Eduardo F Mortimer
Faculdade de Educação
Universidade Federal de Minas Gerais
Av. Antonio Carlos, 6627
31270-901 Belo Horizonte - MG, Brasil
mortimer@dedalus.lcc.ufmg.br
Phil Scott
Centre for Studies in Science and Mathematics Education,
School of Education, University of Leeds, Leeds, UK
LS2 9JT
P.H.Scott@education.leeds.ac.uk
Abstract
In this paper an analytical tool, or framework, for
charactersing the ways in which teachers interact with students to promote
meaning making, on the social plane of high school science classes, is
introduced. The development of the framework is based on sociocultural
theory and each of the five aspects of the framework is outlined before
being applied to the analysis of a short science teaching and learning
sequence. Some fundamental points for science teaching arise out of this
analysis, particularly in relation to what is identified as being the central
aspect of ‘communicative approach’. Finally the potential of the framework
as both an analytical and a planning tool is discussed in the context of
teacher professional development.
1.0 Introdução
No últimos anos, a influência da psicologia sócio-histórica ou sócio-cultural na pesquisa em Educação em Ciências tem resultado no desenvolvimento gradual do interesse sobre o processo de significação em salas de aula de ciências, gerando um programa de pesquisa que procura responder como os significados são criados e desenvolvidos por meio do uso da linguagem e outros modos de comunicação. Paralelamente e de alguma forma relacionado a esse novo foco da investigação, a assim chamada ‘virada discursiva’ em psicologia (veja, por exemplo, Kuhn 1992, Billig 1996) tem resultado na investigação, a partir de diferentes pontos de vista, do discurso e de outros mecanismos retóricos utilizados para construir significados na educação em ciências (veja, por exemplo, Lemke, 1990; Sutton, 1992; Halliday and Martin, 1993; Scott, 1998; Ogborn et al, 1996, Roychoudhury and Roth, 1996; Van Zee and Minstrell, 1997; Mortimer, 1998; Kress et al, 2002).
Essa ‘nova direção’ para a pesquisa em educação em ciências (Duit and Treagust, 1998) sinaliza um deslocamento dos estudos sobre o entendimento individual dos estudantes sobre fenômenos específicos para a pesquisa sobre a forma como os significados e entendimentos são desenvolvidos no contexto social da sala de aula. Muitas dessas pesquisas têm adotado, como perspectiva teórica, aquela relacionada à corrente socio-histórica ou sociocultural. Nessa tradição, o processo de conceitualização é equacionado com a construção de significados (Vygotsky, 1987), o que significa que o foco é no processo de significação. Os significados são vistos como polissêmicos e polifônicos, criados na interação social e então internalizados pelos indivíduos. Além disso, o processo de aprendizagem não é visto como a substituição das velhas concepções, que o indivíduo já possui antes do processo de ensino, pelos novos conceitos científicos, mas como a negociação de novos significados num espaço comunicativo no qual há o encontro entre diferentes perspectivas culturais, num processo de crescimento mútuo. As interações discursivas são consideradas como constituintes do processo de construção de significados.
Apesar dessa nova ênfase no discurso e na interação, consideramos que relativamente pouco é conhecido sobre como os professores dão suporte ao processo pelo qual os estudantes constróem significados em salas de aula de ciências, sobre como essas interações são produzidas e sobre como os diferentes tipos de discurso podem auxiliar a aprendizagem dos estudantes. Dificilmente alguém discordaria da importância central do discurso de professores e alunos na sala de aula de ciências para a elaboração de novos significados pelos estudantes. No entanto, relativamente pouca atenção tem sido dada a esse aspecto, tanto entre professores, formadores de professores e investigadores da área.
O que nos impressiona são as diferentes formas pelas quais os professores interagem com seus estudantes ao falar sobre os conteúdos científicos: em algumas salas, as palavras estão por toda a parte. Os professores fazem perguntas que levam os estudantes a pensar e os estudantes são capazes de articular suas idéias em palavras, apresentando pontos de vista diferentes. Em algumas ocasiões o professor lidera as discussões com toda a classe. Em outras, os estudantes trabalham em pequenos grupos e o professor desloca-se continuamente entre os grupos, ajudando os estudantes a progredirem nas tarefas. Em outras salas de aula, o professor faz uma série de questões e as respostas dos estudantes, na maioria das vezes, limitam-se a palavras aqui e acolá, preenchendo as lacunas no discurso do professor. Muitas vezes o professor é extremamente hábil nesse estilo de exposição, mas há muito pouco espaço para os estudantes fazerem e falarem algo, e muitos nunca abrem a boca.
Neste artigo nós apresentamos uma ferramenta para analisar a forma como os professores podem agir para guiar as interações que resultam na construção de significados em salas de aula de ciências. Essa ferramenta é o produto de uma tentativa de desenvolver uma linguagem para descrever o gênero de discurso (Bakhtin, 1986) das salas de aula de ciências. Para Bakhtin, "cada esfera na qual a linguagem é usada desenvolve seus tipos relativamente estáveis de enunciados. A isso nós podemos chamar de gêneros de discurso" (Bakhtin, 1953/1986, p. 60). Os padrões de discurso que prevalecem nas salas de aula de ciências são muito distintos e, como tal, constituem um gênero de discurso estável, que será o foco de nossa análise.
Na primeira parte do artigo, introduziremos os vários aspectos que constituem a ferramenta analítica. Na segunda parte usaremos essa ferramenta para analisar uma seqüência de três aulas. Finalmente, os resultados dessa análise serão discutidos de modo a considerar o uso mais amplo da ferramenta tanto como instrumento de análise como para o planejamento de aulas.
