APRESENTAÇÃO E REPRESENTAÇÃO DE FENÔMENOS BIOLÓGICOS A PARTIR DE UM CANTEIRO DE PLANTAS
(Presentation and representation of biological phenomena from a vegetable garden)

Ana Maria de Andrade Caldeira
UNESP- Programa de Pós Graduação em Educação para a  Ciência
Departamento de Educação da Faculdade de Ciências – Campus de Bauru
caldeira@netsite.com.br

Selma Rosana Santiago Manechine
UNESP - Doutoranda do Programa de Pós Graduação para a Ciência –Faculdade de Ciências – Campus Bauru
 

Resumo

        O presente trabalho propõe uma metodologia para o ensino de ciências naturais baseada na tríade perceber/relacionar/conhecer. A análise realizada fundamentou-se no referencial da semiótica de Charles Sanders Peirce (1839-1914). A pesquisa foi desenvolvida com alunos da terceira série do ensino fundamental e mostra que a metodologia adotada possibilita-os perceber, estabelecer relações e conhecer fenômenos naturais construídos a partir das seqüências vivenciadas.
Palavras-chave: ensino de ciências, semiótica, relação pensamento e linguagem.
 
 

Abstract

        This paper proposes a methodology for science education based on the triad perceive/associate/experience. The analysis performed relied upon Charles Sanders Peirce’s semiotics framework. The research was develop at elementary school (nine-yar old students) showing that the described methodology enable them the students to percieve, to set up relationships and to experience the natural phenomena, built up from the experienced sequences.
Key-words: science education, semiotics, thougt and language relationship.

Introdução

        Um objetivo a ser alcançado pela Didática das Ciências é o de articular metodologias de ensino com processos de aprendizagem. Nesse contexto o presente trabalho procurou investigar como alunos constroem e representam conceitos a partir de um contexto experencial -um canteiro de plantas - em que conteúdos de Ciências e Matemática foram explorados por integrantes de uma terceira série do ensino fundamental.

        Entendemos que o ensino de conhecimentos científicos precisa ser pesquisado a partir das relações constituídas entre Didática e Epistemologia. Desse modo, procuramos explorar essas dimensões calcadas no suporte lógico de construção de conhecimento. Para tanto, buscou-se inter-relacionar o papel da experiência nos contextos de aprendizagem, da mediação simbólica das diferentes linguagens e do eixo interdisciplinar que permeia essa construção.

Referencial teórico

        Para subsidiar essa investigação, utilizamos o referencial teórico de Charles Sanders Peirce, tendo a teoria sígnica como suporte de cognição e sua possível representação para se traçar programas de conduta que busquem interpretar a realidade bem como, a compreensão sobre o papel da experiência humana “ na” e para “a construção do conhecimento”.

        Peirce, como fundador do pragmatismo rejeita o puro empirismo e o nominalismo. Concorda com Dewey e William James de que a inteligência humana diz respeito ao conhecimento oriundo da experiência, mas não aceita automatismos nem metodologias que levem ao condutivismo. Denominou categorias os tipos de experiências fundamentais do entendimento humano, podendo a partir delas construir representações. Denominou-as de primeiridade, secundidade e terceiridade (SHOOK, 2002).

        As três categorias foram o ponto de partida da semiótica e, através delas, estudou os domínios do real. As três categorias são assim descritas:
 

a) Primeiridade – referindo-se aquilo que se apresenta de forma livre, espontânea, nova, meras sensações;
b) Secundidade – referindo-se à presença do outro, da existência, da ação-reação;
c) Terceiridade – referindo-se à característica do continuo, do pensamento e da lei, da aprendizagem, do pensamento, da generalidade e da abstração. (PEIRCE, 1972)


         A teoria de Peirce é composta de textos que são elaborados e detalhados, com descrições e argumentações que vão passo a passo contribuindo rigorosamente para o seu entendimento. Devem ser analisados em conjunto com toda a sua obra, para evitarmos julgamentos e afirmações que não correspondem ao caráter formal e lógico de seu pensamento. Essa advertência é feita, aqui, no sentido de alertar sobre a necessidade de buscar nos originais os meandros da sua arquitetura teórica. Os elementos recortados sustentarão as discussões da presente pesquisa e foram selecionados com esse propósito

        .Para o autor não há uma faculdade intuitiva que possa distinguir uma cognição mediada por conhecimentos prévios de uma intuição. Não há também necessidade de uma intuição, uma vez que, a intuição pode ser resultado de inferências e, portanto não temos a faculdade intuitiva de distinguir diferentes modos subjetivos da consciência. Portanto, inexiste razão para supor um poder de introspecção, indicando que o único caminho de investigação é através da inferência de fatos externos. Não se apresentam, pois à mente, novas formas cognitivas que não sejam determinadas por uma cognição prévia, reafirmando que não podemos pensar sem signos.

        A partir dessas considerações Peirce desconstrói a tese cartesiana que foi elaborada apoiada no poder da introspecção ou intuição e apresenta os princípios básicos em oposição ao espírito cartesiano, a saber:
 

• Não temos o poder da introspecção, mas todo conhecimento do mundo interior é derivado por raciocínio hipotético por meio de nossos conhecimentos de fatos externos;
• Não temos o poder de intuição, mas toda cognição é determinada logicamente por cognições prévias;
• Não temos o poder da pensar sem signos;
• Não temos concepção do absolutamente incognoscível.


        Assim, o autor afirma que o conhecimento é derivado de nossa experiência mediata de mundo, a partir de outros conhecimentos já adquiridos de forma mais simples, num processo contínuo.

        O terceiro princípio traz como conseqüências a idéia de que, ao pensarmos, temos na consciência alguma imagem, sentimento, concepção, que nos serve como signo, funcionando como manifestação fenomenal própria. “O signo tem três referências: primeira, é um signo para algum pensamento que o interpreta; segundo é um signo de algum objeto no qual em pensamento é equivalente; terceiro, é um signo, que em algum aspecto ou qualidade, coloca-o em conexão com seu objeto” (PEIRCE, 1995, p.269).

        Em relação aos processos cognitivos, Peirce considera duas propriedades dos signos: a) o signo não é idêntico à coisa significada e sim difere em certos aspectos, apresentando caracteres que pertencem a ele somente e não consegue chegar à totalidade de sua função representativa, não dando conta da qualidade total material do objeto; b) o signo é capaz de associar-se com outro signo do mesmo objeto ou com o próprio, propriedade essa, denominada de aplicação demonstrativa do signo. A função representativa do signo não reside em sua qualidade material e também não está em sua pura aplicação demonstrativa, pois é alguma coisa que o signo é, não em relação a si mesmo ou em relação ao seu objeto, mas sim o que é, em relação a um pensamento. (PEIRCE,1995)
Afirma que nenhum pensamento tem valor em si mesmo, mas sim em relação aos pensamentos subseqüentes. Assim existiriam no pensamento três elementos: a função representativa, a relação de um pensamento com outro e a maneira pelo qual ele é sentido. Ou seja: representação, relação e qualidade.

        Habermas (1991) interpreta os conceitos de representação sígnica em Peirce, e sua função epistêmica. Ainda que não haja referencias diretas na obra peirceana sobre a relação entre apresentação e representação é possível identificar as premissas fundamentais como aponta o autor:

De forma a conseguir desempenhar devidamente a função de apresentação, um signo deve, em simultâneo, poder ser ele mesmo interpretado. (...) a referência epistêmica do signo a algo existente no mundo enquanto ele próprio não puder, ao mesmo tempo, dirigir-se ao espírito que interpreta, isto é, enquanto não puder ser utilizado para fins comunicativos.Sem comunicabilidade qualquer forma de representação é impossível de acontecer e vice-versa. (HABERMAS, p.11-12)


        Esse entendimento faz com que seja possível, ainda segundo Habermas, interpretar que, no paradigma do pensamento representativo, o mundo objetivo é concebido como o possível de ser representado e o mundo subjetivo como a esfera de nossas representações. Para o autor, a filosofia de Peirce destrói essa estrutura interpretando o conceito de representação que deixa de ser binário e surge a tríade da apresentação mediadora de signos. Dessa forma, a perspectiva psicológica é substituída pela perspectiva semântica: no lugar da relação sujeito-objeto surge a relação entre linguagem e mundo (HABERMAS 1991;p.16).

        A síntese desses princípios implica dizer que o pensamento é um processo mediado por signos e em conexão com a ação humana no mundo.

        Os estudiosos da sua obra demonstram que Peirce entendia a não existência da intuição e enfatizava a interação com o ambiente como sendo fundamental. Essa idéia não implica o empirismo, mas o pragmatismo, em que intelecto, consciência, pensamento e processos psíquicos são funções naturais do cérebro, em interação ativa com o meio, representando o grau de sucesso na sobrevivência humana (SHOOK, 2002).

        Em outras palavras, a semiótica é uma ciência rigorosa e formal que por via dedutiva demonstrará suas conclusões. Seus objetos que são os signos pertencem ao universo fenomenológico e só é alcançado através de manifestações empíricas, distinguindo-se da pura produção da razão. É preciso, ainda que dependente da razão, buscar suas explicações no universo da experiência. A semiótica objetiva estabelecer como devem ser todos os signos para uma inteligência capaz de aprender através da experiência. (SILVEIRA, 1992).

        Dentre as várias definições de signo realizadas por Peirce, selecionamos a seguir:
 

(...) um signo, ou representamem, é algo que, sob certo aspecto ou de algum modo, representa alguma coisa para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa um signo equivalente ou talvez um signo melhor desenvolvido. Ao signo, assim criado denomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu objeto. Coloca-se no lugar desse objeto, não sob todos os aspectos, mas com referencia a um tipo de idéia que tenha, por vezes, denomino o fundamento dos representamens “. (PEIRCE, 1995, p.46)


        A teoria peirceana dos signos é baseada na convicção de que a relação sígnica é fundamentalmente triádica, isto é, pautada na relação entre signo (representamem), objeto e interpretante. Essa definição de signo pode ser amplamente aplicada, pois, para Peirce, “o universo inteiro está permeado de signos, se é que ele não é composto apenas de signos” (CP 5.448)[1] . Assim também todo pensamento se dá em signos e não há pensamento sem signos.

