas pelo papel que cumprem no conhecimento científico, respectivamente, de descrever relações regulares entre fenômenos naturais e fornecer explicações para a ocorrência dos fenômenos, usualmente por meio da elucidação de mecanismos subjacentes a estes.

        A questão 7 trata de dois aspectos que foram analisados separadamente. No caso da pergunta sobre se há mudança teórica e por que tal mudança ocorre, as respostas foram julgadas satisfatórias quando admitiam a possibilidade de mudança teórica e a explicavam com base no surgimento de novas teorias e na obtenção de novas evidências. A pergunta sobre as razões pelas quais vale a pena aprender teorias científicas, mesmo sendo estas mutáveis, dificilmente resultava em respostas insatisfatórias.

        No que se refere à possibilidade de cientistas chegarem a conclusões diferentes com base no mesmo conjunto de dados (questão 9), foram consideradas satisfatórias respostas nas quais os alunos atribuíam as diferentes conclusões ao fato de que o mesmo conjunto de dados pode ser visto, interpretado ou explicado de formas diferentes, a depender das teorias empregadas pelos cientistas ou do enfoque dado à pesquisa.

        Quanto ao papel da criatividade e da imaginação na atividade científica (questão 10), foram consideradas insatisfatórias respostas que não atribuíam qualquer papel a ambas, ou limitavam seu papel de maneira excessiva.

        McComas et al. (1998) incluem numa visão desejável sobre a natureza da ciência as idéias de que a ciência é parte de tradições sociais e culturais, e as idéias científicas são afetadas por seu meio social e histórico, e Gil et al. (2001) consideram uma visão socialmente neutra da ciência uma das deformações que podem ser encontradas em uma concepção epistemológica inadequada. Desse modo, pareceria apropriado, à primeira vista, considerar satisfatórias respostas à questão 11 que afirmassem que a ciência reflete valores sociais e culturais, e insatisfatórias, aquelas que pendessem para uma visão universalista. Não é razoável, contudo, assumir tal posição, uma vez que o universalismo tem defensores vigorosos no cenário atual das controvérsias epistemológicas, não sendo possível furtar-se à conclusão de que os debates sobre universalismo, multiculturalismo, relativismo etc. estão em aberto. Portanto, consideramos satisfatórias, no caso da questão 11, tanto respostas que destacavam a natureza universal do conhecimento científico quanto respostas que enfatizavam a influência de fatores sociais e culturais sobre a atividade científica, desde que suficientemente claras.

        O grau de adequação da visão global dos alunos sobre a natureza da ciência, no que diz respeito aos aspectos abordados pelo questionário VNOS-C, foi avaliado da seguinte maneira: Após a análise qualitativa de cada resposta, avaliávamos se ela era satisfatória, parcialmente satisfatória, ou insatisfatória, de acordo com os critérios acima. Foram atribuídos dois pontos a respostas satisfatórias; um ponto, a respostas parcialmente satisfatórias; e zero ponto, a respostas insatisfatórias. O escore total de cada questionário foi obtido somando-se os pontos dados a cada resposta. Os escores de cada questão e do questionário foram utilizados nos testes estatísticos realizados e no julgamento sobre a adequação da visão dos alunos sobre a natureza da ciência. Neste último caso, os alunos foram distribuídos em categorias delimitadas com base na divisão da faixa de escores possíveis em quatro classes: 0-5 pontos, visão muito inadequada; 6-11 pontos, visão inadequada; 12-17 pontos, visão adequada; 18-24, visão muito adequada.
 

3.4. Avaliando o efeito da proposta de ensino sobre as visões dos alunos acerca da natureza da ciência

        Inicialmente, realizamos uma análise qualitativa dos graus de adequação das respostas dadas pelos alunos a cada questão do instrumento, no pré- e no pós-teste, utilizando os critérios acima. Os resultados das análises qualitativas foram cotejados com resultados obtidos por meio dos testes estatísticos descritos a seguir. Para avaliar quantitativamente o efeito da proposta de ensino sobre as visões dos alunos acerca da natureza da ciência, realizamos, primeiro, um teste para comparar os escores totais obtidos pelos alunos no pré- e no pós-teste. Foi utilizado para este fim, um teste t para dados emparelhados, dado que a distribuição dos dados era normal (P = 0.107) e os escores deveriam ser comparados aluno por aluno.

        Para analisar o efeito da proposta sobre cada conteúdo epistemológico abordado no instrumento, realizamos uma comparação dos escores obtidos pelos alunos em cada questão, no pré- e no pós-teste, ajustando o nível de significância para 0,05/12, em função da realização de testes múltiplos. Nos casos em que a distribuição dos dados era normal, foi utilizado, como acima, um teste t para dados emparelhados. O poder do teste foi calculado (a posteriori) pela rotina do próprio pacote estatístico utilizado. Consideramos fraco o poder menor que 0,80, o que significa que haveria uma chance menor que 80% de detectar o efeito especificado com 1-alfa (=0,95%). Nos casos em que a distribuição dos dados não era normal, utilizamos um teste não-paramétrico (Wilcoxon), também para dados emparelhados. Todos os testes foram realizados com o software Sigma Stat for Windows 2.0, Jandel Corporation (1992-1995). Foi utilizado nível de significância (a ) = 0.05.
 

4. Resultados e Discussão

4.1. Comparação dos escores totais de alunos que fizeram ou não o pós-teste

        Foi encontrada uma diferença estatisticamente significativa (P = 0.038), no teste Mann-Whitney, entre os valores dos escores totais, calculados no pré-teste, de alunos que responderam ou não o questionário no pós-teste. Este achado indica que, no começo da disciplina, os alunos que responderam o questionário nas duas etapas de coleta de dados apresentavam uma visão sobre a natureza da ciência mais adequada do que aqueles que abandonaram a disciplina ou estiverem ausentes no dia do pós-teste.
 

4.2. Análise qualitativa das respostas dos alunos[6]

        As categorias construídas na análise das respostas dos alunos à primeira questão do instrumento, nas duas etapas de coleta de dados, são apresentadas na tabela 1.

Tabela 1: Categorias obtidas na questão 1 do VNOS-C, nas duas etapas de coleta de dados.

Questão 1: O que é ciência?
1a etapa
2a etapa
Categorias
N
Categorias
N
  1. A ciência é todo processo de investigação ou método ou série de instrumentos cujo objetivo é responder questões concretas colocadas pela espécie humana, tornando possível explicar o mundo.
4
   
(b) A ciência é o estudo dos fenômenos naturais, como os fenômenos químicos, biológicos, físicos.
3
(b) A ciência é o estudo dos fenômenos naturais, como os fenômenos químicos, biológicos, físicos.
1
(c) A ciência é uma forma de conhecimento que tem por objetivo compreender e explicar os fenômenos naturais.
3
(c) A ciência é uma forma de conhecimento que tem por objetivo compreender e explicar os fenômenos naturais.
2
(d) Ciência é estudo.
1
   
(e) A ciência é toda prática experimental que visa à comprovação de uma teoria.
1
   
(f) A ciência é um conjunto de conhecimentos questionáveis que se complementam ou não.
1
   
(g) Ciência é a busca do conhecimento de forma estruturada e controlada para manter a confiabilidade de sua tese.
1
   
(h) A ciência é a investigação de fenômenos naturais, religiosos ou filosóficos do universo.
1
(h) A ciência é a investigação de fenômenos naturais, religiosos ou filosóficos do universo.
1
(i) A ciência é a forma de investigação mais utilizada pelo homem na busca do conhecimento.
1
   
    (j) A ciência é uma forma de investigação sobre o mundo que segue regras rígidas, que procura dar a maior precisão cabível ao conhecimento obtido, mas que não o assume como um conhecimento infalível, uma verdade absoluta.
1
    (k) Ciência é todo estudo ou pesquisa que é realizado dentro de pressupostos aceitos pela comunidade científica.
1
    (l) A ciência é uma forma de produção de conhecimento falsificável e útil sobre o mundo em que vivemos.
1
    (m) A ciência é um conjunto de informações ou conhecimentos a respeito de fatos ou coisas que se baseia em dados observáveis ou testes empíricos.
1
Totais
16
 
8

        No pré-teste, 4 alunos caracterizaram a ciência como um processo de investigação ou uma série de instrumentos que torna possível compreender e explicar o mundo (categoria [a]). Uma aluna respondeu, por exemplo, que "ciência é a investigação feita para compreender a dinâmica das leis da natureza, para conhecer seus mecanismos e reproduzi-los quando possível. E com essa compreensão, alterar, em busca de melhoria, tudo o que nela é objeto de estudo." A categoria [c] incluía 3 respostas semelhantes àquelas classificadas na categoria [a], mas nas quais os alunos caracterizaram a ciência como uma forma de conhecimento, em vez de um processo de investigação ou uma série de instrumentos.

        Outra categoria freqüente na primeira fase foi a [b] (3 alunos), incluindo respostas de natureza mais vaga, nas quais a ciência era concebida simplesmente como o estudo dos fenômenos naturais. Como exemplo de resposta classificada nesta categoria, podemos citar a seguinte, fornecida por uma aluna: ciência é "um campo que investiga todos os acontecimentos naturais como os fenômenos químicos, biológicos, físicos que ocorrem no universo."

        Todas as outras categorias encontradas no pré-teste correspondiam a respostas únicas, mostrando a diversidade de visões sobre o que é ciência entre os alunos estudados.

        No pós-teste, foi observada uma mudança significativa nas respostas dos alunos à questão 1, como mostra o surgimento de várias categorias novas. Das categorias obtidas na primeira etapa, somente [b], [c] e [h] voltaram a ser encontradas. A categoria [a], que apresentava a maioria das respostas na primeira etapa, não esteve representada ao final do curso, apesar de todos os alunos cujas respostas foram classificadas nesta categoria terem respondido o questionário no pós-teste. Dois destes alunos, cujas respostas foram classificadas nas categorias [k] e [l], apresentaram respostas com certo grau de elaboração, incluindo conteúdos trabalhados na sala de aula. Na categoria [k], encontra-se a resposta de um aluno que afirmou, ao final da disciplina, que a ciência "é todo estudo (ou pesquisa) que é realizado dentro de pressupostos aceitos pela comunidade científica." Uma aluna cuja resposta no pré-teste foi classificada na categoria [a] representa um caso mais complicado. Ela afirmou, no pós-teste, que "a ciência é uma forma de investigação sobre o mundo que segue regras rígidas, que procura dar a maior precisão cabível. Mas ao mesmo tempo, para mim, ela se torna contraditória, pois ela não assume nada como verdade absoluta, e as verdades ‘momentâneas’ de anos atrás pode ser derrubada (sic) por outra explicação, mais completa e convincente, mas não infalível" (categoria [j]). Ela tanto se comprometeu com uma visão inadequada da natureza do método científico, quanto apresentou uma visão adequada sobre o caráter conjectural do conhecimento científico. A sensação de contradição que a aluna relata resulta, precisamente, da tensão entre estas duas visões.

        A única resposta classificada na categoria [b] no pós-teste foi dada por uma aluna cuja resposta se manteve basicamente a mesma: para ela, a ciência é um "campo de conhecimento que investiga os fenômenos da natureza."

        A categoria [c] comporta as respostas de dois alunos que mudaram suas visões sobre a definição de ciência, ao longo do curso. Uma aluna afirmou, por exemplo, que a "ciência é o estudo [de] acontecimentos naturais que se repetem, buscando explicações para tais fatos." A resposta desta aluna no pré-teste foi citada acima como exemplo da categoria [b].

        Uma outra aluna cuja resposta não sofreu modificação significativa entre o início e o fim da disciplina teve suas respostas classificadas na categoria [h] em ambas as etapas.

        Por fim, uma aluna que havia fornecido uma resposta bastante vaga no pré-teste, classificada na categoria [d], elaborou melhor sua concepção sobre o que é ciência, graças à incorporação de idéias discutidas em sala de aula: "ciência é um conjunto de informações ou conhecimentos a respeito de fatos ou ‘coisas’, que basea-se (sic) em dados observáveis na natureza ou em testes empíricos" (categoria [m]).

        A tabela 2 apresenta as categorias construídas na análise das respostas da segunda questão do instrumento, nas duas etapas de coleta de dados.

        No pré-teste, houve um equilíbrio entre alunos que admitiram (8) e não admitiram (6) haver demarcação entre a ciência e outras formas de conhecimento. Seis razões diferentes foram apontadas pelos alunos para a ausência de demarcação entre a ciência e outros modos de conhecer. Uma aluna, por exemplo, considerou a existência de idéias e teorias na base dos conhecimentos científico, filosófico e religioso uma semelhança fundamental entre eles: "Todas estas formas de investigação envolvem idéias e teorias como princípio de pesquisa. Apesar de os instrumentos destas pesquisas investigativas serem diferentes, o princípio é semelhante: o pensamento" (categoria [Ib]).

