O EFEITO DA ACTIVIDADE EXPERIMENTAL
NA APRENDIZAGEM DA CIÊNCIA PELAS CRIANÇAS DO PRIMEIRO CICLO
DO ENSINO BÁSICO
M. Goreti Matos
Escola Secundária do Prof. Reynaldo dos Santos
Vila Franca de Xira
maria_goreti@hotmail.com
Jorge Valadares
Universidade Aberta, Lisboa
jvalad@univ-ab.pt
Resumo
Neste artigo apresenta-se uma reflexão sobre o ensino experimental
da ciência no primeiro ciclo do ensino básico. Ao contrário
do que sucede em outros países, o ensino experimental da ciência
em Portugal nos primeiros anos de escolaridade não tem feito parte
das práticas do dia a dia dos professores na sala de aula. Esta
comunicação pretende questionar este facto. Trata-se de uma
reflexão resultante de uma investigação envolvendo
duas turmas do 4º ano da escolaridade obrigatória. Ela aponta
para uma abordagem construtivista e investigativa do ensino da ciência
e permitiu não só analisar o entendimento de alunos dos oito
aos dez anos sobre alguns conceitos de ciência, mas também
comparar esse entendimento em alunos de duas turmas à partida consideradas
equivalentes: uma turma em que os alunos foram envolvidos em actividades
experimentais, numa lógica construtivista e investigativa (grupo
experimental) e outra em que os alunos foram sujeitos ao ensino sobre os
mesmos temas, nos moldes tradicionais, portanto sem realização
de qualquer actividade experimental (grupo de controlo). Como suporte para
esta reflexão e de modo a concretizá-la, apresenta-se uma
das várias actividades experimentais que foram realizadas no grupo
experimental durante a qual foi trabalhado um conceito geralmente abordado
no ensino básico: o magnetismo.
Introdução
De acordo com muitos investigadores em educação (Gowin, 1981,
Moreira e Buchweitz, 1993, Crowther, 1997, Harper & Hedberg, 1997,
Brooks and Brooks, 1999, Novak e Gowin, 1999, Mintzes, Wandersee e Novak,
2000, etc.), uma boa aprendizagem exige a participação activa
do aluno, de modo a construir e reconstruir o seu próprio conhecimento.
De facto, sendo o aluno o elemento estruturante e estruturador da sua aprendizagem,
que é um processo individual e profundamente idiossincrático
(Gowin, 1981, p. 124 e 125), ainda que altamente influenciado por factores
sociais (Vygotsky, 1998), é fulcral o seu papel activo. Por outro
lado, sugere-se actualmente que o professor assuma um papel de dinamizador
e facilitador da aprendizagem do aluno, ao contrário do que sucedia
na pedagogia passiva tradicional em que o professor era entendido como
um mero veículo transmissor de conhecimentos.
Pensa-se, além disso, que uma boa aprendizagem
exige também a criação de um ambiente de aprendizagem
em que os alunos «manipulem» objectos e ideias e «negoceiem»
significados entre si e com os professores, aquilo a que diversos autores
chamam um ambiente construtivista de aprendizagem (Cunningham, Duffy e
Knuth, 1993, Jonassen, 1994, Savery & Duffy, 1996, Valadares, 2001).
As características desse ambiente construtivista de aprendizagem
são as seguintes (Valadares, 2001):
1ª - É posta a ênfase na construção activa
e significativa do conhecimento e não na sua retenção
passiva e reprodução de memória.
2ª - São privilegiadas as tarefas dos alunos em contextos significativos,
em vez das prelecções abstractas do professor fora dos contextos
adequados.
3ª - Privilegiam-se também as situações do mundo
real e do dia a dia, em vez das sequências de ensino academicamente
rígidas e pré-determinadas.
4ª - São propiciadas múltiplas representações
dos mesmos objectos/fenómenos e não uma só (representações
icónicas, verbais, formais, qualitativas, semiquantitativas, quantitativas,
etc.).
5ª - Encoraja-se a reflexão crítica constante dos alunos
durante as suas actividades, a análise do que dizem e fazem, bem
como o que dizem e fazem os seus colegas.
6ª - Proporcionam-se actividades dependentes do contexto e do conteúdo
e são tidos em conta os estilos e ritmos de aprendizagem dos alunos.
7ª - Estimula-se a construção colaborativa do conhecimento
através da negociação social e não a competição
individual pela classificação.