        Para Peirce, o interpretante é caracterizado como regra e hábito, pelo qual o signo é transformado em outro signo. O conhecimento faz-se mediante signos e no decorrer da experiência, como forma mediadora entre a conduta e o objeto.

        Santaella (2001) entende que os signos estudados por Peirce são gerais e abstratos e podem fundamentar quaisquer linguagens manifestas.
 

Logicamente alicerçados nas classes de signos e estes, por sua vez, alicerçados nas categorias fenomenológicas, as matrizes das linguagens, menos abstratas do que as classes de signos, já apontam para os campos de manifestação dessas classes de signos em linguagens manifestas, tais como a música, as diferenciadas formas de visualidade e o discurso verbal. Sendo os signos mais abstratos do que as matrizes das linguagens, tem-se aí as bases para as variadas modalidades em que cada uma das matrizes - sonora, visual e verbal - se desmembra. (SANTAELLA, 2001, p.56-57)


        A autora propõe as matrizes verbais, visuais e sonoras como matrizes do pensamento e linguagem, baseada nas categorias fenomenológicas e universais de Peirce.

        As relações da semiótica com as diferentes linguagens parece-nos evidente uma vez que é a ciência que se ocupa de todos os tipos de signos e conseqüentemente de pensamentos, o que nos faz imediatamente traçar uma outra relação que se apresenta: a possibilidade de a partir da semiose, isto é, a ação do signo, investigarmos processos cognitivos. (SANTAELLA, 1993).

        Como vimos, a semiose é um processo mental continuo e para representá-lo o investigador fica limitado às linguagens que o expressa. O pesquisador deve se conscientizar que a utilização dos instrumentos de pesquisa depende das linguagens que dão suporte aos pensamentos sem, no entanto, dar conta de representá-lo em toda plenitude, eis os limites que a cadeia de semiose nos impõe enquanto pesquisadores.

        Assim, ao se utilizar um número significativo de linguagens, o universo de investigação do perquiridor aumenta na medida em que as linguagens possibilitam-lhe o aporte necessário às suas representações mentais. Essas representações dependem de como um signo afeta a mente do pesquisador. Ou seja, o olhar do investigador é sempre “um olhar cismado”.

        O processo de semiose sempre é dinâmico. Envolve criação constante de interpretantes o que requer do pesquisador um repertório teórico consistente que lhe possibilite, a partir do diagrama e das categorias semióticas peirceanas, efetuar uma leitura (verbal e não-verbal) do fenômeno, leitura essa que deve ser dialógica, não-linear, atentando para as possíveis polissemias discursivas.

        As etapas desse percurso gerativo de interpretantes podem ser assim descritas:
 

• O pesquisador, observador, parte de percepções sincréticas sensoriais que lhe despertam o objeto de análise sem estabelecer vínculos com os possíveis conflitos com o real;
• A seguir, em contato com o real e com os conflitos gerados por ele, busca, nas percepções indiciais, elementos que lhe permita relacionar os dados “difusos” obtidos na etapa posterior aos elementos agora engendrados a fim de perquirir as possíveis alternativas para resolvê-los;
• Por fim e ao cabo, elabora hipóteses abertas para desvelar o Objeto pesquisado tendo em mente alcançar um interpretante formal que lhe garanta uma possível explicação a qual será retomada em pesquisas posteriores;


Uma proposta de investigação

        Para subsidiar a investigação aqui pretendida elaboramos um diagrama, representando o conjunto das relações fenomênicas a serem observadas.

        Os diagramas e categorias são as formas possíveis de representar nossa experiência no interior da semiótica. O objeto presente no mundo não é pela semiótica produzido, colhe-o através da observação, (a sensibilização), por meio das inferências estabelecem-se as relações para o fenômeno observado e por fim, chega-se a um objeto dinâmico possível de ser formalizado. A relação com o objeto é a concretização da semiótica. O signo representa o objeto e será genuíno, se o signo puder representar ou efetivar objeto em todas as suas dimensões e degenerado se não puder realizar essa representação. Propomos para o presente estudo o seguinte diagrama.








        Neste diagrama, as letras R, O, I, constituem os três correlatos que definem o signo, designadas por relações de: representamen, objeto e interpretante.

        Nas relações de representamen, no domínio da primeiridade, localiza-se a percepção, como representante da potencialidade de tudo que é possível de ser realizado, que é indiferenciado, um continuum de possibilidades. O objeto corresponde às relações de secundidade, em nível da significação, em que as relações dos alunos com os fenômenos naturais se confrontam.  As relações de interpretante apresentam-se através da formalização possível das idéias, que os alunos geraram no confronto com as relações obtidas, possibilitando ressignificá-las.

        As flechas representam as relações que percorrem o diagrama e que são constituídas pela mediação das diferentes linguagens, isto é, as linguagens visuais, sonoras, verbais, táteis. O circulo externo representa o continuum do processo epistemológico que fundamenta a cognição de fenômenos naturais.

        A estrutura desse diagrama idealizado, para alicerçarmos o estudo pretendido permite-nos indicar a primeira categoria que nos apresenta: a percepção. É ela que se faz presente primeiramente na visualização, na escuta, na apreensão de cores, formas, movimentos, na sensação tátil e na expressão das emoções que acompanham o atentar para os fenômenos naturais.

        Em nível de secundidade, a categoria presente, que mantém em seu interior as possíveis relações a serem estabelecidas pelos alunos no decorrer do estudo dos fenômenos naturais observáveis, é a da significação.

        Em nível de terceiridade, a categoria ressignificação será entendida como o processo de construção do raciocínio. Para Peirce, o conhecimento é racionalidade e o ideal do raciocínio será seguir os métodos para que o conhecimento se desenvolva mais rapidamente.

        As concepções organizadas, segundo a tríade do autor, tornam possível pesquisar o desenvolvimento do raciocínio científico de acordo com as categorias: a) abdutivo – ou da construção de hipóteses; b) indutivo – ou da verificação das hipóteses e; c)  dedutivo – ou do desdobramento das implicações lógicas das hipóteses

        Tomando, pois, o aprender juntos como o avançar ou refutar metodicamente hipóteses, tomamos do interior de nossa experiência docente a idéia nascente, de que uma metodologia para o ensino de Ciências Naturais deve ser constituída a partir da tríade perceber/relacionar/conhecer e, ao colocá-la em prática, devemos investigar o potencial de ensino através das manifestações de aprendizagem. Quais categorias para analisar o processo de aprendizagem deveriam ser consideradas no interior dessa experiência didática? Com certeza aquelas que permitem verificar se um pensar reflexivo, contínuo, investigativo está sendo construído relacionalmente aos conceitos científicos vinculados às praticas sociais.

        Na teoria peirceana a lógica da investigação é instaurada a partir de sua tríade do raciocínio:
 

Abdução, Indução e Dedução. A Dedução é o único raciocínio necessário... Ela principia-se de uma hipótese, cuja verdade ou falsidade nada tem a ver com o raciocínio... A indução é o teste experimental de uma teoria. Sua justificação é que, embora a conclusão, em qualquer estágio da investigação, possa ser mais ou menos errônea, a aplicação continuada do mesmo método deve corrigir o erro. A única coisa que a indução perfaz é determinar o valor de uma quantidade. Ela parte de uma teoria e avaliar seu grau de concordância com os fatos. Ela nunca pode dar origem a qualquer idéia que seja. Nem o fazer a Dedução. Todas as idéias da Ciência surgem através de Abdução. (C.P.5.145)

Abdução é o processo de formação de uma hipótese explanatória. É a única operação lógica que apresenta uma idéia nova, pois a indução nada faz além de determinar um valor, e a dedução meramente desenvolve as conseqüências necessárias de uma hipótese “pura”. (C.P. 5.171)


        Os termos Dedução, Indução e Abdução podem parecer pretensiosos para serem utilizados como categorias de análise em processo de ensino-aprendizagem em se tratando de crianças de séries iniciais. No entanto, o pensamento, para Peirce, desenvolve-se no interior da experiência e para ela retorna.

        A experiência é o próprio processo de aprendizagem, na medida em que alimenta os pensamentos com a possibilidade de enfrentamento ao real, estabelecendo relações e geração de interpretantes: selecionando-os e tornando as idéias claras.  O pensar lógico é, assim, uma habilidade que estabelecida vai se complexificando no decorrer de contínuas experiências de aprendizagem frutíferas. Essa habilidade não pode ser negligenciada na formação de nossos alunos. Enfim, o elemento da lógica deve ser um dos componentes que embase as escolhas que a sociedade nos impõem constantemente.

        O objeto proposto na presente pesquisa centra-se na análise de uma metodologia de ensino, elaborada partir desse diagrama composto pela tríade percepção/significação/ressignificação. Nomeamos essa metodologia de perceber/relacionar/conhecer, conforme as fases de representação dos fenômenos que  entendemos ocorrer mentalmente.
 

Metodologia da Pesquisa

        Para viabilizar essa investigação, selecionou-se uma escola estadual que oferece a Educação Básica para as séries iniciais. Após as devidas aprovações da direção, foi-nos indicada à turma de 32 alunos de terceira série com que poderíamos trabalhar. A professora da sala, indicada pela diretora, foi contatada. Propusemos oferecer atividades didáticas de Ciências e Matemática que não interferissem no planejamento docente. Solicitou-nos então, que deveríamos trabalhar conceitos de medidas e relações entre os seres vivos (que são conteúdos normalmente dispostos nessa série).

        As duas pesquisadoras realizaram observações, no entorno da escola e no seu interior, procurando detectar espaços possíveis de trabalhar esses conceitos de forma integrada. Um canteiro triangular, não utilizado pelo hortelão da escola e repleto de plantas, foi o objeto de estudo escolhido.

        É muito comum e fácil de ser observada a presença de plantas chamadas popularmente de “ervas daninhas”, “matos”, “pragas”, em vasos, em jardins, dentre outros locais. O senso comum diz que essas plantas devem ser retiradas, pois atrapalham o desenvolvimento das demais. Além disso, dizem que essas plantas destroem a organização estética dos vasos e jardins, pois crescem entre as plantas ornamentais, sem que ninguém tenha planejado o seu plantio.

