DO RELATIVISMO NO ENSINO DE FÍSICA AO 
OBJETIVISMO NA FÍSICA 
(From relativism in physics education to objectivism in physics)
 
Carlos Eduardo Laburú
Depto. de Física, Universidade Estadual de Londrina
CEP 86051-970, Cx. P. 6001, Londrina, PR
laburu@uel.br
 
Marcos Rodrigues da Silva
Depto. de Filosofia, Universidade Estadual de Londrina
CEP 86051-970, Cx.P.6001, Londrina, PR
marcosrs@uel.br
 
"... ao dizermos que não nos interessamos pela filosofia, o que estamos provavelmente a fazer é substituir por uma filosofia explícita, uma filosofia implícita, por isso, imatura e incontrolada."
Mario Bunge ( 1973, p. 11)
 
Resumo

Analisaremos, neste trabalho, o contraste entre o construtivismo no ensino de física e o objetivismo metodológico da física. Faremos ver que muitas das perspectivas pedagógicas, epistemológicas e ontológicas construtivistas encontram-se no centro das críticas de parte da literatura em educação científica. Mostraremos também que as críticas, particularmente, epistemológicas e ontológicas são sustentadas por eminentes físicos. Nossa preocupação principal, concentrar-se-á nos aspectos construtivistas que transferem pressuposições de caráter epistêmico e ontológico do processo de ensino-aprendizagem, de estatuto relativista, para a compreensão da própria natureza do desenvolvimento do conhecimento científico. Por final, tentaremos ver em que medida não é necessário o comprometimento com uma epistemologia realista a fim de tornar a postura objetivista na física sustentável.
Palavras-chave: construtivismo; relativismo; objetivismo; ensino de Física

 

 
Abstract

In this paper, we shall analyse the contrast between constructivism in the physics teaching and methodological objetictivism about physics. We will show that many pedagogical, epistemological and ontological constructivist perspectives are at the core of criticism of science education literature. We will also show, particularly, that the epistemological and ontological criticism is supported by eminent physicists. Our main concern will concentrate on relativist statute aspect of constructivism, that transfer epistemic and ontological presuppositions of learning-teaching process, to an understanding of the nature of development of the scientific knowledge. Finally, we will try to see in what manner it is not necessary to compromise with a realistic epistemology in order to make the objectivist posture defensible in physics.
Key-words: constructivism; relativism; objectivism; physics education.

Introdução

As pesquisas a respeito do conhecimento e das crenças dos professores rapidamente têm crescido nas últimas décadas e agora constituem-se em áreas substanciais de investigação, tratando dos diversos fatores influentes no processo de ensinar (Calderhead, 1996, Fang, 1996). Em particular, pesquisadores da área de ensino de ciências, igualmente, vêm, há um certo tempo, inquietando-se a respeito das concepções de professores e alunos relativas à função social da ciência (Solomon, 1991), ao estereótipo que os aprendizes fazem do cientista (Williams, 1990) ou, ainda, da natureza e do papel da ciência e o seu impacto no ensino de ciências (Songer & Linn, 1991; Abell & Smith, 1994; McComas et al., 1998; Nott & Wellington, 1998; Robinson, 1998; Newton & Newton, 1998; Smith & Schrmann, 1999; Irwin, 2000). No que toca especificamente ao professor que ministra uma determinada disciplina científica, faz parte das variadas preocupações subjacentes a estas pesquisas, aquela que procura levar em consideração a necessidade de garantir, como parte do horizonte cultural do professor de ciências, respostas às questões do tipo: qual a origem do conhecimento científico, quais são os seus mecanismos de transmissão, procedimentos de validação e métodos que o respaldam, quais as diferenças e semelhanças entre a disciplina científica específica ensinada pelo professor e as demais, ou, entre estas e as de outras áreas de conhecimento. Estas pesquisas, consequentemente, vêem a importância deste profissional dominar com competência, não só o conteúdo que lhe cabe ensinar, juntamente com os métodos didáticos associados à sua disciplina, mas, também, entendem como sendo necessário para a qualidade profissional do mesmo, que o professor tenha consciência e posição formada a respeito das questões aqui mencionadas, entre outras, pertinentes a sua disciplina. E nesse sentido, as pesquisas anteriores contribuem de maneira significativa para uma tomada de consciência e uma reflexão por parte do professor sobre esses temas.

Dentro dessa linha de raciocínio, temos em conta que o professor, ao inclinar-se inconscientemente por uma teoria específica de ensino-aprendizagem, muitas vezes não percebe que a teoria por ele utilizada tem como pano de fundo um conjunto de pressupostos, entre os quais, por exemplo, uma visão da natureza do conhecimento humano, de como esse conhecimento é adquirido, aperfeiçoado e aprendido por cada geração. Particularmente, em relação à educação científica, interesse principal da nossa reflexão, acreditamos que estas questões deveriam fazer parte das preocupações dos professores de ciências, pois toda a prática docente reflete uma postura epistêmica da forma como o conhecimento é apreendido. Mas, infelizmente, o que de fato se constata, para a grande maioria dos professores, é que as suas ações pedagógicas e as suas relações com o conhecimento da disciplina por eles ministrados, são, fundamentalmente, baseadas em decisões e ações irrefletidas, imaturas, quando não preconcebidas intuitivamente (1). Talvez, uma razão óbvia para a existência deste elevado perfil, encontre-se nos cursos de formação de professores, restritos aos conteúdos da disciplina de formação, às teorias didático-pedagógicas correspondentes, estando raramente preocupados e, por isso, dedicando uma carga horária insuficiente, com a meta-análise filosófica da própria disciplina de formação, assim como com o processo epistêmico subjacente à prática pedagógica adotada.

Como resultado destas colocações, este trabalho pretende localizar, sinteticamente, as controvérsias filosóficas e pedagógicas construtivistas que estão no palco da discussão atual e que alicerçam tanto a visão da ciência quanto o ensino de suas disciplinas. Iniciando pela oposição ao empirismo-positivismo, feita pelo relativismo construtivista, faremos ver, a partir de então, as críticas a esse relativismo, principalmente quando certos construtivistas transferem pressuposições epistêmicas e ontológicas do processo de ensino-aprendizagem de estatuto relativista para a compreensão da própria natureza do desenvolvimento do conhecimento científico. Para isso, numa primeira instância, procuraremos deixar visível as críticas às pretensões filosóficas e pedagógicas construtivistas de autores importantes que pensam a educação científica. Num segundo momento, respaldando as posições destes autores, apresentaremos alguns pensamentos de singulares, mas, eminentes cientistas, alguns deles "físicos-nobeis" - logo, personalidades que tiveram destaque real e, sem dúvida, efetivo no avanço do conhecimento da humanidade, em particular, da física, que será a ciência de interesse destas discussões -, cuja visão sobre a ciência de sua especialidade vai bem de encontro ao relativismo construtivista.

Ao passar por esta leitura, espera-se que o professor atuante, que talvez não tenha ainda se defrontado com as questões aqui colocadas, inicie um processo reflexivo sobre elas e reavalie as suas possíveis crenças. Igualmente, este artigo objetiva, em certa medida, contrapor-se à constante "propaganda" imprimida pelo perfil relativista do movimento construtivista, que vem influenciando a atual geração de professores, transcendendo os limites a que se destinou originalmente, ou seja, o de ser uma frente pedagógica, com interessantes implicações didáticas localizadas, contrária aos empiristas e comportamentalistas do didatismo tradicional ou ingênuo.

 

Bases Epistemológicas e Ontológicas do Construtivismo

Nesta seção indicaremos, sinteticamente, as principais bases filosóficas do construtivismo, que muito vêm influenciando o ensino de ciências. Durante a exposição, não nos preocuparemos em fazer distinção entre as diversas vertentes construtivistas, entre elas, principalmente, a radical e a social. A primeira, é melhor identificada com as idéias de Glasersfeld (Nola, 1997; Geelan, 1997; Matthews, 1994), cuja inspiração tem marca piagetiana; a segunda, toma por base as idéias vygotskianas. Também lembramos que na literatura presencia-se outro eixo construtivista, denominado sociológico, que ignora os mecanismos psicológicos, fundamento dos primeiros, e que se centra nas circunstâncias sociais extra individuais, que determinam as crenças dos indivíduo. Formas extremas deste construtivismo alegam que a ciência não é nada mais do que uma construção intelectual humana, comparável à construção literária ou artística, deixando de apresentar um caráter de verdade (Matthews 1994, p. 138). O conhecimento científico é visto como um tipo de conversação e uma prática social, sem preocupação de qualquer relação com a natureza (Rorty 1979, p. 171). No decorrer da exposição veremos que estas proposições, num certo sentido geral, sintetizam a pregação construtivista.

Para iniciar a discussão, é possível estabelecer que o construtivismo preconiza uma tentativa de afastamento da tradição filosófica de senso comum de leigos e cientistas que propõem, primeiramente, que o conhecimento deve ser uma representação da realidade. Por realidade, entende-se um mundo independente a ser ou já vivenciado, que postula a existência de objetos observáveis ou não, como entidades autônomas em relação às atividades mentais. A título de exemplificação, uma afirmação realista seria: "há coisas lá fora ainda que nós não estejamos percebendo ou teorizando algo sobre elas" (Nola 1997, p.70). Os construtivistas, contrariamente, defendem uma posição oposta a essa. Para eles, o reino natural não é preexistente, mas constituído pelas nossas indagações; em vez de ser dirigido por um método científico racional, estas indagações tomam forma em virtude dos vários fatores e processos individuais ou sociais. Segue disto, que o mundo natural preexistente tem um pequeno ou nenhum papel na construção do conhecimento científico (Phillips 1997, p.89). No entender de Nola (1997, p.71), Glasersfeld, no entanto, não propõe a afirmativa ontológica de que não há realidade que transcenda a experiência. Ele adota, sim, a tese céptica epistemológica de que nós não podemos conhecer qualquer realidade além da experiência e que nunca poderemos saber se a realidade apresenta as entidades postuladas pelas nossas teorias - tudo o que podemos conhecer é o que a natureza nos entrega. Isto leva a um afastamento do conceito tradicional rígido de verdade, ao acreditar que uma idéia, teoria ou qualquer construção conceitual é uma representação acurada de algo que supera o campo vivencial (Glasersfeld, apud Nola 1997, p.70). O que existe e o que podemos dizer, é que a verdade é relativa às estruturas conceituais que cada um de nós constrói, tendo cada pessoa acesso apenas às suas próprias experiências. Tais teses levam o construtivismo além do empirismo para o relativismo (Nola 1997, p. 73).

Na próxima seção, trabalharemos mais estas idéias, na medida em que as diversas críticas que estão sendo feitas a essas e a outras colocações filosóficas, e suas conseqüências pedagógicas, forem apresentadas. Antes, porém, para efeito de comparação, comecemos com as proposições sustentadas pela aprendizagem por descoberta ou investigação, adotadas pela comunidade de educação científica nos anos 60, à qual o construtivismo procura se opor. Como poderemos ver, enquanto o construtivismo afasta-se definitivamente dos compromissos epistemológicos e ontológicos do didatismo tradicional, tal não foi o caso para a aprendizagem por descoberta, onde, segundo Matthews (1994, p.147), "fundamentos arriscados são revividos", tais como, apreensão do conhecimento isoladamente e através da observação direta. As proposições desta última se resumem em (ibid.):

 

As teses da aprendizagem por descoberta se aproximam, em muitos pontos, das teses construtivistas sustentadas por Glasersfeld. No entanto, estas últimas têm a sua origem na psicolinguística, psicologia cognitiva e nos trabalhos de Piaget, e dão sustentação, sob o ponto de vista ontológico e epistemológico para a maioria das afirmações construtivistas que se encontram na literatura. Matthews (1994) resume essas teses em dez proposições:

 

  1. O conhecimento não se refere a um observador independente do mundo.
  2. O conhecimento não é uma representação do mundo; pensar que as teorias correspondam a ele é um equívoco.
  3. O conhecimento é criado pelos indivíduos, num contexto histórico e cultural.
  4. Conhecer é um processo de adaptação que organiza o nosso mundo da experiência. Não há a descoberta de um mundo independente e preexistente fora da mente. Portanto, não há uma realidade ontológica.
  5. O conhecimento é ativamente construído por um sujeito que pensa e não passivamente recebido do ambiente.
  6. O conhecimento é constituído pela estrutura conceitual dos indivíduos.
  7. As estruturas conceituais constituem conhecimento quando os indivíduos as consideram como viáveis em relação às suas experiências: o construtivismo é uma forma de pragmatismo.
  8. Não há uma estrutura conceitual epistêmica preferencial.
  9. O conhecimento é o ordenamento apropriado da realidade vivencial.
  10. Não há uma realidade extravivencial racionalmente acessível.
 