8ª - Privilegia-se a avaliação formadora que, tal como
a encaramos, deve estar voltada não só para a regulação
da aprendizagem de cada aluno pelo professor, como também para a
reflexão, auto-avaliação e auto-regulação
da própria aprendizagem.
9ª - São criadas condições agradáveis
e propiciadores de boas relações interpessoais dentro e fora
das aulas.
10ª - Os alunos são motivados e responsabilizados pelas suas
próprias aprendizagens.
Esta nova forma de olhar o ambiente da sala de aula
tem subjacente uma epistemologia, uma psicologia da aprendizagem e uma
prática educativa construtivistas.
Do ponto de vista epistemológico, admite o conhecimento
científico não como um facto consumado, mas como um processo
em construção, sempre inacabado, fruto da interacção
dos sujeitos com os objectos do conhecimento e da partilha e negociação
de representações pessoais, em que tanto a experiência
como a razão desempenham um papel decisivo, não sendo de
privilegiar nem uma nem outra, isto é, nem as visões empiristas
nem as racionalistas da origem do conhecimento.
Numa perspectiva psicológica, não encara
a mente do aluno como uma tábua rasa, pelo contrário, valoriza
os seus saberes mais ou menos espontaneamente adquiridos, ou, se se preferir,
os modelos mentais mais ou menos confusos com que os alunos interpretam,
à sua maneira, a realidade que os cerca. Quer o aluno que aprende
quer os objectos com que aprende desempenham um papel decisivo na construção
do seu conhecimento. As sensações provenientes dos acontecimentos,
a experiência de vida do aluno e as mais diversas componentes do
seu cérebro (não só a componente neocortical, mas
também as componentes que têm que ver com a parte afectiva)
interferem na sua aprendizagem. É por isso que esta é, como
dissemos atrás, um acto eminentemente individual e idiossincrásico,
ainda que profundamente influenciado pela interacção social
a que o aluno é submetido. Daí a importância do ambiente
construtivista que defendemos, o qual eleva o aluno à condição
de elemento individual e único no que respeita ao modo como apreende
o conhecimento, mas, ao mesmo tempo, também à condição
de elemento social porque dependente do meio que o circunda e do modo como
com ele interactua.
Se é um
facto que os novos currículos formais do 1º ciclo do sistema
de ensino português, só por si, não serão obstáculo
a esta viragem na forma de encarar as práticas lectivas dos professores
desses níveis etários, crê-se que não será
tarefa fácil proceder a grandes mudanças num futuro próximo.
É que outros aspectos são por demais importantes e não
têm sido suficientemente cuidados. É o caso, por exemplo,
da formação prévia dos professores, e da reflexão
à volta do que deverá ser feito para promover a motivação
dos alunos para novas aprendizagens. No que se refere a este aspecto, é
importante a decisão que muitas vezes cabe ao professor, em currículos
flexíveis como são os que nós defendemos, sobre o
que deve ser trabalhado com os alunos e de que forma deve ser trabalhado,
de modo a despertar-lhes o interesse e a vontade de descobrirem cada vez
mais o mundo que os rodeia.
De modo algum
deve, também, ser esquecido o desenvolvimento psicológico
actual dos alunos, pese embora o facto de hoje se dar igualmente muita
importância à sua área de desenvolvimento potencial
numa perspectiva vygotskiana. Sabendo que, nas idades correspondentes ao
primeiro ciclo, as crianças ainda não atingiram um estádio
de desenvolvimento correspondente ao das operações formais,
há que lhes proporcionar actividades ao nível do concreto,
do seu quotidiano, de forma a que não se sintam incapazes de reflectir
e trabalhar sobre elas. A ciência apresenta enormes potencialidades
que permitem envolver o aluno activamente, interessando-o pela sua própria
aprendizagem.
Sabe-se que o ensino experimental das ciências,
particularmente a níveis mais avançados do que o do primeiro
ciclo do ensino básico, tem sido bastante investigado no sentido
de comparar os seus resultados com os obtidos por métodos de ensino
não experimentais. As conclusões estão muito aquém
das expectativas. De facto, pesquisadores como Coulter (1966), Siegal &
Raven (1971), Hofstein & Lunetta (1982), Araújo (1985) e Glasson
(1989), referidos por Frade (2000, p. 37), consideram que, por exemplo,
no que se refere a conhecimento conceptual, compreensão e aplicação
dos processos de ciência e aquisição de atitudes positivas
face à ciência, não têm sido reveladas melhorias
significativas nos alunos das escolas secundárias quando são
submetidos a actividades experimentais. Este resultado não surpreende
se for tido em conta o facto de as actividades experimentais continuarem
a ser encaradas numa perspectiva fechada, condutista, na base de guiões
tipo receita, «deitando-se por terra», deste modo, as enormes
potencialidades deste tipo de actividades.
