MODELOS MENTAIS(1)

Marco Antonio Moreira
Instituto de Física
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Porto Alegre, RS, Brasil
The mind must be more complicated than
any theory of it: however complex the
theory, a device that invented it must be
still more complex. (P. Johnson -Laird)

Resumo

Aborda-se o tema modelos mentais particularmente à luz da teoria de Johnson-Laird. A visão de outros autores é também apresentada, mas a ênfase do trabalho está no enfoque de Johnson-Laird que apresenta os modelos mentais como uma terceira via para a questão imagens x proposições. Nessa perspectiva, discute-se a natureza, conteúdo e tipologia dos modelos mentais e a questão da consciência e da computabilidade. Além disso, enfoca-se também a metodologia da pesquisa em modelos mentais e são dados exemplos de pesquisas. A intenção do trabalho é, principalmente, a de servir como introdução ao assunto modelos mentais, com vistas à pesquisa em ensino de ciências.

Abstract

The mental models subject is presented particularly in the light of Johnson-Laird’s theory. Views from different authors are also presented but the emphasis lies in Johson-Laird’s approach, proposing mental models as a third path in the images x propositions debate. In this perspective, the nature, content, and typology of mental models are discussed, as well as the issue of conciousness and computability. In addition, the methodology of research studies are provided. Essentially, the aim of the paper is to provide an introduction to the mental models topic, having science education research in mind.

Objetivo

Este trabalho pretende enfocar, com bastante detalhe, o tema “modelos mentais”, principalmente segundo a ótica de Philip Johnson-Laird (1983), a fim de subsidiar o ensino e a pesquisa em ensino de ciências à luz desse referencial.

Introdução

Representações internas, ou representações mentais, são maneiras de “re-presentar” internamente o mundo externo. As pessoas não captam o mundo exterior diretamente, elas constroem representações mentais (quer dizer, internas) dele.

Em princípio, pode-se distinguir entre representações mentais analógicas e proposicionais. A imagem visual é o exemplo típico de representação analógica, mas há outras como as auditivas, as olfativas, as tácteis.

As representações analógicas são não-discretas (não-individuais), concretas (representam entidades específicas do mundo exterior), organizadas por regras frouxas de combinação e específicas à modalidade através da qual a informação foi originalmente encontrada (Eisenck e Keane, p. 184).

As representações proposicionais são discretas (individuais), abstratas, organizadas segundo regras rígidas e captam o conteúdo ideacional da mente independente da modalidade original na qual a informação foi encontrada, em qualquer língua e através de qualquer dos sentidos (ibid.).

Estas representações são “tipo-linguagem”, mas trata-se de uma linguagem que não tem a ver com a língua nem com a modalidade de percepção, é uma linguagem da mente que poderíamos chamar de “mentalês”. Representações proposicionais não são frases em uma certa língua. São entidades individuais e abstratas formuladas em linguagem própria da mente.

Há psicólogos cognitivos para os quais a cognição deve ser analisada exclusivamente em termos de representações proposicionais, ou seja, não há necessidade de supor que as imagens são um tipo especial, separado, de representação mental. Para estes, “os proposicionalistas”, as imagens podem ser reduzidas a representações proposicionais; seriam também processadas no “mentalês”. Mas existem outros, os “imagistas” que não aceitam esta posição.

A questão imagens/proposições é polêmica na Psicologia Cognitiva. Há defensores ferrenhos de ambas posições. Mas há também uma terceira via, uma síntese, uma terceira forma de construto representacional, chamada modelos mentais, proposta por Johnson-Laird (1983).

Para ele, proposições são representações de significados, totalmente abstraídas, que são verbalmente expressáveis. O critério de expressabilidade verbal distingue Johnson-Laird de outros psicólogos cognitivos (Sternberg, 1996, p.181). Imagens são representações bastante específicas que retêm muitos dos aspectos perceptivos de determinados objetos ou eventos, vistos de um ângulo particular, com detalhes de uma certa instância do objeto ou evento. Modelos mentais são representações analógicas, um tanto quanto abstraídas, de conceitos, objetos ou eventos que são espacial e temporalmente análogos a impressões sensoriais, mas que podem ser vistos de qualquer ângulo (e aí temos imagens!) e que, em geral, não retêm aspectos distintivos de uma dada instância de um objeto ou evento (ibid.).

Por exemplo, a situação “o quadro está na parede” poderia ser representada mentalmente como uma proposição (porque é verbalmente expressável), como um modelo mental (de qualquer quadro em qualquer parede, possivelmente prototípicos) ou como uma imagem (de um quadro em particular em uma certa parede).

Modelos mentais, proposições e imagens

Johnsoh-Laird sugere que as pessoas raciocinam com modelos mentais. Modelos mentais são como blocos de construção cognitivos que podem ser combinados e recombinados conforme necessário. Como quaisquer outros modelos, eles representam o objeto ou situação em si; uma de suas características mais importantes é que sua estrutura capta a essência (se parece analogicamente) dessa situação ou objeto (Hampson e Morris, 1996, p. 243).

Um modelo mental é uma representação interna de informações que corresponde analogamente com aquilo que está sendo representado.

A analogia pode ser total ou parcial, isto é, um modelo mental é uma representação que pode ser totalmente analógica ou parcialmente analógica e parcialmente proposicional (Eisenck e Keane, 1994, p. 209). Quer dizer, um modelo mental pode conter proposições, mas estas podem existir como representação mental, no sentido de Johnson-Laird, sem fazer parte de um modelo mental. Contudo, para ele, as representações proposicionais são interpretadas em relação a modelos mentais: uma proposição é verdadeira ou falsa em relação a um modelo mental de um estado de coisas do mundo. As imagens, por sua vez, correspondem a vistas dos modelos.

Portanto, na perspectiva de Johnson-Laird, representações proposicionais são cadeias de símbolos que correspondem à linguagem natural, modelos mentais são análogos estruturais do mundo e imagens são modelos vistos de um determinado ponto de vista (1983, p. 165).

Segundo ele, os modelos mentais e as imagens são representações de alto nível, essenciais para o entendimento da cognição humana (Eisenck e Keane, 1994, p. 210). Ainda que em seu nível básico o cérebro humano possa computar as imagens e os modelos em algum código proposicional (o “mentalês”), o uso destas representações liberta a cognição humana da obrigação de operar proposicionalmente em “código de máquina”. Estas representações de alto nível podem ser comparadas às linguagens de programação dos computadores. Em última análise, o computador trabalha em um código binário, mas o programador não: ele usa linguagens de alto nível que lhe permitem pensar sobre o que o computador tem que fazer usando o código binário. As linguagens de programação de alto nível são traduzidas pelos computadores em códigos binários quando compiladas. Analogamente, as imagens e os modelos mentais poderiam ser traduzidos pela mente em algum código proposicional semelhante ao do código binário. A metáfora do computador, a mente como um sistema de cômputo, é um credo fundamental da psicologia cognitiva, mas isso não significa que a mente opere necessariamente em um código binário. A mente tem um código próprio, o “mentalês”, que não é consciente, ao qual não temos acesso e nem precisamos ter pois operamos muito bem com proposições, imagens e modelos mentais (todos no sentido de Johnson-Laird).