Tabela 2: Categorias obtidas na questão 2 do VNOS-C, nas duas etapas de coleta de dados.

Questão 2: O que torna a ciência diferente de outras formas de investigação?
1a Etapa
2a Etapa
Categorias
N
Categorias
N
I) A ciência não difere de outras formas de investigação
6
I) A ciência não difere de outras formas de investigação
1
(Ia) porque todas as formas de investigação se aplicam ao estudo de algo.
1
   
(Ib) porque tanto a ciência quanto outras formas de investigação estão baseadas em idéias e teorias.
1
   
(Ic) porque o objetivo de todas as formas de investigação é dar conforto ao homem na busca pelo conhecimento.
1
   
(Id) porque todas as formas de investigação tratam de assuntos igualmente intrigantes.
1
   
(Ie) porque todas as formas de investigação procuram provar seus conhecimentos de forma confiável.
1
   
(If) porque, uma vez que ciência é o estudo de fenômenos naturais, religiosos e filosóficos, estas "outras formas de investigação" também constituem um tipo de ciência.
1
(If) porque, uma vez que ciência é o estudo de fenômenos naturais, religiosos e filosóficos, estas "outras formas de investigação" também constituem um tipo de ciência.
1
II) A ciência difere de outras formas de investigação
8
II) A ciência difere de outras formas de investigação
7
(IIa) porque é concreta e comprova suas idéias sobre o mundo, enquanto as outras formas de conhecimento são abstratas e não comprovam suas idéias sobre o mundo.
6
(IIa) porque é concreta e comprova suas idéias sobre o mundo, enquanto as outras formas de conhecimento são abstratas e não comprovam suas idéias sobre o mundo.
2
(IIb) porque uma investigação científica é mais objetiva e direta, não envolvendo relações emocionais.
1
   
(IIc) porque, na ciência, a investigação pode passar por uma fase experimental, na qual é possível chegar a uma resposta a uma questão. Na religião e filosofia, a investigação se dá pela experiência pessoal ou por padrões predeterminados.
1
   
    (IId) por sua epistemologia, metodologia, concepção de mundo e/ou finalidade.
4
    (IIe) porque as outras formas de investigação, como pseudociências, não podem ter suas "verdades" testadas e falsificadas, pois não possuem contradições internas.
1
Não respondidas/não computadas
2
   
Totais
16
 
8

        Um aluno, por sua vez, destacou como ponto de semelhança entre estas formas de conhecimento o propósito de dar conforto ao ser humano: "... ambas buscam explicar, esclarecer as dúvidas humanas. A forma como elas respondem, ou pela matemática, ou pela fé, é que é diferenciada. Contudo a finalidade é dar conforto ao homem na busca incessante por conhecimento" (categoria [Ic]).

        A categoria [If] foi construída a partir da resposta de uma aluna que, provavelmente por suas convicções religiosas, assumiu uma posição que borrava completamente as fronteiras entre a atividade científica e outras formas de conhecimento: "A ciência é a investigação dos fenômenos que ocorrem no universo, sendo assim o objeto de estudo de um cientista pode ter caráter tanto religioso, filosófico quanto o caráter biológico, físico, etc das tradicionais disciplinas científicas. Hoje em dia existem entidades de cunho científico estudando os fenômenos religiosos [...]."

        Entre os alunos que diferenciaram a ciência de outras formas do conhecimento, a maioria (6 alunos) estava comprometida com a idéia de que a ciência possui meios de comprovar suas afirmações sobre o mundo, por sua natureza concreta, enquanto outras formas de conhecimento, por serem abstratas, não logram tal comprovação (categoria [IIa]). Por exemplo, um aluno explicou a diferença entre ciência e outras formas de investigação da seguinte forma: "... a ciência precisa ser comprovada enquanto que a religião foi criada pelo homem. A ciência é concreta enquanto que a religião é abstrata e absoluta".

        As outras respostas que diferenciaram a ciência de outras formas de conhecimento incluíram a de uma aluna para quem "uma investigação científica é mais objetiva e direta, não envolvendo muito as relações emocionais" (categoria [IIb]), e a de um aluno que forneceu uma resposta adequada e relativamente elaborada: "... na ciência a investigação pode passar por uma fase experimental onde, através do resultado, pode-se chegar a uma resposta a uma determinada questão. Já na religião e na filosofia, por exemplo, a investigação se dá basicamente pela experiência individual de cada um ou através de padrões pré-determinados onde não é importante ter resultados baseados em fatos palpáveis..." (categoria [IIc]. Ênfase no original).

        Ao final da disciplina, seis alunos haviam mudado suas respostas, relativamente ao pré-teste, tendo surgido duas categorias novas. Das categorias obtidas na primeira etapa, somente [If] e [IIa] voltaram a ser encontradas. No primeiro caso, encontrava-se uma aluna que forneceu a mesma resposta nas duas etapas, claramente em virtude de suas convicções religiosas.

        As respostas de duas alunas foram classificadas na categoria [IIa]. Uma destas alunas forneceu a mesma resposta do começo do curso. A outra aluna não havia reconhecido, no pré-teste, a existência de diferenças entre a ciência e outros modos de conhecer, tendo sido sua resposta classificada na categoria [Ia].

        Houve, portanto, uma diminuição notável no número de respostas classificadas na categoria [IIa]. Dois alunos cujas respostas haviam sido classificadas nesta categoria no pré-teste, forneceram, ao final do curso, respostas mais satisfatórias, classificadas na categoria [IId]. Um aluno justificou, por exemplo, a demarcação entre a ciência e outros modos de conhecer com base no seguinte argumento, relativamente elaborado: "... os estudiosos da física e da biologia tentam analisar e encontrar respostas aos seus problemas específicos de pesquisa utilizando seus sentidos e sobretudo uma gama enorme de informações e teorias que podem ser testadas (validadas ou não) através de métodos empíricos, levando-se em conta que todos os acontecimentos são acontecimentos naturais. Já na religião e na filosofia, por exemplo, não se utiliza esse tipo de investigação, muitas vezes (como é o caso da religião) atribui-se aos fenômenos causas não naturais (sobrenaturais). A filosofia não tem a finalidade de testar, validar ou negar nada, mas sim de delinear diversos modos de enxergar e compreender o mundo. Os pressupostos metafísicos de cada um são diferentes."

        A categoria [IIe] resultou da resposta de uma aluna que, de um lado, chamava, inadequadamente, de ‘pseudociências’ todas as formas de conhecimento distintas da ciência, enquanto, de outro, reconhecia, adequadamente, a testabilidade e falseabilidade das proposições científicas como um possível critério de demarcação: "... as segundas, como pseudo ciências (sic), não tendo contradições internas, não podem ter suas ‘verdades’ testadas, portanto não podem ser falsificadas." No pré-teste, esta aluna não admitiu qualquer demarcação entre a ciência e outros modos de conhecer, tendo sido sua resposta classificada na categoria [Id]. A idéia de que formas não-científicas de conhecimento seriam todas pseudociências não foi veiculada no trabalho em sala de aula.

        Na tabela 3, são apresentadas as categorias construídas na análise das respostas da terceira questão do instrumento, no pré- e pós-testes.

Tabela 3: Categorias obtidas na questão 3 do VNOS-C, nas duas etapas de coleta de dados.

Questão 3: O que é um experimento?
1a Etapa
 
2a Etapa
 
Categorias
N
Categorias
N
(a) Experimento consiste na aplicação de uma série de procedimentos ou metodologias para obter-se a comprovação de teorias ou hipóteses.
5
   
(b) Experimento é a manipulação controlada de fatores variáveis, tendo por objetivo testar hipóteses, de maneira a confirmá-las ou negá-las.
4
(b) Experimento é a manipulação controlada de fatores variáveis, tendo por objetivo testar hipóteses, de maneira a confirmá-las ou negá-las.
2
(c) Experimento é um procedimento orientado por um método com o fim de testar uma hipótese.
2
(c) Experimento é um procedimento orientado por um método com o fim de testar uma hipótese.
4
(d) Experimento é uma prática na qual são aplicadas metodologias e técnicas para conhecer-se algo ou para obter-se um resultado.
2
   
(e) Experimento é um procedimento para comprovar hipóteses e para criar e derrubar teorias.
2
   
(f) Experimento é um instrumento na prática da ciência.
1
   
    (g) Um experimento é uma atividade prática na qual se testa determinados eventos sob condições específicas.
1
    (h) Experimentos são conjuntos de testes que servem para confirmar ou não uma previsão derivada de uma hipótese previamente formulada, com base em dados empíricos.
1
Totais
16
 
8

        Um quarto dos estudantes investigados (4 alunos) apresentou, no pré-teste, uma concepção satisfatória de experimento, incluindo a manipulação de variáveis de maneira a controlá-las como um dos elementos definidores deste procedimento (categoria [b]). Um aluno escreveu, por exemplo, que "o experimento é um instrumento utilizado pela ciência na busca de informações. Procura-se representar uma situação semelhante ao que acontece no ambiente natural, reduzindo ou controlando ao máximo possível o número de variáveis e daí se (sic) analisando os dados e obtendo-se respostas."

        Na categoria [a], foram incluídas respostas que enfocavam exclusivamente a comprovação de teorias ou hipóteses e não mencionavam o conceito de controle. Duas alunas cujas respostas foram incluídas nesta categoria descreveram um experimento simplesmente como a "comprovação de uma hipótese" ou a "comprovação de uma idéia (teoria)."

        Na categoria [c], foram incluídas respostas que também não empregavam o conceito de controle, mas não se comprometiam com a idéia de que experimentos são realizados para comprovar teorias ou hipóteses. Estas respostas atribuíram aos experimentos o papel de testar hipóteses, como no caso de uma aluna que escreveu que o "experimento é o método concreto que o cientista utiliza pra testar sua hipótese."

        As categorias [d] e [f] incluíram respostas mais vagas. A categoria [e], por fim, comportou as respostas de dois alunos, marcadas por forte tendência empírico-indutivista. Um dos alunos afirmou que o experimento "é uma espécie de teste feito antes de uma teoria ser lançada, atraves (sic) de experimentos e observações é que o autor vai se basear para criar uma teoria e fazer seus estudos sobre o tema."

        As respostas de 4 alunos haviam mudado ao final da disciplina. Outros 4 alunos, contudo, mantiveram a mesma resposta do pré-teste, sem dar mostras de efeitos do trabalho em sala de aula. Somente dois alunos apresentaram, na segunda etapa, uma concepção satisfatória de experimento, incluindo a noção de controle (categoria [b]). As respostas destes alunos já haviam sido classificadas nesta categoria no pré-teste.

        Duas respostas incluídas na categoria [c] no pós-teste foram dadas por alunas que já haviam fornecido respostas desta natureza no pré-teste. O número de respostas classificadas nesta categoria foi o dobro ao final da disciplina, porque duas alunas mudaram suas respostas de tal maneira que estas migraram da categoria [a] para a [c]. A categoria [a], que incluía respostas com uma tendência verificacionista, não esteve presente no pós-teste. Duas outras alunas cujas respostas haviam sido classificadas nesta categoria abandonaram o curso. Um aluno que havia dado uma resposta categorizada como [a] no pré-teste forneceu, ao final da disciplina, uma resposta que deu origem a uma nova categoria, [h]. Para ele, experimentos "são conjuntos de testes que servem para confirmar ou não uma previsão feita com base em uma hipótese previamente formulada. [...]." Esta resposta mostra um efeito da discussão em sala sobre a estrutura lógica H-D.

        Uma aluna, que havia dado, na primeira etapa, uma resposta classificada na categoria [d], forneceu, na segunda, uma resposta que deu origem à categoria [g]: "um experimento é uma atividade pratica (sic) onde testa-se determinados eventos sob condições específicas. É um teste onde deseja-se observar determinado evento."

        Por fim, apesar de a categoria [e], marcada por forte tendência empírico-indutivista, não estar presente no pós-teste, não é possível derivar maiores conclusões deste achado, porque os dois alunos que haviam dado respostas classificadas nesta categoria haviam abandonado o curso.

        As categorias construídas na análise das respostas da quarta questão do instrumento, no pré- e pós-testes, são apresentadas na tabela 4.

        Na primeira etapa, a maioria dos alunos investigados apresentou uma visão experimentalista (9 alunos), considerando que o desenvolvimento do conhecimento científico requer necessariamente experimentos. Eles pareciam não reconhecer, assim, a existência de métodos não-experimentais cientificamente válidos. Não se deve perder de vista, contudo, que muitos alunos não apresentavam uma visão adequada sobre o que é um experimento.

