Orlando G. Aguiar Jr.
Faculdade de Educação/UFMG
orlando@fae.ufmg.br
Eduardo F. Mortimer
Faculdade de Educação/UFMG
mortimer@dedalus.lcc.ufmg.br
Resumo
Nesse artigo iremos examinar
como o conflito entre a visão de senso comum e a visão da
ciência é percebido e trabalhado pelos estudantes com a mediação
do professor. Para isso, analisamos um episódio de ensino, parte
das gravações realizadas no desenvolvimento de uma seqüência
de ensino de calor e temperatura para estudantes de 8ª série
(14-15 anos). Utilizamos a estrutura de análise do discurso da sala
de aula proposta por Mortimer e Scott (2002, 2003) para tornar visíveis
os movimentos discursivos que conduzem à tomada de consciência,
por parte dos estudantes, da contradição existente entre
dois modelos utilizados por eles em diferentes circunstâncias: o
modelo cinético de partículas e o modelo de trocas de calor
e de frio. Focamos nossa análise nas intervenções
do professor e como elas conduzem os estudantes a um exame de suas proposições
e a um lento e laborioso processo de construção de significados.
Identificamos importantes mudanças nas intenções e
nas intervenções do professor à medida que os estudantes
vão desenvolvendo suas idéias. Tais mudanças estão
associadas a alternâncias na abordagem comunicativa adotada, a princípio
dialógica e predominantemente de autoridade ao final do episódio.
Assim como Mortimer e Machado (2000), nossos dados indicam que a tomada
de consciência e participação dos estudantes na resolução
de conflitos depende não apenas da escolha de estratégias
de ensino adequadas, mas sobretudo do discurso construído em torno
das atividades.
Palavras chave: dinâmica discursiva, conflito, linguagem
e cognição, ensino aprendizagem em ciências, sócio-construtivismo.
Abstract
This paper will examine how
the conflict between the scientific point of view and the students’ everyday
point of view can be perceived and overcome by the students with the mediation
of a teacher. For this purpose we analyze a science class episode,
which was recorded when a teaching sequence on heat and temperature
was carried out with students aged 14-15 in a Brazilian secondary school.
We used the framework proposed by Mortimer and Scott (2002, 2003) to make
visible discursive moves that allows the students to become aware of the
conflict between two models they use, in different circumstances, to interpret
thermal phenomena: the kinetic particle model and a model of heat and cold
exchange. Our analysis demonstrates how the teacher’s interventions guided
the students to examine their own ideas through a slow and laborious meaning
making process. We were able to identify changes in the teacher’s purposes
and type of interventions as the students further developed their ideas.
These changes are associated to alternations in the communicative approaches,
first dialogic and then mainly authoritative. As in Mortimer and Machado
(2000), our data indicate that the process of becoming aware of and overcoming
conflicts, in the classroom, depends not only on the choice of suitable
teaching strategies, but above all, on the discourse teacher and students
build around the experiment.
Key-words: discourse analysis, conflicts, language and cognition,
science teaching and learning, socio-constructivism
Introdução
Este trabalho interessa-se pelo modo como as contradições emergem e são resolvidas no plano social da sala de aula. Para isso, vamos analisar um episódio que emergiu como parte de uma seqüência de ensino de introdução à física térmica na última série do Ensino Fundamental.
Situações de conflito ou tomada de consciência das contradições têm sido objeto de grande interesse nas pesquisas em educação em ciências. Numa perspectiva mais individual dos processos cognitivos que informou trabalhos em mudança conceitual, os conflitos foram tomados como condição prévia para mobilizar os estudantes na criação e desenvolvimento de idéias científicas. Em pesquisas que adotaram esse enfoque, passou-se a considerar o reconhecimento de contradições, pelo sujeito do conhecimento, como momento crucial no processo de mudança conceitual (Posner et al, 1982; Chi, 1991) e a conceber o conflito ou anomalia como referente a um sujeito ou sistema de conhecimento. Um dos mais importantes resultados dessas pesquisas foi o reconhecimento de dois tipos de conflitos, cada qual engendrando formas diferenciadas de superação e mobilizando diferentes estratégias de ensino: 1. conflitos entre as concepções dos estudantes e os resultados experimentais disponíveis; 2. conflitos entre diferentes estruturas conceituais utilizadas para interpretar um mesmo evento ou conjunto de eventos (Stavy e Berkovitz, 1980; Hashweh,1986; Rowell e Dawson, 1983; Dreyfus et al., 1990; Scott, Asoko e Driver, 1992; Mortimer, 2000).
Apesar de a abordagem piagetiana ter, de alguma forma, influenciado esses estudos, são poucos os trabalhos (e.g., Rowell 1989, Laburu, 1993, Villani e Carvalho, 1995) que indicam fases de construção compensatória em que o sujeito, ao tomar consciência do conflito, elabora instrumentos conceituais e operatórios para superá-lo (Piaget, 1976, 1978a). Baseado em outros pressupostos, Chinn e Brewer (1998) tipificam reações possíveis de um estudante frente a dados inesperados. Outros estudos indicaram que a consideração, pelos alunos, de resultados experimentais anômalos ou perturbadores depende fortemente da existência de um esquema conceitual alternativo amplo e poderoso, introduzido pelo ensino (Rowell e Dawson, 1985, Rowel, 1989).
Em que pese tais contribuições, o plano de análise dessas pesquisas permaneceu restrito ao individuo agindo diante de situações de ensino que lhe poderiam ser potencialmente perturbadoras. Essa limitação teórica não permitiu considerar as relações entre as interações verbais em sala de aula e a emergência e resolução de conflitos ou contradições. Não permitiu, portanto, compreender como os professores atuam de modo a favorecer tais construções.
Mais recentemente, com a influência de abordagens discursivas na pesquisa em educação em ciências, assistimos à emergência de investigações que têm procurado responder como os significados são criados e desenvolvidos por meio do uso da linguagem (Lemke, 1990; Sutton, 1992; Scott, 1998; Ogborn et al, 1996; Mortimer, 1998; Kress et al., 2001; Kelly et al., 2000; Roychoudhury e Roth, 1996). O artigo de Mortimer e Machado (2000) insere-se nessa tendência discursiva e, diferentemente da maioria dos trabalhos que trataram do conflito cognitivo na educação em ciências, apresentam evidências de que as perturbações são construídas no plano intermental, com ajuda e suporte do professor, e não simplesmente reconhecidas pelo sistema cognitivo de indivíduos considerados isoladamente. Esses autores reinterpretam a teoria piagetiana de etapas de construção compensatória, de modo a constatar como essa construção ocorre primeiramente no plano social da sala de aula e procuram examinar quais são as estratégias discursivas que o professor utiliza para levá-las a termo. Os autores concluem que “o processo de tomada de consciência e superação do conflito parece depender não apenas da escolha adequada de estratégias de ensino mas ainda da interação discursiva estabelecida em sala de aula” (Mortimer e Machado, 2000, p. 430).
Apoiados nessa perspectiva sóciocultural, compreendemos os conflitos como um diálogo, nem sempre harmônico, entre diferentes perspectivas culturais que convivem no seio das sociedades contemporâneas. Nesse sentido, os conflitos não resultam simplesmente da interação entre sujeito e objeto do conhecimento, mas, sobretudo, da emergência de novas exigências epistemológicas introduzidas pelo discurso da ciência, por meio da ação docente. Nas aulas de ciências, freqüentemente, os conflitos emergem como resultado de uma longa e paciente intervenção do professor.
A importância de estudar como os professores e estudantes lidam com situações de conflito nas interações discursivas em sala de aula reside, também, no reconhecimento que situações tensas e conflitivas são tão importantes para o funcionamento intersubjetivo e para a constituição do pensamento conceitual quanto aquelas mais harmoniosas. O conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (Vygotsky, 1978) tem sido abordado principalmente sobre a perspectiva de mostrar a ação do outro como ajuda, guia, compartilhamento, andaime, etc. Interessa-nos, portanto, verificar como a tensão e o conflito, que em alguns casos é inevitável, também podem resultar na construção de novos significados.
O tópico de conteúdo abordado no episódio que será analisado – calor e temperatura – nos parece envolver, inevitavelmente, um conflito entre a visão cotidiana e a científica. Estudos mostram que os estudantes não abandonam suas concepções cotidianas depois de vivenciarem processos de ensino. De fato, mesmo pessoas com formação científica mantêm suas formas de falar sobre calor e temperatura que estão baseadas em idéias cotidianas (Mark e Young, 1987; Moreno et al, 1987; Amaral e Mortimer, 2001). Isso evidencia que o processo de construção de uma noção científica de calor e temperatura não ocorre com a substituição de conceitos cotidianos por conceitos científicos, mas por uma mudança no perfil conceitual dos alunos, em que a zona científica é construída e diferenciada da zona cotidiana[1]. Ambas continuam válidas e úteis para os alunos em contextos diferenciados. Todos nós, na nossa vida cotidiana, continuamos a falar de dois tipos de calor – frio e quente – ou de calor como substância contida nos objetos mesmo que tenhamos construído o significado científico de calor como um processo de transferência de energia que tem uma única direção – da fonte quente para a fonte fria. Nesse sentido, o ensino desse tópico deve levar não apenas à construção da zona científica mas também à tomada de consciência da diferença entre esta zona e a cotidiana e os contextos específicos a que cada ponto de vista pode ser aplicado.