Modelos mentais

Suponhamos que a um grupo de pessoas seja dado um conjunto bem determinado de descrições de uma distribuição espacial (indicando a posição exata de cada objeto no arranjo espacial) e a outro grupo de pessoas seja dado um conjunto não bem determinado de descrições da mesma organização espacial (dando localizações ambíguas, pouco precisas, dos objetos no arranjo espacial).

Mani e Johnson-Laird (1982, apud. Sternberg, 1996, p. 181) fizeram uma investigação desse tipo e encontraram que os sujeitos que receberam informações bem determinadas foram capazes de inferir informações espaciais adicionais não incluídas nas descrições que receberam, mas tiveram dificuldades em lembrar literalmente das informações recebidas. Esta constatação foi interpretada como indicadora de que esses sujeitos formaram um modelo mental da informação recebida e, por isso mesmo, foram capazes de fazer inferências. Além disso, por terem formado o modelo passaram a confiar nele ao invés de ficarem dependendo de recordar descrições verbais literais detalhadas.

Por outro lado, os sujeitos que receberam informações pouco precisas raramente foram capazes de inferir informações espaciais não incluídas nas descrições recebidas, porém recordavam melhor do que o outro grupo estas descrições. Os pesquisadores sugeriram que neste caso os sujeitos não construíram um modelo mental devido às inúmeras possibilidades de modelos mentais que poderiam ser inferidos a partir das informações (indeterminadas) recebidas. Ao invés disso, os sujeitos parecem haver representado mentalmente as descrições recebidas como proposições verbalmente expressáveis (ibid.).

Quer dizer, em ambos os casos os sujeitos representaram mentalmente o arranjo espacial, mas no primeiro formaram um modelo mental que lhes permitiu fazer inferências e no segundo trabalharam apenas com um conjunto de proposições descritivas.

Os modelos mentais são, portanto, uma forma de representação analógica do conhecimento: existe uma correspondência direta entre entidades e relações presentes na estrutura dessa representação e as entidades e relações que se busca representar.

Um modelo mental é composto de elementos (“tokens”) e relações que representam um estado de coisas específico, estruturados de uma maneira adequada ao processo sobre o qual deverão operar. Ou seja, cada modelo já é construído de uma maneira coerente com o uso previsto (STAF11, 1996).

Não existe um único modelo mental para um determinado estado de coisas. Ao contrário, podem existir vários, mesmo que apenas um deles represente de maneira ótima esse estado de coisas (ibid.). Cada modelo mental é uma representação analógica desse estado de coisas e, reciprocamente, cada representação analógica corresponde a um modelo mental (vide p. 10, princípio da economia).

Estados de coisas muitas vezes são descritos por conceitos. O modelo mental de um conceito deve ser capaz de representar tanto o essencial como a amplitude de um conceito. O núcleo do modelo representa o essencial do conceito, ou seja, as propriedades características do estado de coisas que ele descreve; os procedimentos de gestão do modelo definem a amplitude desse conceito, isto é, o conjunto de estados de coisas possíveis que o conceito descreve (ibid.).

O modelo mental de avião, por exemplo, possui distintas versões conforme os diferentes usos que se possa fazer de um avião: reconhecê-lo, construí-lo, pilotá-lo, embarcar nele, falar sobre ele. O modelo varia também segundo outras dimensões: a competência aeronáutica do sujeito, sua idade, sua cultura, etc. Representar um avião em vôo ou um avião aberto para mostrar os lugares aos passageiros também corresponde a diferentes versões do modelo mental de avião. Cada versão, no entanto, deve incluir o núcleo central que identifica o modelo com sendo de avião. Deve também incluir proposições e procedimentos de manipulação diversificados, visto que, conforme o uso, são outros os aspectos do modelo que são acionados. É possível que dois exemplares do mesmo modelo pouco ou nada tenham em comum se forem construídos com finalidades totalmente diferentes (ibid.).

Neste ponto, é conveniente antecipar a distinção feita por Norman (em Gentner e Stevens, 1983, p. 8) entre modelos conceituais e modelos mentais, a ser discutida mais adiante: modelos conceituais são projetados como instrumentos para a compreensão ou para o ensino de sistemas físicos; modelos mentais são o que as pessoas realmente têm em suas cabeças e o que guia o uso que fazem das coisas. Idealmente, deveria haver uma relação direta e simples entre o modelo conceitual e o modelo mental. Muito freqüentemente, no entanto, não é bem isso que acontece.

Os modelos a que se refere Johnson-Laird, dos quais estivemos falando até aqui (inclusive no caso do modelo do conceito do avião), são, portanto, mentais e podem não ter uma relação direta e simples com algum modelo conceitual no significado dado por Norman. É importante que isto fique claro!

Repetindo, modelo mental é uma representação interna de informações que corresponde, analogamente, ao estado de coisas que estiver sendo representado, seja qual for ele. Modelos mentais são análogos estruturais do mundo.

Modelos mentais e raciocínio dedutivo

Para Johnson-Laird, ao invés de uma lógica mental, as pessoas usam modelos mentais para raciocinar. Modelos mentais, como já foi dito, são como blocos de construção cognitivos que podem ser combinados e recombinados conforme necessário. O aspecto essencial do raciocínio através de modelos não está só na construção de modelos adequados para captar distintos estados de coisas, mas também na habilidade em testar quaisquer conclusões a que se chegue usando tais modelos. A lógica, se é que aparece em algum lugar não está na construção de modelos e sim na testagem das conclusões pois esta implica que o sujeito saiba apreciar a importância lógica de falsear uma conclusão, e não apenas buscar evidência positiva que a apóie (Hampson e Morris, 1996, p. 243).

Nessa perspectiva, o raciocínio dedutivo é melhor interpretado como uma destreza prática do que como uma habilidade esotérica, abstrata. Além disso, o que separaria “especialistas e novatos”, “experimentados e iniciantes”, em termos de raciocínio seriam diferenças no espaço disponível na memória de trabalho para construir e manipular modelos mentais complexos, bem como a persistência na testagem de conclusões (embora, o êxito em tarefas de raciocínio dependa também do conhecimento e experiência do indivíduo) (ibid.).

Na teoria de Johnson-Laird, estão ausentes as regras de inferência da lógica formal. Por isso, é dita não-racionalista. Nela, a resolução de tarefas de inferência silogística está baseada na manipulação de modelos mentais, não na lógica formal. Um exemplo adaptado de outro dado pelo próprio Johnson-Laird (1981; apud de Vega, 1984, p.453-454) é o que considera as seguintes premissas:

A elaboração de modelos mentais que satisfaçam estas premissas pode ser levada a cabo em um cenário hipotético, no qual se disponham de atores que desempenhem papéis de pesquisador, licenciado e professor, estabelecendo-se relações adequadas. Tal elaboração pode levar muitos sujeitos a conclusões erradas como a de que “todos os pesquisadores são licenciados”. Mas um raciocinador cuidadoso continuará elaborando modelos alternativos, com a intenção de falsear ou confirmar a conclusão, observando sempre as premissas. Nesse processo, pode concluir que “alguns pesquisadores são licenciados”, mas tal conclusão deve ser testada e pode ser falseada por um novo modelo no qual todos os pesquisadores são professores, mas nenhum é licenciado. A conseqüência, agora correta, é que dessas premissas não se pode tirar nenhuma conclusão válida que relacione os papéis de pesquisador e licenciado.