        Biologicamente sabemos que fatores como luz, temperatura e umidade são determinantes para a sobrevivência de plantas e, de outros seres vivos. Os organismos viventes desempenham papéis diferentes e interdependes. Nessa interdependência muitos tipos de relações ocorrem, tais como: predação, simbiose, parasitismo, epifitismo, mutualismo, dentre outras. Essas relações podem estabelecer competição e eliminação de espécies ou coexistência entre elas.
Quando os livros didáticos tratam de relações entre seres vivos, elegem exemplos ocorridos entre animais, que com certeza são mais fáceis de serem compreendidos. Exemplos dessas relações entre plantas são pouco utilizados, apesar de serem possíveis de observação. O estudo de plantas é , geralmente,limitado à descrição de anatomia externa, usos na alimentação e na indústria, como também as formas de reprodução.  Entretanto, o acompanhamento do desenvolvimento de plantas, o “aparecimento” de outras em um ambiente natural ou artificial podem fornecer uma variedade de fenômenos naturais, possíveis objetos de estudo na escola. Assim, os alunos poderiam perceber, estabelecer relações e construírem significados de fenômenos naturais que não são comumente enfocadas nas series inicias.

        Para a realização desse estudo, quatro horas semanais foram-nos cedidas e a pesquisadora S incumbiu-se de ministrar as aulas, enquanto a pesquisadora A observava, anotava e descrevia as interações que ocorriam. Essas anotações ocorriam somente por escrito para evitar tumultuar e ou inibir as relações de ensino e aprendizagem. Pequenas intervenções foram pela segunda pesquisadora realizada. A professora efetiva da sala acompanhou todo o processo durante os cinco meses de aulas.

        Os dados aqui descritos referem-se aos conceitos de Ciências, enquanto os relativos à matemática serão objetos de outro relato. Nos momentos necessários em que esses conceitos se interelacionam serão descritos. Após o término de cada atividade era realizada a sua descrição e os dados eram organizados para subsidiar as tomadas de decisões didático-metodológicas, procurando respeitar o que esses dados queriam “nos dizer”.

        Como Instrumentos de Coleta de Dados, foram utilizadas as produções dos alunos nas atividades didáticas planejadas. Como o intuito era avaliar a metodologia proposta e sua potencialidade, como suporte para o Ensino de fenômenos naturais, os dados foram organizados segundo o diagrama de investigação proposto inicialmente.

        Recuperando o nosso diagrama procurávamos questionar:
 

a) Como os alunos perceberam o canteiro de plantas?
b) quais foram as relações por eles estabelecidas no decorrer das seqüências didáticas elaboradas a partir dos conceitos de coexistência e competição entre seres vivos?
c) como se deu a formalização dessas relações em referência aos conceitos estudados durante as ações desenvolvidas pelos alunos e pesquisadores?


        Esperávamos desenvolver nos alunos possibilidades de compreensão dos conceitos de competição e coexistência entre plantas e as relações conceituais e epistemológicas que são intrínsecas à explicação científica referente a esses fenômenos naturais. Para a concreção desses objetivos era preciso construir didaticamente as seguintes possibilidades de entendimento: a)Os seres vivos interagem com fatores ambientais; b) Os seres vivos interagem entre si;

        Os pressupostos, já descritos anteriormente, possibilitaram - nos elaborar uma estrutura metodológica em que a experiência fosse fonte das ações didáticas, e o desenvolver da aprendizagem, a partir dessa experiência, fosse potencializado por relações interdisciplinares e que descrevemos a seguir:
 

Metodologia didática

        O Ensino de Ciências deve propiciar ao aluno o diálogo permanente com o ambiente, possibilitando-lhe a partir do conhecimento espontâneo ou de senso comum, adquirir uma atitude investigativa que o permite reinterpretar e ressignificar o mundo de forma científica.

        A metodologia proposta para o ensino de fenômenos biológicos foi elaborada nos três níveis denominados: Perceber/ Relacionar/Conhecer[2]

        1 - Perceber-Ao iniciar as atividades didáticas sobre um conteúdo, o professor depara-se com a necessidade de perquerir os conhecimentos que os alunos possuem, para avaliar quais as melhores opções didáticas deve selecionar a fim de mediar o processo de aprendizagem. Para alcançar esse objetivo, recorremos a situações em que as idéias prévias das crianças sobre determinados assuntos pudessem ser reproduzidas ou permitissem que elas surgissem. Foram diversas as formas utilizadas: problemas, perguntas, diálogos, observações de imagens e de fenômenos naturais.

        As atividades deveriam também possibilitar o estimular a ver, a sentir, a tocar, a expressar sentimentos estéticos, a emitir sensações. Essa fase perceptiva engendra a significação e conseqüentemente o conhecer.

        A estimulação da percepção de fenômenos, principalmente os naturais, é pouco utilizada com o recurso para o ensino de ciências. O professor, muitas vezes, preocupado em trazer as explicações científicas dos fenômenos, despreza essa fase inicial, importante para o estabelecimento da geração de interpretantes, pois se não há significação, não pode haver representação do objeto e conseqüentemente interpretação sobre a beleza presente nas relações entre os seres vivos, a exuberância de cores e formas, a harmonia e o equilíbrio, a diversidade de espécies, as múltiplas possibilidades de interação, as variações entre ecossistemas, o que deve ser admirado na natureza.

        O estímulo perceptivo a esses desvelamentos é, não raro, trocado por explicações generalizadas sobre uma realidade artificial e hipotética em que a criança tem dificuldades de traduzí-la como sendo sua. Perde-se, desse modo, a oportunidade de tornar o ensino da ciência desejoso ao aluno. Esse traz a sua lógica própria de compreensão de fenômenos desenvolvida a partir de observações ou de explicações de senso comum.  Trata-se de um momento peculiar e inerente à ação docente, pois melhores escolhas facilitam o processo de entendimento inicial necessário.

        Nas séries iniciais, o próprio ambiente natural deve ser ponto de partida e o de chegada. É nesse sentido que entendemos o experencial, ou seja, partir da experiência que o aluno já vivenciou e a partir dessas fornecer outras possibilidades de modo a experenciar relações entre o próximo e o mais distante.

        2 - Num segundo nível, o Relacionar, um conjunto de ações didáticas, tendo como objetivo articular possibilidades de os alunos elaborarem e reelaborarem as suas próprias concepções sobre os fenômenos naturais.

        Não se trata de entender que os alunos devam aprender um conjunto fixo de habilidades ou de associá-las definitivamente à aprendizagem de determinados conteúdos científicos, mas de um exercício conjunto em que sejam possíveis a identificação e relação entre os fenômenos e com a discussão dos mesmos. Com este "fazer", inicia-se um processo de "pensar" que, paulatinamente, vai sendo desenvolvido, proporcionando novas habilidades sem que atitudes, balizadas pelo autoritarismo, sejam impostas. Essas habilidades podem ser incrementadas pelos alunos, através de pesquisas coletivas/individuais, buscando novas fontes e/ou outras atividades que forem julgadas pertinentes pelos grupos e pelo professor.

        Entendemos que é no interior dessa dinâmica (grupal e individual) que o aluno terá oportunidade de construir a compreensão dos fenômenos apresentados e o professor poderá, a partir de observação atenta ao processo, acrescentar novos desafios aos alunos, respeitando o patamar cognitivo alcançado por cada um.

        As principais habilidades discentes estimuladas a serem desenvolvidas são as seguintes: observar, descrever, identificar, comparar, coletar dados, experimentar, somar idéias, elaborar tabelas, gráficos, esquemas, sistematizar por meio de: textos, maquetes, relatórios, interpretar dados e relacionar. Adquirindo essas habilidades os alunos podem mais facilmente estabelecer analogias, confrontos, associação entre fenômenos, ainda de forma, a princípio, não muito elaborada.  Essas habilidades podem ser ampliadas, se os alunos forem instigados a: compreender e avaliar problemas presentes no seu cotidiano, compreender relações entre causa e efeito em situações não complexas, procurar novas evidências, relacioná-las a novos exemplos, identificar situações contrárias, encontrar novas possibilidades para resolução dos confrontos que forem surgindo no processo.

        3 - Conhecer: Ao final de cada conjunto de atividades procuramos elaborar situações para que os alunos adquirissem a habilidade de “organizar” e selecionar as informações pertinentes que foram sendo trabalhadas, no decorrer do processo de ensino e aprendizagem a fim de que os conceitos principais apreendidos fossem objetos de conclusões - ainda que parciais. Nesse sentido, esclarecemos que uma formalização já é possível, por parte dos alunos; pois segundo Peirce, um interpretante final, dentro da experiência realizada, é não só possível como necessário.

        Esse momento é importante para que o Ensino de Ciências não seja transformado em “ativismo”, sem significado para o aluno. É nele que o professor, ao organizar as atividades e, enfocando os conceitos em estudo, proporcionará aos alunos a aproximação desejada e possível - ainda que não totalizante - sobre as explicações científicas, aceitas hoje, para os fenômenos naturais. A partir dessa formulação para o desenvolvimento de habilidades, os conceitos científicos vão sendo compreendidos de forma  ágil e não dogmática.É nesse nível de realização, para alcançar o interpretante formal, que os alunos não só sistematizam os conceitos aprendidos, mas ainda comunicam idéias e trocam opiniões ;desse modo, surgem novas hipótese e/ou corroboram as que tinham sido estabelecidas. Nessa fase, o professor pode utilizar instrumentos como, a confecção de relatórios resumos, representações, elaboração de folhetos explicativos, maquetes, painéis, entre outros recursos.

        Essa fase de formalização é importante para que os diferentes níveis de conhecimento e experiência possam ser redimensionados tanto por alunos,quanto para os professores.Assim o aluno poderá: (a)organizar as informações em torno da construção de um conceito científico ou de conjunto deles;b) comunicar as suas idéias e confrontá-las com outras;c) construir novos argumentos;d) representar o seu aprendizado por meio de diferentes linguagens, tais como, oral, textual, imagética, gestual, pictórica, entre outras.

        Para o professor representa: a) possibilidades de conhecer o nível cognitivo de seus alunos; b) avaliar o processo de ensino realizado; c)avaliar o processo de aprendizagem e d) planejar as próximas ações didáticas.
 

