LINGUAGEM CIENTÍFICA VERSUS LINGUAGEM COMUM
NAS RESPOSTAS ESCRITAS DE VESTIBULANDOS
(Conceptual elaboration and language in the chemistry and science classroom)



Eduardo Fleury Mortimer
Alexander Nilson Chagas
Faculdade de Educação
Vera Tamberi Alvarenga
Departamento de Química/Instituto de Ciências Exatas
Universidade Federal de Minas Gerais


Resumo

     Este trabalho apresenta um estudo sobre a linguagem escrita utilizada por vestibulandos em resposta a uma questão da prova aberta de química do vestibular da UFMG de 1996, buscando situar a linguagem utilizada pelos estudantes em algum ponto de um contínuo que vai da linguagem científica à linguagem comum e tentando verificar se há alguma relação entre o uso da linguagem e o desempenho na questão. Palavras-chave: linguagem científica; linguagem comum; vestibular.
Palavras-chave: elaboração conceitual, linguagem, química.


Abstract
    In this paper we discuss the role of language in the process of elaborating chemistry concepts in the classroom. We analyse a teaching episode showing the relationship between scientific language and common language and the contradiction, present in the constructivist classroom, between the convenience of giving voice to the students and the need of following a previous instructional plan. We try to show how this approach fits in a change of perspective in science education research, from an analysis centered towards an analysis of classroom as a socio-cultural space.
Key-words: conceptual elaboration, language, chemistry.
 

Introdução
 

A investigação sobre o papel da linguagem no ensino-aprendizagem de ciências tem aumentado significativamente nos últimos anos. A grande maioria dos trabalhos nessa área tem pesquisado o uso de analogias e metáforas e suas implicações para o ensino de ciências (como artigos de revisão nessa área podem ser mencionados, por exemplo, Duit, 1991; Dagher, 1995; e o número especial do Journal of Research in Science Teaching 30(10), 1993).

Um número bem menor de estudos tem se dedicado à investigação do papel da linguagem na construção de significados científicos em salas de aula (ver, por exemplo, Lemke, 1990; Sutton, 1992; Scott, 1996 e 1997; Ogborn et al. 1996; Mortimer, 1997). Esses trabalhos são conseqüência, de certa forma, das investigações empíricas sobre o discurso da sala de aula, em geral, que têm mostrado as características particulares desse tipo de discurso (por exemplo, a presença de sequências Pergunta-Resposta-Feedback) e o modo como os professores usam o discurso para guiar e avaliar o processo de aprendizagem (ver, por exemplo, Edwards & Mercer, 1987; Newman, Griffin & Cole, 1989; Mercer, 1995).

 Os estudos sobre as interações discursivas nas salas de aula de ciências têm mostrado que elas são povoadas por entidades abstratas (elétrons, moléculas, etc.) e que, na construção do significado dessas entidades, "a forma pela qual o professor ‘fala sobre’ as evidências ou atividades é, no mínimo, tão importante quanto as próprias evidências e atividades" (Scott, 1997, p. 127).

 O estudo sobre as relações entre linguagem comum e linguagem científica tem estado presente na maioria dos trabalhos citados, mas são raras as pesquisas que aprofundam as características e as diferenças - inclusive gramaticais - entre esses dois tipos de linguagem. Em trabalho anterior (Mortimer e Machado, 1996) procuramos situar as falas de alunos em salas de aula entre esses dois tipos de linguagem, utilizando como referência, principalmente, os trabalhos de Halliday & Martin (1993) e de Bruner (1991).

 Dando continuidade a essa pesquisa, este trabalho apresenta um estudo sobre a linguagem escrita utilizada por vestibulandos em resposta a uma questão da prova aberta de química do vestibular da UFMG de 1996, buscando situar a linguagem utilizada pelos estudantes em algum ponto de um contínuo que vai da linguagem científica à linguagem comum e tentando verificar se há alguma relação entre o uso da linguagem e o desempenho na questão.