Ademais, o construtivismo adota muitas teses pós-positivistas da filosofia da ciência como se pode ver (Garrison, apud Matthews 1994, p.140):

 

  1. As proposições observacionais são sempre dependentes de um sistema teórico particular. Há uma diferença entre "estar vendo" e "estar vendo como". Esta última - uma proposição observacional - é dependente da linguagem e da teoria.
  2. Numa teoria, a distinção entre termos observacionais e teóricos somente pode ser feita sob bases pragmáticas e não sob bases epistêmicas.
  3. As observações, por si próprias, são dependentes ou determinadas teoricamente; o que as pessoas notam é influenciado pelo que elas querem ver ou pelo que elas consideram como relevante para uma investigação.
  4. As teorias são sempre sub-determinadas pela evidência empírica, não importando quanta evidência tem-se acumulado. Para qualquer conjunto de dados, inúmeras teorias que impliquem naqueles dados podem ser construídas; para todo conjunto de pontos experimentais sobre um gráfico, qualquer número de curvas pode ser desenhado sobre eles.
  5. As teorias são imunes à contra prova ou falsificação empírica porque é sempre possível fazer ajustes para acomodar a evidência discordante; não há experimentos cruciais na ciência.
  6. No que diz respeito às idéias de Glasersfeld, especificamente em relação à aquisição da linguagem, há o reconhecimento desse autor de que a linguagem é um instrumento para a formulação do conhecimento. Este último, é formado por conceitos, que por sua vez pressupõem palavras. Estas transmitem o significado, que subentende uma comunidade que as usa (Matthews 1994, p. 153). A aquisição da linguagem é fundamentalmente um ato privado, onde os conceitos e os significados são basicamente adquiridos por iniciativa individual. Neste sentido, mais três proposições podem ser retiradas do trabalho de Glasersfeld, que se aplicam à linguagem (ibid., p.154):

     

  7. A construção de conceitos e significados pode ser acelerada pela interação social, mas ela é um processo essencialmente individual.
  8. Os elementos da linguagem (idéias, conceitos, palavras e significados) não podem ser transferidos de um usuário a outro.
  9. Mesmo com interação social, os conceitos, idéias e significados precisam ser subtraídos da experiência individual.
Com as principais teses do construtivismo explicitadas, passemos a uma análise crítica das mesmas.

 

Críticas à Epistemologia e Ontologia Construtivista

Partindo dos enunciados da seção anterior resgatemos, então, algumas críticas que estão sendo colocadas às posições construtivistas. As críticas passam não só pelas questões gerais epistemológicas e ontológicas levantadas, mas, igualmente, voltam-se para as conseqüentes implicações pedagógicas mais específicas (2), as quais optamos tratar com mais detalhes na próxima seção.

Para começar, tomemos por base os problemas epistemológicos e ontológicos. É dito que a alternativa construtivista falha epistemologicamente na medida em que representa, de maneira equivocada, a ciência e a sua prática. O construtivismo, segundo Osborne (1996):

 

A posição de Osborne talvez possa ser melhor entendida quando contrastamos as posições filosóficas do construtivismo com a epistemologia que orienta a pedagogia tradicional. Esta, em síntese, é baseada na visão do conhecimento como representação de sucesso da realidade, ou seja, pode-se fazer afirmações sobre o mundo, pois existem proposições verdadeiras sobre o mesmo, quando há razões articuladas para nelas se acreditar. Dessa forma, o conhecimento é distinto da opinião e a racionalidade da ciência é a exigência fundamental para que a razão transite do caminho da evidência para o do conhecimento. O construtivismo, por outro lado, é uma tentativa de afastamento desta visão, resultando no abandono de qualquer papel para a verdade, para a observação, para a realidade de um mundo independente que dê respostas às nossas crenças (Nola 1997, p.74). Primeiramente, conforme a proposição sete (7), substitui o conceito de verdade pelo de viável, conceito vago, capaz de ser interpretado por adaptado (ibid., p.75) (4), reconhecendo o conhecimento como resultado de uma atividade construtiva, que não pode ser transferida para um receptor passivo (5). Logo, a viabilidade é entendida como um conhecimento que se ajusta, se adapta à experiência, e que se mantém coerente com outros entendimentos pessoais ou de um conjunto social mais extenso (3). A busca pela verdade é algo sem sentido, sendo, quando muito, uma questão de fé. A noção de viabilidade construtivista é uma forma de pragmatismo (12) (3), sendo verdadeiro tudo aquilo que funciona, ou melhor, temos uma explicação viável quando ela dá conta das nossas experiências (Wheatley 1991, p.10) (7). Assim, o conhecimento existe somente na mente dos seres cognitivos onde ele é construído, e não pode ser achado, por exemplo, em livros, textos, ou outros meios tradicionais humanos, que, simplesmente, representam símbolos, com uma possibilidade enorme de interpretações (Osborne 1996, p.56-57). Parte-se também da concepção de que o reino natural não é preexistente mas, antes, é construído pelas nossas indagações, e em vez destas serem dirigidas por um "método científico" racional elas tomam forma própria, em virtude dos vários fatores e processos sociais. Segue disto, que o mundo natural preexistente tem um pequeno ou nenhum papel na construção do conhecimento científico (Collins, apud Phillips 1997, p.89). Este, no fundo, é visto como um tipo de conversação e uma prática social, em vez de uma tentativa de espelhar a natureza.

Osborne, contundentemente, critica essas posições epistemológicas, na medida em que elas criam uma dicotomia entre falso e verdadeiro, que é inexistente, pois todo conhecimento é tratado como subjetivo, provisório e incerto. Afirma que a interpretação construtivista posta, não há possibilidade de um caminho intermediário nessa forma de compreender, isto é, um caminho em que o conhecimento iria assintoticamente aproximando-se de uma melhoria e de um crescimento. Nesse sentido, o construtivismo radical é essencialmente instrumentalista, uma forma de pragmatismo, e relativista (8) (4). Instrumentalista, por negar que as teorias científicas tenham valor de verdade e que elas expliquem uma realidade subjacente aos dados experimentais; as teorias científicas seriam meros esquemas lingüísticos ou ficções, que permitiriam fazer previsões sobre as observações, organizando-as de maneira econômica (13). Relativista, por afirmar que a verdade estaria vinculada ao contexto social ou psicológico, no qual estaria inserido o sujeito. Além disso, Osborne aponta que há necessidade de uma consideração mais completa do modo como fazemos julgamentos entre teorias e, por isso, deve haver o reconhecimento de que a nossa linguagem e as nossas idéias estão vinculadas à realidade. Este vínculo se dá por meio de referentes que de fato existem, e que, apesar de não ser possível verificar qual construção imaginada é a correta, podemos, pelo menos, identificar qual é a melhor. Fica difícil para os construtivistas explicar, por exemplo, sobre o que acontece quando as predições de uma estrutura conceitual dão certas ou erradas em um número, às vezes, suficientemente grande de casos, tanto num caso, quanto no outro. Das suas proposições poder-se-ia simplesmente inferir, segundo Nola (1997, p.75), que a estrutura ou é viável ou inviável, respectivamente. Mas isso, possivelmente, apenas mascare uma forma de pensar baseada na confirmação ou falsificação (ibid., p.75), que nos ajuda a escolher a melhor construção. A desconsideração desta prática importante da ciência conduz implicitamente a uma ontologia relativista, como dissemos, em que a viabilidade é igualada à validade, onde qualquer teoria viável tem o seu valor. Osborne dá o seguinte exemplo para amparar os seus argumentos. As concepções de senso comum das crianças satisfazem os critérios epistemológicos do construtivismo de viabilidade, de ajuste com a experiência; esse conhecimento pode, ainda, ser um produto da negociação social em sala de aula. Então, sob que bases esse conhecimento de senso comum é deficiente? Um outro exemplo dado por ele a favor desse argumento, que vai de encontro à plausibilidade de se aceitar o conceito de viabilidade, é ter que vir a reconhecer que todas as nossas doenças causadas por vírus ou pela poluição são meras construções da nossa experiência de estar doente ou saudável (ibid,p.77).

Alguns defensores do construtivismo, ao alegarem que a ciência é um produto cultural (3), distinguível pela sua forma e não pelos métodos utilizados, chegam a negar que ela possua um conjunto de critérios racionais e consistentes para avaliar as teorias frente às evidências, justificando os seus argumentos pelo fato de haver uma constante desconsideração destes elementos, quando da prática científica. Osborne (1996, p.60) contra argumenta dizendo que a constatação de que tais critérios não estejam sempre presentes na prática científica, não significa questionar todo o edifício da ciência. Não é porque existem eventuais similaridades entre a estrutura, o processo de elaboração, de exploração, de divulgação e a dinâmica da formação explicativa entre mitos, dogmas religiosos, pseudociências, etc., e a ciência, que esta se iguala às primeiras em termos epistemológicos e, principalmente, metodológicos. O pensamento científico, evidentemente, é uma construção social, com normas comunitárias estabelecidas por uma comunidade científica. E as normas científicas, diferentemente das normas doutrinárias, são, por essência, potencialmente violáveis por meio da crítica. As suas violações são, contudo, dificilmente aceitáveis e podem, ocasionalmente, resultar no colapso da ordem da prática científica. Mas, a falta de consistência na aplicação das regras, na prática epistêmica, não significa que os cientistas não tenham normas muito bem definidas. Logo, o construtivismo falha, fundamentalmente, no julgamento e no reconhecimento de que é possível haver escolha entre teorias (Osborne, 1996), quando não admite que a comunidade científica se vale de regras para selecionar as melhores teorias das piores (5), mostrando, dessa forma, que o conhecimento científico se diferencia de outras formas de conhecimento (6). Falha, principalmente, em distinguir o objeto do discurso das proposições do discurso. Estas últimas são o resultado de conhecimento anti-intuitivo, sócio-culturalmente construído simbolicamente pela comunidade de cientistas como os conceitos de átomo, evolução genética, velocidade instantânea, referencial, energia, etc., representando teorias e conceitos, que para os construtivistas são afirmações com "utilidade" apenas para alguns propósitos (7). Tal discurso construtivista não se engana, porém, quando enfatiza o truísmo de que a representação científica é um produto da atividade criativa individual humana sócio-construída (3), que está condicionada ou respeita as contingências temporais culturais e históricas (Matthews 1994, p.152). Porém confunde, ao mesmo tempo, o conhecimento produzido, com o conhecimento do objeto. Igualmente para Matthews (1994, p. 142), assim como para Osborne, a não distinção entre objetos teóricos e reais, entre atividades físicas e intelectuais, faz com que os construtivistas abracem, de fato, a tese ontológica idealista (4) ou uma teoria idealista da existência dos objetos, tanto do cotidiano, quanto dos científicos. Esta tese afirma que o mundo natural tem um pequeno papel, se é que existe algum, na construção do conhecimento científico. Para o idealista Woolgar (apud Matthews 1994, p. 141) não há uma realidade independente das palavras, textos, sinais, etc., para apreendê-la, ou seja, a realidade é constituída através do discurso. Consequentemente, lembramos também que Osborne (1996, p.62), em concomitância, critica autores que dão esses tons pedagógicos ditos contrutivistas, quando procuram ilustrar a natureza discursiva do conhecimento científico a partir das representações personalistas e subjetivas das crianças (8). Não há uma consciência de que a atuação da linguagem e do discurso são limitadas, não pela imaginação ou pelas condições culturais, mas pela própria evidência que os cientistas vão juntando, ou como sintetiza esse autor: "podemos pensar no que quisermos, mas não podemos fazer o que quisermos, a natureza sempre limita o nosso discurso"(9). Reforçando, na visão construtivista há um abandono da visão realista, na medida em que se tem um entendimento de que o mundo faz a ciência e não é feito por ela. Em última instância, essa abordagem, ao tratar o conhecimento como primordialmente moldado pelo discurso humano, fica sem ter defesa frente a empreendimentos irracionais da ciência, em que a persuasão e a força do argumento seriam os princípios pelos quais as teorias seriam julgadas. A defesa realista, para tais acusações, está no fato de que os discursos e a veracidade podem ser verificados através de uma cuidadosa contestação das afirmações estabelecidas. Sendo assim, não podemos inventar o mundo de acordo com certas conveniências, sejam particulares ou coletivas. Os fatos, naturalmente, podem ser lidos em função de uma teoria, mas esta, segundo Matthews (1994, p.152), deve ser compreendida como uma criação hipotética humana que, ao contrário do que propõe o programa construtivista, tem seus limites condicionados pela experiência (10). Permanece claro, dessa forma, que o retrato da ciência, como um processo de construção e manipulação de representações, deslocada de uma realidade ontológica, é equivocada.

A tese construtivista (5), que afirma que a realidade não pode ser imprimida na mente do observador (ou do cientista), já era reconhecida pelos realistas, como comenta Matthews (1994, p.142). Para ele, construtivistas como Glasersfeld (1989) se enganam quando não reconhecem que "a ciência não trata com objetos reais ‘em si’, mas com objetos reais que são selecionados pelo aparato teórico da ciência" (ibid., p.142). O conhecimento científico é mediado pelos objetos teóricos idealizados pela ciência. Em outras palavras, Matthews acentua que, apesar do mundo existir e se comportar de maneira autônoma e independente, a ciência inventa os seus próprios objetos intelectuais, que são uma aproximação dos objetos reais. É com os objetos intelectuais que o cientista "observa" a natureza e quando esta última se ajusta aproximadamente aos primeiros, pode-se dizer que a teorização está apreendendo a realidade. Assim, por serem idealizações, os objetos teóricos podem, por exemplo, vir a ser concebidos ou excluídos num certo momento da história científica, em razão de uma necessidade lógica ‘ad doc’ (11). Outros, por dedução igualmente lógica, podem ser antecipados teoricamente e só muito tempo depois observados (12). Assim, se analisarmos algumas das proposições e conceitos da ciência, como velocidade instantânea nula e aceleração não nula no topo de um lançamento vertical, energia potencial, fótons virtuais, dualidade onda-partícula, etc., veremos que eles não emergem de sensações e não são obtidos de uma ditadura exclusiva da experiência. Pelo contrário, contradizem a experiência imediata, sendo, além do mais, apenas aproximadamente válidos dentro dos erros experimentais (13). Ao observarmos o movimento de um cavalo correndo em uma pista, de imediato constatamos uma complexidade indiscutível de movimentos, com partes do corpo do animal descrevendo movimentos variáveis, dificilmente computáveis. Contudo, o movimento desse mesmo animal, olhado através dos "óculos teóricos" de um físico, é convenientemente simplificado por uma representação de um ponto material com velocidade uniforme, apresentando relevantes fins práticos e teóricos, dentro de uma margem de erro requerida. Analogamente, sistemas calorimétricos reais, como garrafas térmicas, podem ser, em certas condições, convenientemente inseridos na categoria dos sistemas adiabáticos ideais; a Terra, para muitas experiências nela realizadas, pode ser classificada dentro da categoria dos idealizados sistemas inerciais; pêndulos são supostos como pontos materiais, de fio sem massa, com períodos e amplitudes constantes, etc.. Logo, o truísmo construtivista de que os aparatos teóricos são construções humanas (6) e de que os objetos naturais são considerados somente dentro de um adorno teórico (11), não implica que os objetos naturais em si sejam criações humanas ou que eles não tenham qualquer papel na apreciação das estruturas científicas, inclusive na busca em direção da verdade. Para finalizar, é interessante notar que por detrás da asserção (18) de Glasersfeld, de que os significados são abstraídos da experiência individual, Matthews (1994, p.156) interpreta a mesma como sendo uma postura basicamente positivista, pois ela admite que os conceitos, noções ou idéias derivam ou são redutíveis às sensações, impressões, percepções, lembranças visuais ou auditivas (14).