        Foram incluídas na categoria [Ia] as respostas de 3 alunos que afirmaram, no pré-teste, que experimentos são necessários para o teste das afirmações que a ciência faz sobre o mundo. Uma aluna respondeu, por exemplo, que o desenvolvimento do conhecimento científico requer experimentos "pois é necessário testar tudo aquilo que se propõe, principalmente quando se refere a (sic) ciência". A categoria [Ib] foi derivada de respostas similares a estas, mas que explicitavam a idéia de que o teste das proposições científicas, através de experimentos, tem como propósito a comprovação destas últimas, sem mencionar a possibilidade de refutação. Estas respostas se aproximavam, assim, de uma visão verificacionista.

Tabela 4: Categorias obtidas na questão 4 do VNOS-C, nas duas etapas de coleta de dados.

Questão 4: O desenvolvimento do conhecimento científico requer experimentos?
1a Etapa
2a Etapa
Categorias
N
Categorias
N
Visões experimentalistas:
9
Visões experimentalistas:
4
I) O desenvolvimento do conhecimento científico requer experimentos   I) O desenvolvimento do conhecimento científico requer experimentos  
(Ia) porque é preciso testar as proposições científicas.
3
(Ia) porque é preciso testar as proposições científicas.
2
(Ib) porque é preciso testar as proposições científicas, para comprová-las.
3
   
(Ic) porque é com base em experimentos que hipóteses e teorias são elaboradas.
2
(Ic) porque é com base em experimentos que hipóteses e teorias são elaboradas.
1
(Id) para que explicações científicas sejam largamente aceitas.
1
   
    (Ie) para testar hipóteses e, assim, melhorar, aceitar, ampliar ou refutar uma teoria; e para aprimorar ou complementar leis.
1
Visões não-experimentalistas:
5
Visões não-experimentalistas:
4
II) O desenvolvimento do conhecimento científico não requer necessariamente experimentos
4
II) O desenvolvimento do conhecimento científico não requer necessariamente experimentos
3
(IIa) porque o conhecimento científico pode ser adquirido através de observação apenas e/ou estudos teóricos sobre o fenômeno estudado.
2
(IIa) porque o conhecimento científico pode ser adquirido através de observação apenas e/ou estudos teóricos sobre o fenômeno estudado.
3
(IIb) porque muitas vezes o objeto de estudo é tal que não há como fazer experimentos diretos a partir de uma teoria.
1
   
(IIc) porque uma prova concreta e plausível é suficiente para levar ao desenvolvimento científico ou comprovar uma teoria.
1
   
III) O desenvolvimento do conhecimento científico requer e não requer experimentos
1
III) O desenvolvimento do conhecimento científico requer e não requer experimentos
1
(IIIa) porque sem experimentos nunca passaríamos de especulações e porque teorias podem ser desenvolvidas de forma intuitiva.
1
   
    (IIIb) porque experimentos são necessários para o desenvolvimento do conhecimento científico, pois é preciso testar e constatar a veracidade de hipóteses. Porém, experimentos não são suficientes para esse desenvolvimento, porque é também necessário o desenvolvimento da ciência teórica.
1
Não respondidas/não computadas
2
   
Totais
16
 
8

        As duas respostas incluídas na categoria [Ic] estavam comprometidas com uma visão empírico-indutivista.Uma aluna respondeu, por exemplo, que "para que o conhecimento científico evolua faz-se necessário (sic) a montagem de experimentos para que se formulem novas hipóteses e se criem novas teorias, bem como para que se derrubem teorias antigas realizadas com menos tecnologia."

        Entre os alunos que apresentaram uma visão experimentalista, encontramos uma resposta, classificada na categoria [Id], que justificava a necessidade de experimentos com base na idéia de que estes favorecem uma maior aceitação das explicações científicas: "o experimento é uma ferramenta imprescindível ao desenvolvimento científico. Por exemplo, como explicar as leis da física como as da gravidade, sem a experimentação, dificilmente esta seria tão aceita."

        Cinco alunos apresentaram uma visão não-experimentalista. Dois destes alunos deram respostas classificadas na categoria [IIa], nas quais reconheciam a realização de observações sistemáticas ou estudos teóricos como alternativas ao método experimental. Um aluno, por exemplo, destacou a observação sistemática de um fenômeno natural como um método cientificamente válido, afirmando que a atividade científica não requer experimentos porque "a observação de um fato, sem que haja interferência sobre ele, pode levar ao desenvolvimento do conhecimento científico."

        Outro aluno, cuja resposta foi classificada na categoria [IIb], destacou a existência de campos da investigação nos quais a realização de experimentos é impossível, ou, ao menos, muito difícil: "muitas vezes, o objeto de estudo é tal que não há como fazer experimentos diretos em cima da teoria."

        Uma aluna forneceu uma resposta classificada na categoria [IIc], que também não era experimentalista, mas mostrava-se vaga. Por fim, a categoria [IIIa] incluiu outra resposta não-experimentalista, também elaborada por uma aluna, que afirmou que o desenvolvimento do conhecimento científico requer e não requer experimentos.

        Ao final da disciplina, metade dos alunos apresentava visões experimentalistas e a outra metade, visões não-experimentalistas. Contudo, a diminuição na proporção de respostas de cunho experimentalista resultou principalmente do fato de que, entre os alunos que não fizeram o pós-teste, havia 5 alunos que tinham fornecido respostas desta natureza.

        Ao final da disciplina, 2 respostas foram classificadas na categoria [Ia]. Elas foram dadas por uma aluna que manteve uma visão similar àquela que apresentou no pré-teste e outra aluna, que havia apresentado anteriormente uma visão não-experimentalista, classificada na categoria [IIIa]. Esta última afirmou, no pós-teste, que o desenvolvimento do conhecimento científico requer experimentos "porque a garantia de que a hipótese pode ser testada é que diferencia ciência das outras formas de conhecimento." Ela combinou em sua resposta, portanto, uma visão experimentalista com um entendimento apropriado da testabilidade como um critério para a cientificidade.

        A categoria [IIa], de natureza não-experimentalista, foi representada, ao final da disciplina, pelas respostas de 3 alunos, enquanto a categoria [Ic], de natureza empírico-indutivista, apresentou somente uma resposta ao final da disciplina.

        Alguns efeitos positivos da proposta foram observados na questão 4. Não foram encontradas, ao final da disciplina, respostas com tendências verificacionistas, classificadas na categoria [Ib], em comparação com as três respostas desta natureza presentes no pré-teste. Neste caso, não se tratava de um mero efeito da diminuição da amostra ao final da disciplina. Duas alunas cujas respostas haviam sido classificadas na categoria [Ib] mudaram suas respostas na segunda etapa, tendo sido as mesmas então classificadas nas categorias [Ie] e [IIa]. Além disso, uma aluna que havia fornecido, no começo do curso, uma resposta insatisfatória, classificada na categoria [Ic], apresentou no pós-teste uma resposta mais elaborada e satisfatória, que deu origem à categoria [IIIb]. Após argumentar que, de um lado, experimentos são necessários para o teste de hipóteses, ela considerou que, de outro, "existe uma parte da ciência voltada para a teoria sem experimentação", concluindo "que para o desenvolvimento científico é necessário sim a realização de experimentos, mas não basta. Faz-se necessário também para o seu progresso o desenvolvimento da ciência teórica."

        A tabela 5 apresenta as categorias construídas na análise das respostas à quinta questão, no pré- e pós-testes. Esta questão se mostrou bastante difícil para os respondentes, por envolver conteúdos de química e física, com os quais alunos de biologia nem sempre estão familiarizados. Por esta razão, vários alunos não responderam a esta questão no pré- e pós-teste ou, ao tentarem fazê-lo, elaboraram respostas que não podiam ser interpretadas com clareza e não foram consideradas na análise. Estes achados mostram uma limitação da questão, decorrente do fato de ela envolver, lado a lado com aspectos epistemológicos, conteúdos específicos de uma determinada ciência (ver nota 6). De qualquer modo, os resultados obtidos foram suficientemente interessantes, mostrando efeitos significativos da proposta que testamos.

        No pré-teste, uma visão inadequada das relações entre modelo e realidade foi encontrada na maioria dos alunos. É o caso de 4 alunos que elaboraram respostas classificadas na categoria [a], atribuindo um grau relativamente alto de certeza ao modelo do átomo, em virtude das evidências empíricas que o apóiam, sem terem na devida conta o papel das teorias na construção de modelos. Um aluno escreveu, por exemplo, que "... os cientistas estão quase todos certos de que aquele é o modelo real de átomo."

        Visões mais adequadas foram encontradas em 3 alunos, cujas respostas foram classificadas na categoria [b], e em uma aluna, cuja resposta deu origem à categoria [d]. Contudo, algumas destas respostas privavam o modelo do átomo de qualquer grau de confiança. Podemos citar como exemplo a resposta de uma aluna para quem os cientistas não têm certeza alguma sobre a estrutura do átomo: "Nenhum. Eles realizam experimentos utilizando chapas de metais e bombas de prótons e etc. que combinados mostravam que elementos possuía o átomo por atravessar ou não a chapa. A organização precisa acho que foi depois de saber do que é composto, imaginou-se como partículas positivas, negativas e neutras se comportariam..." Três alunos, por fim, forneceram respostas vagas, classificadas na categoria [c].

Tabela 5: Categorias obtidas na questão 5 do VNOS-C, nas duas etapas de coleta de dados.

Questão 5: Qual o grau de certeza que os cientistas têm acerca da estrutura do átomo?
1a Etapa
2a Etapa
Categorias
N
Categorias
N
(a) Os cientistas têm um grau relativamente alto de certeza sobre o modelo de átomo atualmente aceito, podendo considerá-lo o modelo real de átomo e baseando-se em muitos experimentos e observações.
4
   
(b) Os cientistas postulam teorias e constroem modelos da possível aparência do átomo interpretando evidências químicas e físicas. Eles não têm certeza da estrutura atômica.
3
(b) Os cientistas postulam teorias e constroem modelos da possível aparência do átomo interpretando evidências químicas e físicas. Eles não têm certeza da estrutura atômica.
3
(c) A base para a construção da representação do átomo foi a realização de experimentos, mas não sei o grau de certeza que os cientistas têm a este respeito.
3
   
(d) O grau de certeza vai até onde os experimentos comprovaram a teoria.
1
   
    (e) O grau de certeza acerca da estrutura do átomo é pequeno, pois as explicações dos livros de ciência são apenas modelos propostos para ilustrar. Há certeza maior sobre o princípio da organização do átomo.
1
    (f) Há muito pouca certeza. Para determinar como um átomo se parece, os cientistas utilizam equipamentos que carregam consigo muitas teorias. Estas teorias devem ser levadas em consideração na elaboração de uma idéia de como o átomo se parece que seja tão próxima do real quanto possível e que funcione nos experimentos.
1
    (g) O grau de certeza dos cientistas sobre o modelo de átomo é alto, uma vez que diversos experimentos foram realizados e, a partir dos resultados, várias foram as interpretações, que evoluíram até que se chegasse à forma atual. É possível que novas evidências sejam apresentadas de tal forma que o átomo mude um pouco ou muito de conformação.
1
Não respondidas/não computadas
5
 
2
Totais
16
 
8

        Solomon et al. (1996) relataram que a maioria dos estudantes de Ensino Médio que investigaram entendia modelos como retratos fiéis da realidade ou mesmo entidades reais. A proposição "os cientistas provaram por meio de experimento que partículas existem" foi preferida por 60% dos estudantes investigados por eles. As respostas dadas no pré-teste à questão 5 por 7 alunos do Ensino Superior de Biologia que participaram do estudo aqui relatado chamaram nossa atenção, porque sugeriam que esses alunos não tinham na devida conta o papel das teorias na construção dos modelos científicos. O desaparecimento da categoria [a] no pós-teste foi, portanto, considerado por nós um resultado positivo da proposta de ensino testada.

        No pós-teste, um aluno, cuja resposta deu origem à categoria [f], afirmou que os cientistas têm pouca certeza sobre o modelo de átomo porque "para determinar como um átomo se parece os cientistas utilizam de equipamentos como microscópios de tunelamento e outros aparelhos que carregam consigo muita teoria por trás. Então, é preciso que os cientistas levem em consideração estas teorias (e os erros dentro destas) para que possam ter uma idéia, de como o átomo se parece, mais próxima do real e que funcione nos experimentos científicos." De uma maneira que claramente refletia a abordagem do tema na sala de aula, este aluno não somente reconheceu, ao final da disciplina, a natureza conjectural dos modelos científicos, como também levou em consideração a dependência teórica da observação, em particular quando mediada por instrumentos.