Nosso trabalho tem sido influenciado por pesquisadores que têm estudado as interações nas aulas de ciências e nas formas como novos significados são desenvolvidos por meio dos modos de expressão verbal e não-verbal. Por exemplo, Edwards and Mercer (1987), no livro ‘Common Knowledge’, examinam as relações entre o conteúdo das aulas e as atividades práticas e discursos que as constituem. Em ‘Talking Science: Language, Learning and Values’, Jay Lemke (1990) propõe que aprender ciências envolve aprender a "falar ciências." Ogborn, Kress, Martins and McGillicuddy (1996), em ‘Explaining Science in the Classroom’, estudam as formas pelas quais professores do ensino secundário constróem e apresentam explicações em sala de aula. Mais recentemente, Kress, Jewitt, Ogborn and Tsatsarelis (2001), em ‘Multimodal teaching and learning: the rhetorics of the science classroom’ exploram uma variedade de diferentes modos de comunicação na tentativa de demonstrar que ensinar e aprender ciências em salas de aula vai além dos aspectos verbais.
Há, ainda, várias iniciativas em diferentes
países com o objetivo de expandir os vários tipos
de discurso usados nas aulas de ciências. Assim, na Inglaterra, o
documento ‘Beyond 2000’ (Millar et al, 1999), que propõe uma agenda
para a educação em ciências no novo milênio,
enfatiza a importância dos estudantes debaterem sobre questões
sócio-científicas. Nos Estados Unidos, há um grande
movimento em direção a ‘inquiry-based science lessons’, nas
quais os estudantes trabalham colaborativamente em atividades de investigação
aberta (por exemplo, nos vários trabalhos de Roth, Kelly, etc).
Nos dois lados do Oceano Atlântico, têm sido realizados esforços
para entender a retórica científica com o objetivo de engajar
os estudantes em formas de argumentação características
da ciências (por exemplo, Driver, Newton and Osborne, 1998; Duschl,
2001, etc.).20É importante reconhecer o valor desses trabalhos e
sua especificidade em relação aos contextos históricos
e culturais. Mas eles apontam para novas áreas de estudo, antes
de contemplar os desafios das práticas discursivas mais convencionais.
O quanto é útil para um professor e seus estudantes serem
expostos ao gênero da argumentação científica
se suas aulas normais têm por base um rotina de exposições
do professor? Em nossa visão, a prioridade é tornar visíveis
as práticas discursivas existentes e, só então, apontar
para como elas podem ser expandidas.
2.0 Uma ferramenta para analisar as interações e a produção de significados em salas de aula de ciências
A estrutura analítica que iremos apresentar
é baseada em cinco aspectos interrelacionados, que focalizam o papel
do professor e são agrupadas em termos de focos do ensino, abordagem
e ações:
|
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i. Focos do ensino | 1. Intenções do professor 2. Conteúdo |
ii. Abordagem | 3. Abordagem comunicativa |
iii. Ações | 4. Padrões de interação 5. Intervenções do professor |
2.1 Intenções do professor
Seguindo os princípios da teoria de Vygotsky,
nós consideramos que o ensino de ciências produz um tipo de
‘performance pública’ no plano social da sala de aula. Essa performance
é dirigida pelo professor que planejou o seu ‘roteiro’ e tem a iniciativa
em ‘apresentar’ as várias atividades que constituem as aulas de
ciências (Leach and Scott, 2002). O trabalho de desenvolver a ‘estória
científica’ no plano social da sala de aula é central nessa
performance. Há, no entanto, outras intenções que
precisam ser contempladas durante uma seqüência de ensino. Essas
intenções, que são derivadas de outros aspectos da
teoria sociocultural e da nossa própria experiência como pesquisadores
da sala de aula, podem ser assim sintetizadas:
Intenções do professor | Foco |
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Engajar os estudantes, intelectual e emocionalmente, no desenvolvimento inicial da ‘estória científica’. |
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Elicitar e explorar as visões e entendimentos dos estudantes sobre idéias e fenômenos específicos. |
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Disponibilizar as idéias científicas (incluindo temas conceituais, epistemológicos, tecnológicos e ambientais) no plano social da sala de aula. |
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Dar oportunidades aos estudantes de falar e pensar com as novas idéias científicas, em pequenos grupos e por meio de atividades com a toda a classe. Ao mesmo tempo, dar suporte aos estudantes para produzirem significados individuais, internalizando essas idéias. |
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Dar suporte aos estudantes para aplicar as idéias científicas ensinadas a uma variedade de contextos e transferir aos estudantes controle e responsabilidade (Wood et al., 1976) pelo uso dessas idéias. |
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Prover comentários sobre o desenrolar da ‘estória científica’, de modo a ajudar os estudantes a seguir seu desenvolvimento e a entender suas relações com o currículo de ciências como um todo. |
Quadro 2: Intenções do professor
2.2 O conteúdo do discurso de sala de aula
Nas salas de aula de ciências, as interações entre o professor e os estudantes podem ser relacionadas a uma ampla variedade de conteúdos incluindo, por exemplo, a ‘estória científica’, aspectos procedimentais, questões organizacionais e de disciplina e manejo de classe. Cada um desses aspectos é importante para o trabalho do professor, mas neste artigo vamos nos restringir aos conteúdos relacionados à ‘estória científica’ que está sendo ensinada.
Nós estruturamos a análise do conteúdo do discurso da sala de aula em termos de categorias que podem ser consideradas como características fundamentais da linguagem social (Bakhtin, 1986) da ciência escolar, tomando por base a distinção entre descrição, explicação e generalização (Mortimer and Scott, 2000):
Explicação: envolve importar algum modelo teórico ou mecanismo para se referir a um fenômeno ou sistema específico.
Generalização: envolve elaborar descrições
ou explicações que são independentes de um contexto
específico.
2.3 Abordagem comunicativa
O conceito de ‘abordagem comunicativa’ é central na estrutura analítica, fornecendo a perspectiva sobre como o professor trabalha as intenções e o conteúdo do ensino por meio das diferentes intervenções pedagógicas que resultam em diferentes padrões de interação. Nós identificamos quatro classes de abordagem comunicativa, que são definidas por meio da caracterização do discurso entre professor e alunos ou entre alunos em termos de duas dimensões: discurso dialógico ou de autoridade; discurso interativo ou não-interativo.