Desenvolvimento das Ações

        As crianças foram convidadas a observar um canteiro de plantas e, ao mesmo tempo, emitirem as opiniões que quisessem. O canteiro era um espaço triangular, localizado perto da horta escolar, que não fôra utilizado pelo hortelão, talvez devido às suas dimensões (3m X 3m X 4.5m). Nele cresciam, sem nenhum tipo de controle: comigo-ninguém-pode; alecrim; boldo; erva cidreira; quebra-pedras; picões; trevos; roseiras, entre outras espécies variadas, distribuídas em diferentes extratos.

        As pesquisadoras esperam que as crianças o observem e as estimulam sobre o que estavam sentindo  e  depois desse período de livre expressão uma das pesquisadoras perguntou aos alunos:

        — Vocês consideram que existem muitas plantas no canteiro?

        O “sim” foi respondido por todos.

        Em seguida, insistiu:

        — Com tantas plantas presentes, será que uma planta atrapalha o desenvolvimento da outra?

        Várias hipóteses foram levantadas, nesse momento, e estão categorizadas a seguir. O Quadro 1  traz  exemplos de concepções dos alunos identificados pelos números,  que se expressaram e as idéias que foram emitidas.

        As crianças voltavam para a sala de aulas e eram convidadas a desenhar o que quisessem sobre a observação realizada.  Para dar prosseguimento às ações foi pensado em desenvolver a seguinte seqüência didática:

        Seqüência didática I-Estudo do canteiro I

 a) identificar as plantas; b) relacionar os espaços entre elas; c) verificar se os elementos essenciais à sobrevivência eram disponíveis igualmente; d) testar o plantio de uma semente num local limpo e em outro local onde deveria haver muitas plantas.  Dessa forma os alunos foram organizados para:
1) Em duplas, os alunos coletaram cinco folhas de plantas. Essas folhas foram coladas em papel sulfite e por eles identificadas, conforme seus nomes populares.

2) Em seguida, preencheram dois instrumentos em que deveriam observar o que consideravam em relação às plantas coletadas. O primeiro foi desenvolvido na sala de aula e continha os seguintes itens:
a) Quantidade de luz recebida: suficiente ou pouca;
b) quantidade de água disponível: suficiente ou pouca;
c) Espaço da planta no solo: suficiente ou pouco e
d) ar presente: suficiente ou insuficiente

3) O segundo instrumento utilizado foi uma figura triangular, representando o canteiro, fornecida as duplas para que localizassem, naquele esquema, o local em que estavam retirando as suas amostras.


        Para darmos continuidade às atividades, sistematizamos com os alunos, os nomes das plantas que eles conseguiam identificar e os auxiliávamos na identificação de outras que lhes era de difícil identificação. A partir dessa atividade, foi produzida uma lista coletiva; a pesquisadora A colocou a seguinte questão para os alunos:

        Com o corte das plantas, realizado pelo hortelão no final de semana, perdemos uma parte da nossa observação[3] . Como poderíamos saber se as plantas podem viver juntas no canteiro ou, se umas atrapalham as outras?

        Os alunos emitiram uma expressão do tipo “não há o que fazer”. A pesquisadora insistiu e percebendo que precisava intervir, sugeriu:

        — E se plantássemos outras plantas?

        Expressões afirmativas foram emitidas. A pesquisadora exerceu com essa estratégia didática o seu papel docente apontando caminhos para novas alternativas críticas e necessário para que ocorram avanços na construção de hipóteses.Desse modo, por meio de questionamentos, ela foi inquirido os alunos, garantindo a participação coletiva e fomentando o interesse discente. Como poderá ser constatado a seguir.

        - E vamos plantar o que? Pergunta ela!

        Depois de uma breve negociação, optaram pelo plantio de sementes de feijão. Em seguida problematizou:

        — Como vamos saber se o feijão vai atrapalhar ou não as plantas já existentes?

        — Quando o feijão crescer ela vai atrapalhar as demais, disse (29)

        A pesquisadora percebeu que o seu próprio discurso estava promovendo possível distorção em relação ao entendimento dos alunos. Ou seja, o fato de haver mais plantas significava atrapalhar as já existentes e os alunos não se ativeram ao fato de que o germinar (ou não), e o desenvolver (ou não) poderiam indicar a possibilidade de uma nova planta aí viver (ou não).

        Desse modo a pesquisadora refez a problematização:

        - Será que as sementes de feijão vão conseguir nascer no canteiro?

        — Ah! Tem lugares que ainda dá! – falou (17).

        - Então vamos planejar o experimento para que todos possam fazer observações, propôs.

        Desse modo, para podermos realizar todas as fases da experiência e desenvolvermos as habilidades cognitivas que subsidiariam o trabalho, iniciamos conjuntamente uma seqüência de atividades relativas à linguagem matemática. Para isso, tornou-se necessário que os alunos dominassem os conceitos de estimativa, unidades padrão de medida e medidas de comprimento (m, dm e cm). A fim de concretizarmos esses objetivos elaboramos a seguinte seqüência didática:

        1) Foram dispostas quatro fitas de papel sem numeração. A primeira de cor amarela de tamanho de 1 m; a segunda de cor vermelha com 50 cm; a terceira de cor verde medindo 30 cm e a última de cor azul com 10 cm.

        2) As fitas foram afixadas no quadro negro, uma de cada vez ,de maneira que os alunos deveriam observar cada uma delas e estimar quais seriam suas medidas, sem que houvesse o confronto entre elas na lousa.

        Essa atividade possibilitou-nos verificar que oito dos alunos utilizaram apenas o número como símbolo quantificador. A maioria atribuiu um juízo de valor e utilizou um número e qualquer unidade padrão como símbolo representativo. Apenas três alunos determinaram uma grandeza quantificando-a com um número e uma unidade padrão coerente.

        Diante desses resultados, resolvemos desenvolver atividades com medidas não padronizadas para estabelecer: 1) o conceito de unidade padrão; 2) a importância do uso de instrumentos e 3) o ato de medir. Entendidos esses conceitos, verificamos ser necessária a construção do conceito de metro (medida padronizada) e seus submúltiplos. Várias atividades didáticas de medida foram propostas nas quais os alunos utilizaram régua, trena, metro de carpinteiro e fita métrica para sistematização da representação de m, cm e dm em diferentes instrumentos. O conceito de milímetro não foi sistematizado, pois julgamos que esse nível de abstração era, nesse momento, difícil de ser alcançado e formalizado. Situações problema foram propostas para verificação do nível de significação e ressignificação dos conceitos de medida, unidade padrão e interpretação de problemas.

        Para dar continuidade ao experienciado, decidimos dividir o canteiro e delimitar espaços para os grupos semearem os grãos de feijão. Essa divisão foi realizada de forma que cada grupo recebesse um espaço para o plantio.  Espaços livres foram deixados para permitir o acesso dos alunos aos locais destinados a cada grupo. Foram estabelecidos 7 grupos de 4-5 alunos, e cada grupo recebeu um “território” que foi demarcado com uma bandeira numerada.

        3) A cada um dos grupos foram fornecidas 10 sementes de feijão.  Sugerimos que os alunos fizessem 5 pequenas covas (com 2 cm de profundidade) em locais que o grupo considerasse ser possível a germinação.  Outras cinco sementes poderiam ser “jogadas” entre as plantas existentes como se tivessem caído acidentalmente.

        Uma breve explicação sobre as diferenças entre plantio planejado e disseminação de sementes por pássaros, ventos, entre outros agentes, precedeu a atividade a ser desenvolvida.  Os alunos dividiram, no decorrer da atividade, as tarefas de plantar e, ao mesmo tempo, localizar (no esquema recebido) o território que lhes foi destinado e onde as sementes estariam sendo plantadas. Um ? ( quadradinho) representava as plantadas em cova e um ? ( círculo)  denotava as que foram jogadas. Uma bandeira numerada foi colocada para localizar o plantio de cada semente.

        Dando continuidade a essa atividade, por meio de uma tabela, registraram as sementes que haviam germinado utilizando, com código, o sinal de mais (+) e para as que não haviam germinado, utilizaram o sinal de menos (-). A seguir, os alunos receberam uma tabela organizada, em linhas e colunas, na qual deveriam registrar a germinação, ou não, de cada planta, discriminando o local escolhido e o “jogado” entre as plantas.

        4) De posse dos dados registrados na tabela, iniciamos a sistematização dos dados coletados, através de gráficos.  Os grupos foram orientados a construir gráficos de barra a partir das medidas obtidas no desenvolvimento dos feijoeiros. Para tanto, receberam uma outra tabela contendo os dados da observação que cada grupo já organizara. A partir dessas tabelas, foi aleatoriamente escolhido uma delas (a do grupo 1) para que todos os alunos desenvolvessem a habilidade de produzirem representações também por meio de gráficos. Foi utilizado papel quadriculado e as primeiras noções do conceito de escala e da representação gráfica foram estabelecidas.

        5) Uma vez que os grupos haviam elaborado os gráficos correspondentes ao desenvolvimento dos feijoeiros, solicitamos a cada grupo que os interpretassem. Para tanto, formulamos perguntas as quais os alunos iam respondendo oralmente. No preenchimento das tabelas, havíamos convencionado como códigos os sinais (+) e (-) para germinação, ou não, das sementes. Convencionamos a primeira observação por eles registrada como a fase de germinação e as demais relativas ao desenvolvimento das plantas.

        Para a interpretação dos dados, solicitamos aos grupos que observassem o gráfico construído a partir das medições por eles realizadas e, no decorrer dessa atividade, íamos colocando questões para que, diante de problematizações, os alunos pudessem relacionar os elementos a fim de responder o que lhes era solicitado.

        Nessa atividade, procuramos verificar como o grupo interpretava o gráfico por eles construído. Mantivemos as seqüências de diálogos que deram suporte à análise dos resultados. Reproduzimos abaixo, os gráficos obtidos pelo grupo I, seguidos dos diálogos resultantes da observação e análise do mesmo.