O professor que
pretende explorar as actividades experimentais para que os seus alunos
aprendam a ciência de um modo mais significativo, e para o desenvolvimento
neles das mais variadas capacidades que serão fundamentais no seu
futuro (Trowbridge e Bybee, 1990, p. 239 e 240), terá de criar um
ambiente construtivista de aprendizagem e adoptar estratégias investigativas.
Pensa-se que este ambiente favorecerá os alunos dos mais variados
graus de ensino.
O ensino experimental das ciências nos níveis
mais baixos de escolaridade também tem sido motivo de investigação
em vários países, a avaliar por obras como as de Charpak,
1999, Driver et al., 1994, Driver, Guesne e Tiberghien, 1996, entre outras.
Da leitura de alguns trabalhos sobre esta vertente muito sensível
do ensino das ciências, partilha-se das opiniões de vários
investigadores, como Brickman e Taylor (1996), acerca da aprendizagem pela
via da acção e reflexão. Esta desenvolve nos alunos
capacidades e atitudes que vão muito para além do que se
consegue com o ensino tradicional, em que o aluno era encarado como um
receptáculo mais ou menos passivo de conhecimentos. Nesta linha,
preconiza-se que o aluno seja orientado no sentido de exprimir as suas
ideias, planear, prever, executar e rever procedimentos e essas ideias.
Muito importante, também, é escutar os alunos. Tal como afirma
McCallum (2000), observar, esperar, ouvir e questionar é uma sequência
útil a seguir. Ouvindo o que os alunos dizem, melhor se poderá
entender como pensam, como vão construindo os seus conhecimentos,
e melhor se poderão orientar e ajudar a enriquecer os seus modelos
mentais.
O «trabalho de campo»
Foi nesta perspectiva construtivista e investigativa,
previamente discutida, acordada e tornada adaptável a crianças
de 8 a 10 anos e às condições reais em que elas iriam
ser ensinadas, que se baseou o trabalho levado a cabo numa turma do 1º
ciclo do ensino básico durante uma investigação com
crianças do último ano desse ciclo (Matos, 2000). Apesar
de a investigação efectuada ao longo de um ano lectivo dever
ser considerada eminentemente qualitativa, foi desenvolvido durante o trabalho
de campo um plano quase-experimental, de acordo com a designação
de Campbell e Stanley (in Silva e Pinto, 1986), com características
investigação-acção. O plano consistiu em aplicar,
como tratamento, numa turma experimental, um ensino de índole construtivista
e investigativo, enquanto que em outra turma semelhante, a de controlo,
se aplicou o ensino tradicional, sem qualquer actividade experimental e
sem qualquer preocupação de criar o ambiente construtivista
atrás caracterizado. Nesta turma os alunos limitaram-se a dialogar
com o professor sobre o tema e a realizar algumas actividades de papel
e lápis. Trabalhou-se com um total de 33 alunos repartidos por duas
turmas, sendo que uma realizou actividade experimental (TE) na perspectiva
atrás referida (17 alunos) e a outra (TC) não (16 alunos).
Num estudo prévio com as duas turmas, elas revelaram características
muito semelhantes (no que se refere à origem sócio-económica
dos alunos e, em particular, ao seu rendimento escolar anterior). Por aplicação
de um pré-teste de conhecimentos, obtiveram-se os seguintes resultados:
Médias Globais das Turmas TC e TE
Turmas
|
Pré-teste (%)
|
TC
|
50
|
TE
|
48
|
Durante as actividades
realizadas com a turma experimental houve oportunidade de descobrir os
modelos que os alunos possuem acerca dos conceitos trabalhados e que foram,
entre outros, os seguintes: densidade, dissolução, magnetismo,
atracção, repulsão, fusão e evaporação.
A concepção e realização dessas actividades
procurou «retirar força» a modelos naturais dos alunos,
mas que se consideram cientificamente incorrectos.