Quando um professor interage com os estudantes numa sala de aula de ciências, a natureza das intervenções pode ser caracterizada em termos de dois extremos. No primeiro deles, o professor considera o que o estudante tem a dizer do ponto de vista do próprio estudante; mais de uma ‘voz’ é considerada e há uma inter-animação de idéias. Este primeiro tipo de interação constitui uma abordagem comunicativa dialógica. No segundo extremos, o professor considera o que o estudante tem a dizer apenas do ponto de vista do discurso científico escolar que está sendo construído. Este segundo tipo de interação constitui uma abordagem comunicativa de autoridade, na qual apenas uma ‘voz’ é ouvida e não há inter-animação de idéias.
Na prática, qualquer interação provavelmente contém aspectos de ambas as funções, dialógica e de autoridade. Essa distinção entre funções dialógicas e de autoridade foi discutida por Wertsch (1991) e usada por Mortimer (1998) para analisar o discurso de uma sala de aula brasileira. Ela tem por base a distinção entre discurso de autoridade e discurso internamente persuasivo, introduzida por Bakhtin (1981) e a noção de dualismo funcional de textos num sistema cultural, discutida por Lotman (1988) (apud Wertsch, 1991, p. 73-74).
Uma característica importante da distinção
entre as abordagens dialógicas e de autoridade, à comunicação
em sala de aula, é que uma seqüência discursiva pode
ser identificada como dialógica ou de autoridade independentemente
de ter sido enunciada por um único indivíduo ou interativamente.
O que torna o discurso funcionalmente dialógico é o fato
de que ele expressa mais de um ponto de vista - mais de uma ‘voz’ é
ouvida e considerada - e não que ele seja produzido por um grupo
de pessoas ou por um indivíduo solitário. Esse último
aspecto está relacionado20à segunda dimensão da abordagem
comunicativa, que distingue entre o discurso interativo, aquele
que ocorre com a participação de mais de uma pessoa, e o
discurso não-interativo, que ocorre com a participação
de uma única pessoa. Essas duas dimensões podem ser combinadas
para gerar quatro classes de abordagem comunicativa, como mostrado no quadro
3, a seguir.
|
||
DIALÓGICO | Interativo /
Dialógico |
Não-interativo /
Dialógico |
DE AUTORIDADE | Interativo /
de autoridade |
Não-interativo/
de autoridade |
Quadro 3: Quatro classes de abordagem comunicativa
Embora cada uma dessas quatro classes, como apresentadas a seguir, está relacionada ao papel do professor ao conduzir o discurso da classe, elas são igualmente aplicáveis para caracterizar a interações que ocorrem apenas entre estudantes, por exemplo em pequenos grupos:
b. Não-interativo/dialógico: professor reconsidera, na sua fala, vários pontos de vista, destacando similaridades e diferenças.
c. Interativo/de autoridade: professor geralmente conduz os estudantes por meio de uma seqüência de perguntas e respostas, com o objetivo de chegar a um ponto de vista específico.
d. Não-interacivo/ de autoridade: professor apresenta
um ponto de vista específico.
O quarto aspecto da nossa
análise especifica padrões de interação que
emergem na medida em que professor e alunos alternam turnos de fala na
sala de aula. O mais comum são as tríades I-R-A (Iniciação
do professor, Resposta do aluno, Avaliação do professor),
mas outros padrões também podem ser observados. Por exemplos,
em algumas interações o professor apenas sustenta a elaboração
de um enunciado pelo aluno, por meio de intervenções curtas
que muitas vezes repetem parte do que o aluno acabou de falar, ou fornecem
um feedback para que o estudantes elabore um pouco essa fala. Essas
interações geram cadeias de turnos não triádicas
do tipo I-R-P-R-P... ou I-R-F-R-F.... onde P significa uma ação
discursiva de permitir o prosseguimento da fala do aluno e F um feedback
para
que o aluno elabore um pouco mais sua fala.
2.5 As intervenções do professor
O quinto aspecto da análise especifica as
formas de intervenções pedagógicas dos professor e
baseia-se em no esquema de Scott (1998), no qual seis formas de intervenção
pedagógica foram identificados. O quadro 4, a seguir, relaciona
essas seis formas, especificando o foco e as ações do professor
que caracterizam cada uma.
Intervenção do professor | Foco | Ação - o professor: |
1. Dando forma aos significados | Explorar as idéias dos estudantes | - introduz um termo novo; parafrasea um resposta do estudante; mostra a diferença entre dois significados. |
2. Selecionando significados | Trabalhar os significados no desenvolvimento da estória científica. | - considera a resposta do estudante na sua fala; ignora a resposta de um estudante. |
3. Marcando significados chaves | - repete um enunciado; pede ao estudantes que repita um enunciado; estabelece uma seqüência I-R-A com um estudante para confirmar uma idéia; usa um tom de voz particular para realçar certas partes do enunciado. | |
4. Compartilhando significados | Tornar os significados disponíveis para todos os estudantes da classe | - repete a idéia de um estudante para toda a classe; pede a um estudante que repita um enunciado para a classe; compartilha resultados dos diferentes grupos com toda a classe; pede aos estudantes que organizem suas idéias ou dados de experimentos para relatarem para toda a classe. |
5. Checando o entendimento dos estudantes | Verificar que significados os estudantes estão atribuindo em situações específicas | - pede a um estudante que explique melhor sua idéia; solicita ao estudantes que escrevam suas explicações; verifica se há consenso da classe sobre determinados significados. |
6. Revendo o progresso da estória científica | Recapitular e antecipar significados | - sintetiza os resultados de um experimentos particular; recapitula as atividades de uma aula anterior; revê o progresso no desenvolvimento da estória científica até então. |
Quadro 4: Intervenções do professor
3.0 Análise de uma seqüência de ensino: da diversidade de idéias cotidianas ao ponto de vista científico
Tendo introduzido brevemente os cinco aspectos da
nossa análise, vamos agora aplicá-la a uma seqüência
de três aulas planejadas para introduzir o assunto ‘Reações
Químicas’ no contexto da reação de formação
de ferrugem.