 

Para concluir sinteticamente o que foi elaborado até agora, podemos dizer que os conceitos teóricos não são levantados da experiência imediata e nem mesmo se referem diretamente a ela. Também, podemos entender que os conceitos científicos não resultam de uma simples negociação social culturalmente vinculada a um conjunto de leigos. A ciência é artificial, foge do sentido comum, não é auto evidente e na ausência do mostrar, do dizer, da organização clara dos conceitos, do subsídio da informação e da sua também importante memorização, aqueles que estão se iniciando na ciência dificilmente adquirem e conseguem articular de maneira satisfatória o conhecimento elaborado pelos cientistas. Ao que parece, o referencial construtivista, por um lado, encaminha-nos para uma prisão epistêmica, onde o entorno empírico acaba impedindo os nossos saltos imaginativos ou, por outro lado, para uma devassa epistemologia libertina, em que a realização científica acaba se reduzindo a um empreendimento exclusivamente político.

 

Críticas à Pedagogia Construtivista

Nas discussões precedentes tivemos a oportunidade de identificar diversas contestações aos pressupostos epistemológicos e ontológicos construtivistas. Como não poderia deixar de ser, os enunciados e as práticas pedagógicas que se apoiam naqueles pressupostos são, por sua vez, alvo de contestação. Nesta seção pretendemos enfatizar questões e preocupações de âmbito mais pedagógico, que vão de encontro a esses enunciados e suas conseqüentes práticas pedagógicas.

Para começar, apontemos uma das principais críticas que afronta diretamente a tese individualista sustentada pelo construtivismo, que, como vimos (6, 7), imputa ao nível do privado, do subjetivo, a aquisição das asserções do conhecimento. Essa abordagem, ao considerar a construção do conhecimento como sendo um processo eminentemente individual, resquícios da influência da teoria de reequilibração piagetiana (Piaget, 1977), mostrou-se insuficiente para dar conta da complexidade das relações envolvidas no processo de ensino-aprendizagem. Dentro dessa visão, o aprendiz é, num sentido cognitivo, um ser solitário e o professor é visto, praticamente, como um mero provedor e organizador dos meios necessários ao desenvolvimento do aprendiz. A valorização inicial dessa proposição (Rowell, 1983a; Nussbaum & Novik, 1982), levou ao surgimento de estratégias de ensino centradas no conflito cognitivo, em que as idéias prévias do aluno eram expostas e, em seguida, contraditadas; imaginava-se que elas seriam superadas e substituídas, a partir daí, por conceitos científicos mais coerentes. Investigações realizadas mostraram que o conflito cognitivo, na seqüência precedente, não apresentava bons resultados pedagógicos (Rowell, 1983), pois os alunos se protegem de várias maneiras dos conflitos, (Laburú, 1996; Laburú & Carvalho, 1995; Chinn & Brewer, 1993; Rowell, 1989; Karmiloff-Smith, 1974). Como se procurou argumentar na seção antecedente, por detrás de tais atribuições instrucionais são identificadas posturas empiristas (Matthews, 1992), pois a discrepância empírica não é condição suficiente para que ela assim seja observada como tal (15). Em termos gerais, a crítica feita resume-se no seguinte: didaticamente falando, nenhuma experiência individual pode estimular, de todo, a construção de conceitos científicos, que são, em última instância, construções abstratas, idealizadas.

Tomando por base as análises contrárias à estratégia anterior e, por conseguinte, à sua sustentação teórica, ou seja, que o ensino não pode ser visto como um simples mecanismo de reequilibração, construtivistas da vertente social (entre outros, por exemplo, Mortimer & Machado, 1996; Howe, 1996; Driver et al.,1994; Edwards & Mercer, 1987; Newman, Griffin & Cole, 1989), procuram levar em consideração a dimensão sócio-interacionista na análise do processo de ensino. Destacam que a construção do conhecimento em sala de aula depende fundamentalmente de um processo de negociação social, onde os significados e a linguagem do professor vão sendo apropriados pelos alunos na construção de um conhecimento compartilhado. Os construtivistas em geral, reconhecem que há um mundo público, simbólico, criado pela ciência, em que as crianças têm que ser introduzidas, e que tal processo envolve a internalização dos conceitos. Em particular, os construtivistas sociais, ao contrário dos radicais, a quem eles pretendem se opor, estão conscientes de que esse mundo não pode ser descoberto pelas crianças solitariamente através de um inquirir privado, e chegam a afirmar, inspirados em Vygotsky, que "novas e mais poderosas estruturas podem ser construídas interpsicologicamente e estas podem interagir com as estruturas lógicas intrapsicológicas da criança a fim de resultar numa mudança cognitiva" (Edwards e Mercer 1987, p.68). Ao postularem a componente social na aprendizagem, claramente identificam nela a parte indispensável do processo de aprendizagem (Hardy & Taylor 1997, p. 140). Na procura por uma saída para enfrentar o construtivismo individualista, reconhecem que o conhecimento é um processo coletivo de "enculturação" nas idéias e modelos da ciência convencional (Driver et al., 1994). Como conseqüência dessa postura, dão uma justificação mais sustentada para que se proliferem atividades de ensino baseadas na discussão em grupo e na colaboração social (16). Todavia, o modelo cognitivo de aprendizagem de determinados sócio-construtivistas, ao procurar se contrapor ao construtivismo individualista, não se liberta, no entanto, dos problemas pedagógicos deste último e ao mesmo tempo chega a enfrentar alguns novos. Um deles é não proferir uma adequada explicação de como as componentes sociocultural e pessoal da aprendizagem interagem. Mais especificamente, fica a questão: o que se compreende, explicitamente, em termos didáticos, com a máxima construtivista "negociação", extensivamente empregada e que denota a idéia da interação do "expert" (professor ou pares) com o noviço? Por detrás dessa máxima, parece haver o sentimento da existência de uma velada proibição do "expert" (professor) poder dar direta e claramente a explicação ou dizer a resposta correta, ao novato. Negociar, subentende uma imposição pedagógica de que o aprendiz deva alcançar o conhecimento de maneira independente, chegando à conclusão sempre exclusivamente por si próprio. Ao "expert" (professor) caberia oferecer pistas, sugestões, caminhos e os meios, evitando dar a resposta direta (Hollon et al. 1991, p.148).

Outra questão mais geral, agora de âmbito epistemológico, com imediatas implicações didáticas, refere-se ao subjetivismo anteriormente mencionado. Como vimos, assim como para o construtivismo radical individualista, tal postura é problemática, o dissidente construtivismo social sofre igualmente de semelhante problema, só que agora a crítica básica é direcionada à defesa do subjetivismo coletivo. Neste caso cabe, novamente, um questionamento pedagógico análogo àquele feito aos construtivistas individualistas: qual grupo de alunos, ou num sentido mais geral, qual grupo social estará julgando correto o seu conhecimento? (Matthews 1994, p. 161). Ou, noutras palavras, como podemos estar certos de que grupos em sala de aula (ou num entendimento mais abrangente, na ciência), deixados independentes uns dos outros, formam um consenso entre si (Nola 1997, p. 74)? E, adicionalmente, como a negociação se traduz numa linguagem comum dentro do grupo e entre os grupos? (17) Perigosamente, para alguns construtivistas sociais, presenciam-se resquícios de um discurso pedagógico que os aproximam da mesma problemática dos radicais privativos, pois, assim como estes, os primeiros aparentemente continuam sustentando que, apesar da interação social, é da eminente experiência individual que os aprendizes criam significados e afirmações próprios, quando da apropriação dos elementos socioculturais (18), como se pode ver no seguinte trecho de alguns de seus representantes:

 

 

As palavras de ordem, facilitar, conduzir, orientar, nortear, prover, negociar, mediar, entre outras, denotam a convicção construtivista, já mencionada, do sujeito auto-construtor do seu conhecimento, apenas que, agora, o saber é vivenciado a partir de uma evidência convencionada comunitariamente. A objeção à posição sócio-construtivista, portanto, é comparável à crítica subjetivista-individualista difundida através da afirmação pedagógica de caráter geral, que aponta a necessidade de haver um mecanismo bem definido de ajuda ao indivíduo, afim de que ele possa, por si só, desenvolver e gerar novas idéias e conceitos para interpretar a experiência e a transcender o pensamento de senso comum. Dada esta assertiva e a grifada na citação acima, poderíamos perguntar: que mecanismo, que tipo específico de intervenção ou de providências são essas, e de onde viriam as idéias para interpretar as percepções sensoriais e os novos conceitos? Para esclarecer melhor, suponhamos, no caso das percepções sensoriais, o exemplo de deixarmos um aprendiz (ou um grupo de aprendizes solidários) livremente a observar o movimento browniano de partículas de pólen com o auxílio de um microscópio. Nessa situação o aprendiz (ou aprendizes, neste caso, por intensa negociação consensual entre si) pode vir a inferir que o contexto no qual se dá o movimento dessas partículas é o biológico, em vez de localizá-lo no contexto físico. Isto é, as partículas mover-se-iam, pois seriam pressupostas como corpúsculos vivos, logo, situa-as no contexto biológico e não no físico. Por outro lado, poderia (ou poderiam) voltar a sua atenção para o microscópio e não para o movimento em si (18). Como se vê, uma observação solitária (ou solidária) pode encaminhar-se por vários caminhos e conduzir a diversas conclusões que, muitas vezes, são discrepantes daquelas objetivadas pelo instrutor. Nesse sentido, Di Sessa (1982), apropriadamente, lembra que muito poucos estudantes, se é que existe algum, aprendem a física newtoniana tratando com o mundo diário. Desse modo, as palavras de ordem do início do parágrafo só seriam convincentes se a elas associarmos outras palavras de ordem basicamente centralizadas e dependentes das ações do professor, que poderiam ser entre outras: conduzir, no sentido de estabelecer previamente o que vai ser estudado, dizendo o que é preciso ver; colocar, explicar e expor os novos conceitos, explicitando e organizando as novas informações de maneira clara; mostrar a forma de ver e do que precisa ser visto ou entendido; advertir e corrigir os entendimentos errados de cada aluno, sanando dificuldades; mostrar e comparar a estrutura conceitual oficial, com a do aluno.

Para complementar essas idéias, uma análise com maior destaque precisa ser feita em relação à linguagem, sem dúvida um instrumento pedagógico imprescindível por parte do professor. Para os construtivistas em geral, os elementos da linguagem, como as idéias, os conceitos e a palavra não podem ser transferidos de um usuário para outro (17). A linguagem, para eles, tem a sua principal apreciação alicerçada a partir do ponto de vista do subjetivo e não fora deste, ou seja, do agente transmissor. Porém, esta reação construtivista de que os elementos da linguagem não podem ser transferidos é óbvia, pois tais entidades são de natureza mental e não podem ser literalmente transferidas, como coloca Matthews (1994). Também, não se quer discutir aqui a inegável declaração de que elaborar uma linguagem requer do aprendiz atenção e atividade intelectual. Analogamente, é difícil polemizar que a referida atividade é um processo essencialmente individual. Contudo, isso não implica que o indivíduo dê um significado exclusivamente subjetivo a uma estrutura conceitual, elaborando através da linguagem um discurso próprio. O que se constata de fato, pela própria possibilidade de comunicação inter-sujeitos, é que os significados individuais, através da instrução, vão se aproximando isomorficamente dos científicos, publicamente estabelecidos. O exercício do processo educativo científico é o de aproximar melhor e o mais eficientemente possível, o discurso individual do coletivo oficial. Nesse sentido, Matthews (1994, p. 156) chega a dizer que, na maior parte do tempo, o sujeito aprende e não constrói os significados e completa observando que, caso se dê ao sentido da palavra "transferir", acima, o de "poder ser ensinado", de "poder ser aprendido", ou mesmo de "poder ser assistido" o seu desenvolvimento, a asserção que afirma que o conhecimento não pode ser transferido ou transmitido vai de encontro ao bom senso; é incontestável que os pais instruem as crianças numa série enorme de assuntos, os professores, em matérias complexas como matemática, ciências e história. Quem de nós não leu um bom livro e constatou que aprendeu muito com as idéias novas transmitidas pela linguagem escrita do autor. Também é fácil verificar que quase a totalidade da comunicação e troca de informação inter-pessoal do dia a dia se dá via transmissão verbal direta, sem que exista nenhuma técnica construtivista por detrás. Além do mais, sabemos que a maior parte da tradição científica é passada de mão em mão e não reinventada por cada geração. Como poderia qualquer aprendiz reinventar conceitos e conhecimentos quando as melhores e as mais privilegiadas cabeças da história levaram anos ou séculos para elaborá-los? O legado construtivista, indicando que a transferência de significado através da linguagem não implica que se possa aprender tudo o que é ensinado, é inegável. Mas, aí em dizer que significados não são passíveis de transferência, de que eu não posso fornecer às pessoas, numa audiência, qualquer novo conceito, mas apenas estimá-los a combinar de diferentes maneiras os conceitos com as palavras que eu estou usando, é afrontar as evidências.