 A questão do vestibular que foi analisada (ver figura 1) apresentava as curvas de temperatura x tempo antes e durante a ebulição para três substâncias puras (água, etanol  e acetona), e constava de 3 itens:

 - o item 1 solicitava a identificação das curvas e a justificativa dessa identificação com base nas interações intermoleculares presentes em cada substância;
 - o item 2 solicitava a previsão e a justificativa do que aconteceria com a inclinação do segmento de reta correspondente ao aquecimento do etanol e com o seu patamar de ebulição se fosse usada uma maior quantidade desse líquido;
 - o item 3 solicitava a previsão e a justificativa do que aconteceria com o comprimento do segmento de reta correspondente ao aquecimento da água e com a temperatura de ebulição se fosse adicionado um soluto não-volátil à água.

Para a análise das resposta dos estudantes foi selecionada uma amostra aleatória de 10% do total de 11.250 provas, que inclui todos os cursos das áreas de ciências exatas e biológicas que fazem prova de química na segunda etapa do vestibular da UFMG.

 Na análise procuramos identificar os tipos de erros mais comuns e verificar os elementos de linguagem utilizados pelos alunos de modo a verificar o uso ou não de processos nominalizados e de outros elementos gramaticais que possam caracterizar o uso de uma linguagem científica ou de uma linguagem comum. Posteriormente fizemos um cruzamento entre acertos e erros detectados e o uso da linguagem, para tentar responder se há alguma relação entre linguagem utilizada e correção das respostas.

A linguagem comum e a linguagem científica
 
A linguagem científica tem características próprias que a distinguem da linguagem comum. Essas características não foram inventadas em algum momento determinado. Ao contrário, foram sendo estabelecidas ao longo do desenvolvimento científico, como forma de registrar e ampliar o conhecimento. Essas características, muitas vezes, tornam a linguagem científica estranha e difícil para os alunos. Reconhecer essas diferenças implica em admitir que a aprendizagem da ciência é inseparável da aprendizagem da linguagem científica.

 Com a finalidade de analisar as respostas dos vestibulandos à questão, tentamos estabelecer uma tipologia que pudesse caracterizar, por um lado, a linguagem comum e, por outro, a linguagem científica. Acreditamos que exista um contínuo entre esses dois extremos, e que a maioria respostas dos alunos poderá envolver características de um e/ou outro tipo de fala, em maior ou menor grau. Para estabelecermos as características do discurso científico, usamos o referencial de análise proposto por Halliday & Martin (1993). Para as características do discurso de senso comum, usamos, também, as categorias propostas por Bruner (1991). A seguir, resumiremos, algumas características de um e outro tipo de discurso.

 Enquanto na linguagem comum predominam narrativas que relatam seqüências lineares de eventos, a linguagem científica congela os processos, transformando-os em grupos nominais que são então ligados por verbos que exprimem relações entre esses processos. A linguagem científica é, portanto, predominantemente estrutural enquanto que a linguagem cotidiana é linear, apresentando uma ordem seqüencial que é estabelecida e mantida. Na linguagem científica, o agente normalmente está ausente, o que faz com que ela seja descontextualizada, sem a perspectiva de um narrador. Na linguagem cotidiana, o narrador está sempre presente.

 Figura 1 - Questão da prova de Química cujos resultados foram investigados

 Para exemplificarmos essas distinções, podemos tomar um exemplo de como uma mesma frase poderia ser expressa numa e noutra linguagem. Deve-se observar que a tradução entre um e outro tipo nem sempre é possível, pois as características da linguagem científica correspondem à uma forma diferenciada de se pensar e ver o mundo que essa cultura construiu. Ao nos referirmos a como o aumento de temperatura afeta a dissolução de sal de cozinha em água no nosso cotidiano, normalmente falamos: quando colocamos sal em água e aquecemos, conseguimos dissolver uma maior quantidade do que em água fria. Na linguagem científica, expressaríamos esse mesmo fato de uma forma diferente: o aumento de temperatura provoca um aumento da solubilidade do sal. Note-se que, na primeira frase, o agente está presente, os verbos designam ações efetuadas por esse agente, e os fatos são apresentados numa ordem seqüencial que garante a linearidade do discurso. Já na segunda frase, o agente desapareceu em conseqüência da nominalização dos processos. Dessa forma, as ações antes designadas por verbos estão embutidas nos grupos nominais (aumento de temperatura e aumento da solubilidade do sal). O verbo (provoca) não mais indica uma ação mas uma relação entre os dois processos nominalizados.