3.1 Caracterizando o caso estudado
Nesse estudo de caso relatamos uma seqüência
de aulas de ciências que aconteceram numa escola secundária
de uma cidade do norte da Inglaterra. Lynne, a professora, tem cerca de
anos de experiência, sendo considerada uma ótima professora
de ciências. A classe observada tem 27 estudantes de 13-14 anos de
idade, de habilidade variada mas com um número significativo de
estudantes considerados fracos. Nós acompanhamos três aulas
de uma hora cada, que introduziam uma unidade de trabalho em ‘Reações
Químicas’, e cujo objetivo era descrever empiricamente o fenômeno
de formação de ferrugem, especificamente estabelecer que
ferro, água e ar são necessários para que a ferrugem
ocorra.
3.2 A estratégia de ensino
O ensino foi planejado de modo a partir das idéias e explicações dos estudantes sobre a ferrugem. Três semanas antes da primeira aula sobre o assunto, cada estudante recebeu um prego de ferro e Lynne instrui os estudantes sobre o que fazer com ele: "Eu quero que cada um de vocês leve o seu prego para casa e coloque ele num lugar em que você acha que ele vai enferrujar prá valer nestas três próximas, ficar o mais enferrujado possível." Na aula imediatamente anterior ao começo da seqüência estudada, os estudantes trouxeram seus pregos de casa e cada um afixou-o numa ficha de papel, na qual o aluno deveria indicar o local onde colocou o prego e por que o colocou ali. Um painel foi montado numa parede da sala, com os pregos dispostos numa ordem, dos menos para os mais enferrujados.
Num breve relato, a seqüência das três
aulas iniciou-se com a professora revendo, com os estudantes, os diferentes
lugares onde eles haviam colocado seus pregos. A seguir ela compilou uma
lista com as idéias dos estudantes sobre que coisas, presentes nesses
lugares, provocaram a ferrugem. O professor e os estudantes trabalharam
nessa lista para identificar os fatores que estavam presentes em todos
os
casos em que a ferrugem ocorreu, com o objetivo de isolar as coisas que
são essenciais para provocar a ferrugem. Os estudantes, a
seguir, planejaram e executaram testes experimentais para confirmar essas
coisas essenciais. Finalmente, os estudantes aplicaram a condição
de que ferro, ar e água são essenciais para a formação
da ferrugem, para avaliar se ela se forma ou não numa variedade
de situações diferentes.
4.0 Descrevendo e analisando a seqüência de ensino20
4.1 A ‘mostra de pregos’
A ‘mostra de pregos’ chamava a atenção. Ela cobria toda a extensão de uma das paredes da sala ambiente de ciências. Num dos extremos, o prego menos enferrujado não apresentava nenhuma diferença aparente daquele prego lustroso que há três semanas atrás havia sido entregue ao estudante pela professora. No outro extremo da escala, os pregos estavam completamente tomados pela ferrugem.
Jill, um dos estudantes, tinha colocado seu prego no porão de sua casa "porque a maioria das coisas enferrujavam lá." Claire lembrou-se da experiência com sua bicicleta:
Do ponto de vista da Estrutura Analítica que
estamos discutindo, é evidente que a construção e
apresentação da ‘mostra de pregos’ relacionava-se a algumas
intenções
do professor. O próprio ato de ‘levar um prego para casa’ propiciou
a cada estudante pensar e falar sobre suas idéias em relação
ao fenômeno, familiar mas até então irrefletido, de
formação de ferrugem. Nesse sentido, a atividade mostrou-se
bastante efetiva em criar um problema
para cada um dos estudantes,
ao mesmo tempo em que permitiu à professora 20explorar a visão
dos estudantes sobre a formação de ferrugem. O próprio
ato de afixar cada prego num cartão e escrever sobre o fenômeno,
em certo sentido sinalizou para os estudantes que eles deveriam ‘olhar’
os pregos de uma maneira diferente: não mais como um artefato da
vida cotidiana, mas como um objeto de estudo numa aula de ciências.
Foi assim que Jewitt, um dos estudantes, referiu-se à atividade
em conversa conosco após a aula. A ‘mostra dos pregos’ serviu como
um meio para que as idéias dos estudantes, escritas nos cartões
de cada um, fossem disponibilizadas visualmente e dessa forma compartilhadas
com todos os colegas. O processo de dispor os pregos numa ordem, do menos
para o mais enferrujado, também constituiu-se num primeiro passo
no processo de trabalhar as informações coletadas pelos
estudantes, pois permitiu colocar em evidência a relação
entre os diferentes graus de enferrujamento e as condições
existentes nos locais em que cada prego havia sido colocado, o que constitui
um primeiro passo no desenvolvimento da estória científica.
4.2 Episódio 1 (Aula 1): O que havia nesses lugares que fez os pregos enferrujarem?
No começo da primeira aula, os estudantes reuniram-se em torno da mesa da professora e ela começou por rever onde os estudantes haviam deixado seus pregos:
Haley: Damp
Profa: Damp. Agora, nós vamos anotar essas coisas primeiro, depois nós vamos pensar sobre elas. Certo, damp [Lynne escreve damp no quadro]. Sim ... Cheryl?
Cheryl: Moisture
Profa.: Moisture [escreve moisture no quadro]. Damp, moisture. Alguma coisa mais? Gavin?
Gavin: Eu coloquei o meu no barro, no jardim.
Profa.: O que tinha nesse barro que fez o seu prego enferrujar?
Gavin: 'Cos it were all wet and all boggy (lamacento).