Neste artigo, procuramos aprofundar a análise da tomada de consciência dessas diferentes zonas do perfil conceitual de calor e a superação de conflitos na sala de aula por meio de uma estrutura analítica que possibilita analisar como os professores dão suporte ao processo de construção de significados, pelos estudantes, em aulas de ciências e como os diferentes tipos de discurso podem auxiliar a aprendizagem.
Utilizamos uma abordagem
teórica baseada na psicologia sócio-cultural de Vygotsky
(1978, 1987) e na filosofia da linguagem de Bakhtin (Bakhtin, 1986; Voloshinov,
1997). Centrais nessa perspectiva são as relações
estabelecidas por Vygotsky entre linguagem e pensamento, assim como a hipótese
formulada por esse autor de que as funções mentais superiores,
entre elas o pensamento conceitual, têm sua origem na esfera social,
sendo progressivamente internalizadas pelo indivíduo. A contribuição
de Bakhtin tem permitido ampliar a compreensão da linguagem para
além das interações interpessoais, ao mostrar o discurso
é influenciado pela posição social do falante e pelo
lugar institucional onde é produzido (Wertsch, 1991).
A estrutura analítica
A estrutura analítica
proposta por Mortimer e Scott (2002, 2003) é baseada em cinco aspectos
inter-relacionados, que focalizam o papel do professor em tornar a história
científica disponível no plano social da sala de aula e em
oferecer suporte aos estudantes no processo de construção
de sentidos acerca dessa história. Os cinco aspectos serão
descritos brevemente a seguir (para maiores detalhes e exemplificações,
ver Mortimer e Scott, 2002 e 2003). Os cinco aspectos estão agrupados
em três dimensões do ensino – focos, abordagem e ações:
Fig. 3.1 : A estrutura analítica: uma ferramenta para analisar
as interações e a produção de significados
em salas de aula de ciências
1. Intenções do professor
O primeiro aspecto da estrutura analítica se refere às intenções do ensino. Quando acompanhamos uma seqüência de ensino, observamos que diferentes propósitos orientam as intervenções de um professor. Cada intenção, ou propósito, se relaciona a uma fase particular da aula ou de uma seqüência de aulas. Baseados na teoria sócio-cultural e em estudos de sala de aula, Mortimer e Scott (2002) identificam as seguintes intenções: Criando um problema; Explorando a visão dos estudantes; Introduzindo e desenvolvendo a ‘história científica’ ; Guiando os estudantes no trabalho com as idéias científicas, e dando suporte ao processo de internalização; Guiando os estudantes na aplicação das idéias científicas, transferindo-lhes progressivamente o controle e responsabilidade por esse uso; Mantendo a narrativa: sustentando o desenvolvimento da ‘história científica’
Esse aspecto da estrutura
analítica responde à seguinte questão: quais são
as intenções do professor numa determinada fase da seqüência
de ensino, no que se refere ao desenvolvimento dos conteúdos científicos?
2. Conteúdo do discurso da sala de aula
Nas aulas de ciências ocorrem múltiplas interações entre professor e estudantes e essas se referem a uma gama de conteúdos que incluem a história científica a ser ensinada (possivelmente envolvendo aspectos conceituais, tecnológicos, sociais e ambientais) além de questões de gerenciamento e organização da sala de aula. A ferramenta analítica de Mortimer e Scott (2003) examina os conteúdos conceituais do ensino, a partir de três dimensões:
Conhecimento comum – conhecimento científico
Descrições – Explicações – Generalizações
Empíricos – Teóricos
A dimensão conhecimento comum – científico permite a identificação da linguagem social (Bakhtin, 1986) que é majoritariamente utilizada, tanto por professor quanto por estudantes em diferentes momentos da seqüência de ensino.
A distinção
entre descrição, explicação e generalização
é uma caracterização fundamental na análise
da linguagem social da ciência e foi assim definida por Mortimer
e Scott (2003):
A questão chave, que
dirige a análise dos conteúdos das interações
em sala de aula é, portanto: qual é a natureza do conhecimento
com o qual professor e alunos trabalham durante determinada fase do ensino?
3. Abordagem Comunicativa
O conceito de ‘abordagem comunicativa’ é central na estrutura analítica, fornecendo a perspectiva sobre como o professor trabalha as intenções e o conteúdo do ensino por meio das diferentes intervenções pedagógicas que resultam em diferentes padrões de interação. Mortimer e Scott (2003) identificaram quatro classes de abordagem comunicativa, que são definidas por meio da caracterização do discurso entre professor e alunos ou entre alunos em termos de duas dimensões: discurso dialógico ou de autoridade; discurso interativo ou não-interativo.
A interatividade do discurso é definida apenas em termos da participação dos estudantes na interação verbal com professores. O discurso é considerado interativo quando mais de uma pessoa participa de sua elaboração e não-interativo quando apenas uma pessoa o produz. Como veremos, o episódio que iremos analisar é intensamente interativo e nossa atenção irá recair sobre a alternância entre discurso dialógico e de autoridade.
Focando nessa segunda dimensão, podemos dizer que, quando um professor interage com os estudantes numa sala de aula de ciências, a natureza das intervenções pode ser caracterizada em termos de dois extremos. No primeiro deles, o professor considera o que o estudante tem a dizer do ponto de vista do próprio estudante; mais de uma ‘voz’ é considerada e há inter-animação de idéias. Este primeiro tipo de interação constitui uma abordagem comunicativa dialógica. No segundo extremo, o professor considera o que o estudante tem a dizer apenas do ponto de vista do discurso científico escolar que está sendo construído. Este segundo tipo de interação constitui uma abordagem comunicativa de autoridade, na qual apenas uma ‘voz’ é ouvida e não há inter-animação de idéias.
Na prática, qualquer interação provavelmente contém aspectos de ambas as funções, dialógica e de autoridade. Essa distinção entre funções dialógicas e de autoridade foi discutida por Wertsch (1991) e usada por Mortimer (1998) para analisar o discurso de uma sala de aula brasileira. Ela tem por base a distinção entre discurso de autoridade e discurso internamente persuasivo, introduzida por Bakhtin (1981) e a noção de dualismo funcional de textos num sistema cultural, discutida por Lotman (1988) (apud Wertsch, 1991, p. 73-74).
A combinação
dessas duas dimensões gera quatro classes de abordagem comunicativa.
Embora cada uma dessas quatro classes, como apresentadas a seguir, está
relacionada ao papel do professor ao conduzir o discurso da classe, elas
são igualmente aplicáveis para caracterizar a interações
que ocorrem apenas entre estudantes, por exemplo em pequenos grupos:
a. Interativa/dialógica: professor e estudantes exploram idéias,
formularam perguntas autênticas e oferecem, consideram e trabalham
diferentes pontos de vista.
b. Não-interativa/dialógica: professor reconsidera, na
sua fala, vários pontos de vista, destacando similaridades e diferenças.
c. Interativa/de autoridade: professor geralmente conduz os estudantes
por meio de uma seqüência de perguntas e respostas, com o objetivo
de chegar a um ponto de vista específico.
d. Não-interativa/ de autoridade: professor apresenta um ponto
de vista específico.
A questão central,
a que se dirige esse aspecto da estrutura analítica do discurso
na sala de aula é: de que maneira o professor trabalha com os estudantes,
considerando-se a diversidade de idéias presentes na sala de aula
durante uma fase determinada da aula ou da seqüência de aulas?
4. Padrões de discurso
O quarto aspecto relaciona-se ao reconhecimento de padrões de interação que emergem durante as interações verbais entre professor e estudantes na sala de aula. Em relação a esse aspecto, identificamos três tipos principais de interação no episódio que será analisado: 1) o tradicional padrão I-R-A (Mehan, 1979) em que o professor inicia normalmente por meio de uma pergunta, o aluno responde e o professor avalia; 2) as seqüências estendidas fechadas do tipo I-R1-R2-F-R-F-R...A, em que a iniciação do professor pode gerar diferentes respostas, que podem ter feedbacks intermediários do professor e são finalmente encerradas como uma avaliação; 3) E as cadeias de interação abertas (Mortimer e Scott, 2003), que têm o mesmo formato do padrão anterior, mas sem a avaliação final do professor. No episódio analisado detectamos também cadeias de interação iniciadas pelos alunos.
A questão chave, que
dirige a análise desse aspecto é: quais são os padrões
de interação que se estabelecem quando professor e alunos
alternam turnos de fala na construção do discurso na sala
de aula?