Consideremos mais um exemplo, adaptado de outro dado por Hampson e Morris (1996, p. 243-244). Suponhamos os seguintes enunciados:

Sem o uso da lógica formal, se pode construir um modelo mental que capta o arranjo espacial desses objetos:
        lápis
                  caneta
        régua
                  borracha
Examinando este modelo se pode tirar a conclusão simples e não ambígua de que “a régua está à esquerda da borracha”.

Obviamente, quanto mais complicadas as proposições originais, mais difícil será a construção e a manutenção de um modelo integrado. Além disso, em alguns casos a combinação de enunciados pode admitir mais de uma interpretação.

Suponhamos que os enunciados são os seguintes:

Rapidamente se pode formar um modelo mental tal como:

    lápis

      borracha

      caneta

e concluir que a borracha está a direita do lápis.

Contudo, uma pessoa mais experimentada em raciocínio tentará falsear esta conclusão buscando outro modelo que satisfaça os enunciados. Esse modelo poderia ser:

      borracha

      lápis

      caneta

A existência de dois modelos possíveis significa, neste caso, que não existe uma única conclusão não ambígua que se possa tirar da relação entre lápis e borracha a partir das proposições iniciais.

É claro que para Johnson-Laird a teoria dos modelos mentais se aplica a muito mais do que distribuições espaciais irrefutáveis como as deste exemplo. Para ele, a teoria dá conta também de raciocínios silogísticos abstratos que incluem termos como “todos”, “nenhum” e “alguns”.

Segundo de Vega (1984, p. 454), o procedimento de elaboração de inferências silogísticas de Johnson-Laird envolve três etapas:

1. construir um modelo mental da primeira premissa;
2. agregar a informação da segunda premissa ao modelo mental da primeira, tendo em conta os modos alternativos em que isso pode ser feito;
3. inferir uma conclusão que expresse a relação, se existir, entre os termos extremos, que seja comum a todos os modelos das premissas construídos nas etapas prévias.

No exemplo dos pesquisadores e licenciados não existe esta relação entre os termos extremos, pesquisador e licenciado, comum a todos modelos e, portanto, não se deriva nenhuma conclusão de interesse.

etapa 1:
pesquisador =
professor
professor
            (professor não pesquisador)
etapa 2:
pesquisador =
professor =
licenciado
professor
      (professor não pesquisador e não licenciado)

modelo alternativo:

pesquisador = professor = licenciado
pesquisador = professor

    (pesquisador não licenciado)

professor = licenciado

    (licenciado não pesquisador)

Segundo Johnson-Laird, as dificuldades de muitos problemas de raciocínio dedutivo estão relacionadas com o número de modelos mentais necessários para representar adequadamente as premissas do argumento dedutivo. Argumentos que envolvem apenas um modelo mental podem ser resolvidos rápida e acuradamente. Entretanto, é muito difícil tirar conclusões precisas baseadas em argumentos que podem ser representados por múltiplos modelos alternativos devido à grande demanda feita sobre a memória de trabalho. O indivíduo nesse caso deve manter na memória de trabalho cada um dos vários modelos para poder chegar a uma conclusão ou para testar uma conclusão (Sternberg, 1996, p. 410). Uma maneira de contornar essa limitação da memória de trabalho é representar a informação implicitamente o máximo possível, ao invés de explicitamente.

Modelos conceituais e modelos mentais

Modelos conceituais são inventados por professores, pesquisadores, engenheiros, arquitetos, para facilitar a compreensão ou o ensino de sistemas físicos, ou estados de coisas físicos. São representações precisas, consistentes e completas de sistemas físicos. São projetados como ferramentas para o entendimento ou para o ensino de sistemas físicos (Norman, apud Gentner e Stevens, 1983, p. 7).

Modelos mentais são modelos que as pessoas constroem para representar estados físicos (assim como estados de coisas abstratos). Esses modelos não precisam ser tecnicamente acurados (e geralmente não são), mas devem ser funcionais. Eles evoluem naturalmente. Interagindo com o sistema, a pessoa continuamente modifica seu modelo mental a fim de chegar a uma funcionalidade que lhe satisfaça. É claro que os modelos mentais de uma pessoa são limitados por fatores tais como seu conhecimento e sua experiência prévia com sistemas similares e pela própria estrutura do sistema de processamento de informação humano (op. cit. p. 8).

Norman (ibid.) sugere que os modelos mentais têm as seguintes características gerais:

A principal função do modelo mental é permitir ao seu construtor explicar e fazer previsões sobre o sistema físico que o modelo analogicamente representa. Tais previsões não implicam necessariamente “rodar” o modelo (previsibilidade procedimental), pois ele deve também permitir previsões resultantes de inferência direta (previsibilidade declarativa) (op. cit, p. 13).

Mas qual é a relação entre modelos conceituais e modelos mentais? Idealmente, deveria haver uma relação direta e simples entre ambos. Na prática, no entanto, não é bem o caso.

Os modelos conceituais são delineados, projetados, por pessoas que usam modelos mentais, para facilitar a compreensão de sistemas físicos por parte de outras pessoas que também utilizam modelos mentais. No ensino, o professor ensina modelos conceituais e espera que o aprendiz construa modelos mentais consistentes com esses modelos conceituais que, por sua vez, devem ser consistentes com os sistemas físicos modelados. Os modelos conceituais são, portanto, instrumentais, meios não fins. O objetivo do ensino é, através de modelos conceituais, levar o aprendiz a formar modelos mentais adequados (i.e., consistentes com os próprios modelos conceituais) de sistemas físicos. Quer dizer, a mente humana opera só com modelos mentais, mas modelos conceituais podem ajudar na construção de modelos mentais que explicam e predizem consistentemente com o conhecimento aceito em uma certa área.

Para isso, os modelos conceituais ensinados devem, segundo Norman (ibid.), ser aprendíveis, funcionais e utilizáveis.

Estes critérios parecem óbvios (para que serviria um modelo conceitual que é difícil demais para ser aprendido? ou um modelo que não explica ou prediz importantes aspectos do sistema físico? ou que não pode ser facilmente utilizado dentro da limitada memória de trabalho ou limitada capacidade computacional humanas?), mas nem sempre são observados no ensino.

E a questão de modelar os modelos mentais de uma pessoa? Como identificar o modelo mental que uma pessoa formou para um determinado estado de coisas, um certo sistema físico por exemplo? Certamente é necessário ter um modelo conceitual desse estado de coisas, mas é preciso também distinguir entre o modelo de modelo mental (a conceitualização de modelo mental) de quem investiga e o modelo mental que se pensa que a pessoa, cujos modelos se investiga, de fato tem.