Gráfico elaborado pelo Grupo 1[4]

 
P2 – Porque existem espaços em branco no gráfico?
5 – o feijão não nasceu. (RA)
P2 – Porque?
5 – você só joga. (RA)
17 – você não plantou. (RA)
6 – não foi enterrado. (RA)
3 – tinha água, tinha luz, espaço mais ou menos jogamos em cima/faltou espaço porque foi jogado. (RA)
P2 – A planta 3 foi plantada em local escolhido.
3 – A formiga comeu! (RA)
5 – A planta tem seus rivais: o caracol. (RA)
18 – A formiga comeu! (RA)
P2 – A planta 4 cresceu um pouco e depois morreu?
18 – A formiga comeu! (RA)
5 – De vez em quando uma planta atrapalha a outra e ela briga pelo espaço! (RI)
3 – tem que conviver com outros seres vivos! (RI)
P2 – Mas, além do espaço, o que mais pode ter acontecido?
17 – ter faltado água. (RI)
18 – a semente pode ter sido comida antes (RI)
Todos – Pelo caracol, formigas! (RI)
P2 – Como podemos ter certeza[5]  que foram as formigas, os caramujos ou outro problema?
6 – não estávamos vendo, não dá para saber. (RD)
18 – tinha que observar todos os dias. (RD)
5 – 24 horas observando. (RD)
P2 – O que vocês aprenderam com essas atividades?
17 – As plantas aprenderam a conviver! (RD)
6 – As plantas não nasceram porque nós jogamos em lugar difícil. (RD)
18 – A semente podia não ser boa! (RD)


        A seqüência discursiva foi iniciada com aquilo que Peirce definiu como abdução: “Realizo uma abdução quando procuro expressar em uma sentença algo que vejo”. Percebe-se, pelas respostas, que os grupos procuraram interpretar os resultados a partir da variável experenciada. Quando refutadas as hipóteses, busca, nos elementos observados por indução, o suporte para corroborar ou refutar as hipóteses enunciadas. Ao serem perguntados sobre a certificação de suas hipóteses, remeteram-se aos procedimentos de observação e verificação. A esse procedimento Peirce chama de dedução.

        6) Com o intuito de verificar como os alunos organizaram os conceitos de competição e coexistência entre as plantas e, também, com a intenção de procurar elementos de ressignificação do processo ensino-aprendizagem, elaboramos como ferramenta um texto perguntando quais eram os seres vivos observados no canteiro e solicitamos que os alunos dessem exemplos de relações observadas entre esses seres vivos e entre eles e o ambiente.. Solicitamos também aos alunos que produzissem um texto argumentativo referente à organização da experiência vivenciada.

        Seqüência didática II-Estudo do canteiro II

        7) Um novo espaço, tendo a mesma forma e tamanho, foi selecionado onde havia uma árvore alta (17,3m) e bem copada que impedia a luz do sol de atingir o solo, de forma que, ao redor de seu local de fixação, poucas espécies conseguiam coexistir. Os alunos realizaram atividades de desenho do canteiro II, após um período de observação livre no espaço, à semelhança do que foi realizado no canteiro I.

        8) Pedimos aos alunos que fizessem o mesmo levantamento anteriormente realizado, identificando plantas e medindo suas respectivas alturas. A intenção dessa atividade foi permitir o estabelecimento das seguintes possibilidades de comparação:

a) Os dois espaços têm a mesma forma e tamanho;
b) O espaço 1 tem um número inventariado de 17 espécies cujas alturas variam entre 7 cm e 146 cm;
c) O espaço 2 tem um número inventariado de 4 espécies cujas alturas variam entre 13 cm e uma espécie atinge 17,3 m;
d) Por que ocorrem essas diferenças entre espaços tão próximos?
e) Qual deve ser o fator que faz com que a distribuição de plantas entre os canteiros seja diferente?
9) Após o inventário das espécies de plantas com as respectivas medidas, os alunos elaboraram gráficos do canteiro I e do canteiro II. Uma vez confeccionados os gráficos,  os utilizamos para que os alunos os interpretassem comparando-os.

Gráfico 1: Representação das plantas do Canteiro I

        10) Para que os alunos interpretassem quais eram os fatores que estavam influenciando a disposição das plantas, nos dois canteiros, sugerimos uma análise dos gráficos através de perguntas dirigidas.

        11) Finalmente, solicitamos que os alunos comparassem o desenvolvimento de uma planta presente nos canteiros I e II, bem como utilizassem tabelas e gráficos para interpretá-los livremente.
 

Análise e discussão dos Resultados

        Entendemos a formação dos conceitos como “sínteses de significação” que sustentam a compreensão dos fenômenos naturais. Essas sínteses de significação se estabelecem no confronto com a experiência, gerando, através das formas de raciocínio, interpretantes lógicos, emocionais, energéticos. O grau de complexidade das relações estabelecidas, a partir dos conceitos e seus significados desmembrados devem ser proporcionais às relações estabelecidas em sua compreensão.

        Concordamos com Peirce ao afirmar que o conhecimento depende da elaboração de hipóteses. A sustentação dessas, no entanto, dependem do grau de verificação que podemos alcançar. Assim, pensamos que o papel essencial do ensino de ciências está na construção do raciocínio lógico, sustentado pelas diversas formas sensórias, lingüísticas, matemáticas, etc. Ao dizer que a enunciação de um fato é abstrata, (por que não se repete nunca da mesma forma) o que observamos, porém é concreto, traz implícita a idéia de que há um caminho a ser percorrido entre abstração/concretude/abstração, referente ao espaço temporal dispendido entre a percepção e a enunciação.

        Dessa forma, a ação didática deve centrar-se em oferecer múltiplas possibilidades e habilidades para que novas significações sejam estabelecidas. Essa rede de significações pode ser tecida no que denominamos “Domínios Epistêmicos para a construção do conhecimento em Ciências Naturais”. Domínios esses que podem ser classificados em três níveis interconectados e sem nenhuma hierarquia preestabelecida entre eles: a) O das linguagens e seus valores, b) o das habilidades cognitivas e c) o dos conceitos científicos.

        O quadro n° 2 traz esses domínios com as categorias estabelecidas. Trata-se de uma seleção categorial relacionada com os conceitos aqui explicitados. Outras poderão ser acrescidas em função do nível de formalização desejável e possível, como também em relação aos conceitos que estão sendo enfocados.

        Consideramos para análise semiótica as três categorias peirceanas de primeiridade, secundidade e terceiridade entendo-as como integrantes de um amplo processo de semiose que se inicia com aquilo que é possível de ser percebido.

        Poderíamos considerar a primeiridade como a categoria da primeira interação, das sensações, do olhar instigativo, da dúvida. As relações que começam a se estabelecer a partir do objeto pretendido constituem-se na secundidade. A compreensão de conceitos científicos, responsável pela cadeia de semioses – perceber – relacionar – conhecer – inicialmente proposta, em correlato com as relações sígnicas estabelecidas pelos alunos (na experiência realizada no canteiro de plantas), é constituída formalmente a terceiridade.

        Para tanto, procuramos investigar a dinâmica epistemológica desenvolvida, através do signo-pensamento dos alunos, no processo compreendido entre:

a) apresentação de um objeto de estudo de fenômenos naturais – um canteiro de plantas – para crianças com faixa etária entre 9-10 anos e alunos da 3ª série da Educação Básica;
b) realização de atividades didáticas para possibilitar aos alunos o estabelecimento de relações a partir do objeto de estudo, significando-as e;
c) realização de atividades didáticas para analisar as possíveis ressignificações estabelecidas pelos alunos no decorrer do tempo de estudo efetuado.
 

A apresentação de um canteiro de plantas: primeiras percepções

        De acordo com Peirce, a entrada dos elementos do pensamento lógico se dá via percepção e dele saem via ação deliberada (CP 5.212). Assim, analisaremos a percepção como entrada para o conhecimento.

        Entendemos que, no primeiro momento perceptivo, no qual expusemos os alunos à experiência do canteiro de plantas, eles poderiam, através de seus sentidos, perceber formas difusas da organização das plantas e outras formas não difusas presentes no local. Também podiam sentir pelo toque, pelas narinas, pelo som, pelos olhos, as nuances de cores, texturas, formas diversas, que são atributos apresentados pelos seres vivos. Havia plantas de diferentes alturas; aromas de diversas flores; tons variados de verde, de cinza e de marrom; dezenas de folhas com formato e texturas diferentes entre si. Insetos e moluscos compunham o local bem como aves estavam nas árvores próximas.

        Estimular essa percepção inicial só é possível se os alunos estiverem presentes no ambiente natural. Representar uma flor é muito diferente de apresentá-la. Os elementos que estimulam os órgãos sensoriais não estão todos presentes na representação, enquanto na apresentação reside toda potencialidade da experiência. É nessa interação do objeto com o sujeito, do aluno com o fenômeno que estarão presentes as possibilidades de geração de significados genuínos.

        Na observação, o aluno seleciona do objeto as nuances que o interessam, as que mais chamaram a sua atenção e, é a partir da seleção efetuada que a rede de significações vai sendo estabelecida.

        Essas formas primeiras de vivenciar a experiência conterão o poder gerador de novos signos interpretantes. Peirce coloca nas relações engendradas pelos quali-signos a origem dos juízos perceptivos estéticos. Ora, como queremos que nossas crianças respeitem o ambiente natural, se não lhe damos oportunidades de significar a partir dos elementos constituintes da natureza? Admirar a diversidade, a dinâmica das relações entre os seres vivos e se encantar com as diversas possibilidades de organização não nos é imposto pela argumentação, mas, sim, é possível pelo desenvolvimento da noção de estética que nasce em nossos próprios juízos perceptivos em primeiridade.

        Apesar das dificuldades da pesquisadora em captar esses momentos iniciais, as percepções que foram expressas pelos alunos estão categorizadas no quadro 3.





        Embora as categorias peirceanas ocorram de modo abstrato e simultâneo, o que impede que sejam separadas, percebemos que há predominância de umas sobre as outras. Isso significa que existem as que facilitam a percepção da categoria em destaque, quando se analisa determinado fenômeno.

        Algumas categorias captadas pela pesquisadora podem ser identificadas como potencialidade, espontaneidade, e pertencem à primeiridade São meros sentimentos e emoções, como tocar nas plantas, sentir seu perfume, etc. Outras foram classificadas como secundidade, pois expressam algum tipo de relação ocorrida: identificar, relacionar, emitir opiniões pessoais denota um nível de ação/ reação no processo semiótico.