Na impossibilidade de relatar aqui todas as actividades
realizadas ao longo dos oito dias de aulas integradas na pesquisa (com
uma duração de 120 minutos cada uma), limitar-nos-emos apenas
a descrever uma delas, sobre o tema magnetismo, desenvolvida na turma experimental.
Pretendemos assim ilustrar algumas das características atrás
defendidas para o ambiente construtivista e investigativo, em particular
o papel fulcral dos alunos como organizadores do seu conhecimento, mas
também a função fundamental do professor como mediador,
orientador e facilitador das aprendizagens. Este desempenho docente foi
assumido pelo pesquisador que, na presença dos professores das turmas,
foi ao mesmo tempo um observador participante e pronto a registar observações
recolhendo os dados necessários para, posteriormente, serem interpretados.
Há que adiantar, desde já, que de um modo
geral os alunos participaram com entusiasmo e interesse nas actividades
que lhe foram propostas. O ensino experimental de carácter construtivista
e investigativo (que atrás genericamente procurámos caracterizar)
e adaptado às crianças do 1º CEB e às condições
em que trabalham foi alargado a outras turmas. A conclusão de um
estudo de opinião feito junto dos 17 professores do 1º ciclo
do ensino básico, envolvidos no ensino experimental das ciências
nestas condições, foi a de que as actividades desenvolvidas
contribuíram inequivocamente para a motivação dos
alunos para o estudo da ciência tendo-se reflectido positivamente
noutras áreas de aprendizagem.
A grande maioria das opiniões destes professores
foram a favor do reconhecimento da importância do ensino experimental
das ciências (94,1%), bem como da sua adequação ao
1º CEB (95,1%). E também uma larga maioria (86,1%) destes mesmos
professores pronunciaram-se a favor da necessidade de introdução
de práticas pedagógicas com estas novas características,
conduzindo a estratégias susceptíveis de concorrer para o
desenvolvimento de aprendizagens mais significativas nos alunos.
Tal como prometemos, passamos agora a ilustrar parte
de uma das actividades realizadas, a que foi dedicada ao magnetismo. Pretendemos
que esta ilustração concretize, na medida do possível,
os aspectos atrás referidos e que devem ser tidos em conta nas actividades
experimentais construtivistas e investigativas. E dizemos que se trata
de uma parte apenas, porque, além da que vamos descrever, o estudo
do magnetismo ainda foi complementado com actividades de construção
de uma bússola e de magnetização de materiais. Para
esta e para todas as outras actividades houve a preocupação
de passar em revista investigação anterior feita sobre o
ensino dos mesmos temas.
Actividade sobre o magnetismo
Esta actividade foi preparada após a consulta de alguns trabalhos
sobre o magnetismo, tais como Barrow, 1987, Driver et al. 1994, Borges,
1996 e Greca e Moreira, 1996. A actividade envolveu materiais ferromagnéticos
e não ferromagnéticos.
1ª fase (envolveu a turma experimental
e a de controlo):
Esta fase destinou-se a pesquisar os conhecimentos
dos alunos das duas turmas à partida, relativamente ao comportamento
magnético de alguns materiais.
Deu-se o nome de uma série de materiais (metais
e não metais) e os alunos identificaram os que pensavam que eram
atraídos por um íman.
Resultado: 52,9% dos 17 alunos da
turma experimental consideraram, erradamente, todos os metais como sendo
ferromagnéticos, contra 50,0% dos 16 alunos da turma de controlo.
2ª fase (envolveu apenas a turma experimental):
Nesta fase, que envolveu apenas a turma experimental,
desenvolveu-se a estratégia construtivista e investigativa. Foram
identificados, pela via experimental, materiais ferromagnéticos
de entre vários materiais.
Com a finalidade de ilustrar o papel mediador do professor,
enquanto dinamizador da actividade reflexiva dos alunos e das suas negociações
de ideias na sala de aula, como é timbre do ambiente construtivista
e investigativo atrás caracterizado numa perspectiva geral, transcrevem-se,
seguidamente, excertos do diálogo mantido com um grupo de
alunos durante uma aula (Matos, 2000), utilizando as seguintes siglas:
Inv
Professor investigador e observador participante; CO Comentários
do observador participante.
Inv- No vosso porta lápis têm muitos objectos!...
Alguns são de quê? Digam lá.
Alunos
O lápis é de madeira mas... e a borracha é de quê?
É de borracha!...Também tenho uma régua...
Inv
Os materiais que tendes estão soltos ou presos uns aos outros?...