5. Intervenções do professor
O aspecto final da análise remete aos modos como o professor intervem para desenvolver a história científica e a tornar disponível para todos os estudantes na sala de aula. Essa análise é baseada em um esquema proposto por Scott (1996) no qual várias formas de intervenção foram identificadas: dando forma aos significados; selecionando significados; marcando significados-chave; compartilhando significados; checando o entendimento dos estudantes; revendo o progresso da história científica.
A questão chave tratada
nessa dimensão da estrutura analítica é: como o professor
intervém, num determinado momento da aula, para desenvolver a história
científica e a tornar disponível para todos os estudantes?
Metodologia
Analisamos um episódio de ensino em classe de ciências de 8a série do Ensino Fundamental (estudantes com 14-15 anos de idade), tomando como referencial a estrutura de análise do discurso proposta por Mortimer e Scott (2003).
A professora e o primeiro autor do trabalho faziam parte de equipe interdisciplinar de desenvolvimento de currículos de ciências em micro-escala, sustentada pelo exame de processos de ensino e aprendizagem em sala de aula (Lijnse, 1995, Leach and Scott, 2002). A professora e o pesquisador atuavam juntos em sala de aula e, em vários momentos, o pesquisador interagia com os estudantes, propondo questões, auxiliando os grupos no desenvolvimento dos trabalhos e participando das sínteses coletivas. Na transcrição do episódio que será analisado, a professora é identificada como Prof1 e o pesquisador, como Prof2.
O episódio analisado foi gravado em vídeo durante uma unidade introdutória à física térmica, a partir de uma abordagem temática, em que os conteúdos do ensino foram selecionados e organizados em torno do problema da regulação térmica nos seres vivos. O episódio se desenvolveu na terceira aula de uma seqüência de 15 encontros sobre o tema, que envolveu o estudo dos conteúdos de calor, temperatura, equilíbrio térmico, balanço energético nos organismos, além de noções de fisiologia animal. Anteriormente, os alunos haviam sido introduzidos ao modelo cinético de partículas por meio de uma abordagem baseada na interpretação de fenômenos tais como a difusão gasosa, a expansão de gases, a dilatação de líquidos e as mudanças de estado físico da matéria mas, como veremos, apresentavam dificuldades ao aplicar esse modelo aos fenômenos de transferência de calor.
A dinâmica de trabalho em sala de aula consistiu em trabalhos desenvolvidos em pequenos grupos, em que os estudantes se dedicavam à interpretação de um fenômeno, mediante atividade prática. Essas atividades eram seguidas por discussões com toda a turma, em que a professora procurava construir, com a participação dos alunos, sínteses do que havia sido proposto. As atividades eram precedidas por uma discussão preliminar, cujo intuito era de contextualizar o problema no marco das investigações da unidade. Muitas vezes, combinávamos atividades e leituras de pequenos textos. Outras, ainda, as atividades experimentais eram conduzidas pela professora em demonstrações com toda a classe. Essas formas de organização do trabalho pedagógico tinham por objetivo propiciar ambientes de ensino e aprendizagem que favorecessem o envolvimento e a atividade dos estudantes, por meio do seu engajamento na realização de tarefas, mediadas pela produção discursiva com seus pares e com a professora.
As aulas foram gravadas por uma câmara de vídeo que, nos momentos coletivos, focalizava as interações de toda a turma e, nos momentos de trabalhos em equipe, um de seus grupos. Os episódios selecionados para análise foram transcritos. Alem do vídeo, foram realizados registros de campo, tanto pela professora e como por um dos autores, em discussões após cada uma das aulas.
Faremos a análise
do episódio adotando uma abordagem qualitativa e interpretativa.
Nosso principal cuidado metodológico será o de situar o contexto
no qual as palavras foram ditas, ou seja, o contexto da atividade que realizaram
alunos e professores. Procuramos seguir o fluxo do discurso, considerando
que as contribuições e intenções dos participantes
devem ser situadas no âmbito de uma construção coletiva
de significados, que transforma os enunciados de partida e possibilita
novas construções pessoais. Numa perspectiva backtiniana,
consideramos que
“A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra se apóia sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor” (Voloshinov , 1997, p. 113)
O episódio analisado,
com 102 turnos de fala e cerca de 8 minutos de gravação em
vídeo, faz parte do estudo de uma unidade introdutória à
física térmica. Nele, quatro estudantes discutiam, em grupo
e com intensa participação do professor, a interpretação
de fenômenos investigados mediante atividade prática. O tópico
em questão envolveu o conceito físico de calor e aos estudantes
foi proposto verificar a possibilidade de um copo com gelo fundente ser
considerado como uma fonte de calor.
Na aula anterior, os estudantes haviam realizado duas atividades práticas. Na primeira delas, procuravam explicar as diferentes sensações térmicas na alternância de suas mãos em copos contendo água quente, água gelada e água à temperatura ambiente. Na segunda atividade, foram estimulados a prever e explicar o comportamento de uma pedra de gelo e de uma batata quente enroladas em flanela quando comparadas a objetos idênticos expostos ao ar, além de estabelecer uma relação entre o que ocorria com a batata e com o gelo. Ao final da aula, ao relatarem suas conclusões à primeira atividade, foi possível constatar as interpretações diversas sobre o que acontece quando tocamos objetos quentes ou frios. Alguns deles referiam-se a “trocas de temperatura” (“a temperatura da água passa pra mão e a da mão passa pra água”), outros a “troca de calor” (“cada um, tipo assim, solta um determinado calor, entendeu?”; “quando a gente fala calor não significa só ele ser quente, ele pode ser frio, calor frio. Por exemplo, na água gelada a gente tem calor frio e sente frio”).
No início da aula seguinte (em que acontece o episódio que iremos analisar) , a professora retomou a discussão com toda a classe. Os alunos retomaram a polêmica iniciada na aula anterior e o grupo que acompanhamos na seqüência apresentou a interpretação de que “o gelo enrolado na flanela descongela menos porque perde menos calor” para o ar à sua volta. A ação da professora, nesse momento, foi desenvolvida com o propósito de elicitar as representações dos estudantes, checando seu entendimento e procurando explicitar as argumentações a favor das diferentes interpretações. O debate se prolongou por cerca de 20 minutos e a professora foi anotando as diferentes hipóteses no quadro: “troca de temperatura”, “troca de calor” e “transferência de calor”. Ao serem indagados sobre o significado dos termos calor e temperatura, e as relações entre esses conceitos, os estudantes apresentaram formulações diversas: “a temperatura é a medida do calor”; “calor é movimento das partículas” (Renan), “energia cinética das partículas geram o calor” (Guilherme) e “quando tem energia cinética gera menos calor, aí vai ficar mais frio porque as partículas são menores e a temperatura mede o calor, o calor é a energia cinética” (Guilherme).
O episódio que iremos
destacar aconteceu quando o grupo inicia a análise da terceira atividade,
denominada “o frio pode ser quente?”. O propósito da atividade era
problematizar a idéia de frio e calor como qualidades opostas e
absolutas. A atividade solicitava a preparação de um sistema
“mais frio” que o gelo fundente ? gelo picado com sal ? e a observação
do que acontece com um termômetro ao ser deslocado do copo contendo
“gelo+sal” para o copo com gelo fundente.
Resultados e Discussão
A professora faz a leitura da atividade, em voz alta. É ao final da leitura que inicia-se o episódio, que dura cerca de 8 minutos. Dos quatro alunos que compõem o grupo aqui analisado, o estudante Alan só comparece com dois turnos de fala (num total de 102) e não apresenta envolvimento efetivo no episódio. Os demais membros do grupo têm participação intensa mas, como veremos, diferenciada. Em várias ocasiões, esses alunos falam ao mesmo tempo, disputando a palavra e interrompendo os colegas.
Iremos dividir o episódio
em quatro momentos. Na primeira parte, os alunos encontram uma solução
satisfatória à atividade proposta, partindo de uma discussão
ancorada no modelo de partículas. Na segunda parte do episódio,
os estudantes retomam, por sugestão do professor, o modelo de “trocas”
de calor quente e frio entre o ambiente e o gelo, sustentando e explicitando
seus pontos de vista. Na terceira parte, os dois modelos são,
então, confrontados. Na quarta e última parte do episódio,
que se inicia assim que os alunos manifestam consciência das contradições
entre os modelos utilizados, assistimos a uma intervenção
de autoridade do professor, solicitado a preencher lacunas no sistema conceitual
dos alunos de modo a superar os conflitos.
1a parte: Interpretando calor e frio a partir do Modelo de Partículas
O episódio gira em
torno da formulação inicial, feita por Guilherme, das relações
entre o calor e o frio em termos do modelo de partículas.
Antes mesmo de lidar com as leituras do termômetro, ao ser transferido
de um copo, contendo uma mistura de gelo picado e sal, para outro, com
gelo fundente, os alunos já dão sinais de resolverem satisfatoriamente
o problema, destacando a relatividade do “quente” e do “frio” como decorrentes
de maior ou menor quantidade de calor “contido” em cada copo.