        Peirce ao estudar percepção e juízos perceptivos afirmou que:
 

Na percepção, onde uma coisa nos é dada como existente, é obvio que há juízo afirmando que a coisa existe, uma vez que o mero conceito de coisa não envolve alguma cognição da coisa como existente. Disse-se que podemos imaginar qualquer conceito sem efetuar juízo, parece que neste caso supomos  apenas arbitrariamente ter uma experiência. Para conceber o número 7, suponho, quer dizer, lanço arbitrariamente a hipótese ou juízo de que certos pontos estão diante de meus olhos e que julgo serem sete os pontos. Acho que é a opinião mais simples e racional sobre o assunto, e posso acrescentar que foi a adotada pelos melhores lógicos. Sendo assim, o que dá pelo nome de associação de idéias é na realidade uma associação de juízos. A associação de idéias é regulada por três princípios – semelhança, contigüidade ou causalidade; o signo relembra a coisa significada. A associação de idéias consiste, então ,em um juízo ocasionar outro, do qual é signo. Ora, isto é nada mais nada menos que inferência. (PEIRCE1980, p. 79-80)


        A associação de juízos perceptivos e/ou inferências podem ser observadas na tabela 2, em que é possível verificar que ao mesmo tempo em que juízos perceptivos eram emitidos, concomitantemente frases expressando inferências eram associadas. Exemplos: “tem muita planta misturada”; “acho que as raízes vão enozar e não cresce legal”.

        Outros alunos levantaram hipóteses: “será que elas conseguem viver apertadas?” Identificaram semelhanças com plantas caseiras, contaram histórias de suas casas. Esses exemplos consistem em associação de idéias.

        Assim, esse movimento inicial, representado aqui pela visita ao canteiro significa também a possibilidade didática de conhecer as idéias, preconceitos ou concepções prévias dos alunos, associados a juízos perceptivos, inferências ,e elaboração de hipóteses.

        Para Peirce, a hipótese é uma espécie de raciocínio (abdução) que difere da indução e da dedução. É constatada somente nos raciocínios abdutivos em que é possível o aparecimento de uma idéia nova a ser investigada. Em se tratando de didática das Ciências Naturais, já muito se pesquisou sobre concepções prévias dos alunos e, alguns autores entendem que as pré-concepções devem dar lugar a conhecimentos científicos, outros concordam que é possível a coexistência das mesmas. (BASTOS, NARDI, DINIZ E CALDEIRA, 2004)

        De acordo com a semiótica peirceana, os aparecimentos dessas concepções prévias nada mais são que idéias que se associam ao signo que está sendo ensinado. Esse levantamento deve balizar a ação docente, para que suas futuras escolhas didáticas, recaiam sobre aquelas que permitam ampliar as relações de significação e possibilitem novas representações. Segundo o próprio Peirce:
 

A função representativa do signo não está nem na qualidade material nem na aplicação demonstrativa, a função representativa cifra-se numa relação do signo com um pensamento. (PEIRCE1980, p.74).


        Investigar como ocorre o estabelecimento da relação signo-pensamento é tarefa impossível, mas tentar buscar elementos indiciais desse processo pareceu-nos possível através de desenhos. Pedir aos alunos que livremente desenhassem o canteiro observado foi o caminho encontrado para perceber quais foram os elementos atentados pelos mesmos à respeito do objeto.

        Entendemos que à medida em que o aluno cria uma representação, ele atualiza elementos contidos em sua memória, isto é, corporifica a percepção da lembrança que tinha sobre “ canteiros.

        O quadro 4 apresenta um resumo das representações que foram desenhadas imediatamente após a visita ao canteiro de plantas. Os números representam os alunos.


 

        A análise dessa tabela demonstra a diversidade de efeitos interpretativos que a observação do canteiro provocou nos alunos. Havia predominância de plantas mais altas (1,5m) e com extensas folhagens o que provavelmente motivou o fato de muitos alunos representarem um só extrato de plantas, sem se referirem às mais baixas.

        Um número menor de crianças representou vários extratos de plantas. Alguns alunos desenharam uma só folha, ainda que bem detalhada, enquanto outros detalharam as folhas no conjunto do desenho.

        Desenhos, coloridos, em sua maioria com a cor verde, foram realizados por 15 alunos e um numero expressivo de crianças preferiu desenhar sem a utilização de cores.  A cerca de bambu foi representada por 10 alunos e somente um demonstrou perceber a forma do canteiro. O dia chuvoso foi motivo de representação para 6 alunos, sem que esse aspecto tivesse sido indicado para ser observado. Três deles representaram um sol em seu desenho, sendo que, em um deles, o sol tinha “cara”. Detalhes das flores, que eram poucas, foram percebidos por alguns alunos, bem como e presença de outros seres vivos (aranhas, caracóis de jardim, lesmas), sendo que um dos alunos representou o aspecto de abandono do canteiro.

        Esse conjunto de interpretações que os alunos realizaram (tendo como objeto canteiro de plantas) demonstra o nível perceptivo com que o professor pôde contar para tomada de decisões metodológicas seqüenciais.

O Nível de Significação Obtido Através das Relações Estabelecidas

        O quadro 5 sistematiza as atividades que foram realizadas pelos alunos, organizadas segundo o domínio das linguagens, das habilidades cognitivas e dos conceitos científicos. Nesse caso ,os alunos realizaram a atividade 2 da seqüência didática I em duplas.





        Esse quadro dispõe os signos percebidos na presente pesquisa e podemos verificar que o domínio das linguagens requisitou signos já formalizados e, portanto, os alunos não apresentaram nenhum tipo de dificuldades. O mesmo pode se dizer em relação as habilidades cognitivas relacionadas à  observação e identificação de fenômenos tais como: plantas como pertencentes à classe dos seres vivos e fatores ambientais. Temos aqui a possibilidade de apontar “síntese de significação estabelecida”:
Síntese de significação: Observação e identificação de elementos (seres vivos e fatores ambientais) presentes no canteiro de plantas.

Relacionam-se essas atividades com um conjunto de domínios oriundos de diferentes linguagens e de habilidades cognitivas referentes aos fenômenos naturais enfocados. Na mente de cada aluno circulam signos calcados em suas vivências cotidianas, em seus círculos relacionais, e as expressas pelas  mídia e pela própria escola


        Entendendo, pois, que o pensamento é constituído por uma mistura de signos. É preciso tentar enfrentar a tarefa de compreender como se dá a formação de conceitos a partir do conjunto sígnico que perpassa a mente dos alunos. Assim, nessa fase, notamos que os alunos recorreram à associação de conteúdos que já compreendiam para responder às atividades. Buscaram no seu próprio repertório constituído pelo senso comum (nomes populares) ou na escola (conceitos estudados de seres vivos), as habilidades para identificar e relacionar os fenômenos enfocados. As análises das questões formuladas:

        A seguir, as análises referem-se às 3 questões que os alunos responderam logo após o plantio das sementes de feijão: a) o que você plantou no canteiro? b) como foi realizado o plantio? c) o que você acha que vai acontecer?

        Em relação à primeira questão, todos responderam que haviam plantado feijões. A segunda pergunta tinha o objetivo de verificar se os alunos haviam compreendido como fora realizado o plantio em função das variáveis propostas: local escolhido e plantio aleatório.

        O Quadro 6 representa essas respostas distribuídas nos diferentes domínios.[6]




        Esse quadro, ao ser analisado, permite-nos uma maior discriminação dos processos mentais que estavam sendo mobilizados pelos alunos uma vez que as atividades de plantio foram realizadas em grupo.  Essas questões foram respondidas individualmente. Uma outra “síntese de significação” pode ser aqui percebida.
 
 
Síntese de significação: compreender que há duas variáveis intervenientes no processo de plantio e o estabelecimento de hipóteses a partir delas

        No Domínio das Linguagens não foi exigido que os alunos tivessem amplo repertório lingüístico para responder as questões. O aluno 28 ainda não conseguia escrever e utilizava-se da oralidade. Notamos que os alunos estavam alfabetizados, mas alguns apresentam dificuldades para estruturar as frases com coerência e coesão.

        No Domínio das Habilidades, as perguntas intencionavam verificar a habilidade de descrever um processo e suas variáveis. Isso foi alcançado por 11 alunos. Os demais descreveram o processo de plantio, mas não relacionam-no às possibilidades das variáveis (local “escolhido” e local “jogado”) interferirem no processo.
Em relação aos Domínios dos Conceitos Científicos, a pergunta “O que você acha que vai acontecer?” procurava suscitar a previsão de acontecimentos em função das variáveis. O número de alunos que ficaram somente na associação de idéias que “plantar resulta em germinar e dar feijões” foi bastante significativo. Somente 6 alunos declararam que eram duas formas diferentes “de plantar”, mas não julgaram que essas variáveis pudessem  influir nos resultados. Outros seis alunos interpretaram que as plantas poderiam ou não crescer em função dos locais onde foram plantadas.

 Análise dos diálogos estabelecidos

        A seguir, trazemos as análises resultantes da interpretação dos gráficos sobre o desenvolvimento das plantas, levando-se em consideração as duas condições de plantio: “escolha do local” e “plantio aleatório”. O quadro 7 representa os resultados dessa análise, segundo a categoria dos domínios.

        As perguntas que foram utilizadas pelas pesquisadoras, no decorrer do processo de interpretação dos gráficos, tiveram a função de dirigir o pensamento para favorecer a construção das formas de raciocínio.

        A análise dos resultados, constantes no quadro 7, permite-nos avaliar que os alunos desenvolveram as habilidades de construir os gráficos, relacionar a representação gráfica ao processo biológico experenciado e interpretar os gráficos obtidos. Dois grupos apresentaram dificuldades para se expressarem oralmente, o que não os impediram de dominar as habilidades requeridas para solucionar as questões propostas e os conceitos em questão.

        O processo de pensar, através da elaboração de hipóteses, foi utilizado por todos os grupos. Pudemos observar que essa fase se instaurou com relativa facilidade no início dos trabalhos. Bastou apresentarmos a questão instigadora: “Porque existem espaços em branco no gráfico?” A partir dessa questão, não tiveram dificuldades em estabelecer hipóteses. Essas foram levantadas pelos grupos e referiram-se, diretamente ao fenômeno observado e às variáveis presentes na experiência. Buscaram uma explicação racional e provável para o processo de compreensão do fenômeno biológico ocorrido.