Norman (op. cit, p. 12) sugere que três fatores funcionais se aplicam tanto ao modelo mental como ao modelo conceitual de modelo mental:

O sistema de crenças. Os modelos mentais de uma pessoa refletem suas crenças sobre o sistema físico representado, adquiridas por observação, instrução ou inferência. O modelo conceitual de modelo mental deve contemplar o sistema de crenças da pessoa.

Observabilidade. Deve haver uma correspondência entre parâmetros e estados do modelo mental que são acessíveis à pessoa e parâmetros e estados do sistema físico que a pessoa pode observar. Esta mesma correspondência deve existir entre parâmetros e estados do modelo conceitual de modelo mental e o sistema físico.

Potência preditiva. A finalidade de um modelo mental é permitir que a pessoa entenda e antecipe o comportamento do sistema físico. Isso significa que o modelo deve ter uma potência preditiva tanto através de regras de inferência como por meio de derivações procedimentais; ou seja, a pessoa deve poder “rodar” mentalmente o modelo. Portanto, o modelo conceitual de modelo mental deve considerar também as estruturas de conhecimento e de processamento de informação humanas que tornam possível à pessoa usar seu modelo mental para compreender e prever o sistema físico.

Resumindo esta seção: 1. É preciso distinguir entre sistema físico, modelo conceitual do sistema físico e modelo mental do sistema físico. O modelo conceitual é um modelo preciso, consistente e completo do sistema físico que é inventado para facilitar a construção de um modelo mental (que não é preciso, consistente e completo, mas deve ser funcional) adequado (com poder explicativo e preditivo) do sistema físico. É importante notar que os modelos conceituais são inventados por pessoas que operam mentalmente com modelos mentais. É também importante observar que para indentificar modelos mentais de outras pessoas é preciso ter um modelo de modelo mental, isto é, um modelo conceitual de modelo mental.

2. Os modelos mentais das pessoas podem ser deficientes em vários aspectos, talvez incluindo elementos desnecessários, errôneos ou contraditórios. No ensino, é preciso desenvolver modelos conceituais e também materiais e estratégias instrucionais que ajudem os aprendizes a construir modelos mentais adequados. Na pesquisa, é necessário desenvolver técnicas de investigação apropriadas e, ao invés de buscar modelos mentais claros e elegantes, procurar entender os modelos confusos, “bagunçados”, incompletos, instáveis, que as pessoas realmente têm.

Natureza dos modelos mentais

De tudo o que foi dito até aqui deve ter ficado claro que é difícil dizer e identificar exatamente o que são modelos mentais e como eles diferem de outras formas postuladas de representações mentais como os esquemas de Piaget, os subsunçores de Ausubel e os construtos pessoais de Kelly. Johnson-Laird reconhece isso (1983, cap. 15), mas em vez de continuar diferenciando diretamente o conceito de modelo mental, distinguindo-o explicitamente de propostas de outros autores, prefere apontar uma série de princípios que impõem vínculos à natureza dos modelos mentais e limitam tais modelos (op. cit. p. 398).

1. Princípio da computabilidade: modelos mentais são computáveis, i.e., devem poder ser descritos na forma de procedimentos efetivos que possam ser executados por uma máquina. (Este vínculo vem do “núcleo duro” da Psicologia Cognitiva que supõe a mente como um sistema de cômputo). Procedimento efetivo é aquele que pode ser levado a cabo sem implicar nenhuma decisão na base da intuição ou qualquer outro ingrediente “misterioso” ou “mágico”.

2. Princípio da finitude: modelos mentais são finitos em tamanho e não podem representar diretamente um domínio infinito. Este vínculo decorre da premissa de que o cérebro é um organismo finito.

3. Princípio do construtivismo: modelos mentais são construídos a partir de elementos básicos (“tokens”) organizados em uma certa estrutura para representar um determinado estado de coisas. Este vínculo surge da função primária dos modelos mentais que é a de representar mentalmente estados de coisas. Como existe um número infinito de estados de coisas que pode ser representado mas somente um mecanismo finito para construir modelos que os representem decorre que tais modelos devem ser construídos a partir de constituintes mais elementares.

4. Princípio da economia: uma descrição de um único estado de coisas é representada por um único modelo mental, mesmo se a descrição é incompleta ou indeterminada. Mas um único modelo mental pode representar um número infinito de possíveis estados de coisas porque esse modelo pode ser revisado recursivamente. Cada nova asserção descritiva de um estado de coisas pode implicar revisão do modelo para acomodá-la. Este vínculo se refere à construção de modelos a partir do discurso, pois este é sempre indeterminado e compatível com muitos estados de coisas diferentes; para contornar isso, a mente constrói um modelo mental inicial e o revisa recursivamente conforme necessário. Naturalmente há limites para essa revisão: em última análise, o processo de revisão recursiva é governado pelas condições de verdade do discurso no qual o modelo está baseado (op. cit. p. 408).

5. Princípio da não-indeterminação: modelos mentais podem representar indeterminações diretamente se e somente se seu uso não for computacionalmente intratável, i.e., se não existir um crescimento exponencial em complexidade. Este vínculo é um corolário do primeiro e do anterior: se se tratar de acomodar cada vez mais indeterminações em um modelo mental isso levará rapidamente a um crescimento intratável no número de possíveis interpretações do modelo que, na prática, ele deixará de ser um modelo mental (op. cit. p. 409).

6. Princípio da predicabilidade: um predicado pode ser aplicável a todos os termos aos quais um outro predicado é aplicável, mas eles não podem ter âmbitos de aplicação que não se intersectam. Por exemplo, os predicados “animado” e “humano” são aplicáveis a certas coisas em comum, “animado” aplica-se a algumas coisas as quais “humano” não se aplica, mas não existe nada a que “humano” se aplique e “animado” não. Para Johnson-Laird (p. 411), a virtude desse vínculo é que ele permite identificar um conceito artificial ou não natural. Um conceito que fosse definido por predicados que não tivessem nada em comum violaria o princípio da predicabilidade e não estaria, normalmente, representado em modelos mentais.

7. Princípio do inatismo: todos os primitivos conceituais são inatos. Primitivos conceituais subjazem nossas experiências perceptivas, habilidades motoras, estratégias, enfim, nossa capacidade de representar o mundo (ibid.). Indefinibilidade é uma condição suficiente, mas não necessária para identificar conceitos primitivos. Movimento, por exemplo, é uma palavra que corresponde a um primitivo conceitual, mas que pode ser definida. Embora proponha este vínculo aos modelos mentais, Johnson-Laird rejeita o inatismo extremo de que todos os conceitos são inatos embora alguns tenham que ser “disparados” pela experiência. Ele defende a aprendizagem de conceitos a partir de primitivos conceituais inatos ou de conceitos previamente adquiridos (p. 412). Além dos primitivos conceituais inatos, ele admite também a existência de primitivos procedimentais que são acionados automaticamente quando um indivíduo constrói um modelo mental. Os primitivos procedimentais não podem ser adquiridos através da experiência porque a representação mental da experiência já requer habilidade de construir modelos da realidade a partir da percepção. Estes primitivos devem ser inatos (op. cit. p. 413).