Por conseqüência, outra questão criticável diz respeito à estratégia usada para ensinar e ao modo particularizado de aprender de cada um. Também, nesta situação, é difícil dar crédito à radical reação construtivista ao didatismo, quando valoriza em demasia a pedagogia do estilo de discussão em grupo, estilo que é observado na medida em que há excessivo destaque das atividades desse tipo, fundamentadas na promulgada colaboração social para a produção do conhecimento. Como dissemos, "o falar", "o mostrar", típicas atividades expositivas, têm um papel ignorado nessa produção, ou é válida, ao que se presume, somente para e entre os pares. Assim, na literatura, podemos encontrar argumentos contrários a esse destaque do uso de atividades em grupo. Por ela, vemos que, enquanto o primeiro estilo é preferido e efetivo para alguns estudantes, isto não acontece com outros estudantes. Vê-se que a natureza da aprendizagem individual é particularizada. Por exemplo, Pask (1976) observou que os indivíduos têm preferências quanto ao estilo de aprendizagem. Uns estudantes obedecem a um estilo holista, no sentido de que preferem formar uma visão mais global quando da resolução de problemas. Costumam trabalhar com várias hipóteses, simultaneamente, tendo por hábito adotar uma postura individualista de aprendizagem. Outros são serialistas, pois preferem integrar, passo a passo, tópicos separados daquele que está sendo aprendido e examinar, progressivamente, uma hipótese por vez. Enquanto os primeiros têm uma preferência em construir uma descrição geral do que é conhecido, os segundos têm uma postura mais operacional, procurando dominar detalhes dos processos e dos procedimentos. Da mesma forma, existem estudantes com personalidade competitiva que apreciam demonstrar sua capacidade intelectual. Por outro lado, há aqueles que são pessimistas sobre suas habilidades, ou que são metodicamente estudiosos, gastando várias horas de estudo (19). Kempa & Martin-Diaz (1990 a, b) chegam a dividir em quatro padrões de motivação a preferência dos estudantes pelos modos de instrução da ciência. São eles: 1) os executores, 2) os curiosos, 3) os cumpridores de tarefas, 4) os sociais. Estes últimos são os que mostram maior afinidade por atividades em grupo, enquanto os penúltimos preferem um ensino didático convencional com experimentos sustentados por instruções. Os segundos acham melhor aprender a partir de livros, por descoberta, e fazer mais atividades práticas. Por final, no caso dos executores, não há identificação de qualquer das preferências anteriores, parecendo que qualquer estilo lhes é indiferente. Ainda, em outras obras (Shade 1982; Swisher & Deyhle 1987; Huber & Powewardy 1990), vê-se que as características cognitivas e de aprendizagem de grupos de minorias étnicas e lingüísticas são diferenciadas do grupo social dominante, e que a melhoria da aprendizagem dessas minorias é afetada quando somente o estilo do grupo dominante é valorizado. Para finalizar, sem querer esgotar o que foi colocado, é possível mencionar a influência devida à própria instituição, quando cria hábitos escolares que se mostram, mais tarde, nos graus posteriores, impecilhos ao processo formativo. Nesse sentido, um antigo trabalho de Schonell et al. (1962), realizado na Austrália, verificou que crianças provenientes de escolas onde a ênfase era a instrução formal, achavam extremamente difícil ajustar-se às condições universitárias mais abertas. Portanto, todos os trabalhos mencionados indicam que os estudantes variam em suas motivações e preferências, no que se refere ao estilo ou modo de aprender. E isso, sem mencionar as suas habilidades mentais específicas, ritmos de aprendizagem, nível de motivação e interesse para uma determinada disciplina, persistência dedicada a um problema e experiências vividas pelo grupo social a que pertencem. Estes fatores certamente influenciam, entre outros, na qualidade e na profundidade da aprendizagem. Por conseguinte, é questionável um esquema educacional baseado numa única perspectiva que só daria conta das necessidades de um tipo particular de aluno ou alunos e não de outros.

Em suma, as estratégias instrucionais construtivistas, que procuram encontrar exclusivos caminhos no emprego do já mencionado conflito cognitivo ou no vagar de uma exploração intelectual autônoma como, por exemplo, de aspectos experimentais, mostram-se pouco efetivas. Da mesma forma que o ensino tradicional objetivista-empirista, ao advogar a exclusividade das prescrições de um ensino mecânico, homogêneo, ritualista ou apenas de observação, falha em reconhecer o papel ativo do aprendiz heterogêneo e idiossincrático, também as propostas pedagógicas construtivistas, como visto, falham ao não admitir que essa abordagem pode levar a uma postura indutivista da aprendizagem. Ao mesmo tempo, não reconhecem a possibilidade de existirem alunos que não se adaptam pedagogicamente ao seu estilo de ensino. Os construtivistas deixam de reconhecer que existe um papel para as exposições orais, para as demonstrações, para "o ver" e "o mostrar", como capazes de construir e orientar o conhecimento do aluno. Não admitem abertamente a possibilidade do professor prover verbalmente o estudante com informações prévias que lhe preencham lacunas (20) ou que lhe ampliem as relações de significado, dentro de um perfil conceitual científico, capacitando-o a dar sentido às suas percepções que, de outra forma, focariam elementos desnecessários aos objetivos educacionais (como o caso citado do movimento browniano). Ademais, o instrumental teórico do construtivismo, aqui mencionado, é falho ao não reconhecer que a descrição dos objetos reais passa por idealizações que, no fundo, são processos de abstração não acessíveis ao experimento sensório e que não se chega a essas idealizações através de uma negociação coletiva que, em sua grande maioria, precisam ser previamente "impostas" pelo professor, por serem antiintuitivas. Poderíamos assim perguntar, que tipo de experiência nos faria imaginar e aprender os conceitos de ponto material, referencial inercial, rotacional de um campo, banda de valência, princípio da incerteza, etc.. Ou, ainda, que tipo de interação entre um grupo de aprendizes leigos, isolados dos "experts", dos manuais, poderia conduzir aos mesmos conceitos, ou como um noviço ou grupo de noviços construiriam esses conceitos, distantes do senso comum, por meio da simples negociação, no sentido de barganha conceitual, com um "expert".

Não há o que discutir da óbvia noção de que o conhecimento é construído pessoalmente, mas não há a menor dúvida de que o processo pedagógico para essa construção é altamente complexo, pouco entendido e longe de ser trivial (Osborne 1996, p.66). Certos construtivistas como Posner et al.(1982) e Hewson & Thorley (1989) chegam a imaginar uma aproximação epistemológica entre o "aprender ciência" e o "fazer ciência". Porém, advertem Osborne (1996, p.67), Ogborn (1997. P.122) e Nola (1997, p. 79), entre outros, que não existe uma necessária conexão funcional epistemológica entre fazer ciência e os métodos pelos quais ela é aprendida e, principalmente, ensinada para os não cientistas. Em termos mais gerais, o último autor comenta sobre a sua preocupação em se estabelecer uma falsa ligação entre a filosofia relacionada com a natureza do conhecimento científico e a educação científica e acentua que precisamos separar, principalmente no construtivismo, a interpretação teórica da formação das teorias científicas, da teoria de como os estudantes aprendem a ciência (ibid. p. 57, 78). Em última instância, é preciso reconhecer que nenhum compromisso com uma possível visão parcial epistemológica da ciência é justificativa suficiente para nos orientarmos na maneira de ensiná-la. Osborne, por sua vez, chama a atenção para o fato de que o construtivismo, como uma visão de aprendizagem, é situado como uma grande teoria, aplicável a todas as circunstâncias e não um simples referencial de valor parcial e limitado. A título de exemplo, ele critica particularmente o emprego generalizado da metacognição, como um mecanismo para descrever o pensamento gerado na aprendizagem e chega a perguntar se o uso desse mecanismo traz benefícios para todos os aprendizes indiscriminadamente, assim como para todas as idades. A pertinência dessa crítica pode ser verificada em Brown (1987), onde encontramos a indicação de vários trabalhos mostrando que, antes da adolescência, a metacognição tem pouca eficácia cognitiva.

Para concluir, um outro lado diferente da questão, que tem uma conseqüência prática importante e imediata para o ensino de ciências, relaciona-se à mencionada e delicada defesa relativista do conhecimento, feita pelo construtivismo. Essa posição é justificada em razão do individualismo pregado ou devido a uma negociação social autônoma, como tivemos oportunidade de ver nos parágrafos anteriores. Então, caso imaginemos os esquemas conceituais da ciência como pertencentes a um mundo real e se as afirmações da ciência sobre o mundo pretendem ser verdadeiras, é justificável o esforço em mudar as concepções das crianças. Mas, se a ciência não trata de um mundo real ou não pode ser pensada como verdadeira, fica difícil legitimar um argumento que convença os alunos a modificarem as suas concepções que, em última instância, são mais plausíveis, logo, auto-confiantes, e não se apresentam, como as científicas, contrárias aos seus valores culturais (Osborne, 1996). Nesse sentido, Nola (1997, p. 46) chega a externar a opinião de que "se as representações dos professores ou da comunidade científica não são melhores do que aquelas do neófito estudante, então não há nada a ensinar e o tempo gasto poderia ser gasto com ortografia". Phillips (1997, p.89) complementa dizendo que se uma ou outra das considerações do construtivismo forem aceitas, a Física descrita em nossos livros, por exemplo, não poderia ser retratada na sala de aula como um empreendimento que procura por considerações verdadeiras e objetivas da realidade externa, independente de gostos e crenças humanas. Ela precisaria ser retratada como um empreendimento político, como um tipo de conversação de uma prática social, que não se amolda, em qualquer grau significativo, à natureza externa. Do ponto de vista desses críticos, vemos que os construtivistas ignoram o fato de haver possíveis teorias mais corretas na ciência, e de que estas, quando assim imaginadas, dão um estímulo para alguém começar a aprendê-las sem, contudo, estar obrigado a se comprometer com a afirmativa de que eles sabem, com absoluta certeza, que as suas teorias são verdadeiras (Nola 1997, p.79).

 

Objetivismo, o Cálculo e a Medida

A discussão desta seção centralizar-se-á, basicamente, em cima de um recorte das idéias de dois eminentes físicos nobéis, complementadas por citações de outros reputados físicos. A nossa intenção será, primeiramente, mostrar que as questões e as teses contrárias ao construtivismo dos pensadores da educação científica discutidas até agora, aproximam-se muito de perto das desses pesquisadores. É preciso advertir, contudo, que ao destacar estes dois cientistas não estamos a generalizar os pensamentos desta comunidade científica, nem mesmo a mostrar que haja convergência de pensamento entre eles ou entre os demais citados. Estamos tão somente a apresentar idéias de pesquisadores que, por terem alcançado respeitabilidade científica mundialmente reconhecida, em função de suas reais e, acima de tudo, importantes contribuições para o avanço do conhecimento da física, são ilustrativas de como particulares tipos de compreensão epistemológica podem conduzir, de fato, e apesar delas, ao aprimoramento do conhecimento da natureza. Em segundo lugar, esperamos dar nesta seção, com a apresentação do pensamento destes cientistas, um enfoque mais contundente e complementar de determinadas argumentações até aqui inventariadas e, com isso, mostrar que há alternativas que se contrapõe ao perfil relativista, componente principal do movimento construtivista dominante.

Comecemos pela questão do realismo, citando a afirmação do filósofo L. Wittgenstein sobre a ciência, cuja proximidade com o movimento construtivista fica evidente na seguinte frase relativista:

 

Como se pode verificar, para o nobel em física Weinberg (21), esse tipo de aviso não lhe toca. Ele comenta, enfaticamente, que dizer para um físico que as leis da natureza não são explicações dos fenômenos naturais "é como dizer para um tigre caçando sua presa que toda carne é grama" (Weinberg 1996, p. 32). Ele critica as posições filosóficas que declaram que a busca das explicações científicas são sem valor. Diz, ademais, que é uma falácia lógica quando se parte da observação de que a ciência é um processo social e se conclui que as teorias científicas são moldadas exclusivamente por forças históricas e sociais que agem nesse processo. Neste ponto, Weinberg ilustra, comentando que a mudança de ênfase da física de alta energia não pode ser comparada à uma mera mudança de moda, como o deslocamento, na arte, do impressionismo para o cubismo, ou das saias longas para as curtas (opus cit., p. 149), e declara:

 

Desses comentários, podemos extrair a defesa de um forte sentimento de caráter realista e objetivo das interpretações teóricas físicas sobre as leis da natureza, que se pautam por algo universal, respondendo de maneira independente de uma atuação imaginativa humana. Para o autor, a expressão sucesso objetivo acima, conota uma idéia de êxito quantitativo, suficiente para fazer acreditar que existe algo de válido nas idéias teóricas (ibid., p.159).