Profa.: Wet - so it was wet again. Wet [escreve no quadro]. Certo - wet. Alguma outra idéia, Matthew?
Matthew: Ar.
Profa.: Ar - certo, você acha que ar poderia .... Certo [escreve ar no quadro]. Ar poderia enferrujar o prego. Fiona?
Fiona: Condensação, poderia?.
Profa.: Condensação - certo [escreve no quadro]. Dawn?
Dawn: Poderia ser, tipo o clima, se está quente ou frio?
A professora inicia o episódio considerando
os lugares onde os estudantes haviam colocado seus pregos mas logo
muda o foco da atenção para o que havia nesses lugares
que fez com que os pregos enferrujassem, o que constitui um passo importante
no desenvolvimento da estória científica. Os aspectos chaves
do episódio podem ser sintetizados levando em consideração
os cinco aspectos da nossa análise:
Intenções da professora |
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Conteúdo |
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Abordagem | Interativa/dialógica (mas com algumas
intervenções de20
autoridade pela professora). |
Padrões de interação |
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Formas de intervenção |
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Quadro 5: O que havia nesses lugares que fez os pregos enferrujarem?
4.3 Episódio 2 (Aula 1): Nós estamos repetindo alguma coisa?
Os estudantes ainda estavam sentados ao redor da mesa da professora, e no quadro de giz estava escrita a lista das ‘coisas sugeridas’:
Chuva, Damp, Moisture, Wet, Sal, Vinagre, Ar, Condensação, Frio, Escuro
Lynne, então, convidou os estudantes a olharem essas sugestões com mais cuidado:
Kevin: Erm - chuva, damp...e frio.
Profa.: Chuva, damp... [sublinha as palavras no quadro: chuva,
damp].
Kevin: They're all wet.
Profa.: Bem... elas são todas úmidas - o que você quer dizer com úmido, então? Há mais alguma coisa sobre úmido?
Estudantes: Não... úmido [outros murmuram]
Profa.: O que é úmido, talvez?
Estudantes: [em coro] Água!! [risos]
Profa.: Água? Água é a coisa chave? Ketan, o que você acha? Água é a coisa chave aqui que liga todas essas....
Ketan: Sim.
Teacher: Vocês disseram chuva, damp, moisture, wet, oh...condensação e o que estou perguntando é ... ‘o que vocês querem dizer com isso?' O que talvez elas tenham em comum?
Ketan: São todas diferentes formas de água.
Teacher: Água. Sim? Alguém discorda disso? Isso
parece razoável? OK, assim nós temos todas essas coisas que
podemos relacionar e dizer que água é importante.
Nesse episódio, a professora tem claramente a intenção de trocar os termos ‘moisture, condensação, chuva, damp, wet’ pela palavra ‘água’. Para alcançar esse objetivo ela seleciona algumas respostas dos estudantes e desconsidera outras; formula perguntas instrucionais, instaurando um padrão I-R-A; e estabelece uma interação confirmatória com um dos estudantes. Embora de natureza interativa, o discurso é bastante controlado pelo professor e claramente de autoridade.
A professora eventualmente consegue mostrar que ‘moisture,
condensação, chuva, damp e wet’ são, todas, diferentes
formas de água. Essas palavras, que foram inicialmente sugeridas
pelos estudantes como parte das descrições de lugares particulares
(um depósito úmido; condensação na janela),
são ressignificadas por Lynne como ‘água’, uma20‘coisa chave’
presente em todos esses diferentes lugares. Ao introduzir o termo ‘água’,
que não está ligado a nenhum lugar particular, a professora
continua o processo de transformar a linguagem usada para descrever o processo
de formação de ferrugem, movendo-se gradualmente do ‘aqui
e agora’ da linguagem cotidiana para uma perspectiva científica
mais geral.
Intenção da Professora |
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Conteúdo |
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Abordagem |
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Padrões de interação |
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Formas de intervenção |
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Quadro 6: Nós estamos repetindo alguma coisa?
4.4 Episódio 3 (Aula 1): O que nós fizemos até o momento…
No quadro de giz, a lista agora inclui: água, sal, vinagre, ar, frio, escuro. Lynne volta-se para a classe, ergue o braço para indicar que ela não quer ser interrompida, e fala:
Intenção da professora |
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Conteúdo |
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Abordagem |
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Padrões de interação |
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Formas de intervenção |
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Quadro 7: O que nós fizemos até o momento ....
4.5 Episódio 4 (Aula 1): Há alguma coluna em que vocês marcaram tudo?
No episódio 4, Lynne organizou um atividade em grupo para que os estudantes avaliassem e indicassem quais das seis ‘coisas’ listadas no quadro de giz existiam em cada um dos lugares onde os pregos foram colocados. Cada grupo recebeu uma folha de cartolina, onde os estudantes deveriam escrever, ao longo de uma linha horizontal na parte de cima das folha, cada uma das coisas listadas no quadro; e ao longo de uma linha vertical no lado esquerdo da folha, a lista de lugares onde os pregos haviam sido colocados.
Cada um dos grupos passou a marcar, com X, cada uma
das ‘coisas’ que existia em cada lugar. A idéia que orientou a atividade
era que qualquer uma das coisas que existisse em todos os lugares poderia
ser considerada como ‘essencial’ para a ocorrência da ferrugem. A
atividade propiciou que os estudantes desenvolvessem seu entendimento sobre
o significado da expressão ‘coisas essenciais’, que ficava visualmente
evidente por meio da tabela construída.
Intenção da professora | Desenvolver a estória científica: identificando as coisas essenciais |
Conteúdo |
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Abordagem |
Aluno-professor: interativa/dialógica |
Padrões de interação | |
Formas de intervenção | Professor conversa com cada grupo:
|
Quadro 8: Há alguma coluna em que vocês marcaram tudo?