8. Princípio do número finito de primitivos conceituais: existe um conjunto finito de primitivos conceituais que origina um conjunto correspondente de campos semânticos e outro conjunto finito de conceitos, ou “operadores semânticos”, que ocorre em cada campo semântico e serve para construir conceitos mais complexos a partir dos primitivos subjacentes. Um campo semântico se reflete no léxico por um grande número de palavras que compartilham no núcleo dos seus significados um conceito comum. Por exemplo, verbos associados à percepção visual como avistar, olhar, escrutinar e observar compartilham um núcleo subjacente que corresponde ao conceito de ver. Operadores semânticos incluem os conceitos de tempo, espaço, possibilidade, permissibilidade, causa e intenção. Por exemplo, se as pessoas olham alguma coisa, elas focalizam seus olhos durante um certo intervalo de tempo com a intenção de ver o que acontece. Os campos semânticos nos provêem nossa concepção sobre o que existe no mundo, sobre o mobiliário do mundo, enquanto os operadores semânticos nos provêem nosso conceito sobre as várias relações que podem ser inerentes a esses objetos (p. 414).

9. Princípio da identidade estrutural: as estruturas dos modelos mentais são idênticas às estruturas dos estados de coisas, percebidos ou concebidos, que os modelos representam. Este vínculo decorre, em parte, da idéia de que as representações mentais devem ser econômicas e, portanto, cada elemento de um modelo mental, incluindo suas relações estruturais, deve ter um papel simbólico. Não deve haver na estrutura do modelo nenhum aspecto sem função ou significado (p. 419).

Estrutura e conteúdo dos modelos mentais

Diferentemente das representações proposicionais, os modelos mentais não têm uma estrutura sintática; a sua estrutura é análoga à estrutura dos estados de coisas do mundo, tal como os percebemos ou concebemos, que eles representam; modelos mentais são análogos estruturais de estados de coisas do mundo (p. 156). Contudo, a estrutura analógica dos modelos mentais pode variar bastante: modelos construídos a partir de proposições discretas podem ter apenas um mínimo de estrutura analógica, enquanto modelos mentais de leiautes espaciais, com um labirinto, por exemplo, podem ter grande analogia estrutural em duas, três, ou quem sabe mais, dimensões (ibid.).

As representações proposicionais podem ser esquadrinhadas somente nas direções permitidas pela sintaxe e pelas codificações desse tipo de representação. Os modelos mentais, por sua estrutura dimensional podem ser manipulados mais livremente, de maneira controlada apenas pelas próprias dimensões do modelo. As imagens, como já foi destacado anteriormente, correspondem a vistas de modelos: resultantes de percepção ou imaginação, elas representam aspectos perceptíveis dos objetos ou eventos correspondentes do mundo real (p. 157).

Em termos de conteúdo, os modelos mentais, as imagens e as proposições apresentam uma diferença importante no que se refere à especificidade: os modelos mentais, assim como as imagens são altamente específicos. Por exemplo, não é possível formar uma imagem de um objeto (um quadro, uma mesa, um avião) em geral mas sim de um objeto específico (um determinado quadro, mesa ou avião). As representações proposicionais, no entanto, não implicam tanta especificidade: é perfeitamente aceitável, por exemplo, uma representação mental proposicional que estabeleça a relação espacial entre dois objetos como sendo “ao lado de”, sem explicitar “esquerda” ou “direita”. Para uma imagem isso não seria possível (p. 158).

Ainda no que se refere ao conteúdo dos modelos mentais, Johnson-Laird (op. cit. p. 410) diz que “como eles podem ter muitas formas e servir para muitas finalidades seus conteúdos são muito variados: podem conter nada mais do que elementos que representam indivíduos e identidades entre eles, como nos modelos necessários ao raciocínio silogístico; podem representar relações espaciais entre entidades ou relações temporais ou causais entre eventos. Os modelos mentais têm o conteúdo e forma que servem às finalidades para as quais foram construídos, sejam elas explicar, predizer ou controlar.” A estrutura dos modelos corresponde à estrutura dos estados de coisas do mundo, tal como percebidos ou concebidos pelo indivíduo, assim representados.

A natureza dos modelos mentais é, portanto, mais restringida que seus conteúdos. Quer dizer, na medida que os modelos mentais são análogos estruturais do mundo, sua estrutura está limitada pela estrutura dos estados de coisas do mundo. A questão dos conteúdos, por outro lado, é ontológica (do ser humano como ser humano): nossa concepção do que existe é função do mundo e de nossa capacidade de conceber, a qual seria, em princípio, ilimitada. Mas Johnson-Laird argumenta (ibid.) que há limites e que eles estariam nos conceitos que subjazem os significados das coisas, uma vez que os conceitos são restringidos pela natureza do aparato cognitivo humano. Os princípios da predicabilidade, do inatismo e do número finito de primitivos conceituais, introduzidos na seção anterior, são os três principais vínculos que ele diz afetarem os conteúdos possíveis dos modelos mentais. O primeiro deles explica porque certos conceitos não são naturais e normalmente não aparecem nos modelos mentais, o segundo e o terceiro limitam o conteúdo dos modelos mentais em termos de seus componentes básicos e de como eles podem ser organizados. Ou seja, existe um conjunto finito de primitivos conceituais, um conjunto finito correspondente de campos semânticos e um outro conjunto finito de operadores semânticos que impõem limites aos modelos possíveis.

Modelos mentais segundo outros autores

Neste ponto, é interessante ver o que os outros autores dizem sobre a natureza e conteúdo dos modelos mentais. Para Williams, Hollan e Stevens (1983, p. 133) os modelos mentais são compostos de objetos autônomos com uma certa topologia, são “rodáveis” por meio de inferências qualitativas locais e podem ser decompostos. A noção de objeto autônomo é central em sua concepção de modelos mentais: trata-se de um objeto mental que representa explicitamente alguma coisa, cujas conexões topológicas com outros objetos é também explícita, e que tem um certo número de parâmetros internos. Associado a cada objeto autônomo existe um conjunto de regras (internas) para modificar seus parâmetros e, assim, especificar seu comportamento.

Para esses autores, um modelo mental é, então, um conjunto de objetos autônomos “conectados”. Por exemplo (op. cit. p. 134), uma “região de fluido” pode funcionar como um objeto autônomo em um modelo e ter como parâmetro a temperatura, a qual pode assumir um de quatro “valores” (aumentando, diminuindo, constante ou indeterminada). Este objeto está conectado, explicitamente, com um número limitado de outros objetos e interage com eles transmitindo mudanças nos valores de seus parâmetros através do que os autores chamam de “portos”(conexões mentais entre os objetos autônomos que compõem o modelo mental). Assim, o modelo mental de um “trocador de calor” (“heat exchanger”) pode incluir um objeto autônomo representando o mecanismo de transferência de energia térmica e vários outros objetos autônomos representando “regiões de fluido”. Alguns destes objetos autônomos estarão conectados ao que corresponde ao mecanismo de transferência e somente eles poderão passar adiante a informação de que houve uma mudança nos parâmetros de uma certa região de fluido. É essa propagação das mudanças em valores dos parâmetros que dá o sentido de “rodar” o modelo, sempre presente no raciocínio sobre sistemas físicos.