        A categoria [g] foi originada pela resposta de uma aluna, que se mostrava elaborada e tinha na devida conta a mudança histórica do conhecimento científico, refletindo sua aprendizagem ao longo da disciplina: "Não posso avaliar qual o grau de certeza dos cientistas, porém julgo ser alto, uma vez que diversos experimentos foram realizados e a partir dos resultados várias foram as interpretações, que evoluíram no decorrer do tempo até que se chegasse a (sic) forma atual. [...]. Acredito que [...] seja possível no futuro, não muito longe deste presente, que novas evidências sejam apresentadas de tal forma que mude um pouco (ou muito) de conformação, haja vista (sic) a quantidade de partículas atômicas recentemente descobertas, não antes imaginadas."

        A categoria [b] foi representada pela mesma quantidade de respostas (3) encontrada na primeira etapa. As respostas de dois destes alunos não eram inteiramente satisfatórias, como pode ser visto no caso de um aluno que dava a entender que, caso os cientistas pudessem ver um átomo a olho nu, poderiam ter certeza sobre sua estrutura: "os cientistas não tem (sic) certeza da estrutura atômica (pois ela nunca será observada a olho nu), o que eles tem são teorias a respeito dessa estrutura."

        A categoria [e], por fim, resultou da seguinte resposta, dada por uma aluna: "O grau de certeza que os cientistas têm acerca da estrutura do átomo é pequena, me parece, pois as explicações existentes em livros de ciência são apenas modelos propostos para ilustrar; acredito que o princípio da organização do átomo está em um grau de certeza maior."

        Na tabela 6, são apresentadas as categorias construídas na análise das respostas à sexta questão do instrumento, no pré- e pós-testes.

        No pré-teste, a maioria dos alunos (13) diferenciou os conceitos de ‘lei’ e ‘teoria’. Somente um estudante considerou que teorias e leis são a mesma coisa. Nenhum dos alunos deu uma resposta satisfatória à questão 6 na primeira etapa, tendo sido encontradas várias visões inadequadas sobre os conceitos de lei e teoria discutidas na literatura (e.g., McComas et al. 1998; Abd-el-Khalick & Lederman 2000). Nas cinco respostas classificadas na categoria [Ia], por exemplo, foi encontrada a idéia de que leis são imutáveis e somente teorias podem sofrer mudanças. Um aluno respondeu, por exemplo, que "a teoria científica [...] pode [...] ser tida como certa por muitos anos, mas pode ser derrubada quando surge uma teoria melhor, mesmo que todo o mundo (ou quase) tenha acreditado na outra por muito tempo. Já a lei científica, ela é quase uma certeza absoluta, é irrevogável."

        Duas alunas, cujas respostas foram classificadas na categoria [Ib], diferenciaram leis e teorias com base na idéia de que teorias são suposições que não gozam de apoio empírico, enquanto leis são afirmações concretas, apoiadas empiricamente. Uma delas afirmou, por exemplo, que "uma teoria científica é uma idéia sugerida, plausível ou não, e lei científica é um conjunto de idéias comprovadas e plausíveis."

        Duas alunas afirmaram que a diferença entre leis e teorias reside na existência de uma base experimental somente no caso das primeiras (categoria [Ic]). Uma destas alunas afirmou, por exemplo, que "uma lei é criada a partir da experimentação de hipóteses, uma teoria não é experimentada."

Tabela 6: Categorias obtidas na questão 6 do VNOS-C, nas duas etapas de coleta de dados.

Questão 6: Você acha que há diferença entre uma teoria científica e uma lei científica?
1a Etapa
2a Etapa
Categorias
N
Categorias
N
I) Teorias e leis são diferentes
13
I) Teorias e leis são diferentes
8
(Ia) porque teorias são mutáveis, enquanto leis são imutáveis.
5
   
(Ib) porque teorias são idéias sobre alguma coisa, enquanto leis são afirmações concretas baseadas em experiências.
2
   
(Ic) porque leis têm base experimental e podem ser comprovadas ou não e teorias não têm base experimental.
2
   
(Id) porque teorias são idéias sobre fenômenos, enquanto leis são como regras.
2
   
(Ie) porque teorias podem ser interpretadas de várias formas, enquanto leis só podem ser interpretadas de uma única forma.
1
   
(If) porque teorias hipotetizam uma possibilidade de acontecimento e leis comprovam a hipótese preexistente.
1
   
    (Ig) porque uma lei descreve fenômenos naturais cíclicos ou periódicos, isto é, regularidades observadas na natureza, e uma teoria explica como e por que as regularidades ocorrem, apresentando suas possíveis causas.
3
    (Ih) porque as leis são universais, tratam de ‘coisas gerais’ a respeito do mundo, e as teorias não precisam ser universais.
2
    (Ii) porque as leis científicas visam explicar regularidades encontradas em fenômenos naturais, ou seja, fenômenos que sempre ocorrem quando certas condições são satisfeitas, e as teorias utilizam ou correlacionam leis para explicar determinado fenômeno.
2
    (Ij) porque uma teoria científica é uma explicação composta por várias leis científicas. Uma lei científica não explica um fato, mas interpreta-o. Uma teoria explica um fato baseando-se nestas leis.
1
II) Teorias e leis não são diferentes
1
II) Teorias e leis não são diferentes
0
(IIa) porque uma teoria científica já é uma lei.
1
   
Não respondidas/não computadas
2
   
Totais
16
 
8

        Outros dois alunos, que tiveram suas respostas classificadas na categoria [Id], se baseavam na idéia de que teorias são idéias sobre fenômenos, enquanto leis são similares a regras. O que torna estas respostas mais satisfatórias é sua aproximação, ainda que vaga, da idéia de que leis exprimem relações regulares entre fenômenos. Um aluno respondeu, por exemplo, que "uma teoria científica, são (sic) idéias acerca de um fenômeno científico [...]. Enquanto que (sic) uma lei científica, é semelhante a uma regra..."

        Por fim, foram encontradas duas respostas singulares, classificadas nas categorias ([Ie] e [If]). No primeiro caso, temos a resposta de uma aluna que diferenciou teorias e leis com base na variedade de interpretações possíveis. No segundo, temos a resposta de um aluno que confundiu teoria com hipótese e lei com evidência.

        Ao final da disciplina, foi detectada uma grande mudança nas respostas dadas pelos alunos, como mostra o fato de que nenhuma das categorias encontradas na primeira etapa se repetiu na segunda. Esta mudança foi positiva, dado que todas as respostas dadas pelos alunos no começo do curso, que puderam ser computadas, eram inadequadas, enquanto, no pós-teste, 25% e 37,5% das respostas foram satisfatórias e parcialmente satisfatórias, respectivamente (ver figura 1, abaixo). Nenhum aluno apresentou, ao final da disciplina, equívocos usualmente encontrados no entendimento dos conceitos de leis e teorias. Esta evolução conceitual está claramente relacionada com as discussões travadas em sala sobre os conceitos de leis e teorias.

        No pós-teste, três alunas forneceram respostas classificadas na categoria [Ig]. Como um exemplo de resposta incluída nesta categoria, podemos citar a seguinte: "Teoria científica e lei científica são diferentes, apesar de ambos (sic) poderem sofrer modificações e aperfeiçoamentos. Enquanto que a lei é a descrição de fenômenos naturais cíclicos, a teoria explica como esse fenômeno acontece, porque (sic) ele acontece, diz quais são as possíveis causas que levam esse fenômeno a acontecer."

        A categoria [Ih] foi gerada a partir de duas respostas insatisfatórias, que negavam a universalidade das teorias e não consideravam que leis podem não ser universais, mas estatísticas.

        A categoria [Ii], por sua vez, reuniu duas respostas que combinavam, de modo confuso, idéias corretas aprendidas ao longo da disciplina e idéias equivocadas. Uma aluna respondeu, por exemplo, que "teorias utilizam-se de leis para explicar como ocorre determinado fenômeno, sendo que as leis determinam que determinado fenômeno vá acontecer, sempre, se certas condições forem satisfeitas." Os papéis de leis e teorias são diferenciados e as leis, subordinadas a teorias, mas atribui-se às leis um papel de explicar fenômenos e um caráter puramente determinístico.

        Por fim, a categoria [Ij] foi derivada de uma resposta confusa, dada por uma aluna: "uma teoria científica é composta normalmente por várias leis científicas. Uma lei científica é uma explicação que universalmente testada responderá positivamente, uma lei não explica um fato, interpreta-o. Uma teoria explica o fato, baseando-se em leis."

        A análise da sétima questão foi dividida em duas partes. As categorias construídas na análise das respostas dadas pelos alunos à primeira parte da questão são apresentadas na tabela 7.

        No pré-teste, a grande maioria dos alunos (14) reconheceu que teorias científicas podem mudar ao longo do tempo. Isso sugere que, mesmo alunos que tendiam para uma visão empírico-indutivista, não assumiam que as teorias científicas (ao menos, aquelas disponíveis até o presente) jamais estariam sujeitas a mudança.

        Somente uma aluna apresentou a visão inadequada de que teorias não estão sujeitas à mudança, afirmando que elas apenas podem ser interpretadas ou explicadas de diferentes maneiras (categoria [IIa]).

        Entre os alunos que consideraram que uma teoria pode transformar-se, a grande maioria (9 alunos) atribuiu a mudança teórica a descobertas ou à obtenção de novas evidências, não considerando a possibilidade de que esta mudança decorra do embate entre teorias. O papel central dado à evidência empírica na mudança teórica indicava que estes alunos não atribuíam importância suficiente à dependência teórica da observação e, assim, ao papel das teorias na obtenção e interpretação de evidências. Podemos citar como exemplo a resposta de uma aluna que afirmou que teorias podem modificar-se, porque "... são aceitas em momentos da história nos quais dominam um grau de tecnologia e de idéias científicas. À medida que a tecnologia avança e o pensamento científico se modifica novas descobertas surgem podendo comprometer e até modificar uma teoria."

Tabela 7: Categorias obtidas na primeira parte da questão 7 do VNOS-C, nas duas etapas de coleta de dados.

Questão 7 (primeira parte): Você acha que uma teoria pode transformar-se? Se sim, explique por que as teorias mudam.
1a Etapa
2a Etapa
Categorias
N
Categorias
N
I) Teorias podem transformar-se:
14
I) Teorias podem transformar-se:
8
(Ia) Teorias podem ser modificadas a partir de novas descobertas ou evidências, freqüentemente decorrentes de novos avanços tecnológicos.
9
(Ia) Teorias podem ser modificadas a partir de novas descobertas ou evidências, freqüentemente decorrentes de novos avanços tecnológicos.
3
(Ib) Teorias podem mudar ou ser derrubadas graças ao surgimento de novas teorias que as contestem.
1
   
(Ic) Teorias mudam quando surge uma teoria melhor ou pela descoberta de novos fatos ou conceitos, que pode ser resultado do avanço tecnológico.
1
(Ic) Teorias mudam quando surge uma teoria melhor ou pela descoberta de novos fatos ou conceitos, que pode ser resultado do avanço tecnológico.
2
(Id) Teorias podem transformar-se em leis, quando confirmadas a partir de experiências.
1
   
(Ie) Teorias mudam porque são baseadas em idéias e conceitos, os quais são influenciados pela situação social, cultural e tecnológica de sua época.
1
   
(If) Teorias podem ser modificadas quando aspectos da teoria que não haviam sido ainda completamente compreendidos o são.
1
   
    (Ig) Teorias podem e devem sofrer modificações, porque uma teoria sem falhas e que tudo explica, não sendo falsificável, dificilmente será aceita pelos cientistas. A teoria sofrerá modificações quando surgirem as exceções que ela não consegue explicar.
1
    (Ih) As teorias mudam, porque a todo momento leis são derrubadas, e outras são postas no lugar.
1
    (Ii) Teorias podem transformar-se, pois é essa transformação que desenvolve a ciência.
1
II) Teorias não podem transformar-se:
1
II) Teorias não podem transformar-se:
0
(IIa) Teorias não podem transformar-se, mas apenas ser explicadas ou interpretadas de formas variadas.
1
   
Não respondidas/não computadas
1
   
Totais
16
 
8

        As demais categorias foram construídas com base em respostas únicas, em vista da diversidade de razões apontadas para a mudança teórica. Entre estas respostas, encontramos visões inadequadas, como a de que teorias podem transformar-se em leis (categoria [Id]): "[uma teoria] pode transformar-se em lei, por exemplo. As teorias podem ser contestadas, derrubadas ou confirmadas". Visões adequadas sobre as razões para a mudança teórica foram encontradas nas categorias [Ib], [Ic] e [Ie]. Por exemplo, no primeiro caso, uma aluna focou sua resposta sobre o embate entre teorias: "... as teorias podem mudar sim, pois a ciência não é algo estático e, a longo praso (sic), podem surgir novas teorias que venham contestar as já existentes." No terceiro, um aluno afirmou que "as teorias mudam, pois são baseadas em idéias e conceitos e estas estão intimamente ligados com o período cultural, religioso, sócio-econômico [...]."