Cada grupo de estudantes relatou o resultado de seu trabalho para toda a classe e Lynne fez uma síntese desses resultados:
Gavin: Pode enferrujar sem frio.
Professora: Frio. Pode enferrujar sem frio - certo. Por que, vocês entenderam o que estou querendo dizer - Nicola - o que isso significa? Gavin está dizendo que as coisas podem enferrujar sem frio. Nós devemos então manter o frio na nossa lista? Então, é o frio essencial para o enferrujamento?
Estudantes: [em coro] Não.
Intenção da professora |
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Conteúdo |
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Abordagem |
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Padrões de interação |
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Formas de intervenção |
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Quadro 9: O pessoal estava falando sobre o frio ...
4.7 Episódio 6 (Aula 2): Não importa o que vocês pensam .. nós vamos fazer uma investigação experimental20
Após ter removido ‘frio’ da lista (deixando água, ar, escuro), Lynne revê o progresso e prepara o que virá a seguir:
Lynne apresenta o experimento para testar se as três
coisas separadamente, ou em combinação, provocam a ferrugem.
Há alguma interação, mas a fala é de autoridade,
pois Lynne apresenta instruções claras sobre o ‘que deve
ser feito’. Cada grupo é instruído a preparar três
condições experimentais diferentes: prego de ferro só
com ar, só com água, e com ar e água. Metade dos tubos
preparados são colocados no escuro, dentro de um armário,
e a outra metade sobre as bancadas da sala ambiente, onde há luz.
Intenção da professora |
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Conteúdo |
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Abordagem |
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Padrões de interação |
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Formas de intervenção |
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Quadro 10: Não importa o que vocês pensam .. nós
vamos fazer uma investigação experimental
4.8 Episódios 7, 8(i) e 8(ii) (Aula 3)
Os três episódios finais da seqüência ocorreram na terceira aula e serão analisados em conjunto.
Episódio 7: O que os experimentos estão nos dizendo?
No início dessa última aula, Lynne reviu as atividades desenvolvidas nas duas primeiras aulas e solicitou aos estudantes que examinassem os seus tubos de ensaio em foram feitos os experimentos:
Clare: Pode ser que não tivesse a quantidade de óleo suficiente, e algum ar pode ter entrado.
Professora: Certo - uma sugestão é que poderia ser que nele - de fato é uma camada bem fina de óleo - mas ela parece cobrir bem a água. É uma boa hipótese, mas eu acho... olhando para o tubo... O que você acha Matthew? Você acha que a quantidade de óleo é suficiente para impedir que o ar volte ao tubo?
Matthew: Não.
Professora: Não - bem, realmente Matthew está dizendo que talvez não houvesse a quantidade de ómeo suficiente, assim essa poderia ser uma hipótese, certo? Há alguma outra razão? Rebecca, você pode se lembrar de seu próprio experimento, e então pensar por que razão o prego enferrujou-se?
Rebecca: Professora, quando eu derramei ele, um tanto caiu fora.
Professora: Certo, certo. Então, você colocou a água fervendo aqui dentro, e então você deixou o tubo cair e ele... Não?
Rebecca: O óleo, professora.
Professora: Você derramou o óleo - ela caiu fora do tubo, então pode ser que ... A água também derramou?
Rebecca: Sim, derramou quase toda.
Professora: Então espalhou por todo lado. Alguém tem alguma idéia sobre o que pode ter afetado o experimento da Rebecca então? Certo - Philip, você quer responder?
Philip: Sabe, quando ela derramou a água? Ela pode ter esfriado e deixado o ar entrar.
Professora: Certo, eu penso que esta é uma hipótese
muito boa, e eu escutei alguém desse lado aqui - foi Dean? - dizendo
a mesma coisa. Talvez quando derramou, o ar entrou.
Intenções da
professora |
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Conteúdo |
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Abordagem |
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Padrões de interação |
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Formas de intervenção |
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Quadro 11: O que os experimentos estão nos dizendo?
Episódio 8(i): Isto está nos dizendo alguma coisa importante?
Finalmente os tubos contendo os pregos com ar e água são examinados e em todos eles os pregos estão enferrujados, independente de terem sido colocados no escuro ou no claro. Lynne pergunta o que isso significa:
Dawn: Bem, isto significa que ..., eh, significa, você tem que ter os dois juntos para o prego enferrujar.
Professora: Certo. Eu penso que esta é uma observação excelente - e eu penso que também é uma forma excelente de dizer isso. Ouçam com atenção que eu vou re.... Você poderia repetir para todo mundo o que acabou de dizer?
Dawn: Eh, se, se você tem ar e água misturados juntos, essa é a única ocasião em que os pregos enferrujam.
Professora: Excelente. Você tem que ter - o que você
disse realmente na primeira vez foi isso - você tem que ter ar e
água juntos para fazer o ferro enferrujar-se, e eu penso
que essa é uma excelente forma de descrever isso.
Episódio 8(ii): Vamos pensar no que fizemos, novamente
Lynne conclui recapitulando tudo que foi feito até
o momento:
Intenções da professora | 8(i): Desenvolver a estória científica:
confirmando as coisas essenciais.
8(ii): Manter a narrativa: revendo o progresso realizado desde o começo da seqüência de ensino. |
Conteúdo | Estabelecer uma generalização empírica descritiva para a ocorrência de ferrugem. |
Abordagem | 8(i): Interativa/de autoridade
8(ii): Não-interativa/dialógica |
Padrões de interação | 8(i): I-R-A
8(ii): Não há interação |
Formas de intervenção | 8(i): Marcar a idéias chaves e promover
o conhecimento compartilhado (por meio da repetição)
8(ii): Revendo o progresso. |
Quadro 12: 8(i): Isto está nos dizendo alguma coisa importante?
8(ii): Vamos pensar no que fizemos, novamente
5.0 Principais aspetos que emergem do caso
Tendo analisado a seqüência de ensino,
vamos agora rever os quadros resumos com a análise de cada um dos
oito episódios para verificar como os diferentes aspectos foram
desenvolvidos ao longo da seqüência como um todo.