Os objetos autônomos de Williams, Hollan e Stevens são objetos mentais (que possivelmente seriam também modelos mentais) que têm fronteiras definidas. Seu comportamento, definido como mudanças nos valores dos parâmetros, é governado por operações (regras) internas não diretamente acessíveis, não significativas. O resultado disso é uma certa opacidade do objeto autônomo de modo que não se poderia perguntar como ocorre um determinado comportamento, mas sim observá-lo.

Contudo, embora os objetos autônomos sejam normalmente opacos, eles podem, às vezes, ser decompostos, O resultado dessa decomposição é um novo modelo mental, composto também de objetos autônomos com uma dada topologia, os quais podem ser usados para produzir explicações do comportamento do objeto autônomo de nível mais alto original (op. cit. p. 135). Este novo modelo estaria embebido, encaixado, incrustado, no modelo original.

Isso significaria que o “funcionamento” de um modelo mental poderia ser explicado por um outro modelo mental, resultante da decomposição do anterior, que estaria subjacente. Quer dizer, este modelo subjacente poderia ser usado para inferir o comportamento (mudanças nos valores dos parâmetros) de um objeto autônomo em condições não especificadas (talvez esquecidas) no funcionamento do modelo inicial de “nível mais alto”. Nessa linha de raciocínio, o novo modelo poderia, em princípio, ser também decomposto gerando outro modelo subjacente de “nível mais baixo”. O limite inferior deste processo seria, talvez, função daqueles conjuntos finitos de primitivos conceituais, de campos semânticos e de operadores semânticos dos quais fala Johnson-Laird.

Outros autores cujo trabalho na área de modelos mentais tem sido muito citado são de Kleer e Brown (1983). Seu objetivo é o de desenvolver modelos sobre como o indivíduo compreende o funcionamento de dispositivos tais como máquinas, aparelhos eletrônicos, hidráulicos, térmicos. A esses modelos eles dão o nome de modelos mentais mecanísticos (op. cit. p. 155). Sua construção envolve quatro aspectos relacionados: o mais básico é a topologia do dispositivo (uma representação de sua estrutura, sua organização física, seus componentes); o segundo é um processo de inferência, chamado “visionamento” (“envisioning”), que a partir da estrutura (topologia) do dispositivo determina sua função; o terceiro, denominado modelo causal, descreve o funcionamento do dispositivo (i.e., uma descrição de como o comportamento do dispositivo decorre de interações causais entre os componentes); o último é a execução (“rodagem”) do modelo causal, através de uma série de eventos cada um deles relacionado causalmente com o anterior, para produzir um comportamento específico do dispositivo (p. 158).

O modelo de de Kleer e Brown é aparentemente simples, mas, baseados em suas pesquisas, eles dizem que é surpreendentemente difícil construir modelos mentais de dispositivos eletro-mecânicos, por exemplo, se estes modelos devem ser capazes de prever conseqüências de eventos que não foram considerados na criação do modelo. Para eles, o processo de construção de um modelo mecanístico envolve dois problemas distintos: um é a construção de uma simulação qualitativa mental do dispositivo e o outro é a simulação mental do resultado do funcionamento desta construção; o primeiro destes problemas está relacionado com o processo que eles chamam de “visionamento” e o segundo com o que eles denominam execução (“rodagem”) do modelo causal.

Idealmente, um modelo causal deve ser consistente, correspondente e robusto (p. 167). Um modelo causal consistente é aquele que não tem contradições internas: distintos componentes não podem dar valores diferentes para um mesmo atributo de um estado do dispositivo. Correspondência significa que o modelo causal deve ser fiel ao comportamento real do dispositivo modelado. Robustez tem a ver com a utilidade do modelo causal em situações atípicas, por exemplo quando a estrutura do dispositivo for perturbada. Um modelo robusto deve prever o comportamento do dispositivo quando, por exemplo, uma de suas partes está com defeito. Segundo estes autores, a melhor maneira de se ter um modelo causal robusto é ter robustos os próprios componentes do modelo (p. 168).

Mais adiante serão dados exemplos de modelos mentais mecanísticos (causais) de de Kleer e Brown, assim como daqueles propostos por Williams, Hollan e Stevens. No momento, é importante dar-se conta que a concepção de modelo mental de Johnson-Laird é muito mais abrangente do que a destes autores. (Isso deverá ficar claro na seção seguinte.)

Em um artigo recente, Ibrahim Halloun (1996), enfocando o que ele chama de modelagem esquemática, também se refere a modelos mentais (p. 1021):

A concepção de modelo mental de Halloun é, portanto, a de Johnson-Laird, mas o que ele enfatiza é o processo de modelagem, o qual será retomado neste trabalho na seção correspondente às pesquisas sobre modelos mentais.

A tipologia dos modelos mentais Johnson-Laird

Levando em conta todos os princípios (vínculos), referidos anteriormente, que restringem a natureza dos modelos mentais, Johnson-Laird propõe o que ele chama (1983, p. 422) de uma tipologia informal e tentativa para os modelos mentais.

Primeiramente, ele distingue entre modelos físicos que são os que representam o mundo físico e modelos conceituais(2) que são os que representam coisas mais abstratas. Depois identifica seis tipos principais de modelos físicos:

1. Modelo relacional é um quadro (“frame”) estático que consiste de um conjunto finito de elementos (“tokens”) que representam um conjunto finito de entidades físicas, de um conjunto finito de propriedades dos elementos que representam propriedades físicas das entidades e de um conjunto finito de relações entre os elementos que representam relações físicas entre as entidades (ibid.).

2. Modelo espacial é um modelo relacional no qual as únicas relações que existem entre as entidades físicas representadas são espaciais e o modelo representa estas relações localizando os elementos (“tokens”) em um espaço dimensional (tipicamente de duas ou três dimensões). Este tipo de modelo pode satisfazer as propriedades do espaço métrico ordinário, em particular a continuidade psicológica de suas dimensões e a desigualdade triangular (a distância entre dois pontos nunca é mais do que a soma das distâncias entre cada um deles e um terceiro ponto qualquer) (ibid.).

3. Modelo temporal é o que consiste de uma seqüência de quadros “frames” espaciais (de uma determinada dimensionalidade) que ocorre em uma ordem temporal que corresponde à ordem dos eventos (embora não necessariamente em tempo real) (ibid.).

4. Modelo cinemático é um modelo temporal que é psicologicamente contínuo; é um modelo que representa mudanças e movimentos das entidades representadas sem descontinuidades temporais. Naturalmente, este tipo de modelo pode funcionar (“rodar”) em tempo real e certamente o fará se for construído pela percepção (p. 423).

5. Modelo dinâmico é um modelo cinemático no qual existem também relações entre certos quadros (“frames”) representando relações causais entre os eventos representados (ibid.).

6. Imagem é uma representação, centrada no observador, das características visíveis de um modelo espacial tridimensional ou cinemático subjacente. Corresponde, portanto, a uma vista (ou projeção) do objeto ou evento representado no modelo subjacente (ibid.).