Alunos-
Estão soltos, pois... podemos prendê-los com fita cola ou
com um elástico...
Inv
Sem fita cola nem elástico...acham que se podem colar dois materiais
sem nada disso?...
Alunos
Não... se calhar podemos...
Eu
acho que sim, eu tenho umas coisas no meu frigorífico que colam
lá papéis...
Ah!
É um íman!...também tenho disso na minha casa, no
meu frigorífico...O íman agarra o ferro mas o plástico
não!
Inv
Não o quê?...
Aluno
O plástico não agarra o íman....se eu puser assim,
faz de conta que isto é o íman, o plástico não
agarra...o íman não puxa o plástico.
CO
O aluno exemplifica, com dois objectos quaisquer, o que está a
dizer.
Inv
Sabem como se diz de outra maneira em vez de agarrar? É atrair...
Então mas a porta do frigorífico é de quê? Não
é de plástico?...
Alunos
Deve ser de ferro só que está pintado, não se vê...
ou de metal...
Inv
E se fosse de ouro ou de prata?...
Alunos
Era igual, agarrava na mesma...
Inv
Como podemos descobrir?...
CO
O planeamento é fácil e de imediato se distribuem alguns
materiais e um íman sem se identificar nada. Entretanto, por sua
iniciativa, alguns alunos vão testando tudo o que têm ao alcance.
Durante a verificação de algumas moedas, do ouro e da prata
desconfiam do seu íman...alguns deles pedem para trocar e outros
vão experimentar com o do grupo ao lado! Um aluno diz que o íman
dele perdeu força...
Inv
E o cobre?...sabem o que é o cobre?
CO-
Verifica-se que nenhum aluno sabe o que é. É-lhes mostrado
um fio eléctrico que é descarnado junto deles...e que vão
testar com o íman.
Alunos
O meu íman não dá, perdeu força. Empresta-me
o teu
Não...também
não...mas então é como o ouro e a prata...o plástico...
A
agulha era....então mas o ouro também é metal!...pois....então...mas
eu pensava que eram os metais todos....e agora? Como é que escrevemos
na tabela?...então não dá quase nenhum....Ó
professora... (acrescentando o nome) o meu afiaé....e isto......isto
não (CO - Enquanto mostram os materiais que estão
a experimentar)....
Inv
Que descobriram? ...
Alunos
Eu pensava que o ouro era...
...e
eu também....mas o ouro é metal....
Inv
Todos os metais são atraídos pelo íman? Como o alumínio
que é usado em folhas onde alguns embrulham o lanche....
Alunos
Não!...só o alfinete, o ferro, a......então a agulha
é de ferro....e o meu gancho também....
Mas
o alumínio também é metal? Eu acho que não,
ele é mole, dá para amachucar...
Aluno
Olhe professora, a mesa é de madeira e dá
CO
Um aluno coloca o íman sob o tampo da mesa e vê o efeito
sobre alguns materiais ferromagnéticos que sobre ela se encontram;
outros alunos o seguem.
Inv
Então e o teu lápis de pau também dá?
Aluno
Não
mas já sei, a madeira deixa passar a força
do íman
Inv
Épreciso encostar o íman aos objectos para isso acontecer?
Alunos
Não, mas se for muito longe não dá
Alunos investigando o magnetismo
Alunos confrontando e organizando resultados
3ª fase (envolveu a turma experimental
e a de controlo):
Nesta
fase procurou-se comparar o sucesso dos alunos das duas turmas, a que foi
submetida ao ensino construtivista e investigativo e a que foi sujeita
ao ensino tradicional sem essas características, em que os alunos
não contactaram, directa ou indirectamente, com qualquer material
experimental.
Deu-se o nome de uma série de materiais (metais
e não metais) e os alunos identificaram os que pensavam que eram
atraídos por um íman.
Resultados: 43,8% dos 16 alunos da turma de controlo
identificaram, erradamente, todos os metais como sendo ferromagnéticos
contra 5,9% dos 17 alunos da turma experimental.
4ª fase: A interpretação
Não foi
surpresa para nós que as crianças reunissem,
a priori,
todos os objectos metálicos, sejam eles ferromagnéticos ou
não, como os que são atraídos por um íman.
Os nossos alunos do secundário fazem o mesmo e até muitos
adultos que conhecemos.