5.1 Uma transformação progressiva na maneira de falar
A partir da análise, um aspecto central que
emerge da seqüência de três aulas é a forma pela
qual o conteúdo do discurso sobre uma transformação
progressiva, desde as idéias cotidianas dos estudantes
sobre os lugares onde ocorre ferrugem até o desenvolvimento de uma
generalização
empírica sobre a ferrugem, em termos das coisas essenciais.
Em outras palavras, o desenvolvimento da estória científica
envolveu uma re-contextualização progressiva dos meios mediacionais
(Wertsch 1991), na medida que a professora guiou a transformação
do discurso em sala de aula, das descrições dos estudantes
baseadas no ‘aqui-agora’ dos lugares específicos onde os pregos
enferrujaram-se até a regra geral aplicável a qualquer situação.
Como este processo de re-contextualização foi alcançado
no curso das três aulas?
5.2 Abordagem comunicativa: ciclos de atividade
Se olharmos novamente os oito quadros com os sumários da analise de cada episódio, uma característica marcante que emerge é um padrão no uso das abordagens comunicativas. Na medida em que a seqüência de ensino progride, a abordagem passa por um ciclo que se repete:
[Interativa/dialógica] - [Interativa/de autoridade] - [Não-interativa/de autoridade]
Esse padrão cíclico relaciona-se com as atividades realizadas nas aulas da seguinte forma:
No primeiro ciclo, a professora: promoveu a discussão sobre o que poderia causar a ferrugem nos vários locais onde foram colocados os pregos (I/D); interagiu de maneira não-dialógica (de autoridade) para identificar a água como um fator comum (I/A); apresentou um sumário do progresso realizado até então (NI/A).
No segundo ciclo a professora: organizou uma atividade em grupo para que os estudantes discutissem e identificassem as coisas essenciais (I/D); interagiu de forma não-dialógica (de autoridade) para remover o"frio" (I/A); apresentou um sumário e a próxima atividade, experimental (NI/A).
No terceiro ciclo, a professora: discutiu os resultados experimentais com os estudantes (I/D); interagiu de forma não-dialógica (de autoridade) para confirmar as coisas essenciais (I/A); fez uma sumário do progresso realizado, referindo-se dialogicamente às idéias cotidianas do início da seqüência e às idéias científicas que foram construídas (NI/D).
Em cada ciclo, o padrão das atividades é claro:
1. A professora e os estudantes (ou os estudantes em grupos) interagem para discutir idéias relevantes para o desenvolvimento da estória científica (I/D).
2. A professora intervém junto ao alunos para trabalhar alguns aspectos do conteúdo, com o objetivo de desenvolver a estória científica (por meio de dar forma/selecionar/marcar idéias chaves) (I/A).
3. A professora intervém para revero
progresso no desenvolvimento da estória científica, sintetizando
os pontos chave e antecipando os próximos passos (NI/A).
5.3 Um ‘ritmo’ fundamental para desenvolver a estória científica
Dessa maneira, o discurso, que se estende pelas três aulas, pode ser caracterizado por assumir um ‘ritmo’ particular em torno das etapas repetidas de discutir/trabalhar/rever. Consideramos que tal ‘ritmo de ensino’ é interessante, ao promover a aprendizagem no contexto da sala de aula. Por que acreditamos nisso?
A primeira hipótese relaciona-se com a premissa básica de que o processo de entendimento é dialógico por natureza. De acordo com Voloshinov,
Ao mesmo tempo em que reconhecemos a importância fundamental das atividades dialógicas para que os estudantes produzam significados, é a professora quem tem responsabilidade por desenvolver a estória científica. Os estudantes podem discutir por uma eternidade as formas pelas quais carrinhos descem um plano inclinado e nunca chegarem às grandes idéias contidas nas Leis de Newton para o movimento. Faz parte do trabalho do professor intervir, introduzir novos termos e novas idéias, para fazer a estória científica avançar. Intervenções de autoridade são igualmente importantes e parte fundamental do ensino de ciências. Afinal, a linguagem social da ciência é essencialmente de autoridade.
Nós também acreditamos que há um lugar importante para aquelas intervenções nas quais a professora ‘estabelece uma linha divisória’ para concluir uma seqüência de interações e faz afirmações sobre ‘onde chegamos até o momento’ e ‘o que vai acontecer a seguir’, sejam essas intervenções dialógicas ou de autoridade. Nesse tipo de intervenção, para rever e sintetizar o progresso realizado até o momento, a professora usa o plural ‘nós’ para indicar uma ‘voz’ compartilhada: ‘o que nós fizemos até agora foi tentar ...’; ‘nós vimos que...agora nós podemos ver que’. A implicação do uso desse ‘nós’ é apontar para um ‘entendimento compartilhado’ (Edwards & Mercer, 1987) por toda a classe, da estória científica desenvolvida até então. É claro que isso nem sempre ocorre, pois há uma etapa individual de reconstrução dos significados no processo de aprendizagem. Mas, ao mesmo tempo, nos parece fundamental considerar a importância da professora intervir para levar uma etapa da atividade ao fechamento, pontuando o estágio do desenvolvimento da estória científica com afirmações relacionadas ao ‘corrente estágio de entendimento’. Nós denominamos ‘manter a narrativa de ensino’ essa intenção da professora.
É com esses três aspectos em mente que
chamamos a atenção para o valor e importância do ritmo
discutir/trabalhar/rever.
Além disso, nossa experiência mostra que não
é comum existirem exemplos de abordagens para o ensino de ciências
que representem um movimento entre esses três elementos de forma
sistemática e rítmica.
5.4 Desenvolvendo a estória científica: uma ‘espiral’ de ensino
Como as idéias de ‘transformação progressiva do conteúdo do discurso’ e de ‘ciclos de abordagem comunicativa’ se relacionam? O diagrama a seguir representa uma tentativa de relacionar essas duas formas da caracterizar essa seqüência de ensino.