 A linguagem cotidiana é automática e muito mais próxima da fala. As pessoas não têm necessidade de estarem refletindo a todo o momento sobre o que vão dizer. Já a linguagem científica exige uma reflexão consciente no seu uso, e aproxima-se muito mais da linguagem escrita. A gramática cotidiana é muito mais complexa e intrincada do que a gramática científica, como detalharemos a seguir. No entanto, o processo de nominalização aumenta a densidade léxica da linguagem científica, na qual quase todos os termos usados carregam significados interligados numa estrutura conceitual. A linguagem cotidiana apresenta um mundo dinâmico, em que as coisas estão sempre acontecendo, como numa chama ou numa onda. Já na linguagem científica, esses acontecimentos e processos foram congelados pelo processo de nominalização, pois o mais importante é colocá-los em estruturas, como num cristal ou numa partícula.

 Vale destacar que Halliday & Martin (1993) referem-se ao processo de nominalização como uma "metáfora gramatical", na qual, no lugar da substituição de um nome por outro, como na metáfora ordinária, ocorre a substituição de uma classe ou estrutura gramatical por outra. Ou seja, a linguagem científica substitui os processos, expressos normalmente por verbos, por grupos nominais. "Quanto tempo uma reação química leva para completar-se", se transforma, através da nominalização, em "rapidez de uma reação química". Isso pode se constituir numa dificuldade para o aluno, acostumado a designar seres e coisas por nomes e processos por verbos. Ao usar a linguagem científica ele começa a habitar um estranho mundo onde os processos se transformaram em nomes ou grupos nominais e os verbos não expressam mais ações e sim relações.
 De acordo com Halliday, a metáfora gramatical não é algo que foi inventado pelos cientistas em um momento determinado. Esse gênero de discurso foi sendo construído ao longo do desenvolvimento da própria ciência para responder a uma necessidade do discurso científico de progredir passo a passo, com um movimento constante do que já se conhece em direção a uma nova informação. As duas partes ("o que já se conhece" e a "nova informação") têm que ser apresentadas de maneira que sua função no argumento fique clara. A melhor maneira de fazê-lo é agrupando essas duas partes numa única frase. Para isso, as duas partes devem ser transformadas em nomes ou em grupos nominais e o verbo que se coloca entre elas deve mostrar como a segunda parte ("nova informação") se relaciona com a primeira ("o que já se conhece").

 Por exemplo, na frase:

"O átomo absorve e emite energia unicamente em quanta, ou unidades discretas. Cada absorção caracteriza uma transição para um estado de maior energia e cada emissão caracteriza uma transição para um estado de menor energia".

 No segundo período (sublinhado), cada frase consiste:

1) Em uma parte "que já se conhece", nominalizando o que havia sido dito antes:
o átomo absorve energia => cada absorção
o átomo emite energia  => cada emissão
2) Em uma parte que contém a "nova informação", também nominalizada:
a transição para um estado de maior energia/ menor energia
3) Em uma relação entre essas duas partes, na forma de um verbo:
caracteriza
 
 Já na linguagem cotidiana, de acordo com Bruner (1991), os processos (ações, eventos, processos mentais) se expressam por verbos; os participantes (pessoas, animais, objetos concretos e abstratos) desses processos se expressam por nomes e substantivos; as circunstâncias (tempo, lugar, modo, causa, condição) se expressam por advérbios e locuções adverbiais; e as relações entre os processos se expressam por conjunções. As dificuldades dos alunos em transitarem entre essas características da linguagem cotidiana e aquelas descritas para a linguagem científica é evidente, como mostraremos na análise das respostas dos vestibulandos.
 
Resultados
 
 Na apresentação dos resultados, optamos por construir quadros com a discriminação de todos os principais tipos de erro apresentados pelos vestibulandos, o número de estudantes que acertou a questão ou cometeu cada tipo de erro e a porcentagem em relação ao total de provas amostradas (quadros 1a, 2a e 3a). Foram classificadas como "outros" os tipos de resposta que não enquadravam nas categorias de erro listadas e que não se repetiam em outras provas, de modo que sua apresentação tornaria os quadro muito longos e de difícil leitura.

 A ordem em que os erros aparecem na tabela é intencional e significa uma hierarquia, dos erros de menor para os de maior gravidade. Com a finalidade de permitir o cruzamento entre os dados sobre os erros e aqueles sobre a linguagem utilizada, optamos por estabelecer um agrupamento de todos erros em duas categorias: erros maiores e erros menores. Esse agrupamento é apresentado nos quadros logo após o respectivo quadro discriminando todos os tipos de erro (quadros 1b, 2b e 3b).