Johnson-Laird diz não haver uma linha divisória precisa entre percepção e concepção, mas ele acha plausível concordar com Marr (1982, apud Johnson-Laird, 1983, p. 423) e supor que a percepção normalmente produz modelos dinâmicos, métricos, tridimensionais de estados de coisas do mundo, nos quais cada quadro (“frame”) caracteriza as formas volumétricas dos objetos e as relações espaciais entre eles em termos de um sistema de coordenadas referido aos objetos. O único problema é a causalidade (por ser uma relação abstrata), mas o sistema perceptivo parece ser sensível a ela, ou melhor, a pistas dela.

Então, estes seis tipos de modelos são por ele classificados como físicos no sentido de que, com exceção da causalidade, eles correspondem diretamente ao mundo físico. Eles podem representar situações perceptíveis, mas não relações abstratas ou qualquer coisa além de descrições de situações físicas determinadas.

Modelos mentais não derivados da percepção podem ser construídos para representar situações verdadeiras, possíveis ou imaginárias. Tais modelos podem, em princípio, ser físicos ou conceituais, mas, em geral, são construídos a partir do discurso e este requer um modelo conceitual. Modelos conceituais por não terem o referencial do mundo físico exigem, mais do que os modelos físicos, um mecanismo de auto-revisão recursiva.

Johnson-Laird (p. 425) distingue quatro tipos principais de modelos conceituais (3):

1. Modelo monádico é o que representa afirmações (como aquelas do raciocínio silogístico) sobre individualidades, suas propriedades e identidades entre elas. Este tipo de modelo tem três componentes: um número finito de elementos (“tokens”) representando entidades individuais e suas propriedades; duas relações binárias -- identidade (=) e não identidade (¹); e uma notação especial para indicar que é incerto se existem determinadas identidades (p. 425).

Por exemplo, o modelo conceitual monádico da asserção “Todos licenciados são professores” pode ser o seguinte:
licenciado =
professor
(professor)
onde o elemento (“token”) licenciado é uma notação(4) para indicar que o correspondente elemento (“token”) mental representa um indivíduo que é licenciado. A notação de incluir um elemento entre parêntesis corresponde a essa notação especial dos modelos mentais conceituais que indica que é incerto se a individualidade correspondente existe ou não no domínio do modelo. Quer dizer, pode haver professor não licenciado.

Os modelos monádicos podem acomodar apenas asserções simples de um único predicado indicando propriedades, identidades e não identidades. Para asserções mais gerais é necessário empregar outro tipo de modelo, o relacional (ibid.).

2. Modelo relacional é aquele que agrega um número finito de relações, possivelmente abstratas, entre as entidades individuais representadas em um modelo monádico. Este tipo de modelo é necessário para representar uma asserção do tipo “existem mais as do que bês”, que requer uma representação do seguinte tipo (p. 425):
a -
b
a -
b
a
3. Modelo meta-lingüístico é o que contém elementos (“tokens”) correspondentes a certas expressões lingüísticas e certas relações abstratas entre elas e elementos do modelo (de qualquer tipo, incluindo o próprio modelo meta-ligüístico) (ibid.).

Por exemplo, a asserção “Um dos operários se chama João” requer um modelo meta-lingüístico da seguinte espécie:

onde as aspas estão sendo usadas para significar uma expressão lingüística e a flecha denota referência: a expressão lingüística “João” se refere a tal operário.

4. Modelo conjunto teórico é aquele que contém um número finito de elementos (“tokens”) que representam diretamente conjuntos; pode conter também um conjunto finito de elementos (“tokens”) representando propriedades abstratas do conjunto e um número finito de relações (incluindo identidade e não-identidade) entre os elementos que representam conjuntos.

Por exemplo, consideremos a asserção “Algumas bibliografias listam a si mesmas e outras não”; um modelo mental na forma

(p. 428)

representa o fato de que uma bibliografia b1 consiste de três nomes, incluindo o seu próprio.

Analogamente, um modelo da forma

(ibid.)

representa uma bibliografia das bibliografias que não listam a si mesmas.

Nestes modelos, os elementos (“tokens”) b1, b2, ..., b6 representam conjuntos (bibliografias) diretamente e a chave representa a relação de inclusão.

Johnson-Laird classifica esta tipologia de informal e tentativa, pois, em última análise, é a pesquisa que vai dizer como são os modelos mentais que as pessoas têm na cabeça. Contudo, os diferentes tipos de modelos físicos e conceituais por ele propostos revelam o caráter essencial dos modelos mentais: eles derivam de um número relativamente pequeno de elementos e de operações recursivas sobre tais elementos; seu poder representacional depende de procedimentos adicionais para construí-los e avaliá-los; as maiores restrições sobre eles decorrem da estrutura percebida ou concebida dos estados de coisas do mundo, dos conceitos que subjazem os significados dos objetos e eventos e da necessidade de mantê-los livres de contradições (p. 430).

A metodologia da pesquisa em modelos mentais

Se uma pessoa é capaz de andar pela casa no escuro sem grandes problemas é porque ela tem um modelo mental espacial de sua casa. Se uma pessoa é capaz de explicar como funciona uma geladeira é porque ela tem um modelo mental relacional, ou dinâmico, desse dispositivo físico. Se ela for capaz de dar significado a uma asserção como “Nem todos os doutores em Física são pesquisadores”, é porque ela tem um modelo mental conceitual (no sentido de Johnson-Laird) onde existem elementos (“tokens”) correspondendo a “doutores em Física”, a “pesquisadores” e à relação “nem todos” que lhe permitem representar tal situação.

Quer dizer, os modelos mentais estão na cabeça das pessoas. Como, então, investigá-los? Como construir modelos mentais dos modelos mentais das pessoas? Ou modelos conceituais (no sentido de Norman) dos modelos mentais compartilhados por várias pessoas (se é que isso existe)?

Possíveis metodologias para investigar modelos mentais estão baseadas na premissa de que as representações mentais das pessoas podem ser inferidas (modeladas) a partir de seus comportamentos e verbalizações. Além disso, supõe-se também que esses modelos podem ser simulados em computador.

Todavia, sejam quais forem tais metodologias, a pesquisa nessa área é bastante difícil, por duas razões principais.

Em primeiro lugar, porque não se pode simplesmente perguntar à pessoa qual o modelo mental que ela tem para determinado estado de coisas, pois ela pode não ter plena consciência desse modelo. Ela pode dizer que acredita em alguma coisa e proceder em desacordo com esta crença; quer dizer, ela de fato crê que acredita, mas o que ela faz não confirma isso. As crenças das pessoas, particularmente quando são de natureza procedimental, não estão disponíveis para exame (Norman, 1983, p. 11). Ademais, quando se pergunta a uma pessoa por que ou como fez alguma coisa ela pode sentir-se compelida a dar uma razão, mesmo que não a tivesse antes de a pergunta ser feita. Ela pode (usando um modelo mental das expectativas de quem faz a pergunta) dar uma razão que lhe parece ser a que a pessoa que faz a pergunta gostaria de ouvir (ibid.). Aí ela pode passar a acreditar nessa razão apesar de ter sido gerada na hora para responder à pergunta. (Por este motivo, protocolos verbais descrevendo o que a pessoa faz enquanto resolve um problema, por exemplo, são mais confiáveis do que explicações).