O movimento entre as diferentes abordagens comunicativas é mostrado para cada um dos três ciclos de atividade. Por meio de cada um desses ciclos, o conteúdo do discurso da sala de aula vai modificando-se progressivamente: dos lugares onde foram colocados os pregos para coisas existentes nesses lugares; dessas coisas para as coisas essenciais; e, finalmente, das coisas essenciais para a prova científica para as coisas essenciais. Colocando os ciclos de abordagens comunicativas juntos com essas mudanças no conteúdo, nós podemos ver o desenvolvimento de uma ‘espiral de ensino’ que emerge da diversidade das idéias iniciais dos estudantes, fortemente ligadas à contextos cotidianos de ocorrência da ferrugem, e espirala-se em direção ao ponto de vista científico, geral e independente de contexto.
Figura 2: A ‘espiral de ensino’ para essa seqüência20
Qual o significado dessa espiral de ensino? Em primeiro lugar, nós não estamos sugerindo essa forma de espiral como algo a ser perseguido em qualquer seqüência de ensino. No entanto, nós acreditamos que em qualquer seqüência de ensino é aconselhável que haja variações nas classes de abordagem comunicativa, cobrindo tanto a dimensão dialógica/de autoridade como a interativa/não-interativa. O ‘ritmo’ da performance de ensino pode não seguir a elegante espiral mostrada neste caso, mas precisa mover-se consistentemente entre as diferentes classes de abordagem comunicativa.
Em segundo lugar, é importante chamar a atenção
para a transformação do conteúdo e para a natureza
das ‘lacunas’ existentes entre as visões cotidiana e científica
relacionadas ao mesmo fenômeno. Neste caso particular, tanto as perspectivas
cotidianas como a científica são de natureza empírica
e
descritiva, pois têm por base aspectos observáveis
do fenômeno. Na medida em que cada ciclo é instaurado, pode-se
observar o movimento do conteúdo em direção à
visão científica numa série de pequenas etapas
interligadas, e o estudo de caso mostrou que, de uma maneira geral, os
estudantes foram capazes de acompanhar essas mudanças e seguir a
performance de ensino com sucesso. Em outras áreas de conteúdo
de ciências pode ser que o ensino envolva a introdução
de explicações teóricas, por exemplo por meio
da introdução da teoria corpuscular da matéria para
explicar propriedades dos materiais. Nesse caso, as lacunas entre as visões
cotidiana e científica podem ser mais acentuadas. Os estudantes,
por exemplo, podem ter idéias cotidianas de natureza empírica
e descritiva sobre as propriedades da matéria e serem requisitados
a desenvolver uma visão científica em termos de explicações
teóricas. A performance de ensino poderia começar com descrições
empíricas de várias propriedades dos materiais, a partir
do conhecimento cotidiano dos estudantes, e então introduzir o modelo
corpuscular para explicar essas propriedades. Nesse caso nós imaginamos
que o movimento entre as visões cotidianas e científica,
na fase empírica e descritiva inicial, envolverá passos relativamente
pequenos, com uma pequena demanda de aprendizagem (Leach and Scott,
2002), enquanto que na fase de introdução dos modelos explicativos
teóricos esses passos serão maiores, conseqüência
de uma maior demanda de aprendizagem.
6.0 Considerações finais
A análise apresentada neste artigo mostra como as quatro classes de abordagem comunicativa estão articuladas como o desenvolvimento do conteúdo do discurso na medida em que progride o desenvolvimento da estória científica, e também como essas abordagens são produzidas por meio de intervenções da professora e por meio de diferentes padrões de interação. Dada a facilidade com que a estrutura analítica aqui apresentada descreve, de maneira integrada, os diferentes aspectos da performance de ensinar, nós acreditamos que essa estrutura constitui-se numa ferramenta útil tanto para analisar como para planejar o ensino de ciências.
Além disso, acreditamos que para que uma ferramenta analítica tenha impacto nas práticas pedagógicas do dia-a-dia, no ensino de ciências, ela deve preencher dois critérios básicos: 1) ela precisa capturar efetivamente os aspectos chaves do que acontece nas salas de aula; 2) ela precisa ser desenvolvida num nível de detalhe apropriado, de modo a facilitar o trabalho de análise e planejamento de ensino. Bem no centro da nossa estrutura analítica está a idéias de quatro classes diferentes de abordagem comunicativa. Nós temos evidência, a partir de nosso trabalho de formação inicial e continuada de professores de química, física e ciências, tanto no Brasil como na Inglaterra, de que esse conceito de ‘abordagem comunicativa’ preenche os dois critérios apresentados acima. Nós procuramos demostrar que os outros aspectos da estrutura analítica articulam-se de forma coerente em torno da análise das abordagens comunicativas.
No campo da pesquisa de estratégias comunicativas
nas sala de aula de ciências, há um considerável interesse,
atualmente, em abordagens analíticas que enfatizam os aspectos multimodais
do discurso de sala de aula. Nós consideramos esse tipo de trabalho
bastante útil (Kress et al, 2001) para analisar as atividades comunicativas
de salas de aula de ciências. Ao mesmo tempo, nós acreditamos
que há um perigo de que os esforços de pesquisa abandonem
o foco lingüístico prematuramente, antes de chegar aos insights
que poderiam contribuir para entender e melhorar as práticas de
ensino e aprendizagem de ciências. Nós acreditamos que a fala
e o discurso verbal, embora não sejam os únicos modos de
comunicação nas salas de aula de ciências, são
centrais para esse processo. Esperamos que este trabalho possa contribuir
para um entendimento mais profundo de como o discurso verbal pode ser desenvolvido
na sala de aula de ciências, de uma maneira reflexiva, para auxiliar
a aprendizagem dos estudantes.
Referências
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