Em considerando as idéias teóricas como válidas, com isso, contrariando o senso relativista de apreendê-las como viáveis, podemos resgatar, de novo, tal discussão, mas, agora, tomando por base o ponto de vista deste físico a respeito das seguintes perguntas: como um cientista avalia o progresso ou decide entre diversas teorias? Como saber qual teoria está certa ou errada? Mais concretamente, como estabelecer critérios avaliativos entre uma explicação que emprega a substância água, assim entendida pelos milésios da cidade de Tales, como o constituinte fundamental da matéria e, um século depois, a idéia de átomo de Leucipo e Demócrito, dos mesmos antigos gregos? Em outras palavras, o quanto temos progredido em direção ao entendimento do porquê da natureza se comportar como o faz pelo fato de Demócrito ou Tales dizer que uma pedra é feita de átomos ou de água, ou em outro caso, de Ptolomeu ou Copérnico dizer, respectivamente, que a Terra é o centro do universo ou que gira em torno do Sol como um insignificante objeto? Para Weinberg, a idéia moderna de uma explicação científica adequada tem que vir acompanhada do entendimento quantitativo do fenômeno. Para o caso da pedra, só progredimos numa idéia se soubermos calcular a sua densidade, dureza, condutividade (ibid., p. 16) ou, para o caso da Terra, as paralaxes das estrelas, a aberração da luz de Bradley (Whittaker 1989, p. 94), etc.. Sem a capacidade da predição quantitativa proporcionada pelo cálculo, nunca poderemos dizer quem estava certo, se Tales ou Demócrito, Ptlomeu ou Copérnico. Para que uma teoria em física seja considerada satisfatória, deve estar não só de acordo com os resultados experimentais já obtidos, mas também deve fazer previsões ao menos plausíveis de serem observadas experimentalmente (22). Calcular e medir em detalhes o que acontece em várias circunstâncias em sistemas físicos diversos é ter a noção de quanto poder há nestas capacidades humanas. Generalizando, no que toca à comunidade de cientistas, o martelo final norteador das decisões sobre as teorias está vinculado, em última instância, ao cálculo e à medida, duas entidades cujas existências só podem ser imaginadas de forma concomitante, solidária e indissociável.

Para os físicos em geral, o sucesso na previsão dos dados numéricos vai além da condição de determinante fator de seleção entre teorias concorrentes. É ainda, diga-se de passagem, convincente garantia de que a teoria selecionada está tocando de maneira singular e certa a realidade externa. Dificilmente um físico não aceitaria ou deixaria de confiar na validade ou correção de uma teoria, quando ela consegue predizer e alcançar expressivos resultados decimais; um físico eminente, certa vez, comentou que as futuras verdades da física devem ser procuradas na sexta casa decimal (Weinberg 1996, p.20) (23). Com isso, estamos a realçar, que do ponto de vista destes cientistas, o conhecimento matemático é o instrumento ontológico de primeira instância na avaliação do progresso científico e para agarrar a realidade, no campo da física. Ao mesmo tempo, aquele conhecimento permite objetividade no tratamento da natureza e, consequentemente, para a ciência que a estuda. Este argumento pode ser mais enfaticamente ilustrado num seguinte pensamento de Bohr. Ao especular em 1922 sobre o futuro da sua teoria anterior da estrutura atômica, ele dizia que a matemática tem apenas um número limitado de formas que podem ser adaptadas à natureza, e que, apesar de ser possível que a forma certa seja encontrada numa investigação, podem ter sido formulados conceitos completamente errôneos (Bohr apud Weinberg 1996, p. 122). Por este raciocínio de Bohr, fica igualmente claro que a idéia de objetividade não necessariamente precisa ser interpretada como certeza de uma interpretação correta, pois conteúdos físicos diferentes de algumas teorias podem ser representados por formalismos idênticos (24). Mas, dizer que a matemática limita o número de formas possíveis capazes de se adequar à natureza é, em nossa compreensão, um ponto a favor da direção objetiva do conhecimento físico e um problema para o relativismo. Lembremos, ainda, que tal defesa já era feita pelo filósofo Kant, quando afirmava que a matemática é objetiva - ou intersubjetiva - quando aplicada à ciência empírica, em função de ser válida para todas as percepções humanas, sejam elas do passado, presente ou futuro (Steiner, 1992). O lógico Godel e o mencionado Kant chegaram ao extremo de sustentar as posições, respectivamente, de que existe alguma outra conexão entre nós e a realidade, que não seja o sentido de percepção e esta seria a intuição matemática, que, efetivamente, coloca os limites da nossa percepção no espaço-tempo (Steiner, 1992).

Por outro lado, retomando Weinberg, falar em verdades mais fundamentais deixa muitos filósofos nervosos. Para ele, no entanto, pode-se dizer que as verdades mais fundamentais são aquelas mais coerentes, abrangentes, unificadoras, mais reducionistas, onde poucos princípios, de preferência com a elegância da simplicidade, explicam uma grande quantidade de fenômenos. Diz ainda, que se fossemos ver, por acaso, porque a mecânica quântica é do jeito que é, veríamos que qualquer mudança na mesma levá-la-ia a absurdos lógicos (25). Assim sendo, Weinberg acredita que nenhum físico duvida que as leis de Newton são mais fundamentais que as de Kepler ou de que a teoria do fóton de Einstein é mais fundamental do que a da radiação térmica de Planck. Fazendo um paralelismo entre a história da guerra e a história da ciência, este cientista (Weinberg 1996, p. 106) declara que, em ambos os casos, os estudiosos têm procurado regras sistemáticas sobre como maximizar a sua chance de sucesso, no sentido de procurar uma ciência da guerra ou uma ciência da ciência. Mas, tanto na história da ciência como na história militar, num grau muito maior do que na história política, cultural ou econômica, existe um linha clara entre derrota e vitória. Segundo Weinberg, pode-se argumentar indefinidamente sobre as causas e os efeitos de uma guerra em particular, contudo, sem dúvida alguma, sabe-se qual exército derrotou o outro. De forma semelhante, não há dúvida de que a visão de Copérnico, do sistema solar, é melhor que a de Ptolomeu ou de que a teoria da evolução de Darwin é melhor que a de Lamarck.

Nesse sentido, contrariando mais uma vez as teses relativistas, é possível verificar que os cientistas compartilham alguns compromissos heurísticos para encaminhar decisões. Alguns deles são: os cientistas preferem teorias que ofereçam um maior alcance explicativo, universalidade e força preditiva, devendo demonstrar avanço técnico e progresso teórico com relação às teorias predecessoras; procuram por teorias mais parcimoniosas (Gleiser 1999b, p.14), compactas, de preferência que acumulem "status" epistemológico, advindo das teorias predecessoras e que se baseiam em princípios que levem a uma teoria rígida e não a uma variedade de teorias (26); escolhem teorias mais profundas, que demonstrem mais conexões, contendo uma rica estrutura lógica, sem ser exclusivamente "ad-hoc", tratando de encaminhá-las para uma maior acurácia (Kuhn 1977, p. 241 e 260-261); procuram fixar-se menos em aspectos arbitrários, que apelem ao experimento direto (Davies & Brown 1995, p. 6); buscam incessantemente consistência com a evidência empírica e coerência lógica-conceitual; os cientistas manifestam um interesse maior por teorias que resolvam um número maior e importante de problemas empíricos, deduzindo destes o número e importância das anomalias e problemas conceituais gerados (Laudan 1977, p. 68, 106).

É interessante acrescentar à lista acima, um outro compartilhado elemento heurístico, muitas vezes enfaticamente comentado pelos expoentes da comunidade científica, que é a elegância, o sentido de beleza. Esta última, que precisa ser entendida dentro de um contexto lógico-matemático, incorpora, engloba ou sintetiza vários dos critérios prévios expostos, é responsável pelo convencimento de muitos cientistas de que eles estão na busca do caminho correto do entendimento da natureza. Assim, comenta Weinberg, que repetidas vezes os físicos foram guiados pelo seu senso de beleza, não somente para desenvolver novas teorias, mas até mesmo para julgar a validade das teorias físicas já desenvolvidas. Para ele, por exemplo, a receptividade geral que teve a teoria da relatividade deveu-se, em grande parte, a seus próprios atributos, ou seja, a sua elegância (opus cit., p.77, 83), pela forma matemática sucinta que apresenta. Corroborando com esse sentimento, podemos nos referir ao comentário de Schwarz quando observa que Einstein partiu de princípios muito bonitos - o princípio de equivalência (Schwarz 1995, p. 83), na formulação da sua teoria. Ou ainda, a Dirac, que sempre acreditou na beleza para orientação correta do desenvolvimento do pensamento teórico. Para ele, a beleza de uma teoria determinava se devia ou não ser aceita (Salam et al. 1993, p. 44). Cita Weinberg que, em 1974, Dirac, numa palestra em Harvard, chegou ao extremo de aconselhar aos seus estudantes que se preocupassem somente com a beleza das equações e não com o que elas significariam (Weinberg 1996, p. 108). À parte destes exageros, lembrando a colocação de Bohr acima, o senso de beleza do físico é, certamente, um dos guias sinalizadores do progresso das suas teorias. Concretamente, em concordância com o que foi dito nas argumentações precedentes, vê-se que nos estudos sobre partículas elementares descobrem-se leis que se tornam cada vez mais coerentes e universais, que partem de princípios mais profundos, simples e econômicos. No caso, começa-se a suspeitar que isso não é um mero acidente pois, nas palavras de Weinberg, "por existir uma beleza nessas leis isto deve refletir alguma coisa inerente à estrutura do universo em nível mais profundo" (ibid., p. 191).

Para completar, se observarmos a história científica veremos que dentre os compromissos freqüentemente compartilhados pelos cientistas para desenvolver a física, podemos ainda adicionar mais dois princípios: o de unificação e o de simetria. Em relação ao primeiro, a história mostra que os cientistas estão constantemente tentando buscar grandes unificações, juntando ou reconciliando teorias previamente dissociadas ou inconsistentes (Salam et al. 1993, p.12; Witten apud Davies & Brown 1995, p. 97) (27). Em relação ao segundo (28), pode-se constatar que a sua exploração matemática, não somente através da história, mas principalmente contemporaneamente, tem mostrado ser responsável por um formidável avanço nesta área, tornando-se um guia heurístico indispensável de ajuda aos físicos para poderem progredir no seu entendimento do mundo (Davies & Brown 1995, p. 42). Mesmo que as simetrias matemáticas para o desenvolvimento da física atual sejam difíceis ou mesmo impossíveis de serem visualizadas fisicamente, elas podem apontar para novos importantes princípios da natureza. Logo, procurar por simetrias desconhecidas tem se tornado importante método de ajuda aos físicos para avançarem no seu conhecimento do mundo (opus cit. p. 42). Uma demonstração significativa disso, inclusive, ilustrativa da atuação concomitante e solidária dos conceitos de unificação e simetria, pode ser vista nas prósperas pesquisas atuais da física teórica em altas energias. Para certas teorias, como o Modelo Padrão ou a Teoria da Relatividade Geral, nota-se que a simetria inerente às mesmas dão-lhes uma característica de inevitabilidade e simplicidade (Weinberg 1996, p.111). Particularmente em relação a esta última característica, a profunda crença de que a natureza deva ser simples (Feynman 1989, p.211), tem motivado, como um ato de fé, a procura por uma "teoria do tudo" (29) (Davies & Brown 1995, p. 6). Ao que parece, e isto é o ponto de vista de muitos pesquisadores deste campo de investigação, as teorias que empregam generalizações de simetrias, as denominadas "teorias supersimétricas", são promissoras para se chegar a uma teoria do tudo, objetivo, que se conquistado, certamente seria um dos maiores empreendimentos e conquista triunfal do saber científico da humanidade (opus cit. p. 117).

Das discussões precedentes fizemos ver, sem querer esgotar, que simplesmente existem preferências em relação aos critérios pelos quais os cientistas julgam as teorias (Osborne 1996, p.59). Apesar desses critérios terem um peso maior ou menor para cada pessoa, observamos que, no entanto, a importância do cálculo para o desenvolvimento objetivo do conhecimento natural é consensual. Ao mesmo tempo em que esse consenso se mostra verdadeiro, é interessante notar que, nas últimas décadas, parece haver um distanciamento das questões filosóficas por uma parte representativa dessa comunidade. À primeira vista, estes cientistas dão a entender que, para eles, estas questões são desnecessárias ou estão desvinculadas de um necessário progresso para o crescimento da compreensão da área. Isto pode ser visto principalmente a partir da segunda metade deste século, quando uma geração destes profissionais, já tendo nascido e convivido com as novas idéias revolucionárias da física do início do século, começa a se distanciar mais das preocupações metafísicas e filosóficas, baseadas nos "porquês" do comportamento da natureza, fixando-se mais nos "como" (30). Esta nova geração, em função, muito provavelmente, da maneira peculiar pela qual a natureza intrínseca do mundo se comporta (Feynman 1992, p. 29; 1989, p. 166), trabalha com teorias que rompem com modelos mentais intuitivos, com o senso comum, com imagens mecânicas, em que bolinhas, trajetórias e relações deterministas deixam de fazer o menor sentido e pouco ou nada contribuem para o desenvolvimento das teorias (31). Esta nova postura epistemológica, que inclusive acreditamos ser uma evolução em cima do estatuto idealista das teorias, como colocado por Matthews e Osborne em seção anterior, faz com que a citada geração reconheça nos formalismos matemáticos, o exclusivo caminho que conduz ao avanço objetivo, no sentido da interlocução dos protagonistas, portanto, não necessariamente ontológico (32), do entendimento da natureza. Assim, quando se observa uma afirmação que diz "que somos capazes de descrever com grande precisão "como" ocorrem os fenômenos a nossa volta e de que o questionamento do "porquê" talvez não seja puramente científico" (Gleiser 1999, p.12) e, por isso, "os debates filosóficos são menos importantes conforme se tem um maior número de dados experimentais e observacionais" (Albrecht apud Gleiser 1999a, p. 14), quer-se apontar que, fazer ciência, para muitos destes profissionais, é essencialmente articular e testar o formalismo, confrontando-o com os dados empíricos por ele gerados (Witten 1995, p. 90; Ellis 1995, p. 169; Feynman, 1995, p. 194) (33).