 Os resultados mostram que 11,4% dos estudantes na amostra acertaram completamente o item 1, 14,2% o item 2 e 56,7 % o item 3 da questão.  Os tipos de erros mais comuns detectados no item 1 são relacionados à atribuição das interações intermoleculares incorretas a cada líquido e não à identificação correta das curvas, que é feita por mais de 60% dos estudantes.

 No item 2, 35,2% dos estudantes, além dos 14,2% que acertaram item, levaram em consideração o aumento da quantidade do líquido e admitiram alterações na inclinação da curva de aquecimento do etanol e no comprimento do patamar, mas não indicaram que alterações são essas ou tiveram dificuldades em relacionar essas modificações corretamente. Muitos estudantes confundem o que significa diminuir ou aumentar a inclinação da curva, o que indica um tipo de erro relacionado à dificuldades com a representação gráfica dos fenômenos. Nesse mesmo item, 39,7% dos estudantes da amostra responderam que não ocorre alteração alguma com a inclinação da curva de aquecimento ou com o patamar de ebulição, argumentando que isso se deve ao fato de que a substância é a mesma, ou as interações intermoleculares são as mesmas, ou ainda a temperatura de ebulição não se altera. Em algumas dessas respostas os estudantes admitem que o tempo de aquecimento vai ser maior, mais não percebem a relação desse fato com a alteração da inclinação da curva. Também nesse tipo de resposta parece haver uma dificuldade em relacionar o fato descrito com sua representação gráfica.

 Em relação ao item 3, é interessante observar que há um aumento significativo na porcentagem de estudantes que acertaram completamente o item (56,7%), quando comparado aos itens 1 e 2 (11,4% e 14,2%, respectivamente). Isso talvez possa ser explicado por três razões: em primeiro lugar, trata-se de um problema canônico (adição de um soluto não-volátil a um líquido puro); segundo, a relação entre o fenômeno (aumento da temperatura de ebulição com conseqüência da adição do soluto não volátil) e a representação gráfica (aumento do segmento correspondente ao aquecimento do sistema, supondo que a inclinação se mantenha constante) é mais direta do que, por exemplo, a do item 2; finalmente, a pergunta afirma, implicitamente, que haverá uma mudança ("DESCREVA a mudança que será observada no comprimento desse segmento"), enquanto que no item 2 o estudante deve decidir se há ou não modificação na inclinação da curva. No item 3, os erros mais comuns consistem em não admitir alterações ou prever alterações que não ocorrem na temperatura de ebulição e no comprimento do segmento correspondente ao aquecimento da água quando se adiciona a ela um soluto não-volátil.

Quadro 1a - Número de vestibulandos e porcentagens por tipos de erros e acerto para o  item 1
 
 

Tipos de erro
n
%
1 - resposta correta  128 11,4
2 - atribuição correta das curvas e das interações intermolecul. a cada líquido, 
mas sem diferenciação entre a água e o etanol 
254  22,6
3 - atribuição correta das curvas a cada líquido e 
das interações intermoleculares a pelo menos dois dos líquidos 
16  1,4
4 - resposta incompleta, mas sem erros 
(falta atribuição de interações intermoleculares ou da curva a algum dos líquidos) 
34 3,0
5 - atribuição correta das curvas e incorreta das interações intermoleculares  183  16,3
6 - atribuição correta das interações intermoleculares e incorreta das curvas  23  2,0
7 - atribuição incorreta das curvas e das interações intermoleculares  92  8,2
8 - atribuição de outros tipos de interação (p. ex., dipolo induzido) ou 
fornece outro tipo de explicação (p. ex., polaridade das moléculas, peso molecular, saturação e insaturação) 
297  26,4
9 - referência à quebra de ligações interatômicas no processo de ebulição  0,6
10 - resposta incompleta e com erros  13 1,2
11 - outros tipos de respostas erradas  61 5,4
12 - não responderam ao item  17  1,5
Total 
1125  100,0
 

Quadro 1b - Agrupamento dos erros no item 1

Foram considerados erros menores, os de número 2, 3 e 4 do quadro 1a; erros maiores: 5 a 11.
 