        Ao final da disciplina, todos os alunos afirmaram que teorias científicas podem mudar ao longo do tempo. A categoria [Ia], que reuniu a maioria das respostas no pré-teste, apresentou 3 respostas, todas de alunas, no pós-teste. Destas, duas já haviam sido incluídas nesta categoria na primeira etapa. Portanto, somente uma aluna efetivamente mudou sua resposta. No pré-teste, ela havia dado uma resposta classificada na categoria [If] e considerada insatisfatória. Ao final da disciplina, sua compreensão sobre as razões para a mudança teórica havia evoluído: "A partir do momento em que hipóteses [são] propostas à luz da teoria, e que possuem informações que ampliem o conhecimento acerca desta teoria, há a possibilidade de que novas informações sejam reconhecidas e acrescentadas à teoria original, ou que os testes de hipóteses revelem que algum conceito pertinente a essa teoria esteja errado."

        A categoria [Ic] foi representada, no pós-teste, pelas respostas de 2 alunas. Uma das alunas havia fornecido, na primeira etapa, uma resposta classificada na categoria [Id] e considerada insatisfatória, por conter a idéia de que teorias se transformam em leis. Na segunda etapa, ela forneceu uma resposta que deixava clara a evolução de sua compreensão a respeito da mudança teórica: "Uma teoria pode modificar-se. Isso porque novos estudos, novos conceitos podem surgir a respeito do que uma teoria trata, vindo a completá-la ou dar um passo adiante na investigação científica."

        A resposta que deu origem à categoria [Ig] correspondeu a mais um caso de evolução conceitual. Esta resposta, que refletia conteúdos trabalhados em sala de aula, foi mais satisfatória do que a resposta dada pela aluna no começo do curso, que atribuía a mudança teórica somente à descoberta de novas evidências (categoria [Ia]).

        Nas categorias [Ih] e [Ii], encontravam-se casos de involução conceitual, cujas relações com o trabalho em sala de aula não ficaram claras. A categoria [Ii], por exemplo, foi gerada a partir de uma resposta bastante vaga, na qual o aluno justificava a necessidade de mudança teórica, mas não explicava por que teorias mudam. Este aluno havia dado uma resposta mais satisfatória no pré-teste, classificada na categoria [Ia].

        As categorias construídas na análise das respostas dadas pelos alunos à segunda parte da questão 7, no pré- e pós-testes, são apresentadas na tabela 8.

Tabela 8: Categorias obtidas na segunda parte da questão 7 do VNOS-C, nas duas etapas de coleta de dados.

Questão 7 (segunda parte): Por que nós nos preocupamos em aprender teorias científicas, se elas podem transformar-se?
1a Etapa
2a Etapa
Categorias
N
Categorias
N
(a) Aprendemos teorias porque seu estudo pode levar ao avanço do conhecimento científico e das próprias teorias.
4
(a) Aprendemos teorias porque seu estudo pode levar ao avanço do conhecimento científico e das próprias teorias.
2
(b) Aprendemos teorias científicas porque estas consistem em nosso conhecimento atual sobre um determinado assunto, devendo ser empregadas para a compreensão de um dado fenômeno.
3
(b) Aprendemos teorias científicas porque estas consistem em nosso conhecimento atual sobre um determinado assunto, devendo ser empregadas para a compreensão de um dado fenômeno.
3
(c) Aprendemos teorias porque elas são guias úteis para nosso raciocínio, sendo um foco central, a partir do qual podemos estar a favor ou contra.
2
   
(d) Aprendemos teorias científicas porque elas nos oferecem a possibilidade de interpretar o conhecimento já adquirido.
1
   
(e) Estudamos teorias porque elas aumentam nossa compreensão do mundo.
1
(e) Estudamos teorias porque elas aumentam nossa compreensão do mundo.
1
(f) Estudamos teorias porque elas aumentam nossa compreensão do mundo e seu estudo pode levar ao avanço do conhecimento científico e das próprias teorias.
1
   
Não respondidas/não computadas
4
 
2
Totais
16
 
8

 

        A maioria dos alunos (4) atribuiu a necessidade de aprender-se teorias científicas ao fato de que seu estudo pode levar ao crescimento do conhecimento científico (categoria [a]). Três alunos tiveram suas respostas classificadas na categoria [b], justificando a necessidade de teorias científicas serem aprendidas com base na idéia de que elas comportam o conhecimento atual sobre um determinado assunto. A tese de que teorias oferecem guias úteis para nosso raciocínio foi utilizada por 2 alunas como justificativa para sua aprendizagem (categoria [c]). Um aluno justificou a necessidade de aprender teorias científicas com base na idéia de que elas nos permitem interpretar o conhecimento adquirido pela espécie humana (categoria [d]): Um outro aluno ofereceu como justificativa o fato de que as teorias aumentam nossa compreensão do mundo, contribuindo para uma relação harmônica com o ambiente (categoria [e]). Por fim, uma aluna incluiu em sua justificativa razões que foram mencionadas, separadamente, por outros alunos (categoria [f]).

        Ao final da disciplina, não surgiram novas categorias na análise desta pergunta. A categoria [a] passou de 4 respostas para 2, correspondendo à mesma proporção das respostas, dada a diminuição do tamanho amostral. A categoria [b] incluiu uma maior proporção das respostas dadas pelos alunos no pós-teste, mantendo-se com 3 respostas, mesmo com a diminuição do tamanho amostral. A categoria [e] foi representada por uma resposta no pós-teste, dada por uma aluna cuja resposta no pré-teste havia sido classificada na categoria [f].

        Na tabela 9, são apresentadas as categorias construídas na análise das respostas à nona questão do instrumento, no pré- e pós-testes.

        No pré-teste, a maioria dos alunos (6) supôs que as diferentes conclusões alcançadas pelos pesquisadores decorriam do caráter singular do conhecimento de cada um, apesar de a questão se referir a grupos de cientistas (categoria [a]). Esta categoria comportava respostas que pareciam comprometidas com uma visão individualista do trabalho científico. Como um exemplo, podemos citar a seguinte resposta, dada por um aluno: "as controvérsias existem porque as pessoas (cientistas) não são iguais, não pensam iguais e tem (sic) formação científica/cultural/religiosa diferentes. [...]."

        Um aluno e uma aluna enfatizaram, em suas respostas, a natureza incompleta dos dados como razão para as diferentes interpretações (categoria [b]). Eles deram, assim, importância primordial aos dados na construção das explicações, podendo-se inferir que estavam comprometidos com visão próxima a uma posição empírico-indutivista. Uma aluna afirmou, por exemplo, que conclusões diferentes foram alcançadas pelos dois grupos de cientistas "porque o conjunto de dados que eles utilizaram são apenas fragmentos do que restou da história dos dinossauros, a forma como os dois grupos de cientistas uniu (sic) esses fragmentos foi diferente e por isso os dois tipos de conclusões. [...]."

Tabela 9: Categorias obtidas na questão 9 do VNOS-C, nas duas etapas de coleta de dados.

Questão 9: Como dois grupos de cientistas que tiveram acesso aos mesmos dados poderiam chegar a conclusões diferentes?
1a Etapa
2a Etapa
Categorias
N
Categorias
N
(a) As duas conclusões diferentes decorrem do fato de que o conhecimento de cada cientista é único e interfere em sua maneira de ver e interpretar os dados.
6
(a) As duas conclusões diferentes decorrem do fato de que o conhecimento de cada cientista é único e interfere em sua maneira de ver e interpretar os dados.
2
(b) As duas conclusões diferentes decorrem da natureza incompleta dos dados, o que os torna passíveis de diferentes interpretações. 
2
(b) As duas conclusões diferentes decorrem da natureza incompleta dos dados, o que os torna passíveis de diferentes interpretações.
1
(c) As duas hipóteses diferentes são possíveis porque ambas são apoiadas por dados empíricos. Há também a possibilidade de combinar as explicações numa só.
2
(c) As duas hipóteses diferentes são possíveis porque ambas são apoiadas por dados empíricos. Há também a possibilidade de combinar as explicações numa só.
1
(d) As duas conclusões diferentes decorrem do fato de que o mesmo conjunto de dados pode ser interpretado ou explicado de formas diferentes.
2
(d) As duas conclusões diferentes decorrem do fato de que o mesmo conjunto de dados pode ser interpretado ou explicado de formas diferentes.
1
(e) As duas conclusões diferentes decorrem do fato de que o mesmo conjunto de dados pode ser interpretado ou explicado de formas diferentes, a depender da base teórica e do enfoque da pesquisa.
1
(e) As duas conclusões diferentes decorrem do fato de que o mesmo conjunto de dados pode ser interpretado ou explicado de formas diferentes, a depender da base teórica e do enfoque da pesquisa.
2
    (f) As conclusões diferentes são interpretações baseadas em raciocínio indutivo.
1
Não respondidas/não computadas
3
   
Totais
16
 
8

        Dois alunos deram respostas que pareciam resultar de sua familiaridade com as controvérsias acerca das causas da extinção dos dinossauros, afirmando que as duas hipóteses mencionadas eram apoiadas por dados empíricos, podendo ser combinadas em um único modelo explicativo (categoria [c]).

        Um aluno e uma aluna atribuíram as diferentes conclusões obtidas pelos grupos de cientistas à possibilidade de interpretações diversas de um mesmo conjunto de dados (categoria [d]). O aluno afirmou, por exemplo, que "o que diferenciou foi a interpretação dos conjuntos de dados.... através destes dados surgem essas duas hipóteses. (sic) As quais podem ser negadas futuramente com a descoberta de novas evidências."

        Uma aluna, cuja resposta foi classificada na categoria [e], considerou, de maneira apropriada, que as diferentes interpretações de um mesmo conjunto de dados dependem da base teórica ou do enfoque adotado pelos grupos de pesquisadores.

        Ao final da disciplina, observou-se um pequeno aumento na proporção de respostas classificadas na categoria [e]. Uma aluna, por exemplo, evoluiu de uma resposta com características individualistas para a seguinte resposta, mais satisfatória: "os grupos de cientistas derivaram suas hipóteses baseados em teorias diferentes."

        Houve uma diminuição das respostas marcadas por uma visão individualista do trabalho científico, situadas na categoria [a]. Parece não ser o caso, contudo, de que tal avanço tenha sido produzido pela proposta de ensino. Quando consideramos as respostas das 3 alunas que fizeram o pós-teste, entre os 6 alunos que deram respostas classificadas nesta categoria no pré-teste, concluímos que duas delas forneceram basicamente as mesmas respostas no começo e no fim do curso.

        As categorias [b], [c] e [d] apresentaram somente uma resposta no pós-teste, apresentando uma redução que apenas reflete a diminuição do tamanho amostral. Somente uma categoria nova, [f], apareceu no pós-teste, baseada na resposta de uma aluna, para quem as diferentes conclusões "são interpretações baseadas num raciocínio indutivo." Esta resposta foi influenciada por discussões em sala de aula, mostrando-se parcialmente adequada, porque, de um lado, a aluna parece querer justificar a formulação de diferentes hipóteses com base na natureza não-demonstrativa do raciocínio indutivo, mas, de outro, não explica suas idéias com clareza.

        As categorias construídas na análise das respostas dadas pelos alunos à décima questão do instrumento, no pré- e no pós-teste, são apresentadas na tabela 10.

        Na análise da décima questão, as categorias obtidas foram agrupadas em três tipos de respostas, a depender da extensão em que o papel da criatividade e da imaginação na pesquisa científica era reconhecido. A maioria dos alunos (7) apresentou no pré-teste uma visão que atribuía um papel à criatividade e à imaginação em todas as etapas do trabalho científico (categoria [Ia]). Uma aluna, por exemplo, respondeu à questão da seguinte maneira: "os cientistas utilizam sua imaginação e criatividade principalmente no projeto e planejamento de uma pesquisa, mas acredito que também são usadas na coleta de dados e após a coleta dos dados. A imaginação e criatividade são usadas para prever futuros problemas de coletas, futuras questões que poderão ficar em aberto e para interpretar os dados obtidos, compreendendo os resultados. (sic) Além de imaginar a melhor maneira e mais completa para coletar os dados necessários."

        Cinco alunos atribuíram um papel relativamente limitado à criatividade e à imaginação na pesquisa científica. Dois deles destacaram, adequadamente, a importância de ter-se cautela no uso destas faculdades, para não alterar os resultados obtidos. Um aluno respondeu, por exemplo, que a criatividade e a imaginação cumprem um papel "... no projeto e planejamento, e às vezes até após a coleta de dados. Muitas vezes o objeto de estudo só é ‘alcançável’ por meios indiretos, e é necessário que os cientistas usem de sua criatividade ao interpretar os dados", mas também ressaltou que "... é necessário (sic) uma coerência e fundamentação científica para que os cientistas não extrapolem demais na interpretação de seus dados."