1. Guilherme: Calor frio é falta de calor.
2. Rafael: É, mais pode trocar 3. Guilherme: Trocar não, é fonte de calor. ((alunos conversam sobre como fazer as medidas das temperaturas dos dois sistemas)) 4. Guilherme: Professora, ((interrompe e dirige-se aos colegas)) põe mais gelo aqui. ((dirigindo-se à professora que se aproxima)). Mas, gelo frio é falta de calor, né? 5. Prof 1: Heim? 6. Guilherme: Frio é falta de calor, né? 7. Prof 1: Falta completa de calor? 8. Guilherme: Não existe partícula que nunca se movimenta não, existe? 9. Prof 1: Completamente paradas? 10. Guilherme: É, calor é energia cinética, então o, o calor é a medida da temperatura cinética, não, da temperatura não, da energia cinética das partículas, daí não existe partícula que nunca se movimenta, que fica completamente paradinha tem? Por que aí seria falta de calor. 11. Rafael: Só no gelo absoluto ((A professora Selma se afasta para atender outro grupo)) 12. Guilherme: Não. 13. Renan: Nem no gelo absoluto. 14. Prof2: ((aproximando-se da mesa)) E aí entenderam a pergunta aí? 15. Alunos: Entendemos. ((Guilherme, Rafael e Renan falam juntos e, a seguir, as falas são simultâneas, o que torna difícil atribuir a autoria de cada uma)). Esse daqui ((gelo fundente)) pode ser fonte de calor para esse aqui (gelo com sal). Ele vai se aquecer. 16. Rafael: Um está a 0ºC o outro a - 10º. 17. Guilherme: É porque não existe falta de calor. Existe uma temperatura que não se movimenta. Calor é ... 18. Renan: partícula... 19. Guilherme: ...é a energia cinética. é que as partículas não se movimentam. É porque calor é energia cinética é... as partículas movimentam ((gesticula com as mãos)). Aí então assim, aqui (gelo fundente) está se movimentando mais do que aqui ((gelo com sal)). 20. Renan: Então tem mais calor. 21. Guilherme: Então esse pode aquecer esse 22. Prof2: Beleza ((aprovando)) 23. Guilherme: É isso não é? Ou tem mais coisa? |
As questões formuladas
por Guilherme no início do episódio parecem ter sido provocadas
pelo contexto da atividade, que indaga sobre as relações
entre o frio e o calor. O aluno levanta uma hipótese com seus colegas
e então procura checar seu entendimento com a professora (Turno
de fala 3). A professora não fornece uma resposta à pergunta,
mas formula novas questões, obrigando o estudante a re-formular
seus enunciados e a explicitar seu raciocínio (T8 e T10). Essa avaliação
é considerada favorável por Guilherme que se mostra mais
confiante quanto à validade de seu raciocínio.
O raciocínio do aluno
é construído a partir dos pressupostos teóricos de
que o calor é movimento de partículas e de que as partículas
de um material estão sempre em movimento. Segundo esse modelo, um
corpo pode ter mais ou menos calor (sendo quente ou frio). Desses pressupostos,
o aluno deduz que a ausência de calor é sempre relativa e
que, portanto, não existe frio absoluto. Frio e quente passam, assim,
a serem concebidos como extremos de um contínuo. O conteúdo
desses enunciados é predominantemente explicativo e teórico.
É explicativo porque atribui um mecanismo para explicar o comportamento
do sistema. É teórico, pois lança mão de entidades
criadas pelo discurso de modo a justificar o comportamento observável
do sistema.
O contexto do experimento é
retomado, a pedido do Prof2 (T15 e seguintes), e o grupo parece compartilhar,
nessa oportunidade, dos pressupostos teóricos propostos por Guilherme.
Isso garante o sucesso na tarefa, qual seja, o entendimento de que o gelo
fundente possa ser fonte de calor para um sistema que esteja a uma temperatura
inferior. Devemos notar que o aluno Guilherme é bastante ansioso,
tem uma fala apressada, o que muitas vezes o leva a trocar expressões,
corrigidas em seguida, no curso de um mesmo enunciado (ver, por exemplo,
os turnos T10 e T19).
As intervenções
do professor, no contexto da atividade, são para checar o entendimento
dos estudantes, numa abordagem comunicativa interativa e predominantemente
dialógica. Apesar de os pontos de vista se aproximarem daquele da
ciência escolar, a linguagem social usada ainda se aproxima da linguagem
cotidiana. Nesse sentido, os pontos de vista dos alunos, seus horizontes
conceituais, são considerados pelo professor, o que caracteriza
uma abordagem dialógica. No entanto, como os pontos de vista expressos
pelos alunos se aproximam do científico, há uma tensão
em direção ao discurso de autoridade.
Na primeira intervenção
da professora (turnos 4 a 10), o padrão discursivo inicia-se com
uma questão levantada pelo estudante (T6 – iniciação
do estudante), respondida com uma questão por parte da professora
(T7 – feedback), seguida por re-formulações dos enunciados
desse mesmo estudante. Simbolicamente, podemos representar esse padrão
discursivo por (IE1-F-RE1-F-R). A intenção de Guilherme parece
ser a de buscar a confirmação de sua hipótese, recorrendo
à autoridade da professora. Nas suas intervenções,
a professora não confirma as hipóteses do estudante, buscando
no lugar disso elicitar melhor a hipótese do aluno. Apesar disso,
o estudante considera que a avaliação da professora é
implicitamente favorável e ele, então, prossegue a atividade
com seus colegas.
Na segunda intervenção
(turnos 14 a 20), a interação se inicia com a iniciação
do professor (I), seguida por respostas variadas dos alunos, e um feedback
positivo em relação aos enunciados do grupo. As falas dos
alunos são entrecortadas, complementando-se e superpondo-se. O padrão
discursivo desse novo ciclo de interações pode ser, então,
representado por (I-REs-RE3-RE1-RE2-RE1-RE2-RE1-A).
É interessante que, nessa
primeira parte, não se observa padrões triádicos do
tipo I-R-A (Iniciação-Resposta-Avaliação),
normalmente descritos na literatura sobre sala de aula. Os padrões
observados são cadeias de interação (Mortimer e Scott,
2003) e o professor aguarda a intervenção de vários
alunos antes de formular uma avaliação. Em Mehan (1979),
esse tipo de seqüência e chamada de seqüência estendida.
Para Mehan, a seqüência estendida sempre termina com uma avaliação,
no momento em que a resposta esperada é obtida. Chamaremos a essa
seqüência de cadeia de interações fechada, para
contrastar com as cadeias abertas, em que não há um fechamento
da seqüência por meio de uma avaliação. Exemplo
dessas cadeias abertas será apresentado na análise da segunda
parte do episódio.
2a Parte: Como é esse negócio de troca de calor?
Na seqüência (T24),
o professor procura destacar a contradição latente entre
essa solução e a conclusão do grupo na atividade anterior.
Os estudantes não percebem a contradição e procuram
justificar a existência de “trocas de calor” do gelo com o ar à
sua volta. Notamos, nessa segunda parte do episódio, uma inversão
no curso do raciocínio do grupo, antes guiado por premissas teóricas
para prever resultados empíricos e agora, ao contrário disso,
partindo de dados empíricos, de modo a extrair as entidades físicas
que fornecem um encadeamento causal aos fenômenos.
24. Prof2: Agora quando vocês falaram ali ((referindo-se às
conclusões anotadas no quadro relativas à atividade anterior))
que o gelo na flanela se descongela menos porque perde menos calor para
o ambiente. O gelo perde calor? Como é que é isso?
25. Renan: Não, ele troca calor 26. Guilherme: Se mantém, não perde. 27. Prof2: No caso do gelo com o ambiente, o gelo na flanela. O gelo tá perdendo calor para o ambiente quando ele derrete? 28. Guilherme: Não. Tá deixando de trocar o calor, ele está se mantendo. 29. Prof2: Trocando calor... Como é esse negócio de troca de calor? 30. Guilherme: Tem um negócio mais frio e outro mais quente. Aí vai juntando assim até se igualar. Aí o calor vai assim passando calor de um para o outro, um para o outro, até se igualar. 31. Alan: É, até igualar o calor. 32. Renan: É assim, tem o gelo. Põe o gelo aqui. Aí você põe a mão aqui em cima ((gesticula, como se houvesse um gelo sob sua mão)), o ar que tá mais frio aqui e o ar mais quente, então vão trocando esse ar ((é interrompido por Guilherme que completa a frase)). 33. Guilherme: ...com o quente até ficar na mesma temperatura, aí a flanela impede que o ar, assim, o calor de fora chegue no gelo e descongele. 34. Renan e Guilherme: ((falam de modo intercalado)) Aí o gelo derrete e a água fica na mesma temperatura do ambiente. A flanela impede que esse ar, o calor de fora chegue no gelo, e descongele o gelo. 35. Prof2: Tá, é... O gelo com o ambiente ele, ... ele passa alguma coisa para o ambiente na hora que ele derrete? 36. Guilherme: : Hã, hã ((concordando e gesticulando com as mãos sobre a mesa como se houvesse ali uma pedra de gelo)) só que, acontece que passa bem pertinho você vê... sente que tá passando só que o ar é muito maior. 37. Renan: o espaço que o ar ocupa é maior que o espaço que o gelo ocupa. 38. Rafael: aí troca mais calor. 39. Guilherme: Só que o ar é muito maior. Se fosse um gelo gigantesco você poderia sentir melhor. 40. Rafael: Você põe a mão você sente que o ar tá bem mais frio. 41. Renan: igual a um iceberg. Um iceberg por exemplo... 42. Prof2: Ele tá transferindo calor para o ambiente? 43. Rafael: Tá. 44. Renan: Tá. e o ambiente tá transferindo calor pro gelo. 45. Guilherme: Pouco em relação ao ambiente que é gigantesco 46. Prof2: Existem tipos de calor (...) - de coisas frias e a coisas quentes, ou não? 47. Renan: ((depois de um breve silêncio)) Como assim? |
O professor inicia esse segundo
ciclo de interações “criando um problema” para os alunos.