        O raciocínio hipotético é denominado por Peirce de abdução. E à experiência, cabe o papel de testar a hipótese construída.

        A seguir, as perguntas feitas pelas pesquisadoras, tiveram o objetivo de contrapor alguns elementos das hipóteses levantadas pelo grupo, obrigando-os a pensar em outros aspectos da experiência, que de inicio não haviam percebido.

        O processo de refutação das hipóteses recebido, no decorrer das atividades, pelas pesquisadoras suscitaram a incorporação de novos elementos, oriundos da experiência efetivada a fim de repensarem sobre as hipóteses levantadas anteriormente. Raciocinar indutivamente é “um método que consiste em encontrar ou estabelecer uma predição e concluir que ela será verificada tão freqüentemente quanto é verificada experimentalmente”. (C.P. II, 269).

        A verificação do experimento era testada no interior das predições dos alunos por meio da questão: “Como poderemos” ter certeza “que foram as formigas, os caramujos ou outro problema?” Puderam assim, nessa etapa do percurso, adicionar novas inferências indutivas até que atingissem uma idéia mais geral. Desse modo, pudemos contatar uma outra síntese de significação.
 
 
Síntese de significação: Relacionar seres vivos entre si e estes com fatores ambientais através das formas indutivas e dedutivas do raciocínio.

         Sabemos que para Peirce as categorias fenomenológicas (primeiridede, secundidade e terceiridade) de acordo com as tríades sígnicas: representamen, objeto e interpretante, decorrem os demais correlatos. No presente trabalho, interessa-nos investigar sobre a classe dos interpretantes. Essa foi desmembrada por Peirce em duas séries: Rema, discente e argumento.[7]  Do ultimo (argumento) são produzidos os raciocínios: abdutivo, indutivo e dedutivo. E são com essas séries de interpretantes que analisaremos as formas de raciocínios atingidos (ou não) pelos alunos no decorrer da experiência. Ressaltamos que, a nosso ver, os interpretantes em nível argumentativo podem ser expressos em primeiridade, secundidade e terceiridade.

        Os caminhos que o signo-pensamento percorre dependem das condições de construção do diagrama mental. Esse pode ser apoiado em fatos observáveis nas experiências particulares e aí segue meandros indutivos. Pode caminhar direto da abdução, em que há uma visão sincrética do quadro e, portanto, geral e desse geral, deduzir. Ou seja, caminhar do geral para o particular.

        Esses diagramas são mentais e, portanto, particulares a cada aluno. Como o trabalho de interpretação dos gráficos estava pautado em uma representação da experiência, os elementos nela vivenciados aparecem como marcas na construção dos interpretantes dos grupos.

        O caminho abdução/ indução/dedução esta presente na discussão entre todos os alunos da classe. Desse modo podemos perceber como as inferências abdutivas  surgidas podem e devem suscitar outras. O esquema indutivo, seguido do dedutivo, também foi instaurado pelo diálogo coletivo e poderia ser de outra forma, por exemplo, dedutivo/indutivo. A opção ocorreu em função da instauração do dialogo entre os alunos  e as pesquisadoras; ou seja, as diversas linguagens empregadas foram mediando e subsidiando as novas formas de raciocínio.
 

 A Representação dos Fenômenos

        Com a intenção de verificarmos quais eram os interpretantes gerados pelos alunos, optados por “organizar as idéias” de forma individualizada. Para tanto, utilizamos perguntas sobre conceitos científicos, elaborados a partir de um texto pontual, e de descrição do processo experiêncial ocorrido durante os meses em que a pesquisa ocorreu.

        Nas perguntas pontuais, relativas aos exemplos de relações entre seres vivos, percebemos que a maioria dos alunos recorreu à indução, ou seja, buscaram na observação fatual os exemplos elencados. Já para exemplificar as relações entre os seres vivos e fatores ambientais recorreram ao processo de raciocínio dedutivo o que era esperado, uma vez que deveriam recorrer aos estudos oriundos das atividades desenvolvidas no contexto geral, pois ainda não tinham elementos conceituais para particularizar exemplos.

        Em relação ao texto argumentativo, concluímos que a maioria dos alunos conseguiu gerar interpretantes que caracterizaram o entendimento das relações entre os seres vivos engendradas pelos conceitos de competição e coexistência. O quadro 8 representa os resultados nos domínios das categorias selecionadas.

        A análise  dos textos e perguntas alunos permite-nos evidenciar mais claramente as fases do raciocínio científico.

        Para Peirce:
 

A abdução se inicia a partir dos fatos, em que, nesse começo, haja qualquer teoria particular em vista, embora seja motivada pelo sentimento de que a teoria é necessária para explicar os fatos surpreendentes. A indução se inicia de uma hipótese, que parece recomendar a si própria, sem que, nesse começo, haja quaisquer fatos em particular à vista, embora sinta necessidade de fatos para sustentar a teoria. A abdução persegue uma teoria, a indução persegue fatos. Na abdução a consideração dos fatos sugere a hipótese. Na indução, o estudo da hipótese sugere a experimentação que traz à luz os próprios fatos, para os quais a hipótese havia apontado. (C.P. 7.218)


        As contribuições individuais que representam concepções prévias e diagramas mentais diferentes acabam por formar o quadro categorial existente. A indução e a dedução praticamente se completam porque os elementos do grupo interagem, enquanto uns estão na fase indutiva, outros já estão mais avançados.

        Percebemos, na seqüência discursiva discente o suporte dos signos oriundos de diferentes linguagens. Podemos, desse modo, afirmar que as sínteses de significação estabelecidas foram:
 

- Entenderam a função de cada signo enfocado em seu contexto;
- Utilizaram-se, de forma conjunta, de signos lingüísticos e matemáticos; ( verbalmente e/ou oralmente)
- Utilizaram-se de praticas relacionais para subsidiarem a compreensão do fenômeno biológico;
- Utilizaram-se da linguagem pictórica, através de desenhos, para explicar os fenômenos biológicos observados.
- Entenderam a função das representações gráficas produzidas.
        Nesse percurso da apresentação, em que havia uma mistura de elementos calcados em relações iônicas, indiciais e simbólicas; (quali, sin e legi-signos) toda a potencialidade dessa forma de conhecer esteve presente.  Desse modo, os alunos desenvolveram as habilidades de observação, de relacionar elementos oriundos da experiência, de discriminar componentes do raciocínio, construíram inferências, hipóteses, induções e deduções a partir de conceitos originários na e pelas experiências realizadas e esses conceitos foram ressignificados por eles. De forma pontual, elegeram interesses próprios (caramujo, girassol, plantaram em casa) e re-utilizaram o conhecimento obtido fora do contexto escolar.

        Assim podemos dizer que as palavras foram geradas a partir do contexto vivencial e passaram a fazer parte do repertório dos alunos. Signos lingüísticos e matemáticos, entre outros, mesclaram-se para descrever as relações biológicas observadas e interpretadas.

        Podemos analisar esses resultados a partir das sínteses de significação aqui estabelecidas:
 
Sínteses de significação: organizar mentalmente as significações estabelecidas e descrever o processo experencial

        Nossa percepção é que a produção da linguagem verbal é dirigida por processos engendrados inicialmente por expressão de sensações, interligadas às observações relativas ao estabelecimento do confronto com o real, que vão lhe sugerir a formalização argumentativa que lhes possibilitam gerar interpretantes simbólicos.

        E, finalmente, as crianças podem (ou não) resgatar no texto dissertado os enunciados calcados em respostas pontuais ou podem expandir (ou não) os argumentos dando exemplos. O que ficou evidente é que quando as atividades foram trabalhadas de forma experencial e satisfatória; fornecendo, por exemplo, habilidades para plantar, observar, medir, fazer gráficos, etc. as crianças resgataram o que assimilaram com o grupo e souberam relatar os fenômenos experenciados. No entanto, percebemos que muitas delas ao ter que individualmente reelaborar o significado por escrito, apresentam dificuldades na produção de textos com coerência e coesão. Isso demonstra que não souberam ressignificar o aprendizado anterior ou que algumas lacunas não foram preenchidas com sucesso. Torna-se, dessa maneira, fulcral a necessidade de se elaborar uma nova atividade: a reescrita. Somente a partir dessa é possível se considerar o nível de interpretantes que a criança consegue alcançar.Desse modo, uma das dificuldades que enfrentamos foi o não domínio que algumas crianças apresentavam em relação à produção de textos escritos. Quando eram solicitadas a falar sobre suas idéias o faziam revelando maior grau de abstração o que não conseguiam nas praticas de produção escrita. Percebe-se que as dificuldades de elaboração de textos escritos acabam por interferir na representação dos conceitos apreendidos.
 

O Contexto de Significação

        Ao utilizarmos um canteiro de plantas, presente no interior da escola, pensávamos em estudar semióticamente o processo de ensino-aprendizagem dos conceitos pretendidos. Mas fomos percebendo que a experiência iniciada poderia ser orientada de forma a gerar novos interpretantes a partir do próprio contexto selecionado inicialmente. Para tanto nos propusemos a:

- elaborar um experimento que permitisse a compreensão de como determinado fator ambiental pode influenciar os fenômenos mais diretamente que outros fatores.
- construir um outro canteiro que possibilitasse estabelecer comparações sobre diversidade e disposição de plantas;
        As atividades seqüenciais II mostram como se deu o processo de ensino-aprendizagem a partir do experimento sobre fatores intervenientes na germinação e, sobre as possibilidades de investigação potencialmente presentes no canteiro II.

        Sem nos ater à particularidade de cada atividade desenvolvida, procuramos analisar como o contexto de significação inicial facilitou a aquisição de novos conceitos e permitiu que os alunos chegassem a conclusões satisfatórias, interpretando dados da experiência e construindo um discurso argumentativo, embora com dificuldades ortográficas e também de estabelecer coesão e coerências necessárias.