        Outros dois alunos que atribuíram um papel relativamente limitado à criatividade e imaginação deram respostas menos satisfatórias, restringindo seu papel a alguns momentos da investigação, principalmente na criação ou melhoria de aparelhos e técnicas de coleta de dados (categoria [IIa]). Um aluno respondeu, por exemplo, que "... os cientistas utilizam-se da criatividade, principalmente na confecção do projeto de trabalho, onde ele irá (sic), se necessário, desenvolver novas técnicas de captação de dados."

        Por fim, uma aluna apresentou uma visão inadequada, por sua natureza fortemente empírico-indutivista, classificada na categoria [IIc]. Para ela, os cientistas utilizam a criatividade e a imaginação "pelo menos no que se refere [ao] projeto, planejamento e coleta de dados, pois após essas etapas, não se pode criar o que é fato dos experimentos".

Tabela 10: Categorias obtidas na questão 10 do VNOS-C, nas duas etapas de coleta de dados.

Questão 10: Os cientistas usam sua criatividade e imaginação durante suas investigações?
1a Etapa
2a Etapa
Categorias
N
Categorias
N
I) A criatividade e a imaginação têm um papel amplo na pesquisa científica.
7
I) A criatividade e a imaginação têm um papel amplo na pesquisa científica.
2
(Ia) Os cientistas utilizam a criatividade e imaginação em todas as etapas de seu trabalho.
7
(Ia) Os cientistas utilizam a criatividade e imaginação em todas as etapas de seu trabalho.
2
II) A criatividade e a imaginação têm um papel relativamente limitado na pesquisa científica.
5
II) A criatividade e a imaginação têm um papel relativamente limitado na pesquisa científica.
5
(IIa) A criatividade e a imaginação cumprem um papel em alguns momentos da pesquisa científica, como na coleta de dados, na elaboração do projeto, na proposição de hipóteses ou na interpretação dos dados. Elas são particularmente necessárias para a criação ou melhoria de aparelhos, metodologias ou técnicas de coleta específicas.
2
(IIa) A criatividade e a imaginação cumprem um papel em alguns momentos da pesquisa científica, como na coleta de dados, na elaboração do projeto, na proposição de hipóteses ou na interpretação dos dados. Elas são particularmente necessárias para a criação ou melhoria de aparelhos, metodologias ou técnicas de coleta específicas.
2
(IIb) A criatividade e a imaginação podem ter um papel no projeto, no planejamento e na coleta de dados. Elas podem intervir na interpretação dos dados, mas com o cuidado de não alterar resultados.
2
   
(IIc) Os cientistas utilizam a criatividade e imaginação apenas no projeto, no planejamento e na coleta de dados, para a formulação de hipóteses, mas a criatividade e a imaginação não têm um papel após os dados terem sido coletados, quando o cientista deve ater-se aos fatos dos experimentos.
1
(IIc) Os cientistas utilizam a criatividade e imaginação apenas no projeto, no planejamento e na coleta de dados, para a formulação de hipóteses, mas a criatividade e a imaginação não têm um papel após os dados terem sido coletados, quando o cientista deve ater-se aos fatos dos experimentos.
1
    (IId) Os cientistas utilizam sua criatividade e imaginação no projeto e planejamento da pesquisa. A imaginação e a criatividade levam os cientistas a supor hipóteses, que serão futuramente testadas, contribuindo para a quantidade de descobertas, teorias e leis existentes.
2
III) A criatividade e a imaginação têm um papel muito limitado na pesquisa científica.
4
III) A criatividade e a imaginação têm um papel muito limitado na pesquisa científica.
1
(IIIa) Os cientistas utilizam a criatividade e imaginação após a coleta de dados, pois fazem inferências com base neles.
2
   
(IIIb) A criatividade só tem um papel quando um cientista está partindo do zero, num campo de estudo no qual não houve investigações anteriores. Caso contrário, a criatividade não tem qualquer papel.
1
   
(IIIc) Os cientistas usam sua criatividade e imaginação porque nem sempre a resposta para uma certa questão é evidente.
1
   
    (IIId) Os cientistas usam a criatividade e imaginação principalmente na coleta de dados, pois saem para o campo sem terem elaborado um delineamento amostral. Então, usam sua imaginação e coletam dados sem preverem o que querem testar.
1
Totais
16
 
8

        Quatro alunos restringiram de maneira excessiva o papel da criatividade e da imaginação na atividade científica. Um aluno parecia não apreciar o papel destas duas faculdades no trabalho científico por causa de sua compreensão do crescimento do conhecimento científico como um processo de ‘descoberta’ de ‘verdades factuais’, supostamente disponíveis no mundo exterior (cf. Irwin 1997). Este aluno apresentava, no conjunto de suas respostas, uma visão empírico-indutivista. Em sua resposta, que deu origem à categoria [IIIb], a criatividade e a imaginação só têm um papel quando não há estudos anteriores sobre um determinado assunto: "se o cientista estiver partindo do ponto zero, ou seja, não houve investigações que precederam (sic) sobre seu objeto de estudo, em algum momento ele terá que usar sua criatividade; do contrário, acho que não".

        O mesmo tipo de compreensão do crescimento do conhecimento científico como o resultado de ‘descobertas’ aparece na resposta de um aluno para quem a criatividade e a imaginação só teriam um papel em situações nas quais a resposta de uma dada questão não é evidente (categoria [IIIc]).

        Dois alunos, por fim, limitaram o uso da criatividade e da imaginação à realização de inferências a partir dos dados coletados (categoria [IIIa]).

        No pós-teste, menos da metade dos alunos atribuíram um papel amplo à criatividade e à imaginação no trabalho científico, em comparação com os resultados do pré-teste. Essa redução não pode ser atribuída à diminuição do tamanho amostral, constituindo, antes, o resultado da involução conceitual de alguns alunos, por conta de um problema ocorrido no trabalho em sala de aula. O problema detectado foi de natureza pontual, não refutando as bases teórico-metodológicas assumidas na proposta de ensino. Como foi citado acima, a certa altura da disciplina, era abordada a estrutura lógica hipotético-dedutiva (H-D), sendo esta contrastada com visões indutivistas. A idéia do ‘Método científico’ como um conjunto de etapas que devem ser seguidas mecanicamente era explicitamente combatida. Era enfatizada, contudo, a necessidade de rigor na formulação das hipóteses, para que tenham uma forma lógica adequada; no planejamento dos testes empíricos, sobretudo na derivação dedutiva de previsões a partir das hipóteses, como base para o desenho dos testes e a interpretação dos resultados obtidos; na interpretação e discussão dos resultados, visando à elaboração de argumentos logicamente válidos etc. Estes são aspectos importantes na formação inicial de pesquisadores e professores. Contudo, não antecipamos um efeito colateral da ênfase sobre o rigor na condução da pesquisa científica: ela sugeriu aos alunos que a criatividade e a imaginação têm um papel limitado na pesquisa. Eles situaram, aparentemente, rigor e criatividade em pólos diametralmente opostos, de maneira que o aumento em um desses parâmetros implicaria uma diminuição correspondente no outro.

        Em vista deste problema, a categoria [Ia] foi representada no pós-teste por apenas 2 respostas, de alunas que haviam dado respostas similares no pré-teste. As respostas de 4 alunos da categoria [Ia] para as categorias [IIa], [IIc], [IId] e [IIId].

        Cinco alunos atribuíram um papel relativamente limitado e uma aluna um papel muito limitado à criatividade e à imaginação na prática científica. Na categoria [IIa], encontramos as respostas de um aluno e uma aluna. O aluno respondeu, por exemplo, que "os cientistas usam sua imaginação tanto na hora de bolar experimentos como na hora de interpretar os dados, nunca uma situação (principalmente no campo) é igual a outra e sempre é necessário inventar ou adaptar uma metodologia para cada situação nova encontrada."

        A categoria [IIc] incluiu uma única resposta, dada por uma aluna que teve sua resposta inicial classificada na categoria [Ia] e foi claramente influenciada pela discussão sobre o rigor da pesquisa científica: "Um cientista pode usar sua imaginação e criatividade durante suas investigações. Isso acontece durante o projeto e planejamento, para formulação de suas hipóteses. Estas serão testadas, logo pode-se criar/imaginar a respeito de algo. Entretanto, para coleta de dados deve-se seguir padrões que validem seu teste; e para a interpretação de dados, deve-se tirar conclusões lógicas sobre premissas verdadeiras."

        As respostas de um aluno e de uma aluna que deram origem à categoria [Id] também refletiam a aprendizagem de idéias importantes e, ao mesmo tempo, mostravam as conseqüências indesejáveis do trabalho em sala de aula comentadas acima. A aluna, por exemplo, respondeu à questão da seguinte maneira: "os cientistas utilizam de sua criatividade e imaginação durante os estágios de projeto e planejamento. Se estas não fossem usadas, dificilmente se teria a quantidade de descobertas, e teorias e leis que existem nos dias atuais. A imaginação e a criatividade levam os cientistas a supor hipóteses, que serão futuramente testadas."

        Por fim, a influência negativa das atividades discutidas acima também foi clara no caso de uma aluna cuja resposta originou a categoria [IIId]. Ela afirmou que os cientistas usam a criatividade e a imaginação "principalmente na coleta de dados, pois saem para o campo sem antes terem elaborado um delineamento amostral, já sabendo que tipos de dados serão coletados e com que finalidade. Então, usam sua imaginação e coletam dados sem prever o que querem testar." Neste caso, o trabalho em sala reforçou uma concepção também encontrada em sua resposta no pré-teste.

        A tabela 11 apresenta as categorias construídas na análise das respostas da décima primeira questão do instrumento, nas duas etapas de coleta de dados.

        No pré-teste, a maioria dos alunos (6) reconheceu a influência de fatores sociais e culturais sobre as ciências, como uma conseqüência do fato de que o trabalho científico é uma atividade humana (categoria [Ia]). Um aluno respondeu, por exemplo, que "a ciência é praticada por homens, e querendo ou não, estes estão imersos em uma cultura e um contexto social, e isso pode acabar refletindo em suas teorias".

        Um aluno e uma aluna admitiram a influência de fatores sociais e culturais sobre o trabalho científico, mas de uma maneira que a restringia ao financiamento da pesquisa e a questões polêmicas (categoria [Ib]). Por exemplo, a aluna respondeu que "... a ciência se diz universal e até luta pra isso, mas também é impossível separar ciência de valores sociais e culturais. Por exemplo, o primeiro bebê de proveta foi um choque pra sociedade e por isso nestes casos a ciência age cautelosamente mas também não pode-se dizer que ela é o reflexo da sociedade porque se não ela ficaria estática. É ela que modifica a sociedade, muitas vezes dando o primeiro passo."

Tabela 11: Categorias obtidas na questão 11 do VNOS-C, nas duas etapas de coleta de dados.

Questão 11: A ciência reflete valores sociais e culturais ou é universal?
1a Etapa
2a Etapa
Categorias
N
Categorias
N
I) A ciência é influenciada por fatores sociais e culturais.
8
I) A ciência é influenciada por fatores sociais e culturais.
6
(Ia) A ciência é influenciada por fatores sociais e culturais, porque é praticada por pessoas imersas em uma cultura e um contexto social, e isso se reflete em sua produção científica e teorias.
6
(Ia) A ciência é influenciada por fatores sociais e culturais, porque é praticada por pessoas imersas em uma cultura e um contexto social, e isso se reflete em sua produção científica e teorias.
5
(Ib) A ciência é influenciada por fatores sociais e culturais, no que diz respeito ao financiamento da pesquisa e a questões polêmicas, como a clonagem humana.
2
(Ib) A ciência é influenciada por fatores sociais e culturais, no que diz respeito ao financiamento da pesquisa e a questões polêmicas, como a clonagem humana.
1
II) A ciência é universal.
6
II) A ciência é universal.
2
(IIa) A ciência é universal apenas quando os recursos e a liberdade não são fatores limitantes ao avanço da ciência e porque, mesmo perseguidos e sem recursos, os cientistas muitas vezes continuam suas pesquisas. Mesmo o conhecimento científico sendo universal, o acesso a ele pode ser restringido por razões políticas e sociais.
4
(IIa) A ciência é universal apenas quando os recursos e a liberdade não são fatores limitantes ao avanço da ciência e porque, mesmo perseguidos e sem recursos, os cientistas muitas vezes continuam suas pesquisas. Mesmo o conhecimento científico sendo universal, o acesso a ele pode ser restringido por razões políticas e sociais.
1
(IIb) A ciência é universal, porque os cientistas em todas as partes do mundo se baseiam nos mesmos fatos, nas mesmas idéias ou nos mesmos procedimentos.
2
   
    (IIc) A ciência é universal, porque, via de regra, todo o conhecimento adquirido fica à disposição da comunidade científica do mundo inteiro.
1
III) A ciência é e não é influenciada por fatores sociais e culturais.
1
III) A ciência é e não é influenciada por fatores sociais e culturais.
0
(IIIa) A ciência é ou não influenciada por valores sociais e culturais, a depender do momento histórico da sociedade.
1
   
Não respondidas/não computadas
1
   
Totais
16
 
8

        A maioria dos alunos (4) que defendeu uma visão universalista introduziu em sua resposta uma cláusula condicional, afirmando que a universalidade da ciência somente se manifesta nos casos em que não há carência de recursos ou falta de liberdade para a pesquisa científica (categoria [IIa]).