O problema não está relacionado à atividade proposta,
corretamente solucionada pelo grupo, mas à solução
dada pelo grupo à atividade anterior. A entonação
e as pausas na formulação da pergunta sugerem, aos alunos,
a necessidade de rever e checar essa solução.
Os estudantes não demonstram qualquer insatisfação
com a interpretação segundo a qual o gelo “perde calor para
o ambiente”, mas apenas acrescentam que ele “troca calor” com o ambiente
na condição de não estar isolado do ambiente, através
da flanela (nesse caso, ele não troca, mas mantém o seu calor,
conforme os turnos de fala T26 e 28). O professor insiste, procurando checar
o entendimento dos estudantes, enfatizando os pontos chave que merecem
maior atenção do grupo, o que é feito por meio de
mudanças na entonação de suas perguntas (que registramos
em negrito nas transcrições – ver T24, 27, 29, 35, 42 e 46).
Para c hecar esse entendimento, as perguntas feitas são cada vez
mais específicas e, várias vezes, o professor parafraseia
os enunciados dos estudantes, para que eles possam concordar ou criticar
a perspectiva que está sendo apresentada.
Nos turnos 33 e 34, a explicação
dada por Guilherme e Renan parece reafirmar a idéia de que o fluxo
de calor é sempre do objeto mais quente para o mais frio. Isso representaria
uma resposta negativa à pergunta inicial do professor (O gelo perde
calor?) e seria, assim, coerente com as respostas dadas na primeira parte
do episódio. Entretanto, quando o professor retoma a pergunta se
o gelo passa alguma coisa para o ambiente, os alunos voltam ao modelo de
trocas de calor quente e frio, que havia sido apresentada pelo grupo quando
da discussão da atividade do gelo e da batata enrolados na flanela.
Os estudantes oscilam entre essas duas interpretações,
mas à medida que consideram os referentes empíricos que lhes
dão garantia de que do gelo emana “calor” para o ambiente à
sua volta, passam a tender para essa segunda interpretação.
Para os alunos, isso é comprovado pelo fato de que o gelo “esfria”
o ar em torno dele, mesmo que esse efeito seja menos evidente do que o
efeito do ambiente sobre o gelo (T 32, 36, 39 e 44) . De um ponto de vista
causal, eles parecem trabalhar com a identificação de uma
causa para cada efeito, sendo a causa proporcional ao efeito que acarreta
(Andersson, 1986). Assim sendo, o “calor” (frio) que o gelo transfere ao
ambiente é menor do que o calor transferido pelo ambiente ao gelo
(T 45), pois o gelo é pequeno e o ambiente, gigantesco. Se o gelo
modifica o ambiente à sua volta, isso é tomado como evidência
de que ele transfere algo para o ambiente. Desse modo, os efeitos recíprocos
do gelo sobre o ambiente e do ambiente sobre o gelo justificam a expressão
“troca de calor” em seu sentido literal.
Nos parece exemplar o fato de
que, quando os estudantes retornam ao plano da experiência física,
são atraídos pela sensação de frescor que sentimos
quando nos aproximamos de uma pedra de gelo, o que fornece uma evidência
compatível com a sua explicação de que o gelo transfere
“calor frio” para o ambiente. Nessas circunstâncias, eles deixam
de lado o modelo de partículas com o qual vinham trabalhando e passam
a lidar com outro modelo, macroscópico, no qual calor e frio são
entidades físicas que explicam os efeitos observados. O conteúdo
do discurso torna-se, nesse novo contexto, fortemente empírico embora
seja ainda predominantemente explicativo.
Outro ponto a destacar, e que
é retomado em várias ocasiões pelos alunos Renan e
Guilherme, é a referência a uma “concentração
do calor” (T36 e 37), idéia que está na gênese de uma
diferenciação entre calor e temperatura. O aluno Renan, em
um outro momento dessa mesma aula, pergunta por que sentimos calor quando
a temperatura ambiente é de 30oC e então sugere que isso
ocorre “porque a temperatura de 37oC é só no corpo que a
gente ocupa e 30 oC é no espaço todo. Tipo assim, pode dar
30oC num lugar, mas no espaço todo deve dar mais de 30oC, a gente
pega uma média”.
Os alunos parecem seguros de seus enunciados até que o professor
destaca a questão da existência de dois tipos de calor (T
46), o que provoca um breve silêncio no grupo. Isso parece evidenciar
o início de uma tomada de consciência das contradições
entre a interpretação decorrente do modelo de partículas
e o modelo calor quente / calor frio formulado a partir dos observáveis
empíricos.
O padrão discursivo novamente
é constituído por cadeias de interação, dessa
vez do tipo I-R-F-R-F-R-F-R-F-R... (iniciação do professor,
respostas dos alunos, feedback do professor, respostas dos alunos, novo
feedback do professor,...). Essas cadeias de interações,
ao contrário daquelas analisadas na primeira parte do episódio,
são abertas, pois não há uma avaliação
final por parte do professor. As respostas são dadas, pelos estudantes,
de modo compartilhado, e as proposições seguintes do professor
deflagram a produção, pelos estudantes, de enunciados cada
vez mais detalhados, exemplificando e justificando suas crenças.
A abordagem comunicativa continua sendo interativa e dialógica,
pois o professor, com suas intervenções, consegue que os
alunos formulem seus pontos de vista de forma cada vez mais clara e explícita.
Isso vai tornando latente a contradição entre o modelo macroscópico
agora adotado e o modelo de partículas que orientou a solução
do problema na primeira parte do episódio. Entretanto, os estudantes
não demonstram, até então, qualquer insatisfação
a respeito dessa contradição, o que nos leva a supor que
não tenham, ainda, consciência da mesma.
3a Parte: Qual a diferença?
Uma vez tendo elicitado as duas
interpretações utilizadas pelos estudantes, respectivamente
na primeira e segunda partes do episódio, o professor, nessa terceira
parte, procura evidenciar a existência de um conflito entre as duas
interpretações. Para o sucesso dessa estratégia, o
professor se vale da participação diferenciada dos alunos.
Enquanto Guilherme retoma o sentido de suas colocações no
início do episódio – orientadas pela noção
de que calor e frio são termos relativos e que a transferência
de calor se dá sempre do objeto mais quente para o mais frio -,
Rafael e Renan permanecem fiéis às interpretações
de “trocas de calor” e da existência de dois tipos de calor – “quente
e frio”. Tais diferenças contribuíram para a tomada de consciência
da contradição entre as duas perspectivas, o que provavelmente
não ocorreria sem a intervenção docente.
48. Prof2: Por que a (..) o gelo, ele tá é recebendo
calor do ambiente ou está fornecendo calor para o ambiente?