        A seguir, analisaremos outros aspectos relevantes:

        1) O experimento sobre germinação de sementes de feijão permitiu que os alunos compreendessem que os fatores ambientais influenciam no desenvolvimento das plantas, mas há fases desse desenvolvimento, em que um fator pode exercer mais influencia que outros. Essa constatação só foi possível de ser verificada na interpretação dos gráficos na seqüência II.

        2) O inventário das plantas dos canteiros I e II bem, como a construção dos gráficos, foi realizada em 4 sessões.  Para a realização da seqüência I utilizamos 8 sessões de  atividades relacionadas aos conteúdos científicos,reforçadas posteriormente por mais 8, a fim de que fosse possível aos alunos  estabelecerem relações, através dos conteúdos matemáticos enfocados. Desse modo, podemos inferir que as habilidades adquiridas na seqüência I potencializaram o desenvolvimento do ensino-aprendizagem proporcionado pela seqüência II;

        3) As conclusões referentes à comparação entre as condições do canteiro I e II foram atingidas com relativa facilidade. a) Os grupos 1, 2, 3, 5, 6, 7 concluíram que a árvore alta impedia a luz de chegar a todas as plantas e, por isso, havia competição pela luz e também por água. Concluíram comparativamente que no canteiro I havia competição pelo espaço. b) o grupo 4 concluiu que o canteiro I era mais aberto e que no II a árvore “atrapalhava a chuva”. Mas, findadas as atividades, disseram que havia competição também pela luz no canteiro II e no I, pelo espaço.

        Ao comparar o desenvolvimento de uma mesma espécie de planta – a fortuna – presente nos dois canteiros, mas com tamanhos diferentes, os alunos conseguiram isolar, em suas respostas, os fatores ambientais que provavelmente influíram nas diferenças observadas.

        O quadro 9 traz os resultados das atividades II, selecionadas segundo os domínios estabelecidos e atingidos por todos os alunos.

        As sínteses de significação estabelecidas foram:


 
 
Sínteses de significação: apontam a importância singular de fatores ambientais na interação com as plantas; concluem como esse fatores atuam como promotores da competição entre as plantas.

        A análise do quadro 9 permite-nos verificar que os alunos partiram de patamares mais complexos ao desenvolverem a seqüência didática II. Os signos-pensamentos, na seqüência didática I, foram prontamente mobilizados facilitando a compreensão de outros fenômenos, envolvidos nos canteiros I e II.

 Conclusões

         A elaboração da metodologia didática e os processos de investigação aqui desenvolvidos tiveram como pressupostos, conforme intensamente discutido, a concepção de signo e sua função epistêmica nos processos de compreensão de fenômenos naturais.

        Essa metodologia apoiada na tríade perceber/relacionar/conhecer fornece os elementos gerais da ação didática em ciências naturais. Articular ações didáticas é proporcionar experiências que mediatizem o engendramento de representações sígnicas. Essas ao se atualizarem no discurso argumentativo percorrem um processo que inicia-se na percepção e atinge o conhecimento, respeitando as possibilidades individuais.

        Em nível de estabelecimento de relações, as sínteses de significação alcançadas pelos alunos permite-nos inferir que após a percepção inicial desenvolveram as seguintes fases:



        Assim, o processo de ensino aprendizagem experenciado corrobora o que Habermas descreveu:


        (...) o processo circular entre a construção de hipóteses, a generalização indutiva, a dedução e renovada construção de hipóteses, promete, unicamente, caso a abdução seja corretamente administrada, uma assimilação autocorretiva das experiências adquiridas e um crescimento cumulativo do saber. (HABERMAS, 1991; p.22)

        Para garantir uma “abdução corretamente administrada” é preciso, no interior das situações de ensino, apresentar fenômenos, os mais próximos possíveis da situação natural (quanto menor for a possibilidade de construção argumentativa do aluno) e, ao mesmo tempo, potencializar sua significação com a interpretação das diferentes linguagens. À medida que a potencialidade abstrativa aumenta e, novas linguagens são engendradas, as experiências podem se afastar do contexto natural e podemos utilizar representações de níveis mais abstratos sem que o contexto natural inicial seja revisitado concretamente.

         No presente estudo, a experiência de apresentação de fenômenos em um canteiro de plantas foi fundamental para apresentar seres vivos, fatores ambientais e relações entre os mesmos. Essa apresentação garantiu também a aprendizagem de novos signos lingüísticos e matemáticos que foram evoluindo no decorrer das atividades.

        Não estão analisados semióticamente aqui as duas representações pictóricas dos canteiros, mas, esses desenhos permitiram-nos verificar que os alunos aumentaram o nível perceptivo dos detalhes relacionados à organização das plantas no decorrer do processo ensino-aprendizagem.

        A apresentação permite também a inter-relação entre conhecimento, linguagens e sentimentos. Na potencialidade da apresentação, reside o estabelecimento de relações estéticas, desejos que, no confronto com a experiência e por meio do discurso argumentativo (oral ou escrito) vão propiciando um saber reflexivo e prolífero para o estabelecimento de posteriores relações significativas. As bases do pensar lógico devem ser estruturadas não de maneira asséptica e fria, mas eivada de sentimentos e apoiadas em discursos argumentativos construídos pelos próprios alunos ao ressignificar em suas experiências, socializando-as com os demais colegas.

        Desta forma pensamos a aquisição do conhecimento como um processo de aquisição de novas significações engendradas no interior do contexto de relações efetivadas.A metáfora de “rede” nos ajuda para entendermos como seria a aquisição do conhecimento de forma mais integradora.

        Cada “nó” da rede, a nosso ver, seria representado por “sínteses de significação” que no contexto vivencial e na interação entre os locutores, são re-estabelecidas. Esse “nós” seriam possibilidades contínuas de geração de novos interpretantes. Apresentam a potencialidade de gerar outros interpretantes cada vez mais complexos.

        Conceitos científicos são, pois, definidos como enunciados lógicos e argumentativos, construídos por mediação de linguagens e constantemente atualizados por uma comunidade (de especialistas; professores etc) na e pela experiência.

        O Ensino de Ciências Naturais cumpre, portanto, dessa forma, o papel de ensinar conceitos científicos estabelecendo continuadamente relações significativas e contextualizadas que podem ser ampliadas com discussões referentes às questões sócio-ambientais. Estabelecido os “nós da rede”, torna-se possível expandir a rede em uma teia mais complexa, que sustentará outras com novos nós e, assim, sucessivamente. Estéril é tentar propor teias pré-estabelecidas para que os alunos consigam por si só (pelo menos nas séries iniciais) estabelecer significados e tentar ressignificá-los.

        Entendemos que a experiência desenvolvida com os alunos permitiu a geração de interpretantes que subsidiam a compreensão dos fenômenos estudados e podem fomentar novas pesquisas a partir do que realizamos no presente trabalho.

        Essa conclusão baseia-se nos interpretantes gerados pelo conjunto de alunos. Uma análise de como se deu esse processo de forma individualizada é possível de ser realizada. Isso pretendemos concretizar num futuro próximo para dar continuidade as atividades aqui pesquisadas e analisadas.
 

Referências

BASTOS, F; NARDI, R.; DINIZ, R. E. S.; CALDEIRA, A. M. A. Da necessidade de uma pluralidade de interpretação acerca do processo de ensino e aprendizagem em Ciências: re-visitando os debates sobre o Construtivismo. In NARDI, R.; BASTOS, F.; DINIZ, R. E. S. Pesquisas em Ensino de Ciências. São Paulo, Escrituras, 2004, 254 p.
HABERMAS, J. Textos e Contextos. Instituto Piaget – Divisão Editorial: 1991, 207p.
PEIRCE, C. S. Semiótica e Filosofia. Trad. Mota e Hegenberg. São Paulo, Cultrix, 1972. 164p.
____________. Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1980, 190p.
____________. Semiótica. São Paulo, Editora Perspectiva, 1995, 335p.
____________. Collected Papers of Charles S. Peirce. V 1-8. Harstone and P. Weiss.    Cambridge M. A. – The Belknap Press of Harvard University, 1974.
SANTAELLA, L. Matrizes da Linguagem e Pensamento. São Paulo, Editora Iluminuras, 2001. 432p.
______________. A Percepção. São Paulo, Experimento, 1993,119p.
SHOOK, J. R. Os pioneiros do pragmatismo americano. Rio de Janeiro, DP & A, 2002, 211p.
SILVEIRA, L.F.B. Semiótica e Aprendizagem. In: SERBINO, R. V. BERNARDO, M.U. C. Educadores para o Século XXI. São Paulo, Editora Unesp, 1992.
 

Notas:
[1] (CP 5.448)-indica Collected Papers : o primeiro número corresponde ao volume da obra compilada do autor e o segundo numero ao parágrafo da citação. Essa forma de citação é  usual para as obras de Peirce. (volta para o texto)
[2] Essa metodologia foi descrita no manual do professor da serie Trocando idéias - Ciências Naturais elaborado por Santos, M.L. Caldeira A.M.A, Brando F. R. Editora Scipione 2004 ( no prelo) (volta para o texto)
[3] Ao analisarmos a região após a poda das plantas, procuramos trabalhar com esse problema. .  Após dialogarmos com a classe sobre possíveis soluções sobre as conseqüências do corte, ficou determinado que plantaríamos algumas plantas e  analisaríamos o desenvolvimento dessas. Para isso nova situação metodológica foi adotada, dividimos o território em áreas para serem estudadas e apresentamos aos grupos um desenho do canteiro com as regiões limitadas para que eles escolhessem uma delas como área de plantio, observação e análise.   (volta para o texto)
[4] As iniciais colocadas após as falas dos alunos representam formas de raciocínio: RA: Raciocínio Abdutivo;RI: Raciocínio indutivo: RD : Raciocínio dedutivo (volta para o texto)
[5] O termo “ter certeza” foi escolhido por se tratar de uma expressão coloquial que as crianças utilizam em seu repertório. Não há aqui uma conotação que se refiram as certezas que não sejam as evidentes. (volta para o texto)
[6] O nível das sensações ou volições é presente para que os níveis posteriores se estabeleçam porém, é difícil de ser observado. Situa-se em nível  de primeiridade para Peirce. (volta para o texto)
[7] A outra série constitui-se pelos interpretantes: emocionais, energéticos e lógico. (volta para o texto)
 
 

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