Pensa-se que o modelo mais simples e mais geral de magnetismo
é o que associa magnetismo a atracção, muitas vezes
sem lhe ser associado um determinado tipo de material. Um modelo mais particular,
mas também bastante generalizado, é o magnetismo associado
à atracção de todos os metais (a este propósito
é significativo o comentário de um aluno, mas eu pensava
que eram todos os metais, a qual foi apoiada por muitos dos seus colegas).
Estes modelos são interiorizados nas crianças por força
do meio social em que se inserem e é natural que o que vêem
suceder com o ferro, um metal bastante vulgar e representativo, seja extrapolado
mentalmente para todos os outros metais.
O íman foi identificado pela propriedade que
lhe era atribuída pelos alunos, a capacidade para atrair (todos
os metais, pensavam eles). Parece-nos que este era o modelo que os alunos
tinham de íman. Um só objecto de material ferromagnético,
entre outros, foi suficiente para essa identificação. Ao
observarem a não atracção de todos os metais, os alunos
ficaram perplexos e, apelando para atributos internos do íman, justificaram
a não atracção pela perda de força do mesmo
(a este propósito são significativas afirmações
semelhantes à seguinte: o meu íman perdeu força).
A primeira opção de muitos alunos não foi, portanto,
duvidar das propriedades magnéticas dos objectos metálicos
não ferromagnéticos com que trabalharam. Entretanto, outros
alunos revelaram o conflito das observações experimentais
com a sua previsão, traduzindo-o em frases como a seguinte: eu
pensava que todos os metais eram atraídos!.
A ideia de que todos os metais são atraídos
por um íman parece-nos bastante enraizada e verifica-se que prevaleceu
para os 16 alunos da turma de controlo, submetidos ao ensino tradicional.
Para os 17 alunos da turma experimental, submetidos ao ensino experimental
de cariz construtivista e investigativo, a confrontação dos
seus modelos mentais com a evidência experimental terá levado
grande parte deles a reconstruir um conhecimento que tinham como certo.
Quando com alguns metais, como o ouro ou a prata, não
se verificava atracção, alguns alunos queriam mudar de íman
pois consideravam que o deles não funcionava (veja-se, a título
de exemplo, a afirmação de um aluno: o meu
perdeu força.
Empresta-me o teu). O seu descrédito terá a ver com
o facto de a experiência contradizer o que sempre pensaram, ou seja
não estar de acordo com o seu modelo mental de magnetismo (associado
à atracção de todos os metais).
O termo «atrair» não é um
lugar comum no vocabulário dos alunos, sendo muito mais vulgar entre
eles o verbo «agarrar», mais usado no dia a dia em contexto
paralelo ao que se observa com o íman.No entanto, crê-se que
o significado desse vocábulo acabou por ficar conhecido, após
os alunos serem sensibilizados para o facto de que quando o íman
atrai os objectos à distância, estes não ficam agarrados
no sentido de contactarem com o íman. Aqui ressalta o poder da linguagem
e a sua influência na aprendizagem, a que de modo algum se pode estar
indiferente.
Com a possibilidade de movimentar alguns objectos à
distância, por acção do íman, acabou por ficar
presente, nos alunos submetidos ao tratamento experimental de índole
construtivista e investigativo, a ideia da existência de uma área
de influência à volta dele e, inclusive, da inexistência
de um alcance ilimitado para essa área. Esta ideia corresponde,
em si mesma, a um conceito muito primitivo de campo. Os alunos, obviamente,
não lhe chamaram campo. Identificaram-no com uma força
(veja-se, para exemplificar, a seguinte afirmação: a
madeira deixa passar a força do íman), força
essa que actua à distância, mas não a uma distância
qualquer (mas se for muito longe não dá). É importante
realçar aqui a similaridade entre o pensamento manifestado pelos
alunos e o pensamento científico clássico de acção
misteriosa a distância.
Julga-se ter contribuído para diminuir a força
do modelo magnetismo
versus atracção de todos os metais,
mas não o modelo magnetismo
versus atracção.
Conclusão
Esta comunicação tem duas partes. Na primeira parte foram
feitas algumas considerações acerca das actividades experimentais,
e a defesa de abordagens a essas actividades que sejam construtivistas
e investigativas, as quais procurámos caracterizar com clareza.
A segunda parte diz respeito a uma pesquisa em sala de aula tendente a
pôr em prática as ideias previamente e globalmente estabelecidas,
convenientemente adaptadas à realidade de uma sala de aula com crianças
do 4º ano de escolaridade básica.