49. Renan: Ele recebe e fornece calor para o ambiente. É igual ao iceberg. 50. Prof2: Ele recebe e fornece calor? 51. Guilherme: Acho que ele não fornece não porque o calor dele é menor. Eu acho que ele só... 52. Renan: É como assim, você tá nadando no mar. Aí por exemplo, aqui tá quente aí na frente tem um iceberg. Quanto mais perto você vai chegando dele mais frio vai ficando porque a água tá passando calor pro iceberg e o iceberg tá passando calor prá água. 53. Guilherme: O calor dele é pouco, o calor dele é bem menor do que o do meio que ele está ... 54. Rafael: Eu acho que é porque calor não é só coisa quente não, calor pode ser frio também. 55. Guilherme: Calor, não, frio é falta de calor. 56. Rafael: Calor não é só coisa quente não... 57. Guilherme: Não completamente. Frio tem calor mas é pouco, frio é falta de calor. 58. Prof2: Você concorda com ele, ou não? ((professor dirigi-se ao Rafael)) 59. Rafael: Não. Eu acho que calor não é só quente, é frio também 60. Guilherme: Calor é frio, mas frio é a falta de calor. Porque troca calor mesmo quando um tem assim menos calor que o outro? ((pergunta dirigida ao professor, sendo porém interrompido por Renan)) 61. Renan: É as partículas não é? As partículas quando vão entrando em contato umas com outras vão se chocando igual àquele filme que a gente viu, elas não se misturam umas com as outras ((Renan refere-se a filme exibido em sala que mostrava um modelo para a difusão envolvida na formação de uma liga metálica)). Igual ouro e prata, elas formam uma mistura heterogênea, mas quando se juntam parece uma mistura homogênea, porque as partículas se misturam, mas você consegue ver lá uma parte ouro e uma parte prata. Igual o gelo aqui você consegue ver a parte fria do gelo e a parte quente do ambiente. (gestos) 62. Prof2: E qual seria a diferença entre a parte fria e a parte quente? Qual é a diferença entre elas? 63. Guilherme: Da parte fria e a parte quente? A parte quente tá com mais calor, tá se movimentando mais. 64. Renan: É que já recebeu o calor que o gelo tem e a outra não. 65. Prof2: Pois é, se a gente pudesse ver lá as partículas como seria a parte mais fria e a parte mais quente do gelo? 66. Guilherme: A parte fria tá com menos movimento e a parte quente tá com mais calor 67. Rafael: A parte quente teria mais movimento e a parte fria tem menos movimento. 68. Renan: Tá se movimentando mais 69. Prof2: Aí quando vai entrando em contato, o que vai acontecer? 70. Renan: Gera uma velocidade próxima, elas vão igualar as velocidades, vai se movimentando o mesmo tanto, aí vai igualar as velocidades. |
No turno de fala 51, o aluno Guilherme dá o primeiro sinal de retomar as relações entre calor e frio, tal como o fizera na primeira parte do episódio: o gelo não fornece calor à vizinhança, posto que o calor dele é menor. O mais frio aqui é considerado como menos quente, contendo menos calor, o que é dito explicitamente no turno de fala 53, quando o aluno recupera o sentido de uma única forma de calor.
Entretanto, ele não
é acompanhado pelos colegas. O aluno Renan mantém e aprofunda
a narrativa anterior do iceberg, procurando evidenciar um efeito que poderia
ser, de outro modo, desprezado (T 52). Rafael dá ressonância
a essa narrativa através de uma generalização: o calor
não é só coisa quente não, pode ser frio também
(T 54). Entretanto, Guilherme contesta essa interpretação,
reafirmando suas primeiras colocações (o frio é falta
de calor) o que gera a primeira dissonância do grupo em todo episódio
(T54 a 60).
Nesse momento, o professor atua
destacando a existência de duas perspectivas contraditórias,
de modo a aprofundar os argumentos a favor de uma ou outra (T58). O estudante
Guilherme procura checar o seu entendimento com uma pergunta dirigida ao
professor (T60). Em sua opinião, seria correto dizer que o calor
pode ser frio, mas apenas no sentido de que o frio contém calor
em menor quantidade.
No turno 61, Renan menciona,
sem citar, um vídeo visto por eles quando estudaram modelo de partículas.
Nesse vídeo era tratado o fenômeno da difusão (mistura
espontânea) em sólidos, líquidos e gases. Uma possível
interpretação do enunciado de Renan é a de que ele
utiliza essa imagem da difusão de sólidos para apoiar a idéia
de propagação do calor e a “mistura” de partículas
“quentes” e “frias”. Outra interpretação consiste em supor
que, sendo o calor movimento, então o movimento das partículas
se misturando poderia gerar calor. A primeira interpretação
nos parece mais plausível embora não tenhamos elementos para
descartar a segunda.
O professor aproveita-se dessa
imagem para retomar o modelo de partículas, “dando forma aos significados”
(Mortimer e Scott, 2003) gerados pelos estudantes (T62): qual seria a diferença
entre a parte fria e a parte quente de uma mistura? Essa pergunta, re-formulada
de modo a ser tornar ainda mais específica em T65, permite que o
processo de transferência de calor seja considerado, pelos estudantes,
a partir do modelo cinético de partículas (T70).
A abordagem comunicativa
e o padrão de interações não se alteram em
relação à segunda parte do episódio, analisada
anteriormente – uma abordagem interativa e dialógica usando cadeias
abertas de interações, sem a avaliação final
do professor. Muda, no entanto, a intenção do professor,
que em lugar de simplesmente elicitar as interpretações dos
estudantes, procura colocá-las em contraste, permitindo a tomada
de consciência das diferenças e da incompatibilidade entre
elas.
O conteúdo do discurso da sala de aula, em decorrência
da presença de duas interpretações, oscila entre uma
explicação empírica e outra teórica. A primeira
é assumida principalmente por Renan e Rafael, em termos de entidades
distintas – calor e frio – que são descritas por meio de referentes
muito próximos a experiência imediata com essas sensações.
A segunda interpretação, assumida por Guilherme, recorre
ao modelo cinético de partículas e explicita claramente a
existência de um único tipo de calor e um único sentido
para sua propagação.
4a Parte: Superando as contradições
Ao final da terceira parte do
episódio, a tensão entre as duas interpretações
utilizadas pelos estudantes parece atingir sua culminância. Uma vez
que estudantes tenham percebido a contradição entre as perspectivas
em jogo, o professor passa, então, a conduzir o discurso de modo
a assumir a interpretação de Guilherme, mais próxima
à visão cientifica. O próprio Guilherme percebe lacunas
em seu raciocínio, relacionadas à ausência de mecanismos
para explicar a transferência de calor e à incapacidade em
explicar o esfriamento do ambiente ao entrar em contato com o gelo. Essa
segunda lacuna evidencia a percepção de um conflito pelo
aluno: se não existe “calor frio”, como explicar a suposta ação
do gelo sobre o ambiente? Guilherme mostra-se ansioso em relação
a essas lacunas e isso o leva a solicitar que o professor compareça
como sua autoridade no sentido de preenchê-las.
Se, até então,
as intervenções do professor caracterizavam uma abordagem
dialógica, com a intenção predominante de explorar
e checar os entendimentos dos estudantes, nessa quarta parte, coerente
com as intenções dos participantes, observamos uma intervenção
predominantemente de autoridade, moldando significados, preenchendo lacunas
e indicando vias para a superação da contradição.
71. Prof2: Mas tá transferindo energia. Vocês estavam
falando que calor é energia. Então, vai transferir energia
de onde para onde: do gelo para o ambiente ou do ambiente pro gelo?
72. Renan: do gelo para o ambiente 73. Rafael: do gelo pro líquido. 74. Prof2: do gelo pro ambiente? A energia está sendo transferida do gelo para o ambiente? 75. Renan: Não, não... do líquido pro gelo porque 76. Rafael: ...Vai ganhar mais velocidade 77. Renan: é... 78. Prof2: do ambiente pro gelo, há uma transferência de energia do ambiente pro gelo ((concluindo com voz pausada e tom professoral)). 79. Renan: Por causa da maior agitação. 80. Prof2: Pois é... 81. Guilherme: Mas por que que o gelo esfria também o ambiente? 82. Rafael: Porque também tem troca do gelo com o ambiente. 83. Guilherme: Mas assim, não precisa ter mistura das partes todas não. Assim, se você pega dois materiais sólidos assim, as temperaturas não se misturam e eles trocam calor do mesmo jeito. 84. Prof2: Trocam calor do mesmo jeito só que as partículas não se misturam. Mas há uma transferência de energia. 85. Guilherme: Mas por que então, como é que transfere? 86. Prof2: Pois é, como é que transfere? 87. Guilherme: Pelo ar, será que vai pelo ar... 88. Prof2: Vocês têm dois corpos sólidos, as partículas não se misturam, como é que elas transferem energia umas pra outras? 89. Guilherme: Através do atrito assim? 90. Rafael: Pelo ar, é que eles trocam com o ar também. 91. Guilherme: É tipo um dominó assim... 92. Renan: É como um dominó, uma vai ocupando o lugar da outra. 93. Guilherme: Não, mas no sólido não, o sólido é ordenado, as partículas não se misturam. 94. Renan: O atrito. É tipo um dominó, vai mexendo, mexendo, mexendo, vai mudando de lugar , vai uma empurrando a outra. 95. Prof2: Tem um corpo que está a uma temperatura mais alta, então tá vibrando lá mais, tá certo? Aí você coloca com um outro corpo que está a temperatura mais baixa. Quando ele transfere energia para o outro, acontece alguma coisa com esse que estava vibrando mais? 96. Guilherme: Acho que ele perde energia para fazer o outro movimentar mais. 97. Renan: Porque ele recebe a, ... 98. Prof2: E o que acontece com a temperatura dele? 99. Guilherme: Vai diminuir 100. Renan: Vai diminuir, e iguala 101. Rafael: Vai tentando se igualar 102. Prof2: Legal (professor se afasta para dar assistência a outros grupos; alunos ficam fazendo anotações e respondendo às questões propostas na atividade). |
Notamos nessa quarta parte
algumas alterações, bastante significativas, no padrão
discursivo adotado nas interações professor-alunos. Em nosso
entendimento, tais alterações se devem à mudança
nas intenções do professor na medida em que os alunos vão
se dando conta das contradições existentes entre as duas
soluções apresentadas por eles, em contextos diferenciados,
aos problemas propostos.