Em nosso entendimento, a fuga das argumentações filosóficas, poderia ser interpretada, então, simplesmente, como uma forma de justificar a autonomia do cálculo na procura e no aprofundamento do conhecimento do mundo natural. Porém, igualmente, seria uma maneira de demonstrar que a intuição física já não se prestaria mais, quando se trabalha em escalas como as da física fundamental (Weinberg 1995, p.221). Nesta escala, a matemática é a exclusiva ferramenta intelectual dominante para as reflexões, ainda que, a última instância decisória para o estudo do mundo, corresponda à interpretação física dessa matemática e sua conseqüente verificação empírica.

Compactuando com esse tipo de pensamento, o nobel Feynman coloca que a natureza vista pela óptica da física contemporânea, não se presta aos nossos porquês, pois funciona de uma maneira peculiar e não há boas teorias que expliquem os porquês de ela assim funcionar (Feynman 1992, p. 29). Para ele, os filósofos podem tentar ensinar idéias qualitativas sobre a natureza, mas todos os argumentos intelectuais não conseguem transmitir uma compreensão da mesma às pessoas sem uma cultura matemática (Feynman 1989, p. 76) e qualquer tentativa de expressar a natureza segundo princípios filosóficos ou usando intuições mecânicas não é muito eficiente (ibid. p. 74-75). Sua maneira de pensar pode ser vista na seguinte citação:

 

Feynman complementa, mencionando que a vantagem do seu campo de estudo em relação aos outros é o direito de se fazer suposições de qualquer coisa que se queira, sem nenhum temor. Pois, se alguma coisa estiver errada ela é confrontada com o experimento, e se ela não for verdadeira nesse sentido, nos livramos dela (34) (ibid., p.193). Assim, põe o seu desagrado em relação à contemporânea teoria de Supercordas (Davies & Brown 1995, p. 132), que emprega as referidas supersimetrias, devido a mesma falhar no seu contato com os dados experimentais. Essa insatisfação pode ser vista na citação, no contexto crítico dessa teoria, através do seguinte pensamento ilustrativo, o qual inclui sinteticamente pontos discutidos até o momento:

 

Ao tomar o critério objetivo de que é possível saber de antemão, que uma teoria matematicamente inconsistente é uma formulação incorreta, e que a procura das modificações necessárias para solucionar estas inconsistências, é condição para se aprender mais sobre a natureza, Feynman assegura, por outro lado, que as idéias na física - por exemplo, a do elétron atuar sobre si próprio - devem, em si, ser consideradas convenientes e divertidos condutores psicológicos na produção das novas teorias, sem precisar ser realmente verdadeiras (Feynman 1995, p. 202 e 208). A razão dele achar que a maioria das discussões filosóficas são apenas psicologicamente convenientes, vem do seu olhar sobre a história. Ele entende que as coisas que foram ditas, e ditas com rigor na história científica, ficam com o tempo, num certo grau, quase sempre sem sentido (opus cit.). A partir desses raciocínios, subscreve, então, que é possível para os físicos fazer muita física apenas por sucesso empírico, independente das respostas filosóficas envolvidas ou, até mesmo, sem que as tenham (opus cit. p. 208 e 209). Aparentemente, parece haver por parte de Feynman, assim como para Weinberg, entre outros, uma despreocupação com as questões que transcendem a inter-relação cálculo e sucesso das medidas, estas previstas por aquele. Diferentemente do segundo, há desenhada na visão do primeiro uma postura pragmática, onde se procura dar prioridade às tentativas de achar um conjunto de regras que concordam com o comportamento da natureza e não ir além disso (opus cit., p. 203). Compreendemos que isto é assim quando se percebe, que para Feynman, a única coisa que os físicos sabem fazer para obter a resposta correta é realizar cálculos. E só sabem que estes cálculos estão corretos, que a teoria está funcionando, logo, que estão descrevendo como funciona o universo, quando os mesmos são corroborados por medidas numéricas cada vez mais precisas. Em nosso entendimento, essa posição pragmática indica uma postura instrumentalista fraca, cuja característica é não negar que as sentenças teóricas tenham qualquer importância na ciência, e que o fundamental seria a solução de problemas e a adequação empírica. Todavia, quando se pressupõe que as coisas, ao funcionarem de maneira correta, implicam em funcionar de uma forma única, admite-se, no fundo, que pode haver uma realidade do mundo, apesar de aproximada. Verdadeiramente, ao concordar com isso, para nós, Feynman admite, por detrás da sua postura instrumentalista, uma velada posição realista, que pode ser vista confirmada na seguinte passagem, procurando definir paradoxo:

 

Fica difícil imaginar que tal sustentação se afaste de um estatuto realista, apesar da categorização do conhecimento com palavras de ordem instrumentalista, tais como, funcional, válido, correto, exato, certo, aceito, útil ou bem sucedido, quando se toma exemplarmente como sendo o único válido, correto, aceito, etc., como se explicita nos grifos da citação.

Assim, além das posturas realistas de Weinberg e, provavelmente, da de Feynman acima, achamos que é possível extrair das mesmas uma idéia de objetividade quando da análise científica da realidade externa. Objetividade, no sentido da existência de normas preferenciais e de validade geral para a tomada de decisões, dentro da comunidade científica - dos físicos -, que servem para nortear uma decisão entre várias opiniões conflitantes. Nesse sentido, entendemos que são, basicamente, o conhecimento matemático e a medida a ele conjugado os responsáveis pelo tom objetivo dos vários e possíveis pensamentos divergentes dos pesquisadores, sinalizando a opção correta e a incorreta entre as especulações teóricas desenvolvidas. Sustentamos que, tomando-se as argumentações dos dois cientistas acima e dos outros citados como exemplares de uma parcela de uma categoria de pensamento destes profissionais, pode-se mostrar que, pelo menos para o campo da física, é possível selecionar com o tempo um conhecimento como sendo o mais correto ou o mais válido, apontando, inclusive, aqueles que simplesmente devem ser abandonados, em função do seu fracasso empírico-matemático, isto independente de uma postura realista ou não. Nessa compreensão, em última instância, acompanhando Feynman, tais questões talvez sejam apenas psicologicamente apropriadas, podendo vir a ser convenientemente encaradas como sendo pragmaticamente úteis, em certa medida, para o próprio ato da invenção teórica. Achamos, em função disso, que possa haver a defesa em instância decisória, mesmo que sendo para satisfação psicológica, de um conhecimento "mais verdadeiro", como sendo aquele matematicamente mais exato. Isto é, a verdade estaria vinculada, por convenção, à busca de teorias com maior conformidade em relação ao número de casas decimais, ou seja, mais precisas numericamente. Assim sendo, a discussão do caráter de busca e de aproximação com a verdade, passa a estar, agora, associada à própria natureza idealizada do conhecimento matemático-conceitual e, consequentemente, como descrevemos com Matthews, à característica idealizada dos elementos teóricos e observacionais (35). Portanto, abstrações conceituais e cálculos matemáticos, por serem idealizações, corresponderiam à natureza tão somente em grau aproximativo. E esta aproximação, concluindo então, poderia ser encarada como a mais verdadeira, na medida em que os cálculos se mostrassem mais precisos.

Se seguirmos essa linha de raciocínio, pode-se dizer que há objetividade no tratamento do conhecimento físico. Conforme o confronto empírico-matemático é travado, o consenso inter-pessoal encaminha-se na direção do conhecimento correto que apresenta maior acurácia, fecundidade, generalização, universalização, entre outros já citados. Devido a natureza idealizada, portanto, de caráter transformador do conhecimento físico, no sentido aqui discutido, pode-se chegar a noção de incomensurabilidade segundo Kuhn (1989, p. 244), entre as idéias da história científica. No caso, a título de exemplo, vemos a relatividade geral sendo uma forma totalmente diferente de compreensão da natureza gravitacional, transformando a visão newtoniana dinâmico-mecaniscista, baseada em forças, numa visão geométrica da interação gravitacional. Este exemplo, conjuntamente com as demais argumentações expostas, nos ajuda a não ter dúvidas, lembrando novamente a colocação de Feynman, de que as idéias antigas ficam historicamente sem sentido, que as velhas teorias são piores do que as novas, e que existem padrões de comparação para a escolha entre as teorias. Não hesitaríamos em afirmar, igualmente, de que possam haver valores menos úteis do que outros, embora determinantes na escolha científica. Todavia, para finalizar, o cálculo, a correspondente exatidão numérica e o alcance empírico são valores compartilhados universalmente pelos especialistas da ciência física que, além de muito mais úteis (36) do que outros já mencionados neste trabalho, tornam determinadas argumentações mais decisivas e, acima de tudo, interobjetivas para a comunidade aqui referida.

 

O Realismo e o Objetivismo – alguns problemas

Apesar de muito provavelmente uma parcela substancial da comunidade de físicos, como alguns aqui expostos, faça uma correspondência unívoca entre a posição objetivista na física à defesa do realismo científico, em alguns momentos deixamos transparecer que não necessariamente isso precisa ser assim. Nesta última seção, contudo, problematizaremos com maior profundidade a posição realista, ao menos naquilo que interessa aos propósitos deste artigo. Tentaremos ver, em que medida não é necessário o comprometimento com a epistemologia realista a fim de tornar a postura objetivista na física defensável. Iniciamos com uma apresentação das teses realistas.

Uma caracterização bastante comum para a afirmação do realismo científico se coloca na seguinte tese: as teorias científicas possuem um valor-de-verdade (o verdadeiro ou o falso), uma vez que os enunciados teóricos referem a entidades externas à teoria, sendo que estas entidades realmente existem. O realista mostra-se comprometido com entidades inobserváveis (externas à teoria, e, principalmente, descobertas pela teoria), e alega que este compromisso decorre de uma tentativa de explicação da ciência (e, em alguns casos, de outras modalidades cognitivas) que se apresenta como maior êxito do que as alternativas disponíveis, pois a vantagem de sua concepção reside no fato de que ele possui um critério externo para a avaliação do conhecimento. E, somente por isto, podemos ainda fazer alguma menção à verdade. Esta, por sua vez, seria a correspondência das nossas proposições com o mundo - uma proposição é verdadeira quando ela afirma o que realmente ocorre no mundo, caso contrário, ela é falsa. O mundo externo, portanto, se estabelece como o tribunal das proposições (e das teorias) (37).

Para o realista, o mundo é considerado, sob o ponto de vista ontológico, como constituído por propriedades autônomas. Assim, o mundo externo, num sentido nada trivial - considerando que há aqui uma fonte considerável de debate entre as posições realista e anti-realista - seria independente das teorias científicas. Percebe-se, desta forma, a reivindicação básica do realismo científico: as leis científicas são descobertas, ao contrário da posição anti-realista, que as postula como invenções.

Na perspectiva realista, as entidades teóricas existem (autonomamente); assim, elas são descobertas, e figuram como constituintes teóricos das explicações científicas. Um bom exemplo disto se encontra na mecânica newtoniana, onde as definições das entidades teóricas ali presentes tornam claro o caráter independente destas entidades com relação à teoria que as está veiculando. Força, inércia, gravidade, não são constructos mentais, mas entidades realmente existentes. Elas revelam a estrutura causal do mundo, e permitem uma explicação em torno destes mecanismos causais. Um dos adversários mais brilhantes de Newton, George Berkeley, recusou-se a aceitar as conseqüências realistas de sua mecânica, uma vez que estas não poderiam ser observadas diretamente por intermédio dos sentidos. Ao invés disso, Berkeley as entendia como criações teóricas, sem nenhuma referência externa: força, inércia e gravidade são categorias explicativas, e não possuem autonomia ontológica. Elas acomodam, de uma forma bastante razoável, o material da experiência; não obstante, elas não se referem a entidades extra-teóricas. A gravidade seria apenas uma forma de expressar um tipo de relação entre os corpos - em suma, a gravidade é uma entidade teórica, concebida e, além disso, extremamente bem-sucedida para dar conta de uma explicação (Matthews, 1994, p. 169). Ao contrário, para Newton, ela subsiste nos corpos, e coube à ciência descobri-la.

A fim de apresentar a discussão da forma mais clara possível, elencaremos abaixo quatro princípios básicos do realismo científico.

Em primeiro lugar, uma teoria realista da ciência está inegavelmente comprometida com a verdade. Como já mencionado, ‘verdade’, na visão realista, significa a correspondência da teoria com propriedades extra-teóricas existentes no mundo. Desta forma, o padrão estabelecido para a determinação do valor-de-verdade das teorias é ditado pelo mundo. Temendo ser vencido pela circularidade (as teorias são avaliadas por padrões essencialmente teóricos), e mesmo pelo relativismo (os padrões poderiam variar historicamente), o realista apela a uma instância extra-teórica (o mundo) o julgamento das teorias científicas.

Assim, poderíamos enunciar o primeiro princípio do realismo científico: a verdade existe. Além disso, a verdade é obtida quando se agarra a realidade, sendo que esta é em grande medida independente de nossos recursos científicos (Boyd 1984, p. 42). Contudo, o princípio da existência da verdade é ainda bastante limitado, considerando que a simples afirmação da existência da verdade não distinguiria um realista metafísico de um realista científico, distinção esta que será fundamental aqui. Por isso, concordamos na íntegra com Horwich (1982, p. 182), quando este coloca que a idéia de verdade, para o realista metafísico, é uma idéia não-epistêmica, pois existiria um abismo entre a verdade e nossos meios para reconhecê-la (Horwich 1982, p. 185-186). Segue-se portanto, que necessitamos de um segundo princípio para uma caracterização mais adequada do realismo científico – o princípio da acessibilidade da verdade.