Estamos conscientes das mais variadas limitações deste trabalho,
em particular da pesquisa efectuada na sala de aula, a começar pela
dimensão e escolha da amostra, que limitou imenso a validade externa
da referida pesquisa. Mas é animador o facto de os alunos da turma
experimental terem revelado um enriquecimento conceptual nitidamente maior
do que os da turma de controlo em todos os conceitos que foram trabalhados
nas aulas (os de densidade, de magnetismo, dissolução, etc.)
. Os resultados obtidos por aplicação de um pós-teste
de avaliação de conhecimentos, após a turma experimental
ter sido submetida a actividades experimentais construtivistas e investigativas
e após a turma de controlo ter sido sujeita a um ensino não
experimental sobre os mesmos assuntos, revelaram que, de facto, os alunos
submetidos ao ensino experimental apresentaram um melhor desempenho. O
seguinte gráfico apresenta o percurso evolutivo das duas turmas
do pré-teste ao pós-teste:
O maior insucesso da turma
de controlo no pós-teste ficou a dever-se, na opinião de
todos os professores que acompanharam o processo, ao maior nível
de dificuldade médio desse instrumento relativamente ao pré-teste.
A reflexão que aqui deixamos aponta para o facto
de que as actividades experimentais de cariz construtivista e investigativo
ajudam os alunos a aprender melhor os conceitos ao facilitarem a actividade
de pesquisa sobre várias questões com eles relacionadas e
ao colocarem-nos na situação de construtores activos do seu
próprio conhecimento, num ambiente de trabalho de cooperação
ao nível do grupo e ao nível da turma, e em que a avaliação
está perfeitamente integrada na aprendizagem possuindo uma forte
componente formadora.
No caso concreto dos alunos do 1º ciclo do ensino
básico, com que realizámos a componente prática desta
pesquisa, estas actividades deverão envolver situações
a nível do concreto e na medida do possível voltadas para
acontecimentos do quotidiano. Deste modo, acreditamos, os alunos serão
melhor preparados para a vida futura.
Os melhores resultados alcançados pelos alunos
da turma onde se ministrou um ensino experimental, num ambiente construtivista
e investigativo, confirmaram as nossas hipóteses formuladas com
base na literatura educacional (como, por exemplo, Brickman e Taylor, 1996)
acerca deste tipo de ensino. Ele contribui não só para melhorar
os conhecimentos dos alunos modificando e enriquecendo os seus modelos
mentais no sentido da aproximação aos modelos compartilhados
pela comunidade científica, como também para adquirirem diversas
capacidades que lhes serão extremamente úteis pela vida fora.
Apesar das limitações inerentes à
componente de pesquisa na sala de aula, o estudo teórico e experimental
que efectuámos e a experiência que acumulámos ao longo
de muitos anos de ensino levam-nos a acreditar que tem um efeito positivo
sobre a aprendizagem o envolvimento activo dos alunos em actividades de
aprendizagem em ambientes construtivistas e investigativos com as características
que foram aqui referidas e, em parte, exemplificadas.
No que respeita ao professor, pensamos que a sua opção
por actividades como estas proporciona-lhe conhecimento e compreensão
dos interesses e dificuldades dos seus alunos e, com isso, sai bastante
enriquecido e em condições de contribuir mais e melhor para
introduzir melhorias no processo de ensino e aprendizagem.
O fomento de um espírito científico, aberto
e autocrítico é um dos papéis fulcrais das actividades
experimentais e particularmente conseguido quando elas são concebidas
nos moldes que aqui defendemos. Consideramos que as actividades experimentais
nestes moldes alertam os alunos para a necessidade de procurarem alicerces
sólidos, de confirmação ou não, para muito
daquilo que pensam saber. De alguma forma combatem o seu dogmatismo natural,
prevenindo-os contra a ideia de que são detentores da verdade absoluta,
e que, portanto, têm que admitir que podem estar enganados acerca
de muitos dos conhecimentos que têm como certos.
A terminar, reconhecemos a dificuldade em clarificar
ao nível do 1º ciclo do ensino básico alguns conceitos
exigentes, como é o caso do conceito de densidade, mas também
acreditamos que a actividade experimental adequada alicerçada em
ferramentas metacognitivas, como é o caso, por exemplo, dos mapas
conceptuais, será o melhor modo de atingir essa clarificação.
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