Desde o início desta
quarta parte o professor assume um tom mais assertivo, de autoridade, em
seus enunciados. Em T71, introduz uma nova entidade, a energia, fundamental
para que os estudantes compreendam o sentido único das transferências
de calor. Nesse sentido, o professor introduz novos elementos e dá
uma nova direção para que os estudantes possam então,
desenvolver o modelo científico. Embora na primeira parte do episódio
(T10 e 19), Guilherme tenha expressado claramente um modelo cinético
de partículas para explicar a temperatura, o processo de transferência
de energia entre corpos a diferentes temperaturas não estava ainda
claro para nenhum dos estudantes. A primeira vez que o professor utiliza
a expressão “transferência de energia” ocorre no turno 71.
O tom usado pelo professor sinaliza que ele optou por uma das interpretações
que estavam em conflito, indicando claramente qual a visão científica
para o problema em questão.
No turno 74, o professor contesta a resposta do aluno com uma pergunta
que funciona como uma avaliação. Nesse caso, o padrão
discursivo pode ser caracterizado como uma seqüência estendida
(Mehan, 1979): uma iniciação (T71), respostas dos estudantes
(T72 e T73) e avaliação (T74), que leva à reformulação
das respostas dos alunos (T75 a 77), que são avaliadas positivamente
pelo professor no turno 78. Essa avaliação é enunciada
com voz grave e pausada, indicando assim sua importância, e marcando
a presença de uma idéia-chave. O enunciado dessa primeira
síntese é extraído de algumas proposições
anteriores dos estudantes, mas a ela se acrescenta a idéia de transferência
de energia, introduzida no turno 71.
Nesse momento (T81), o aluno Guilherme retoma o problema, que parece
relacionado a uma lacuna no seu entendimento: porque então o gelo
esfria também o ambiente? Essa pergunta explicita a razão
das dificuldades dos estudantes: como explicar a ação do
gelo sobre o ambiente, uma vez que ele é “passivo”, apenas recebendo
energia do ambiente? Nota-se que, nesse momento, é Guilherme que
inicia toda uma seqüência interativa complexa, que se desdobrará
até o final do episódio, no turno 102. A tentativa de resposta
de Rafael (T82) parece sinalizar uma volta à interpretação
predominante na parte 2, da existência de dois tipos de calor. No
entanto, a resposta não tem eco, pois Guilherme retoma a “voz”
do vídeo que havia sido exibido, e que em algumas partes do episódio
foi usada como referência pelos estudantes para falarem sobre o modelo
cinético para o calor. No turno 84, o professor re-fraseia a importante
distinção entre a aplicação desse modelo aos
materiais e à energia, que havia sido introduzida por Guilherme
no turno 83: a transferência de energia não implica transferência
de matéria, como ocorria na formação da mistura homogênea
mostrada no filme. No turno 85, Guilherme insiste na sua pergunta, deixando
claro que a explicação que procura – o seu “por que” - é
um mecanismo para a transferência de calor ou energia – na verdade,
um “como”. O professor devolve a questão no turno 86, e os alunos
levantam várias hipóteses. Assim que o grupo chega a uma
solução satisfatória (a imagem do dominó),
o professor retoma o sentido do problema introduzido pelo aluno Guilherme
no turno 81, porém o faz através de uma narrativa que seleciona
e compõe um encadeamento de idéias capaz de apontar uma direção
para seu equacionamento (T95). O problema básico, que não
havia sido até então considerado pelos estudantes, é
o de que a transferência de energia de um corpo a outro em razão
de diferenças de temperatura, provoca simultaneamente o aquecimento
de um e o resfriamento do outro. Ou seja, um só processo, com dois
efeitos simultâneos e complementares. Para concluir, o professor
checa o entendimento dos estudantes sobre a relação entre
a transferência de energia e o movimento das partículas, e
a conseqüência disso para a temperatura dos corpos.
O professor não faz uma
síntese da elaboração conceitual ao longo dessa seqüência
interativa, nem tampouco do caminho trilhado por eles diante dos problemas
propostos. Essa síntese, momento importante para a generalização
e consolidação dos conceitos e modelos trabalhados, foi deixada
para um momento posterior de discussão com toda a classe.
O conteúdo das interações nessa quarta parte do
episódio é predominantemente teórico e explicativo,
buscando estabelecer vínculos entre o mundo dos fenômenos
e o mundo teórico da ciência.
As intenções do
professor, antes centradas na explicitação e checagem das
idéias dos estudantes, passam a ser a de autorizar algumas idéias
do modelo científico que já haviam circulado e introduzir
outras, além de guiar os estudantes no trabalho com essas idéias,
dando suporte ao processo de internalização. Isso justifica
o uso mais freqüente de um discurso de autoridade.
Essa mudança ocorreu
a partir do momento em que o professor avalia ter conseguido tornar evidente,
para os estudantes, a existência de uma contradição
entre a perspectiva utilizada pelo grupo para explicar as “trocas de calor”
e as proposições teóricas do modelo de partículas.
Tendo deflagrado a tomada de consciência dos problemas a resolver,
o professor inicia, então, um trabalho de construção
mediada de significados, introduzindo novos elementos ao repertório
dos estudantes, selecionando e dando forma aos enunciados e, finalmente,
checando o entendimento dos estudantes. Em várias oportunidades
e de modo quase sistemático nessa quarta parte do episódio
o professor marca a idéia chave de transferência de energia
(turnos 78, 84, 88, 95), que havia sido introduzida no turno 71.
Antes de finalizar, é
interessante sublinhar os diferentes status (Hewson e Thorley, 1989) conferidos
pelos estudantes aos dois modelos utilizados para interpretar as situações
ao longo do episódio. O estudante Guilherme é o que parece
ter maiores compromissos com o modelo de partículas, mostrando-se
capaz de utilizar seus pressupostos para prever comportamentos nos sistemas
investigados. Entretanto, como em T36, ele também é atraído
pelas evidências de que o gelo esfria o ambiente, portanto, emite
calor frio.
A superposição
das duas formas de pensar é mais evidente em Renan, que apresenta
argumentos que sustentam o modelo quente/frio, mas mostra-se capaz de imaginar
e trabalhar com o modelo cinético de partículas. Renan parece
valer-se dos dois modelos, sem perceber a contradição latente
entre eles. De um lado, reafirma a crença no calor emanado pelo
gelo (T64 e 72), de outro, sustenta uma narrativa baseada no modelo cinético
molecular (T70). Apenas quando o professor checa seu entendimento (T74),
parece rever, juntamente com Rafael, seu ponto de vista, deduzindo conclusões
a partir de premissas teóricas do modelo (T75, 76 e 79).
O aluno Rafael acompanha com
muito interesse a discussão dos colegas, intervém pouco nas
duas primeiras partes do episódio, mas na terceira parte mostra
forte discordância de Guilherme e reafirma a hipótese de existência
de duas formas de calor, que parece ter, para ele, um maior status, possivelmente
por sua plausibilidade.
Finalmente, percebemos, nesse
episódio, a participação marginal do estudante Alan,
que permanece alheio à discussão e não se envolve
na polêmica. Apesar de estar em silêncio, não se poderia
destacar a hipótese de ele estar engajado na discussão. Temos,
entretanto, indícios que nos apontam em outra direção.
O aluno era bastante comunicativo e, ao longo do curso, mostrou uma forte
tendência em apenas descrever os fenômenos, sem comprometer-se
com elaborações teóricas que ultrapassassem os observáveis.
Nesse episódio, o professor poderia ter feito alguma intervenção
especialmente dirigida a ele. Isso não ocorreu, talvez pelo intenso
envolvimento do professor com a tarefa de conduzir o trabalho com os demais
alunos. Alan permaneceu “invisível” no trabalho do grupo.
A tomada de consciência do conflito
De um ponto de vista sócio-cultural,
reconhecemos a existência de uma multiplicidade de representações
no repertório dos estudantes, o que se evidencia de modo contundente
nos dados aqui apresentados. Segundo essa perspectiva, o ensino de ciências
deve promover a tomada de consciência, por parte dos estudantes,
dos elementos que compõem seu próprio perfil conceitual,
com a avaliação de suas limitações e poder
explicativo, assim como dos contextos de uso na vida social.
No episódio que analisamos, o conflito não decorreu da
própria atividade, que tinha, não obstante, essa intenção.
Como vimos, na primeira parte do episódio, os estudantes mostraram-se
capazes não apenas de reconhecer a transferência de calor
do gelo para o termômetro como ainda de interpretar esse dado a partir
do modelo cinético de partículas. Portanto, o conflito decorreu
não da atividade em si, mas do confronto entre as interpretações
dadas pelos estudantes a essa atividade e às atividades anteriores.
Trata-se de um conflito entre modelos usados nas duas circunstâncias
e não propriamente de conflito entre dados da experiência
e o modelo físico utilizado para interpretá-los.