%
acerto 
128 
11,4
erro menor 
304
27,0
erro maior 
676 
60,1
sem resposta 
17 
1,5
total 
1125 
100,0
 

Quadro 2a - Número de vestibulandos e porcentagens de erros e acertos para o item 2
 
Tipos de erro 
%
1 - resposta correta 
160 
14,2 
2 - Admite corretamente as mudanças no tempo de aquecimento e no tempo na qual a temperatura permanece constante em função do aumento da quantidade de líquido, mas erra em relação às alterações na inclinação da curva. 
128 
11,4
 3 - Admite corretamente as mudanças na inclinação da curva, no tempo de aquecimento e no tempo na qual a temperatura permanece constante em função do aumento da quantidade de líquido, mas não indica qual a mudança na inclinação da curva. 
190
 16,9 
4 - Resposta incompleta, mas sem erros (faltam comentários sobre o tempo de aquecimento ou o tempo no qual a temperatura permanece constante ou sobre a alteração na inclinação da curva). 
78
6,9 
5 - Indica corretamente as mudanças na inclinação da curva e/ou no tempo durante a qual a temperatura permanece constante, mas não explica ou explica incorretamente.
 14 
1,2 
6 - Admite mudanças na inclinação da curva e/ou no tempo durante a qual a temperatura permanece constante, mas não explica corretamente nem indica quais alterações ocorrem. 
16 
1,4 
7 - Responde que não ocorrem alterações na inclinação da curva ou no tempo no qual a temperatura permanece constante porque a substância é a mesma, ou porque a temperatura de ebulição não se altera ou ainda porque as interações intermoleculares são as mesmas 
379 
33,7 
8 - Responde que não ocorrem alterações na inclinação da curva e no tempo no qual a temperatura permanece constante porque a substância é a mesma, ou porque a temperatura de ebulição não se altera ou ainda porque as interações intermoleculares são as mesmas 
67 
6,0 
9 - outros tipos de respostas erradas 
78 
6,9
10 - não responderam ao item 
15
1,3 
Total 
1125 
99,9 
 

Quadro 2b - Agrupamento dos erros no item 2

Foram considerados erros menores, os de número 2, 3 e 4 do quadro 2a; erros maiores: 5 a 9.
 
 
 
Total 
%
acerto 
160 
14,2 
erro menor 
396 
35,2
erro maior 
554
 49,2
sem resposta 
15 
1,3
total 
1125 
99,9
 
Quadro 3a - Número de vestibulandos e porcentagens por tipos de erros e acerto para o  item 3
 
 
Tipos de erro 
n
 %
1 - resposta correta 
638 
56,7 
2 - Responde que a temperatura de ebulição aumenta com a adição de um soluto não volátil, mas não descreve a alteração que ocorre no comprimento do segmento AC. 
56 
5,0 
3 - Responde que o comprimento do segmento AC aumenta mas não explica a alteração em termos do aumento da temperatura de ebulição em conseqüência da adição do soluto não-volátil. 
240 
21,3 
4 - Responde que o comprimento do segmento AC se altera mas não indica a alteração e/ou porque se altera. 
25
2,2 
5 - Responde que o comprimento do segmento AC diminui e/ou que a temperatura de ebulição diminui com a adição do soluto não-volátil. 
70 
6,2
6 - Responde que o comprimento pode aumentar ou diminuir, dependendo da temperatura de ebulição do soluto. 
0,5
7 - Outros tipos de respostas erradas 
65
5,8 
8 - não responderam ao item 
25 
2,2
 Total 
1125 
99,9 
 
 

Quadro 3b - Agrupamento dos erros no item 3

Foi considerado erro menor, o de número 2 do quadro 3a; erros maiores: 3 a 7.
 