        Duas alunas justificaram sua posição favorável à universalidade da ciência a partir do reconhecimento de que cientistas em todas as partes do mundo se baseiam nos mesmos ‘fatos’ ou procedimentos (categoria [IIb]). Uma aluna respondeu, por exemplo, que "a ciência é universal", porque as atividades de pesquisa "... em qualquer lugar do mundo se baseam (sic) em fatos centrais, o que muda são as formas e fontes de estudo, mas o básico e essencial é universal".

        Por fim, uma aluna apresentou a visão de que a ciência pode ser ou não influenciada por valores sociais e culturais, a depender do momento histórico (categoria [IIIa]).

        Ao final da disciplina, não parecia ter havido mudanças significativas nas visões da maioria dos alunos. No pós-teste, 6 alunos caracterizaram a ciência como uma atividade humana social e culturalmente situada. Entre estes alunos, a maioria (5) forneceu respostas classificadas na categoria [Ia], sendo que quatro destes alunos haviam fornecido, no pré-teste, respostas similares. Um aluno, por exemplo, afirmou que "... a ciência reflete os valores sociais e culturais de sua época (Zeitgeist). Isso porque quem faz ciências são humanos, que estão imbutidos (sic) numa sociedade. É quase inevitável que os valores sócio-culturais da época reflitam na produção científica. [...]."

        A categoria [Ib] também se manteve com a mesma proporção de respostas, no pós-teste. A quantidade de respostas classificadas na categoria [IIa], por sua vez, sofreu uma redução significativa no pós-teste. Isso foi devido ao fato de que três alunos que haviam fornecido respostas classificadas nesta categoria não fizeram o pós-teste. A resposta que deu origem à única categoria nova no pós-teste, [IIc], foi dada por uma aluna: "para mim, a ciência é universal, pois todo o conhecimento adquirido fica a (sic) disposição da comunidade científica do mundo inteiro. Apesar de existirem alguns exemplos de descobertas de pesquisas científicas que não se tornaram disponíveis para toda a comunidade."
 

4.3. Análise qualitativa do grau de adequação e da evolução conceitual das visões dos alunos sobre a natureza da ciência

        A Figura 1 apresenta os percentuais de respostas satisfatórias, parcialmente satisfatórias, insatisfatórias e não computadas/não fornecidas, para cada questão do instrumento, nas duas etapas de coleta de dados.
 



Figura 1: Percentuais de respostas satisfatórias, parcialmente satisfatórias, insatisfatórias e não computadas/não fornecidas, para cada questão do instrumento, nas duas etapas de coleta de dados.


            Os resultados do pré-teste foram utilizados para caracterizar a visão dos alunos sobre a natureza da ciência no momento de seu ingresso na disciplina. As concepções epistemológicas inadequadas mais freqüentes nas respostas dos alunos no pré-teste estavam relacionadas à demarcação entre o conhecimento científico e outras formas de conhecimento (questão 2), ao conceito de experimento (questão 3), ao papel dos experimentos na atividade científica (questão 4), à noção de modelo (questão 5), e às diferenças entre teorias e leis científicas (questão 6).

        Como pode ser visto na Figura 1, houve um equilíbrio no pré-teste entre respostas satisfatórias e insatisfatórias ou um predomínio de respostas parcialmente satisfatórias no que tange à definição de ciência (questão 1), às causas das mudanças teóricas (questão 7.1), à relação entre conceitos e evidências (questão 8), e à possibilidade de conclusões diferentes serem derivadas do mesmo conjunto de dados (questão 9).

        A maioria dos alunos forneceu respostas satisfatórias para as questões sobre as razões para aprender-se teorias científicas (questão 7.2); o papel da criatividade e da imaginação na pesquisa científica (questão 10); e a influência de valores sociais e culturais sobre a atividade científica (questão 11).

        A análise comparativa dos resultados do pré- e pós-testes permitiu uma primeira apreciação do impacto que a proposta de ensino teve sobre as visões dos alunos acerca da natureza da ciência. Quanto aos conteúdos epistemológicos nos quais os alunos mostraram maior dificuldade no pré-teste, os dados obtidos indicam que, ao final da disciplina, houve uma evolução significativa de suas concepções sobre a demarcação entre a ciência e outras formas de conhecimento. Cinqüenta por cento das respostas dadas à questão 2 foram consideradas satisfatórias no pós-teste, em contraste com somente 6,25% no pré-teste. A proporção de respostas insatisfatórias caiu de 68,75% para 37,5%.

        Um sucesso significativo parece ter sido conseguido também no caso da compreensão dos alunos sobre modelos e sua relação com evidências empíricas, com 37,5% das respostas dadas à questão 5 no pós-teste tendo sido julgadas satisfatórias, enquanto no pré-teste nenhuma resposta satisfatória havia sido encontrada.

        Quanto às diferenças entre leis e teorias, também foi observada evolução conceitual, dado que não havia sido encontrada nenhuma resposta satisfatória ou parcialmente satisfatória no começo da disciplina, contra 25% e 37,5%, respectivamente, no pós-teste.

        No que tange ao conceito de experimento, a proposta teve um efeito bastante limitado sobre as respostas dos alunos, com 62,5% das respostas à questão 3 tendo sido consideradas insatisfatórias no pós-teste, com melhoria muito pequena em relação ao pré-teste.

        Um resultado um pouco melhor (mas que consideramos insuficiente) foi conseguido no que diz respeito a respostas de natureza experimentalista. Entre as respostas dadas à questão 4 ao final da disciplina, 37,5% foram satisfatórias, em contraste com 18,75%, no começo; 25%, parcialmente satisfatórias, em comparação com 12,5%; e 56,25%, insatisfatórias, contra 37,5%.

        Nos tópicos nos quais houve equilíbrio entre respostas satisfatórias e insatisfatórias no pré-teste, a disciplina parece ter exercido alguma influência sobre a concepção de ciência (questão 1), a possibilidade de divergência em conclusões derivadas dos mesmos dados (questão 9) e as causas da mudança teórica (questão 7.1).

        Nas questões 7.2 e 11, foi encontrada uma situação muito similar à observada no começo da disciplina, com todos os alunos que responderam as questões no pós-teste fornecendo respostas satisfatórias.

        No caso da questão 10, houve uma diminuição na proporção de respostas satisfatórias, que caiu de 56,25% para 37,5%, enquanto o número de respostas parcialmente satisfatórias aumentou de 12,5% para 50%. Este resultado negativo decorreu dos efeitos colaterais da discussão sobre a necessidade de rigor na investigação científica citados acima.

        A tabela 12 apresenta o grau de adequação da visão global dos alunos sobre a natureza da ciência no começo e ao final da disciplina, no que diz respeito aos aspectos abordadospelo instrumento utilizado e nas condições nas quais as respostas foram fornecidas pelos alunos. A classificação dos alunos nas quatro categorias foi feita de acordo com o procedimento explicado na seção 3.2.2.

        Quando comparamos o grau de adequação das visões dos alunos sobre a natureza da ciência antes e após a disciplina, efeitos positivos da proposta de ensino que desenvolvemos e testamos podem ser percebidos. No pós-teste, a maioria dos alunos (5 alunos, 62,5%) apresentava uma visão adequada sobre a natureza da ciência, conforme o instrumento de coleta de dados permitiu averiguar. Além disso, um aluno e uma aluna (25%) mostravam uma visão muito adequada sobre a natureza da ciência. Por fim, uma aluna (12,5%), que apresentara, na primeira etapa, uma visão muito inadequada, havia evoluído ao longo da disciplina, mas não o suficiente para ir além de uma visão inadequada.

Tabela 12: Grau de adequação das visões dos alunos sobre a natureza da ciência, nas duas etapas de coleta de dados.

1a Etapa
2a Etapa
Categorias
N
%
Categorias
N
%
Visões muito adequadas sobre a natureza da ciência 
1
6,25
Visões muito adequadas sobre a natureza da ciência
2
25,00
Visões adequadas sobre a natureza da ciência
2
12,50
Visões adequadas sobre a natureza da ciência
5
62,50
Visões inadequadas sobre a natureza da ciência
10
62,50
Visões inadequadas sobre a natureza da ciência
1
12,50
Visões muito inadequadas sobre a natureza da ciência
3
18,75
Visões muito inadequadas sobre a natureza da ciência
0
0,00
Totais
16
100,00
 
8
100,00

 

4.4. Análise quantitativa da evolução conceitual dos alunos

        A comparação dos escores totais dos alunos no pré- e pós-testes, por meio de um teste t para dados emparelhados, mostrou que havia diferença estatisticamente significativa entre os escores totais dos alunos antes e depois da aplicação da proposta de ensino (P = 0.029). A média dos escores totais dos alunos no começo da disciplina foi 10,9, tendo aumentado, ao final da mesma, para 14,7. A Figura 2 mostra um gráfico de dispersão dos escores totais dos alunos no pré- e pós-testes, permitindo a visualização das diferenças detectadas pelo teste estatístico.


Figura 2: Gráfico de dispersão dos escores totais dos alunos no pré- e pós-testes.

        Nenhum dos testes de comparação dos escores obtidos pelos alunos em cada questão indicou a existência de diferenças significativas entre o pré- e o pós-teste (P sempre maior do que 0.089). Nos casos em que testes paramétricos puderam ser utilizados, uma análise do poder do teste foi realizada, indicando que este se encontrava abaixo do desejável. Quando um teste estatístico é feito com poder baixo, resultados negativos, como os que encontramos, devem ser interpretados com cuidado, uma vez que diferenças realmente existentes entre os dados podem não ser detectadas pelos testes. De fato, parece-nos que as diferenças encontradas na análise qualitativa discutida na seção anterior não resultaram meramente do acaso, mas do impacto da proposta sobre as visões dos alunos sobre a natureza da ciência, não tendo sido detectadas nos testes realizados para cada questão por causa do tamanho da amostra estudada. Sintomaticamente, quando os escores de cada questão foram somados, resultando nos escores totais, foi possível detectar, apesar do baixo poder do teste, diferenças significativas entre os dados do começo e do final da disciplina (ver acima).

        Uma análise dos valores das medidas de tendência central (médias e medianas) e dos gráficos de dispersão dos escores no pré- e no pós-teste, em cada uma das questões, reforçou a conclusão de que havia, em algumas questões, diferenças relevantes nos valores dos escores dos alunos no começo e no final da disciplina, que o teste estatístico não pôde detectar. Com exceção da questão 10, por razões discutidas acima, as medidas de tendência central se inclinaram para valores maiores em todas as questões. A Figura 3 apresenta os gráficos de dispersão dos escores dos alunos em cada questão, no pré- e pós-testes. Pode-se observar que, no caso das respostas às questões 2, 5, 6 e 8, é possível detectar uma evolução conceitual nas respostas dos alunos sobre a demarcação entre o conhecimento científico e outras formas de conhecimento, a relação entre modelos e evidências, as diferenças entre leis e teorias, e a relação entre conceitos e evidências, respectivamente; nas questões 1, 3, 4, 7, 9 e 11, não parece ter ocorrido evolução nem involução das visões dos alunos sobre o que é ciência, o que é experimento, o requisito da experimentação na ciência, as causas da mudança teórica e as razões para aprender teorias, a possibilidade de conclusões diferentes serem obtidas com base no mesmo conjunto de dados, e a natureza social da atividade científica, respectivamente; por fim, na questão 10, ocorreu involução da visão dos alunos sobre o papel da criatividade e da imaginação no trabalho científico.
 

5. Conclusões

        O presente artigo relatou os resultados obtidos no teste de uma proposta explícita para o ensino de história e filosofia das ciências em cursos superiores de ciências naturais. A proposta é baseada no exame de episódios da história das ciências como base para a colocação e a abordagem de questões epistemológicas. Os resultados obtidos indicaram que a proposta teve relativo sucesso na promoção de evolução conceitual das visões dos alunos sobre a natureza da ciência.

        Em termos globais, foi possível detectar uma evolução das respostas de todos os alunos ao questionário utilizado como instrumento de coleta de dados no começo e no final da disciplina. Este achado pôde ser estabelecido com bastante confiança, não obstante o tamanho da amostra estudada, dado que foi possível detectar uma diferença significativa entre os escores totais dos alunos no pré – e pós-testes, apesar do baixo poder do teste estatístico realizado.