Além disso, percebemos
como é penoso o reconhecimento das contradições entre
os modelos utilizados pelos estudantes em contextos específicos
de interação, o que confirma resultados apresentados por
Mortimer e Machado (2000). Os dados indicam uma forte tendência dos
estudantes em afirmar um modelo físico em uma determinada circunstância,
sem necessariamente compô-lo com outros, utilizados em outras circunstâncias.
As duas tarefas correm em contexto diferenciados, que aparecem ativar diferentes
zonas de um perfil conceitual dos alunos sobre calor e temperatura. No
episódio, os estudantes não apresentam uma tendência
espontânea em tomar os próprios modelos como objeto de pensamento,
examinando suas relações com outros modelos e imagens acerca
do comportamento do mundo natural. Desse modo, pode-se dizer que a conduta
dos estudantes é marcada pelo predomínio das afirmações
sobre as negações (Piaget, 1978b). Isso significa que eles
mostram-se mais propensos a articular evidências a favor de uma idéia
do que a apontar contra-evidências que possam levar à sua
refutação. Guilherme é o que parece estar mais disposto
a tomar consciência do seu perfil e diferenciar as duas explicações.
Renan parece oscilar entre essas duas zonas, mostrando uma dificuldade
nesse processo de tomada de consciência e Rafael mostra-se mais fortemente
comprometido com o modelo cotidiano da existência de dois tipos de
calor.
O reconhecimento das contradições entre os dois modelos
apresentados pelos estudantes só foi possível, nesse episódio,
graças à mediação do professor. Podemos destacar
vários elementos da intervenção docente, cuja atividade
consistiu em: 1. Levar os estudantes a formular claramente suas idéias
(já iniciada pela professora Selma na aula anterior e no início
da aula com toda a turma); 2. Checar, nas narrativas dos estudantes, com
que sentido os conceitos estão sendo utilizados; 3. Solicitar uma
argumentação racional explícita acerca da aceitação
ou refutação de idéias e modelos; 4. Relembrar as
duas soluções dadas aos problemas propostos e contrastá-las;
5. Dar pistas para a solução do impasse, enfatizando os pontos
chave e dirigindo a atenção dos estudantes por meio de perguntas,
de mudanças na entonação e por meio de sugestões
mais ou menos explícitas 6. Preencher as lacunas nos entendimentos
dos estudantes quando estes assim o solicitaram. A análise do discurso
em sala de aula indica que as mudanças nas intenções
do professor são acompanhadas de mudanças na abordagem comunicativa
e nos padrões de discurso ao longo do episódio.
Vários autores têm
destacado a importância de estratégias metacognitivas na promoção
de mudanças conceituais no ensino de ciências. Vosniadou e
Ioannides (1998) afirmam que o processo “envolve não apenas mudanças
em crenças e pressuposições específicas, mas
também requer o desenvolvimento de uma consciência metaconceitual
e a construção de estruturas teóricas com maior sistematicidade,
coerência e poder explanatório” (p.1222). As autoras consideram
que as estratégias e intervenções do ensino devem
tornar os estudantes conscientes tanto de suas representações
implícitas, quanto das crenças e pressupostos que restringem
seu avanço. A análise do presente episódio indica
como é crucial a intervenção docente para que esse
processo seja deflagrado no ambiente da sala de aula. O modo de fazê-lo
consiste em criar situações didáticas em que os estudantes
são levados a explicitar seus modelos e crenças, a justificá-los
junto aos seus pares e professores, a compreender suas limitações
e a buscar sua superação.
Nos parece, ainda, necessário
resgatar a importância de um tratamento macroscópico aos fenômenos
térmicos pelo ensino de ciências na escola secundária,
de modo a possibilitar a elaboração de modelos compatíveis
com o pensamento termodinâmico. Segundo Arnold e Millar (1994; 1996),
esse modelo básico pode ser descrito em termos de uma ´história’
envolvendo simultaneamente os conceitos de calor, temperatura e equilíbrio
térmico. Os autores apresentam evidências de que a elaboração
desse modelo por parte de estudantes é possível, mas deve
ser apresentado explicitamente pelo professor no processo de ensino, uma
vez que não pode ser elaborado, indutivamente, a partir de evidências
empíricas.
Conclusões
Os dados apresentados evidenciam intensa atividade dos estudantes usando o modelo cinético de partículas, que havia sido anteriormente estudado. Entretanto, esses mesmos estudantes, em outro contexto, apresentam grandes dificuldades em generalizar o sentido único da propagação do calor. Ao contrário do que faz supor o modelo cinético, o frio não é interpretado como sendo "menos quente", ou como uma condição de menor energia interna. Em lugar disso, falam do “calor” emanado pelo gelo e atribuem qualidades absolutas ao calor, que pode ser quente ou frio.
A contradição existente entre os dois modelos adotados pelos estudantes - o modelo teórico, de partículas e o modelo prático, macroscópico - não é percebida enquanto tal por eles. O reconhecimento das contradições entre os dois modelos apresentados pelos estudantes na análise dos experimentos só foi possível, nesse episódio, graças à mediação do professor.
Observamos que as mudanças nas abordagens comunicativas adotadas pelo professor, que são acompanhadas de mudanças no padrão do discurso, são importantes para possibilitar esse reconhecimento das contradições. A figura 1 tenta sintetizar essas mudanças. Nas três primeiras partes, o professor se vale de uma abordagem predominantemente dialógica e interativa para permitir que os alunos explicitem as duas interpretações aos fenômenos térmicos: uma teórica, baseada no modelo de partículas, que é explicitada na primeira parte do episódio, e que permite explicar porque o gelo fundente transfere calor para o termômetro retirado da mistura de gelo e sal. E outra empírica, baseada nas trocas de dois tipos de calor, “quente e frio”, utilizada na segunda parte do episódio para explicar porque o gelo esfria o ambiente a sua volta. Na terceira parte, o professor tenta contrastar e tencionar os dois modelos, sugerindo uma contradição entre eles. Nessas três primeiras partes do episódio, os padrões do discurso caracterizam-se como cadeias de interação não-triádicas e abertas, nas quais tanto o professor como os alunos podem iniciar a interação e o professor não avalia os modelos apresentados pelos alunos, mas procura torná-los mais claros e consistentes do ponto de vista da argumentação utilizadas para sustenta-los. Há muito espaço para elaboração das idéias dos alunos e esses podem confrontar essas idéias, o que gera padrões em que o professor passa vários turnos sem intervir.
À medida que o professor consegue explicitar essas duas perspectivas e confrontá-las, ele assume um discurso de autoridade, com um tom mais avaliativo, para introduzir a idéia de transferência de energia e os mecanismos que a explicam, algo que é solicitado por Guilherme. Nessa parte do episódio, começam a ocorrer seqüência estendidas fechadas do tipo I-RS1-RS3...R-A (Mehan, 1979), por meio das quais o professor procura explicitar, passo a passo e com a participação dos estudantes, os argumentos que sustentam e justificam o modelo adotado pela ciência. Desse modo, as formas de intervenção docente são ajustadas a uma avaliação que o professor faz do grau de compreensão que os estudantes vão assumindo em relação ao problema proposto. Os estudantes parecem compreender bem essas alternâncias e ajustam suas respostas de acordo com elas e, em alguns momentos, apresentam demandas claras por uma abordagem comunicativa de autoridade por parte do professor. Praticamente não ocorrem seqüências triadicas do tipo I-R-A nesse episódio. Isso, ao nosso ver, relaciona-se a dois fatores: em primeiro lugar, a capacidade, por parte do professor, de escutar e de formular perguntas chaves que sustentam o processo de enunciação dos alunos. Em segundo lugar, o intenso envolvimento emocional de Guilherme, Rafael e Renan na discussão. Os alunos disputam os turnos de fala, iniciam seqüências de interação em vários momentos importantes do episódio, apresentam falas simultâneas, formulam perguntas relevantes, e apresentam capacidade de escuta de modo a elaborar enunciados que complementam ou contestam enunciados dos colegas. Como observam Mortimer e Scott (2003), o envolvimento emocional parece ser condição primeira para desencadear processos mais dialógicos de ensino e aprendizagem. Neste episódio, esse movimento emocional é evidenciado por todas essas marcas enunciativas citadas acima. Apesar disso, um aluno – Alan – permanece completamente alheio à discussão. O professor, muito envolvido com discussão vibrante com os outros três alunos, esquece-se dele completamente, não esboçando qualquer iniciativa para inclui-lo.
Figura 1: As diferentes fases do episódio analisado
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[1] O conceito de perfil conceitual foi desenvolvido
por Mortimer (1995, 2000), a partir da noção de perfil epistemológico
de Bachelard. A idéia fundamental é a de que o desenvolvimento
de um conceito pelo indivíduo dá origem a uma pluralidade
de significados, decorrentes de diferentes formas de conhecimento e de
linguagem presentes nas muitas esferas da vida social. Segundo essa perspectiva,
o ensino de ciências deve promover o desenvolvimento e fortalecimento
de novas zonas do perfil conceitual, assim como a tomada de consciência
pelos estudantes dos diferentes elementos que integram seu perfil conceitual
em um dado domínio. (volta para o texto)
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