 
Total 
%
acerto 
638 
56,7
erro menor 
56 
5,0
 erro maior 
406 
36,0
sem resposta 
25 
2,2 
total 
1125 
99,9
 
 

A linguagem usada pelos vestibulandos

 Em relação ao uso da linguagem, a grande maioria dos estudantes não usa processos completamente nominalizados para responder aos itens 1 e 2 (vide quadros 4). Entre os que acertaram o item 1, apenas 3,1% utilizam processos nominalizados, enquanto que 90,6% utilizam processos não-nominalizados e 6,3% recorrem a uma resposta esquemática. Também é baixa a percentagem dos estudantes que usam explicitamente elementos gramaticais de comparação para responderem ao item, o que seria esperado pelo tipo de solicitação feita. Em relação aos 59,9% de estudantes que cometeram erros na atribuição correta das interações intermoleculares a cada líquido, apenas 1,5% usaram processos nominalizados, enquanto que 37,2% usaram respostas esquemáticas e 58,5% usaram processos não-nominalizados. A diferença no uso de processos nominalizados entre os que erraram e acertaram é mais acentuada no item 3, onde 12,4% dos que acertaram usaram esses processos enquanto que entre os que erraram a questão esse número cai para 4,3%. Essa diferença talvez possa ser explicada por se tratar de uma resposta canônica ("a adição de um soluto não-volátil a um líquido puro provoca o aumento da temperatura de ebulição do sistema") a um problema muito usual, enquanto que os problemas formulados nos itens 1 e 2 não o são da mesma maneira.
 Outro aspecto que merece menção, em relação ao item 1, é o uso de resposta esquemática por um grande número de alunos, principalmente entre os que erraram o item (21,9% dos que apresentaram erro menor e 37,2% dos que apresentaram erro maior). Já entre os que acertaram, essa porcentagem cai para 6,3%. Um exemplo típico desse tipo de resposta ao item 1 é mostrado a seguir.

I - água (pontes de hidrogênio)
II- etanol (pontes de hidrogênio)
III- acetona (pontes de hidrogênio).

 Para ilustrar as outras categorias de linguagem é conveniente usar alguns exemplos retirados das respostas dos alunos. Num dos extremos temos as respostas que caracterizam o uso de uma linguagem científica através de processos nominalizados e verbos de relação, como na seguinte resposta ao item 3:

"Este segmento aumentará de comprimento pois haverá um acréscimo na temperatura de ebulição devido a adição de um soluto não-volátil diminuir a pressão de vapor do líquido."

 A análise dessa resposta mostra que o vestibulando usa grupos nominais para expressar os processos ("acréscimo na temperatura de ebulição" e "adição de um soluto não-volátil") e um verbo que exprime a relação entre esses processo ("devido").

 No outro extremo temos as respostas que usam sequências lineares de eventos, normalmente usando contextos familiares, o que caracteriza o uso de uma linguagem cotidiana:
"Suponhamos que o soluto seja o conhecido sal de cozinha (NaCl) ao dissolvermos este em água, observaremos um aumento na densidade da mistura, para que façamos a quebra de H2O e NaCl a temperatura deverá ser maior, devido ao novo ponto de ebulição da nova mistura."

 Nessa resposta, o vestibulando narra os processos como uma sequência linear de eventos ("ao dissolvermos" -> "observamos" -> "para que façamos a quebra") que ocorrem num contexto bem estabelecido ("Suponhamos que o soluto seja o conhecido sal de cozinha"). Há a presença de um agente, pois todas a frases são construídas na primeira pessoa do plural.

 No entanto, os dados apresentados na tabela 2 mostram que a grande maioria das respostas não se situam nestes extremos, mas sim caracterizam o uso de processos não-nominalizados relacionados através de conjunções, como no exemplo a seguir, em resposta ao item 2:

"O segmento AB fica menos inclinado, já que o líquido levará mais tempo para aquecer e para atingir a temperatura de ebulição. Isso ocorre porque com uma maior quantidade de líquido, a vizinhança gastará um tempo maior  para fornecer energia suficiente para que as moléculas fiquem com energia ideal (suficiente) para escaparem, ou seja, para entrarem em ebulição."

 Note-se também, nesse exemplo, uma forte tendência à agentificar fenômenos, substâncias e lugares físicos. Neste caso a frase "a vizinhança gastará um tempo maior  para fornecer energia suficiente" atribui ao lugar físico vizinhança um papel de agente do processo de fornecer energia. Apesar de não ter sido quantificado esse recurso à agentificação, ele está presente em um grande número de respostas.