De acordo com este segundo princípio, a verdade somente pode ser obtida a partir de nosso instrumental epistemológico e lingüístico. Naturalmente, aceita-se comumente que nossas teorias são produtos inacabados (em relação à verdade), e podem ser substituídas quando do surgimento de alternativas mais compatíveis com a realidade. Contudo, é possível assegurar às teoria científicas um valor-de-verdade (mesmo que sejamos falibilistas). Assim, as teorias científicas devem ser interpretadas realisticamente, ainda que haja uma dependência da verdade com os ‘padrões metodológicos ordinários’ (Boyd 1984:41). E, de fato, o acesso à verdade é possibilitado por estes padrões. Mas o mais importante, aqui, é o fato de que este valor-de-verdade é aplicado indiscriminadamente tanto aos enunciados teóricos sobre observáveis quanto aos enunciados teóricos sobre inobserváveis, o que nos conduz ao terceiro princípio do realismo científico.

Este princípio poderia ser denominado de princípio do compromisso ontológico. Este princípio tem por finalidade garantir que, em uma teoria, todas as suas afirmações acerca de inobserváveis possam ser entendidas como possuindo um valor-de-verdade. Em outras palavras: as entidades inobserváveis descritas pela teoria realmente existem (ou seja, os termos teóricos referem - possuem um correlato empírico). Para o realista, esta é uma tese importante, uma vez que em sua tentativa de explicar o sucesso da ciência (ou mesmo da possibilidade da ciência), percebe-se que a supressão destas entidades eqüivaleria a sustentar um argumento baseado na coincidência (ou mesmo no milagre); pois, de que outra forma - se não naquela que aceita a existência destas entidades inobserváveis - explicar-se-ia a relação de correspondência entre as teorias e o mundo? Desta forma, não são apenas as entidades observáveis que devem estar em relação de correspondência com a teoria, mas também as entidades inobserváveis.

Por fim, o princípio da verdade como objetivo da ciência. Para o realista, o objetivo da ciência é a verdade. Aliás, esta é uma tese central para o realista explicar o significado da atividade científica: a ciência se distingue de outras modalidades cognitivas exatamente por essa busca (que não ocorre, por exemplo, na arte ou na religião). Desta forma, afirmar que a ciência não se dirige à verdade, é, na visão realista, esposar algum tipo de comprometimento epistemológico que redundará no relativismo. Se não se pode atribuir um valor-de-verdade aos enunciados científicos, como então afirmar algum tipo de primazia cognitiva (sob o ponto de vista lógico e epistemológico) da ciência? É interessante ressaltar que a noção de progresso científico está profundamente vinculada à idéia de que a ciência tende, ao final, a teorias (aproximadamente) verdadeiras.

Diante de tal quadro, coloca-se um problema: como harmonizar a epistemologia realista com as críticas ao construtivismo colocadas na seção anterior? Ou seja, seria o realismo a oposição mais viável ao subjetivismo construtivista, na medida em que aquele pudesse conter em si a explicação mais razoável do significado da ciência? Vejamos então, a partir da posição de Weinberg, a extensão dos compromissos realistas que o artigo pode assumir.

Inicialmente, o que pretende Weinberg, quando critica as posições filosóficas que assumem a explicação científica como destituída de valor? Bem, ao substituir-se a verdade pelo relativismo histórico, pode-se tentar, de fato, explicar o sucesso de uma determinada teoria científica apenas com base na força política de um grupo que se tornou hegemônico dentro da comunidade científica. Como sabemos, a tese do relativismo histórico na ciência tornou-se bastante vulgar a partir (de uma certa leitura) da Estrutura das Revoluções Científicas de Thomas Kuhn. Contudo, o objetivo de Kuhn não era exatamente recolocar a ameaça relativista na ciência; antes, buscava desacreditar a velha epistemologia, mostrando que a ciência era um empreendimento não pautado por regras metodológicas estáveis. O antigo sonho epistemológico – demonstrar a existência de uma correspondência entre a teoria e a realidade por esta descrita, sendo que esta correspondência possibilitar-se-ia a partir do cumprimento de determinadas regras metodológicas – não passava, para Kuhn, de uma forma enganosa de se pensar a atividade científica.

O problema, de acordo com Kuhn, é estabelecer uma forma de justificação da pretendida correspondência entre teoria e realidade. Ora, para o realista, a correspondência independe do sujeito, uma vez que esta é ditada pela própria realidade: se nossa teorias se adaptam à realidade (ou seja, afirmam o que realmente existe), são consideradas verdadeiras, do contrário são falsas. Mas há algo misterioso nesta tese: ela pressupõe, ao mesmo tempo, uma realidade que seja independente da mente, mas que, não obstante, pode ser captada pelas teorias. A questão aqui é: como a realidade pode ser captada pelas teorias? Para Kuhn, a ‘realidade externa’ só pode ser ‘captada’ pelas teorias, a partir das próprias teorias. Naturalmente, deve haver uma realidade externa à mente (às teorias), mas esta só adquire significado quando depurada sob o ponto de vista teórico. E, mesmo quando nos dirigimos ao teste da teoria (à experiência), conservamos o background teórico: os testes que checam a proficuidade empírica da teoria não são considerados instâncias independentes desta. Antes, são por ela articulados; teoria e experimentação, assim, e ao contrário do que defendem os realistas, estão intimamente imbricados.

 

Além de van Fraassen, a passagem de Kuhn colocada abaixo é significativa:

 

Desta forma, percebe-se que o caráter independente da realidade perde completamente o sentido, ao menos nesta perspectiva anti-realista. A manipulação da realidade se estrutura na construção mesma da realidade, em função de parâmetros conceituais que se sobrepõem ao desorganizado mundo físico.

Falamos acima em ‘construção da realidade’. Ou seja, acabamos por aproximar, de alguma forma, a epistemologia de Kuhn com a epistemologia construtivista. Contudo, esta aproximação é ilusória, e desfazer esta ilusão fornece uma pista interessante para o entendimento de nosso problema.

Vimos, no início do texto, que uma das teses centrais do construtivismo de Glasersfeld é a da possibilidade de aquisição de conceitos científicos sem nenhuma espécie de interação social. Como coloca Matthews (1994, p. 153), neste construtivismo ‘os estados (ou estruturas) mentais pessoais são repositórios de conhecimento, e é o indivíduo quem julga as pretensões de conhecimento.’

Todavia, isto parece produzir um desacordo com a epistemologia kuhniana, sobretudo no que diz respeito ao papel do dogma na educação científica. Num primeiro momento, existe, efetivamente, uma relação de concordância entre Kuhn e os construtivistas, a saber, na identificação de que os processos cognitivos de produção do conhecimento não conseguem agarrar uma realidade externa. Mas, embora compartilhem este aspecto, seria temerário deduzir daí um acordo epistemológico geral entre as duas posições, e a razão disto é central na defesa de nosso argumento.

Contrariamente à epistemologia esposada por estes construtivistas, Kuhn rejeita a idéia de apreensão individual de conceitos científicos. A aprendizagem é um processo coletivo, onde a criatividade não ocupa papel predominante (ao menos no que se refere à criação de novas hipóteses que não estão articuladas com o paradigma vigente). O cientista, ao ingressar na comunidade científica, ‘adere’ a um padrão específico de se fazer ciência (e, naturalmente, aprender ciência). Como coloca Kuhn: (s.d., p.55):

 

O que está aqui em jogo? A concepção de que a alternativa ao subjetivismo construtivista reside na proposta realista. Mas, como vimos, é possível contrapor-se ao construtivismo sem necessariamente comprometer-se com o realismo científico.

Além desta questão, há, ao menos, outra de igual importância quando, na seção anterior, afirmamos a importância da matemática como instrumento ontológico para a avaliação do progresso científico, adentramos num território que é também ocupado pelo anti-realista, (em especial, pelo instrumentalista). Um dos problemas do nosso argumento é o seguinte: seria necessário, para sua validade, que a matemática fosse interpretada realisticamente, algo que está longe de consensualidade. Como lembra Quine, (1980, p.225-226) diversas concepções matemáticas concorrem entre si (logicismo/realismo, intucionismo/conceitualismo, formalismo/nominalismo), e não há uma única forma para se estabelecer a precedência de uma sobre outra.

No entanto, este não é problema mais urgente. Em nosso entender, a utilização da matemática pode ser feita sem a pressuposição de que ela seja considerada um instrumento ontológico. Berkeley, um velho instrumentalista, interpretava as teorias físicas de modo a que estas não fossem consideradas o espelho da realidade, mas apenas como teorias matematicamente consistentes. Como colocou Berkeley (cf. Newton-Smith, 1985, p. 157), as forças atribuídas aos corpos não passam de hipóteses matemáticas, e como as entidades matemáticas não são reais, uma outra explicação alternativa seria ainda possível: ‘a mesma coisa pode ser explicada de modos diferentes’. Percebe-se aqui uma implosão da idéia de verdade, considerando a ausência de um padrão externo para a atribuição de tal predicado às teorias.

 

Conclusões

Neste trabalho procuramos apresentar algumas críticas aos fundamentos construtivistas de autores pertencentes à literatura de educação científica. Estas críticas procuram contrapor-se aos argumentos construtivistas, quando aplicados à compreensão dos processos de ensino-aprendizagem científica, assim como, às derivadas teses relativistas empregadas para entender o próprio empreendimento científico. Porém, nesta exposição, não queremos deixar a impressão de uma oposição sistemática à pedagogia construtivista. Pelo contrário, por estarmos conscientes de que o processo de ensino-aprendizagem é altamente complexo, transcendendo o plano pedagógico, defendemos uma atitude pluralista em relação ao ensinar e aprender. Certamente há, nas teses construtivistas, importantes contribuições, tais como, entre outras, críticas ao empirismo-positivismo desenfreado e ao didatismo ingênuo. Acreditamos que cabe ao professor, durante sua prática crítico-reflexiva, procurar equacionar o seu "locus" de trabalho dentro de parâmetros pedagógicos não exclusivos de uma teoria, estando, ao mesmo tempo, preparado para perceber os limites das teorias por ele usadas na sua praxe de sala de aula.

Na seqüência, este trabalho tentou mostrar, através do pensamento de algumas grandes autoridades no campo da física, que as posturas anti-realistas não se aplicam a alguns deles quando desenvolveram, ou desenvolvem, com sucesso esse campo científico. Por outro lado, isto nos faz pensar o quanto estas questões realmente afetam, ou não, o fazer ciência, nesse campo científico ou, tão somente, ficam restritas a nossa compreensão de procurar entendê-lo; contrariamente, acreditamos, e por isso também este trabalho, que na esfera pedagógica o nosso fazer encontra-se atrelado a essa compreensão, mesmo que inconsciente.

Nas discussões que se seguiram tivemos a cautela de ponderar as questões realistas ás anti-realistas, mas cabe ao leitor-professor uma reflexão crítica sobre o que foi posto e sobre o quanto das suas muitas ações pedagógicas estão comprometidas com um visão espitêmica particular de ensinar e aprender.

Apesar das nossas dúvidas da ambição pela busca de verdades, logo, do realismo, nas pretensões teóricas das ciências naturais, em particular, na Física, não temos tanta dúvida do relativismo inerente relacionado às ciências humanas, em particular, àquela da educação, que acima de tudo trata com juízo de valores. Por detrás desta colocação fica a nossa convicção, se nos permitíssemos parafrasear Piaget (1983) em relação à filosofia, de que as teorias pedagógicas aproximam-se mais de sabedorias ligadas à coordenação de valores, portanto, sem a pretensão, propriamente dita, de alcançarem o estatuto de ciência; o que, no entanto, não as deixariam afastadas da crítica. Porém, deixamos transparecer a nossa impressão do caráter muito mais compromissado, por conseqüência, muito mais interobjetivo, das decisões no fazer ciência na Física, em comparação com as ciências humanas, onde a adesão a quase cinco séculos da primeira a determinados padrões, como os aqui exemplificados, impõe-se dentro dessa comunidade, e isto independentemente de uma postura "a priori" realista ou anti-realista, ou de uma pretensa enganosa valorização cognitiva de uma em relação a outra.

Para concluir, esperamos que as diversas colocações inseridas neste trabalho sirvam de ponto de moderação reflexiva para o professorado de educação científica que, por um lado, esteja seduzido pela propaganda construtivista ou que, porventura, tenha apenas uma compreensão intuitiva do ensinar, do aprender e da epistemologia da ciência por ele ministrada.