        No que diz respeito a conteúdos epistemológicos particulares, a proposta se mostrou mais eficaz na promoção de mudança conceitual nas visões dos alunos sobre a demarcação entre o conhecimento científico e outras formas de conhecimento, as diferenças entre leis e teorias, as relações entre modelos e evidências e as relações entre conceitos e evidências. Parece-nos que, apesar de algumas dificuldades enfrentadas na análise das respostas dos alunos à questão sobre modelos, as conclusões alcançadas puderam ser estabelecidas com segurança. O mesmo não pode ser dito, contudo, da questão que tratava de conceitos, na qual o fato de que os alunos enfocaram mais os conteúdos biológicos incluídos na questão do que os aspectos epistemológicos impediu a obtenção de dados confiáveis.

Figura 3: Gráficos de dispersão dos escores dos alunos no pré- e pós-teste, para cada questão.

        No caso da compreensão dos alunos sobre as razões pelas quais devemos aprender teorias, apesar de sua mutabilidade, e a influência de fatores sociais e culturais sobre o trabalho científico, a maioria dos alunos já apresentava visões satisfatórias no começo da disciplina, sendo este o principal motivo pelo qual não detectamos uma influência da proposta de ensino sobre suas respostas. Uma situação similar pôde ser identificada no caso do efeito limitado da proposta sobre as respostas dos alunos acerca do que é ciência.

        A proposta teve um sucesso realmente limitado na promoção de mudanças nas visões dos alunos sobre o que é um experimento, a necessidade da realização de experimentos na prática da ciência, as causas da mudança teórica e a possibilidade de conclusões diferentes serem obtidas com base no mesmo conjunto de dados. Estes achados indicam a necessidade de reformular o tratamento destes aspectos na proposta de ensino apresentada neste artigo.

        No que tange ao papel da criatividade e da imaginação no trabalho científico, foi observada uma involução conceitual dos alunos ao longo da disciplina, em virtude de um desequilíbrio no tratamento das necessidades de rigor, por um lado, e de criatividade e imaginação, por outro, na pesquisa científica. Trata-se, contudo, de um problema pontual, concernente à maneira como um conteúdo específico foi trabalhado em sala de aula. Para contornar este problema, é preciso introduzir discussões explícitas sobre o papel da criatividade e imaginação na pesquisa científica, não obstante a necessidade de rigor, lado a lado com exemplos de investigações rigorosas nas quais a criatividade dos pesquisadores está envolvida de modo evidente.

        Em trabalhos futuros, a proposta de ensino discutida neste artigo será modificada a partir dos resultados deste primeiro teste, sendo em seguida testada em um número maior de turmas. Uma proposta de natureza similar, mas adaptada para a formação de professores, deverá ser elaborada e testada. Isso criará condições para considerarmos, em estudos posteriores, o conhecimento e a experiência de diferentes professores, bem como outras variáveis contextuais do trabalho em sala de aula, como fatores intervenientes na aplicação da proposta no ensino sobre a natureza da ciência ou no ensino de conteúdos específicos empregando uma abordagem contextual.


Agradecimentos

        Os autores gostariam de agradecer a Olival Freire Jr., pela leitura crítica da primeira versão do manuscrito, a Norm Lederman, pelo envio do questionário VNOS-C, ao CNPq pelo apoio na forma da bolsa de produtividade à pesquisa 302495/02-9 (C. N. El-Hani), à CAPES, pelo apoio na forma de bolsa de mestrado (E. J. M. Tavares), e a um árbitro anônimo, cujas sugestões contribuíram significativamente para o aprimoramento do artigo.


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Anexo 1: Questionário VNOS-C.


 
 
1. Na sua visão, o que é ciência? 
2. O que torna a ciência (ou uma disciplina científica como a física, a biologia etc.) diferente de outras formas de investigação (por exemplo, religião, filosofia)?
3. O que é um experimento?
4. O desenvolvimento do conhecimento científico requer experimentos? a) Se sim, explique por que. Dê um exemplo para defender sua posição. b) Se não, explique por que. Dê um exemplo para defender sua posição.
5. Livros-texto de ciência freqüentemente representam o átomo como um núcleo central composto de prótons (partículas carregadas positivamente) e nêutrons (partículas neutras), com elétrons (partículas carregadas negativamente) orbitando ao redor daquele núcleo. Qual o grau de certeza que os cientistas têm acerca da estrutura do átomo? Que evidência específica, ou tipos de evidência, você pensa que os cientistas utilizaram para determinar com que um átomo se parece?; 
6. Você acha que há diferença entre uma teoria científica e uma lei científica? a) Se sim, explique por que. Dê um exemplo para defender sua posição. b) Se não, explique por que. Dê um exemplo para defender sua posição.
 7. Após os cientistas terem desenvolvido uma teoria científica (por exemplo, a teoria atômica, a teoria da evolução), a teoria pode transformar-se? a) Se você acredita que as teorias científicas não mudam, explique por que. Defenda sua resposta com exemplos. b) Se você acredita que as teorias científicas de fato mudam: (b1) Explique por que as teorias mudam. (b2) Explique por que nós nos preocupamos em aprender teorias científicas, considerando que as teorias que aprendemos poderão mudar. Defenda sua resposta com exemplos.
8. Livros-texto de ciências definem uma espécie como um grupo de organismos que compartilham características similares e podem cruzar uns com os outros produzindo filhos férteis. Qual o grau de certeza que os cientistas têm acerca de sua caracterização do que é uma espécie? Que evidência específica você pensa que os cientistas utilizaram para determinar o que é uma espécie?
9. Acredita-se que há cerca de 65 milhões de anos os dinossauros se extinguiram. Entre as hipóteses formuladas pelos cientistas para explicar a extinção, duas gozam de maior apoio. A primeira, formulada por um grupo de cientistas, sugere que um imenso meteorito atingiu a Terra há 65 milhões de anos e acarretou uma série de eventos que causou a extinção. A segunda hipótese, formulada por um outro grupo de cientistas, sugere que grandes e violentas erupções vulcânicas foram responsáveis pela extinção. Como essas conclusões diferentes são possíveis se os cientistas de ambos os grupos tiveram acesso a e utilizaram o mesmo conjunto de dados para obter suas conclusões?
10. Os cientistas realizam experimentos/investigações científicas quando estão tentando encontrar respostas para as questões que eles propuseram. Os cientistas usam sua criatividade e imaginação durante suas investigações? a) Se sim, então em que estágios das investigações você acredita que os cientistas utilizam sua imaginação e criatividade: projeto e planejamento; coleta de dados; após a coleta de dados? Por favor, explique por que os cientistas usam a imaginação e a criatividade. Forneça exemplos se for apropriado. b) Se você acredita que cientistas não usam a imaginação e a criatividade, por favor explique por que. Forneça exemplos se for apropriado.
11. Algumas pessoas afirmam que a ciência é impregnada por valores sociais e culturais. Isto é, a ciência reflete os valores sociais e políticos, as suposições filosóficas e as normas intelectuais da cultura na qual ela é praticada. Outras pessoas afirmam que a ciência é universal. Isto é, a ciência transcende as fronteiras nacionais e culturais e não é afetada por valores sociais, políticos e filosóficos e pelas normas intelectuais da cultura na qual ela é praticada. a) Se você acredita que a ciência reflete valores sociais e culturais, explique por que e como. Defenda sua resposta com exemplos. b) Se você acredita que a ciência é universal, explique por que e como. Defenda sua resposta com exemplos.

 
 

Notas:
[1] Esta hipótese pode ser fundamentada, como sugerem Driver et al. (1996), em uma relação entre a visão sobre a natureza da ciência e o estilo de aprendizagem dos alunos. Estes autores argumentam que, quando teorias científicas são ensinadas sem que sejam conectadas com suas origens, uma atitude questionadora pode ser desencorajada nos alunos, levando-os a um estilo de aprendizagem passiva, que é ineficiente. Entretanto, esta contribuição possível de uma abordagem contextual para o ensino de Ciências ainda é controversa. São necessárias mais investigações sobre a influência de tal abordagem sobre a aprendizagem de conteúdos científicos específicos. Em particular, a hipótese levantada por Driver et al. (1996) fornece um ponto de partida interessante para estudos empíricos sobre as relações entre visões sobre a natureza da ciência e estilos de aprendizagem. (volta para o texto)
[2] O curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UFBa não inclui, até o momento, a disciplina “Evolução do Pensamento Científico”, ou disciplinas similares. Isso decorre do fato de que a disciplina foi criada na implantação do bacharelado, não tendo sido a licenciatura reformulada na mesma época. Encontra-se em andamento, contudo, uma reforma curricular do Curso de Ciências Biológicas desta universidade, que deverá situar a disciplina no tronco comum ao Bacharelado e à Licenciatura. (volta para o texto)
[3]  Apesar de os resultados obtidos na investigação e as interpretações feitas dependerem principalmente da análise das respostas dissertativas dos estudantes à ferramenta de coleta de dados empregada, consideramos que a pesquisa relatada neste artigo, apesar de ser principalmente de natureza quantitativa, inclui um aspecto qualitativo. Isso decorre em parte do envolvimento de um professor-investigador, que buscou cumprir um papel de observador participante (com algumas limitações decorrentes de sua condição de professor), tendo suas observações alimentado o processo de análise dos dados. Além disso, o caráter descritivo da interpretação das respostas dos alunos, na qual a construção das categorias não teve um objetivo meramente quantitativo, mas de busca do significado que eles atribuem a elementos do trabalho científico, agrega um aspecto qualitativo à investigação. Bogdan & Biklen (1994) e Godoy (1995), por exemplo, reconhecem uma diversidade de abordagens da pesquisa qualitativa, caracterizada por aspectos que não são observados por todos os estudos desta natureza em igual medida. As seguintes características podem servir como parâmetros para a identificação deste tipo de investigação: (i) o ambiente natural como fonte direta dos dados e o pesquisador como instrumento fundamental; (ii) seu caráter descritivo; (iii) o maior interesse pelo processo do que pelo produto; (iv) o significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida como preocupação fundamental do pesquisador; (v) o enfoque indutivo. A identificação de um aspecto qualitativo na pesquisa aqui relatada está relacionada ao caráter descritivo de parte da análise dos dados, à preocupação com o significado atribuído pelos alunos a aspectos da atividade científica e ao papel das observações do professor na análise das relações entre a prática em sala de aula e as mudanças ou resistências à mudança observadas na comparação das respostas dos alunos ao pré- e pós-testes (ver abaixo). (volta para o texto)
[4] O modo como foram obtidos escores totais a partir das respostas dos alunos ao questionário VNOS-C será explicado abaixo. (volta para o texto)
[5]  Na descrição dos marcos de referência, enfocamos principalmente os critérios empregados para julgar se uma determinada resposta era satisfatória ou não. Respostas parcialmente satisfatórias tipicamente combinavam elementos considerados adequados e inadequados, de acordo com os critérios apresentados no texto. (volta para o texto)
[6]  Por razões de espaço, não incluímos no artigo o tratamento das categorias obtidas na questão 8 do questionário VNOS-C. Esta questão gerou resultados ambíguos, por envolver tanto conteúdos epistemológicos quanto conteúdos científicos específicos. Como os alunos de biologia estão familiarizados, em geral, com as controvérsias sobre o conceito de espécie, eles tenderam a focar sua atenção sobre os conteúdos biológicos, e não sobre os aspectos epistemológicos, o que dificultou a obtenção de conclusões confiáveis. No caso de um estudo anterior utilizando a mesma ferramenta de coleta de dados, relatado em Teixeira et al. (2001) e Teixeira (2003), esta questão resultou em dificuldade distinta, similar àquela que observamos, no presente estudo, no caso da questão 5: a dificuldade sentida por estudantes de física para lidar com conceitos de biologia fez com que muitas respostas estivessem em branco ou não pudessem ser computadas.
  Nas tabelas, o texto das questões foi abreviado. O texto completo é apresentado no Anexo 1. Para facilitar a visualização das categorias que surgiram somente no pré- ou no pós-teste, incluímos nas tabelas o texto das categorias somente nos casos em que elas foram encontradas nos dados. Somente a quantidade de respostas classificadas em cada categoria é mostrada, e não sua freqüência, em virtude de a amostra ter sido reduzida pela metade no pós-teste. Pareceu-nos que, se trabalhássemos com freqüências, a apresentação dos resultados perderia em clareza. Por exemplo, uma categoria contendo somente uma resposta corresponderia a 6,25% das respostas no pré-teste e a 12,5%, no pós-teste, o que poderia acarretar confusão. (volta para o texto)

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