Quadros 4 - Linguagens utilizadas pelos alunos versus tipos de erros ( As porcentagens se referem aos totais de cada linha e não ao total da amostra)

Item 1:

 
Proc.
 nominalizado
Proc.não
 nominalizado Esquema Sequência linear Outros 
n
%
n
%
n
%
n
%
n
%
Total 
Acerto
4
3,1
116
90,6
8
6,3
-
-
-
-
128
Erro menor
11
3,6
226
73,9
67
21,9
-
-
2
0,7
304
Erro maior
10
1,5
394
58,5
251
37,2
-
-
19
2,8
676
Não responderam - 17

Item 2:
 
 
Proc.
normalizado
Proc.não 
 normalizado
Seqüência
linear
Outros
 
 
n
%
n
%
n
%
n
%
Total
Acerto
11
6,9
147
91,9
2
1,3
-
-
160
Erro menor
13
3,3
372
93,9
3
0,8
8
2,0
396
Erro maior
21
3,8
518
93,5
-
-
15
2,7
554
Não responderam - 15

Item 3:
 
 
Proc.
normalizado
Proc. não
normalizado
Seqüência
linear
Outros
 
 
n
%
n
%
n
%
n
%
Total
Acerto
79
12,4
555
87,0
2
0,3
2
0,3
638
Erro menor
4
7,1
48
85,7
1
1,8
3
5,4
56
Erro maior
16
3,9
364
89,7
1
0,2
25
6,2
406
Não responderam - 25
 

 O fato de que os estudantes não usem processos completamente nominalizados não significa que eles usem uma linguagem totalmente cotidiana nas suas respostas, mas sim que essas respostas misturam características da linguagem comum e da linguagem científica.
 O uso de conjunções como elementos de ligação causal aproxima o texto dos alunos da linguagem científica. O uso de frase dos tipos Já que ...... então ..... ou ......... pois ....... (então) ......revela uma relação causal entre o que já é conhecido (a frase que se segue ao já que ou ao pois) e a nova informação (a frase que se segue ao então), característica da construção do discurso científico, segundo Halliday (1993). A diferença é que essa conjunções substituem o verbo de relação, pois ligam frases em que os processos não estão nominalizados. O exemplo seguinte, resposta ao item 2, ilustra esse tipo de construção nas respostas dos alunos:
"A inclinação AB sofrerá modificações pois, tendo maior quantidade de líquido para evaporar, o tempo dessa evaporação aumentará, embora a temperatura seja a mesma. O tempo em que a temperatura permanece constante irá aumentar, pois há mais líquido para evaporar."

 Vê-se, no exemplo que o pois precede o que já é conhecido (tendo maior quantidade de líquido para evaporar). Logo a seguir vem a nova informação (o tempo dessa evaporação aumentará, embora a temperatura seja a mesma.). Nota-se que, apesar da segunda frase conter um processo nominalizado (evaporação), o que predomina são processos não-nominalizados, com os verbos indicando ações (evaporar, na primeira frase, e aumentará, na segunda) e não relações.

 As características descritas nesse exemplo predominaram amplamente na linguagem empregada pelos alunos. Em função desses aspectos, procuramos investigar qual a porcentagem de alunos que empregava as conjunções como elementos de ligação causal entre processos expressos por frases não-nominalizadas. Em relação ao item 1, 63,3% dos 128 alunos que acertaram o item, 35,6% dos 304 que apresentaram erro menor e 35,0% dos 676 que apresentaram erro maior usaram as conjunções. No item 2, 70,0% dos 160 alunos que acertaram o item, 79,0% dos 396 que apresentaram erro menor e 74,5% dos 554 que apresentaram erro maior usaram as conjunções. Finalmente, no item 3, 65,0% dos 638 alunos que acertaram o item, 46,4% dos 56 que apresentaram erro menor e 66,5% dos que 406 apresentaram erro maior usaram as conjunções como elementos de ligação causal entre processos expressos por frases não-nominalizadas. Assim, essa parece ser a fórmula preferida pelos alunos para expressar suas idéias. Uma fórmula que mistura elementos da linguagem científica (relações entre o já conhecido e a nova informação), preservando, entretanto, basicamente a mesma forma das construções cotidianas, com processos expressos por frases não-nominalizadas, relacionadas através de conjunções.