 

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(1) Por exemplo, em Arruda e Laburú (1998), observa-se que o laboratório didático de física é encarado como uma atividade basicamente de fundo empirista, onde se pode freqüentemente observar entre os professores afirmações categóricas do tipo: "a atividade no laboratório de física serve para o aluno, por meio da observação, inferir as leis e os conceitos da física de uma maneira muito mais efetiva do que uma aula de teoria". Volta para o texto

(2) Neste trabalho, optamos por não mencionar críticas igualmente relevantes que seguem uma linha de argumentação centrada nas condições sociais que influenciam o construtivismo. Uma dessas críticas, por exemplo, localiza no construtivismo, através da volta do seu atrelamento ao domínio da psicologia da educação, posições que constituem uma regressão conservadora, envolvidas com um processo de vigilância e controle do homem, para melhor produzir subjetividades e identidades (Tadeu da Silva 1996, p.216). Nesse sentido, o construtivismo, através do predomínio da Psicologia da Educação, representaria um esforço de despolitização da educação, tornando-a mais eficaz do ponto de vista de uma conformação da força de trabalho ao sistema de produção e de controle da população. Volta para o texto

(3) Conforme também Matthews (1994, p.149). Volta para o texto

(4) Conforme também Matthews (1994, p. 149). Volta para o texto

(5) Citemos para adiantar, por exemplo, as teorias pertencentes a programas de pesquisa com maior força heurística (Lakatos & Musgrave 1979, p. 191), ou a tradições de pesquisa que se submetem à avaliação baseada na sua efetividade ou adequacidade e progressividade (Laudan 1977, p. 69, 106 e 107). Ver mais detalhes em seção a frente. Volta para o texto

(6) Uma diferença importante entre as áreas de conhecimento refere-se às questões de juízo de valor. Diferentemente das ciências humanas, podemos dizer que o estudo da física fundamental não se compromete diretamente com atributos éticos ou juízos de valor. Assim lembramos uma afirmação de Feynman (apud Davies & Brown, 1995): "No nosso campo (Física) nós temos o direito de fazer qualquer coisa que nós quisermos. É somente uma suposição. (...) se alguma coisa estiver errada nós a checamos contra o experimento (p.193) (...) A única coisa perigosa é todo mundo fazer a mesma coisa"(p.196). Volta para o texto

(7) Novamente, uma visão que carrega uma interpretação instrumentalista da ciência. Ver outro comentário na nota seguinte. Volta para o texto

(8) Aqui cabe uma observação de Wolpert (1992, p.11) com sentido de crítica: "se alguma coisa ajusta-se ao senso comum ela quase certamente não é ciência... a maneira como o universo funciona não é a maneira como o sentido comum trabalha". Volta para o texto

(9) Lembrar o que diz Feynman na nota vi. Volta para o texto

(10) Uma reflexão que sintetiza melhor a postura realista e, por que não, objetiva aqui colocada, pode ser resumida na seguinte definição de paradoxo de Feynman. Para ele um paradoxo é uma situação física que dá respostas distintas, dependendo da forma em que é analisada. E afirma: "Certamente, na Física não há nunca qualquer paradoxo real porque há somente uma resposta correta; pelo menos nós acreditamos que a natureza atuará de uma única maneira (e esta é a maneira correta, naturalmente)" (Feynman et al. 1972, p.17-8) (grifos nossos). Volta para o texto

(11) A idéia do éter e da constante cosmológica (Gleiser, 1998, p.16), do neutrino, do princípio de exclusão de Pauli, a necessidade do número quântico cor para resolver o problema do hadron D ++(Fritzsch 1990, p.111-112), etc., são exemplificações que atestam tal posição. Volta para o texto

(12) Por exemplo: novas partículas na cromodinâmica quântica, polarização do vácuo na eletrodinâmica quântica, desvio da luz na relatividade geral, as previsões da antimatéria e do spin na equação de Dirac, etc. Volta para o texto

(13) Os cientistas, particularmente os físicos, estão conscientes de que raramente esperam obter uma concordância total entre teoria e experimento (ou, mais precisamente, as medidas experimentais); a aplicação de uma teoria implica em algum grau de aproximação: o plano não é sem atrito, os átomos são afetados pelas colisões, a construção de instrumentos pode implicar em algum grau de aproximação (Kuhn 1977, p.229). Nesse sentido, a própria realidade é um instrumento objetivo que delimita o alcance da teoria, assim como do rumo do seu aperfeiçoamento. Fica, consequentemente, prejudicado o caráter normativo relativista da asserção (14), já que a especificação do modelo teórico, na interpretação dos dados, tem, na teoria de erros, uma grande ajuda na comparação entre diferentes modelos (Vuolo 1992, p. 38). Volta para o texto

(14) Qualquer visão epistemológica que formula o problema do conhecimento em termos de que o mesmo se encontre na observação ou, em outras palavras, de que ao haver um sujeito olhando para um objeto e ao questionar o quanto bem a sua experiência ou sensação reflete a natureza ou a essência do objeto é fundamentalmente empirista (Matthews 1994, p.150). Tal erro é possível de ser imputado à aprendizagem por descoberta, em que a experiência vem em primeiro plano, e em seguida, a classificação (lembrar, na seção anterior, as proposições da aprendizagem por descoberta). Volta para o texto

(15) Apesar de não ser esta a única estratégia que usa conflitos cognitivos a partir do uso de eventos refutadores. Há, por exemplo, variações dessa estratégia que empregam contradições ao nível conceitual (Stavy & Berkokvitz, 1980; Cosgrove & Osborne, 1985). Volta para o texto

(16) Quando os construtivistas postulam atividades pedagógicas em grupo ou coletivas, estas se comparam, a nível epistêmico, à correlação intra-subjetiva existente entre o indivíduo e o objeto (ver na seqüência do texto). Devemos esclarecer, ainda, que o emprego, quando se torna excessivo, do estilo discussão em grupo e da penetração estremada deste estilo no círculo pedagógico, através dos construtivistas em geral, deva-se, talvez, a uma leitura distorcida, ou melhor, exagerada do trabalho de Vygotsky (1978). Quando Vygostky coloca que é no grupo cultural onde o indivíduo nasce e se desenvolve, que lhe são fornecidas as formas culturalmente determinadas de perceber e organizar o real, que os processos psicológicos do indivíduo são internalizados a partir dos processos interpsicológicos (Oliveira 1993, p.37, 97), não devemos esquecer que também para ele é fundamental que a alteração de desempenho de uma pessoa se dê por meio da interferência de outra. Isto quer dizer que um indivíduo tem a capacidade de se desenvolver e de se beneficiar de uma colaboração de outro indivíduo (Oliveira 1993, p.59). Tal proposição pode vir a ser entendida sem a enfática implicação e determinação de que em todo e qualquer momento deve-se recorrer às discussões em grupo e, por outro lado, não descarta a influência direta da exposição oral convencional, logo, assistência explícita, do professor. Volta para o texto

(17) Uma outra linha de argumentação poderia vir a perguntar o seguinte. Será que o sujeito está sempre a mercê do capricho do grupo? A nossa resposta seria: nem sempre. No caso da sala de aula constatamos, quando se usa a técnica de estudo em grupo, que apesar de existirem alunos líderes em idéias dentro de certos grupos, ao mesmo tempo presenciam-se alunos que não aceitam a posição do líder e defendem idéias independentes (Laburú, 1993, p.87). Na ciência, muitas vezes, reconhecem-se grandes avanços quando indivíduos se atrevem a romper com conceitos aceitos pela coletividade científica. Volta para o texto

(18) Como fizeram historicamente os cardeais críticos de Galileu em relação à luneta astronômica, quando este procurava demonstrar a existência de sombras ou manchas lunares, com a intenção de convencê-los de que a lua não era um perfeito cristal aristotélico. Os críticos, mantendo as suas crenças, diziam que as lentes da luneta distorciam as imagens dos corpos supraterrestres (Feyerabend, 1989). Volta para o texto

(19) Essa diferenciação de personalidade e estilo de trabalho pode ser vista mesmo entre os grandes cientistas. Há cientistas que preferem descobrir leis da natureza enquanto outros preferem usar as mesma leis já conhecidas para melhor entender a maneira como a natureza se comporta. Por exemplo, Pauli, em toda a sua vida, publicou muito menos do que devia, por ser muito crítico. Tentava inspirar-se em experimentos e verificar, de certa forma intuitiva, como as coisas se ligavam. Ao mesmo tempo, procurava racionalizar suas intuições e encontrar um esquema matemático rigoroso, que lhe permitisse provar tudo o que dissera. Bohr, ao contrário, ousava publicar artigos que não tinha condições de provar e que se mostravam corretos no final (Salam et al. 1993, p.89). Heisenberg achava perigoso uma única prescrição de trabalho. Para ele a prescrição deve ser diferente para diferentes físicos. "(...) a prescrição que sempre adotei foi a de que não convém prender-se demais a um grupo especial de experimentos; ao contrário, devemos tentar nos manter a par de todos os desenvolvimentos em todos os experimentos relevantes, de modo a poder ter sempre a visão geral do quadro, antes de tentar estabelecer uma teoria em linguagem matemática ou outras" (opus cit.p.90). Volta para o texto

(20) Aqui, a importância durante a instrução de se levar em conta o papel da memorização de informações e da aquisição de habilidades profissionais específicas, não pode ser trivialmente desconsiderada. Volta para o texto

(21) Responsável, junto com Salam e Glashow, pela unificação da força nuclear fraca com o eletromagnetismo (Salam et al. 1993, p.34). Volta para o texto

(22) Estas idéias de Weinberg são convergentes com o conceito de força heurística envolvido com os programas de pesquisa de Lakatos (1978). Estes, em linhas gerais, compõem-se de diretrizes metodológicas responsáveis pela construção e modificação das teorias científicas. A força heurística, por seu lado, caracteriza a capacidade de um programa de pesquisa em antecipar teoricamente fatos novos em seu crescimento (Lakatos e Musgrave, 1979). Para Feynman (1989, p.210) a ciência só é útil se se referir à alguma experiência que ainda não foi realizada, não servindo para nada quando apenas fala daquilo que já foi feito. Volta para o texto

(23) A Teoria da Eletrodinâmica Quântica chega a fazer previsões numéricas da ordem de 10 -12. Isto é no fundo como pedir para alguém realizar a proeza de fazer uma estrada semelhante à Transamazônica, cometendo um erro aproximado de um fio de cabelo. Volta para o texto

(24) Heisenberg ilustra isto dizendo que para se calcular o efeito Zeeman anômalo na mecânica quântica deve-se resolver um problema de perturbação, representado por um determinante "secular". Este determinante significa um conjunto de várias equações lineares com várias incógnitas. "Ora, dois osciladores acoplados são exatamente a mesma coisa, eles também significam várias equações lineares com várias incógnitas" (Salam et al. 1993, p.72). Volta para o texto

(25) O critério lógico-matemático, assim como outros que estão sendo vistos, é um dos importantes guias que orientam o cientista na busca do conhecimento válido. Assim, sabe-se que algo está muito incorreto com uma teoria, ou com o seu encaminhamento, quando se obtém grandezas infinitas e não se deveriam obtê-las; caso da antiga teoria da interação fraca e da gravitação quântica baseada na teoria da relatividade geral de Einstein, ou, ainda, num exemplo mais geral, da geração de anomalias - quebra de simetrias (ver também nota xxviii) durante a reformulação de teorias clássicas - quando estas são quantizadas (Davis & Brown 1995, p.66). Ainda, quanto a manutenção da estrutura lógica, Bohr encontra na história da ciência a demonstração de que, em havendo exploração de campos cada vez maiores da experiência, revelando limitações das idéias costumeiras, novos caminhos são apontados para se estabelecer a ordem lógica (Bohr 1995, p.94). Volta para o texto

(26) Para Weinberg não há dúvidas de que uma das razões para Einstein ter ficado tão feliz com a idéia de equivalência entre gravitação e inércia foi o fato de que esse princípio leva somente a uma teoria rigorosa da gravitação e não a uma variedade infinita de teorias da gravitação possíveis (Weinberg 1996, p. 121). Volta para o texto

(27) Alguns exemplos mais eloqüentes de unificações bem sucedidas na história da física seriam: Newton demonstrando que os movimentos dos corpos celestes conformam-se às mesmas leis dinâmicas e gravitacionais dos corpos próximos à superfície terrestre; Maxwell unificando as leis da eletricidade e magnetismo e, adicionalmente, estabelecendo uma ligação entre a teoria do campo eletromagnético e a óptica, mostrando que a luz consiste de ondas eletromagnéticas; Einstein achando uma conexão entre energia e massa, espaço-tempo e gravitação (ver também a nota abaixo). E, mais atualmente, a unificação do micro com o macro mundo, em que a física das partículas elementares é condição para entender o próprio cosmos. Volta para o texto

(28) Há uma estreita conexão entre o conceito de simetria e as leis de conservação. A simetria nada mais é que uma afirmação de que algo se apresenta da mesma forma quando olhado de pontos de vista diferentes. Assim, uma simetria das leis da natureza pode ser entendida como uma afirmação de que as leis que descobrimos não mudam, quando fazemos certas declarações no ponto de vista do qual observamos os fenômenos naturais (Weinberg 1996, p. 111). Volta para o texto

(29) A teoria contemporânea de supercordas tem a pretensão de teoria do tudo. Através dela procura-se a unificação das forças eletrofraca, forte e gravitacional. Volta para o texto

(30) Todavia, para a geração de primeira linha da primeira metade do século, os problemas filosóficos sempre estiveram em pauta durante o desenvolvimento inicial da física moderna; o que se pode ver nos debates realistas versus positivistas de Bohr-Einstein, a respeito dos fundamentos metafísicos da mecânica quântica; ou nos tipos de conversas de Heisenberg com Einstein em 1926, onde este último dissuade o primeiro a partir da teoria para decidir o que pode ser observado, criticando, dessa maneira, a visão positivista de Heisenberg que considerava, inicialmente, a proposição inversa (Salam et al. 1993, p.77 e 83). Volta para o texto

(31) Bohr (1995, p. 91) comenta, por exemplo, que o formalismo matemático da Mecânica Quântica não admite uma interpretação pictórica. Volta para o texto

(32) Sobre isto, ver discussão na próxima seção. Volta para o texto

(33) Por outro lado, o formalismo matemático coerente é julgado inadequado quando suas conseqüências afastam-se da experiência ou quando prova que suas previsões não esgotam as possibilidades de observação (Bohr 1995, p. 162). Volta para o texto

(34) Conforme também nota vi. Volta para o texto

(35) Ver discussão na seção seguinte. Volta para o texto

(36) No sentido de avançar o conhecimento. Volta para o texto

(37) Entenda-se porém, que mundo aqui não significa apenas o mundo externo observável, mas também um mundo constituído por entidades inobserváveis. Volta para o texto

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