Conclusões

 A pesquisa que subsidiou esse arquivo partiu de categorias estabelecidas por Halliday & Martin (1993) e Bruner (1991) para caracterizar a linguagem científica e a linguagem comum na língua inglesa. O confronto dessas categorias com o material empírico demandou novas categorias, pois a maioria das respostas dos alunos não se situava nesses extremos, mas em algum ponto de um contínuo entre eles. Muitas das categorias usadas foram sendo construídas, portanto, ao longo do processo de análise. Esse trabalho é, dessa maneira, muito lacunar. No entanto, ele forneceu um primeiro mapeamento das categorias a serem usadas para a análise lingüística de textos escritos produzidos por estudantes de disciplinas científicas, o que pode ser útil em trabalhos futuros. Outro aspecto importante a ser considerado em pesquisas futuras é a origem dessas construções lingüísticas usadas pelos alunos: elas refletem a linguagem usada pelo professor em sala de aula ou pelo livro didático, ou são construções próprias dos estudantes, a partir do contato com essas fontes?

 Os resultados analisados neste trabalho mostraram que, independente do acerto ou não das respostas, não há um uso generalizado de uma linguagem completamente científica pelos vestibulandos. Isso significa que suas respostas são prolixas, recorrem a vários elementos narrativos e muitas vezes são obscuras, o que traz dificuldades para a correção da questão e prejudica, na maior parte das vezes, o próprio aluno. Os resultados também evidenciam a dificuldade dos alunos em transitarem entre os fenômenos e sua representação gráfica, uma habilidade importante para a "leitura" da informação científica, visto que os gráficos, atualmente, são presença constante na grande imprensa. A identificação dessas características é importante para subsidiar programas de formação de professores de química, pois aprender ciências é também aprender a se expressar na linguagem científica.
 
CNPq, PrPq-UFMG, PADCT/SPEC/CAPES

Referências bibliográficas

BRUNER, J. (1990) Acts of meaning. Cambridge, MA: Havard University Press.
DAGHER, Z.R. (1995) Review of studies of the effectiveness of instructional analogies in Science Education. Science Education, 79(3), 295-312.
DUIT, R. (1991). On the role of analogies and metaphors in Learning Science. Science Education, 75(6), 649-672.
EDWARDS, D. and MERCER, N. (1987) Common Knowledge - The development of undestanding in classroom. London: Routledge.
GOOD, R.G. (Ed.) (1993) The role of analogy in Science and Science Teaching. Special Issue of Journal of Research in Science Teaching, 30(10).
HALLIDAY, M.A.K; MARTIN, J.R. (1993) Writing Science: Literacy and Discursive Power. Pittsburgh, Pa: University of Pittsburgh Press.
LEMKE, J.L. (1990) Talking Science. Language, Learning and Values. Norwood, New Jersey: Ablex Publishing Corporation.
MERCER, N. (1995) The guided construction of knowledge - Talk amongst teachers and learners. Clevedon: Multilingual Matters.
MORTIMER, E.F. (1997) Múltiplos olhares sobre um episódio de ensino: "Por que o gelo flutua na água?". In Anais do Encontro sobre Teoria e Pesquisa em Ensino de Ciências - Linguagem, Cultura e Cognição; reflexões para o ensino de ciências. Belo Horizonte: Faculdade de Educação da UFMG.
 NEWMAN, D., GRIFFIN, P. and COLE, M. (1989) The construction zone: Working for cognitive change in school. Cambridge: Cambridge University Press.
OGBORN, J., Kress, G., MARTINS, I. and McGILLICUDDY, K. (1996) Explaining Science in the Classroom. Buckingham: Open University Press.
SCOTT, P. (1996) Social Interactions and Personal Meaning Making in Secondary Science Classrooms. In Welford, G., Osborne, J. and Scott, P. (Eds.) Research in Science Education in Europe - Current Issues and Themes. London: The Falmer Press.
SCOTT, P. (1997) Teaching and Learning Science Concepts in the Classroom: Talking a path from spontaneus to scientific knowledge. In Anais do Encontro sobre Teoria e Pesquisa em Ensino de Ciências - Linguagem, Cultura e Cognição; reflexões para o ensino de ciências. Belo Horizonte: Faculdade de Educação da UFMG.
SUTTON, C. R. (1992) Words, Science and Learning. Buckingham: Open University Press.
 

Este artigo já foi visitado vezes desde 18/07/2001

 

  IENCI@IF.UFRGS.BR
 

Return to the top
 

Return to Main Page