Em segundo, por que não adianta buscar modelos mentais claros, nítidos, elegantes, pois os modelos que as pessoas de fato têm são estruturas confusas, mal feitas, incompletas, difusas (Norman, 1983, p. 14). É com esse tipo de representação mental que o pesquisador nessa área tem que lidar e tentar entender.

Apesar das dificuldades, a análise de protocolos, o uso de informações verbais do sujeito como fonte de dados tem sido, provavelmente, a técnica mais usada para investigar a cognição humana. Não se trata, no entanto, de introspecção, pois nesta as verbalizações do sujeito já se constituem em teoria acerca de seus próprios processos de pensamento enquanto na análise de protocolos as verbalizações são consideradas como dados a serem explicados por teorias geradas pelo pesquisador, talvez na forma de simulação computacional (Simon e Kaplan, 1989, p. 21).

Há várias maneiras de fazer com que as pessoas gerem protocolos verbais, incluindo entrevistá-las, pedir-lhes que falem livremente, pensem em voz alta, descrevam o que estão fazendo enquanto executam uma tarefa. Protocolos que são gerados quando a pessoa pensa em voz alta enquanto se desempenha em uma tarefa como, por exemplo, a solução de um problema, são chamados protocolos concorrentes. Quando se pede ao sujeito que diga tudo o que consegue lembrar sobre a solução de um problema imediatamente após tê-la obtido, o protocolo é dito retrospectivo (ibid.). (Neste caso, é preciso precaução, pois o sujeito pode ser capaz de reconstituir eventos que não ocorreram).

Tipicamente, as verbalizações que geram os protocolos são gravadas, transcritas e analisadas à luz de alguma teoria.

Os estudos relatados na seção seguinte deverão ajudar a esclarecer como a análise de protocolos, e outras técnicas, têm sido usadas na pesquisa sobre modelos mentais.

Algumas pesquisas sobre modelos mentais

Gentner e Gentner (1983), descrevem pesquisas nas quais fizeram previsões sobre o desempenho de alunos em problemas de circuitos elétricos a partir de duas analogias que, segundo eles, são os modelos mais comumente usados pelos estudantes nesta área: o modelo do “fluido em movimento” (analogia hidráulica) e o modelo da “multidão em movimento”. No primeiro, o fluido em movimento corresponde à corrente elétrica, os canos aos fios, os estreitamentos dos canos aos resistores, os reservatórios às baterias e a diferença de pressão (função da altura da água no reservatório) à diferença de potencial. No segundo, a quantidade de pessoas que passa por um “portão” por unidade de tempo corresponde à corrente elétrica, o portão (passagem, saída) à resistência elétrica e a “força com que as pessoas se empurram” à diferença de potencial; neste modelo não há um análogo adequado para as baterias.

Na previsão desses autores, a adoção de um ou outro destes modelos resultaria em desempenhos diferentes em problemas de circuitos elétricos. Por exemplo, o primeiro modelo poderia levar a conclusões erradas sobre circuitos com resistores em série ou paralelo: os sujeitos poderiam tender a considerar que, independente de como estão ligados, quanto mais resistores maior a resistência do circuito e menor a corrente. Por outro lado, o segundo modelo tenderia a levar à previsão de que dependendo de como estão dispostos os “portões” a corrente será maior ou menor; por exemplo, se os resistores estiverem em paralelo (portões lado a lado) a corrente será maior (mais gente passará). Mas este modelo teria dificuldades com problemas que envolvessem baterias em série ou em paralelo.

A partir dessa previsão fizeram um estudo com 36 estudantes de segundo grau e calouros universitários que pouco sabiam de eletricidade (op. cit. p. 117). Eles deram aos alunos um folheto contendo várias questões sobre eletricidade que eles deveriam responder, trabalhando com ritmo próprio. Na primeira página havia um circuito simples com uma bateria e um resistor, como o da figura 1a. Nas quatro páginas seguintes havia, em cada uma delas, um circuito um pouco mais complicado como os das figuras 1b, 1c, 1d, 1e.

Em cada um destes casos, os alunos deveriam dizer se a corrente no circuito era maior, igual ou menor do que a do circuito mais simples (1a). Depois de dar suas respostas a todas estas perguntas, eles deveriam descrever, com suas próprias palavras, como pensavam a eletricidade em um circuito. A seguir, na página seguinte do folheto, deveriam ser mais específicos e dizer, em cada um dos casos (1b, 1c, 1d e 1e), se haviam pensado em um fluido escoando, em objetos em movimento, ou alguma outra visão de eletricidade enquanto resolviam os problemas propostos.

Os pesquisadores, então, analisaram os protocolos obtidos a partir das respostas dadas e identificaram sete alunos que usaram, consistentemente, em todas as questões o modelo do fluido em movimento e oito que usaram o modelo da multidão (objetos) em movimento. As respostas dos alunos que foram inconsistentes no uso de modelos não foram consideradas nessa etapa da pesquisa.

Os resultados obtidos confirmaram a previsão de que os alunos que usassem o modelo do fluido em movimento se sairiam melhor nas questões sobre baterias do que sobre resistores enquanto que os que preferissem o modelo da multidão em movimento teriam melhor desempenho nas questões sobre resistores, particularmente em paralelo, do que sobre baterias.

Como se pode depreender desta descrição, o conceito de modelo mental de Gentner e Gentner é, praticamente, o mesmo de analogia, no sentido bem tradicional -- aquele em que o análogo guarda uma correspondência muito próxima com aquilo que representa. A definição de Johnson-Laird -- modelo mental como análogo estrutural de um estado de coisas (um evento ou um objeto) do mundo -- parece ser mais abrangente.

Williams, Hollan e Stevens, aqueles autores de definem modelo mental como um conjunto de objetos autônomos(5) “conectados” (1983, p. 133), relatam experimentos (op. cit. p. 135-146) sobre modelos mentais de um sistema de resfriamento que eles denominam “trocador de calor” (“heat exchanger”). Tal sistema consiste no seguinte (p. 132):

“A função de um “trocador de calor” é resfriar um fluido quente. Este fluido pode ser a água ou o óleo usado para lubrificar e resfriar uma máquina. O calor é retirado (sic) por meio de um fluido frio, em geral água de rio ou de mar. Os parâmetros importantes do funcionamento do “trocador de calor” são o fluxo do fluido quente (f1), as temperaturas de entrada e de saída do fluido quente (T1 e T2), o fluxo do fluido frio (f2) e as temperaturas de entrada e saída do fluxo frio (T3 e T4).”

Esquematicamente, o trocador de calor pode ser representado da seguinte forma (ibid.):

Para estes autores, o comportamento (i.e., mudanças nos parâmetros) de um objeto autônomo é governado por um conjunto de regras internas. No caso do “trocador de calor”, eles sugerem que um conjunto de oito regras seria suficiente para dar conta de seu funcionamento (op. cit. p. 136):

O símbolo => significa que qualquer mudança no parâmetro da esquerda causa uma mudança na mesma direção no parâmetro da direita. O símbolo - => significa que uma mudança no parâmetro da esquerda causa uma mudança na direção oposta no parâmetro da direita.

Este é um modelo “compilado” de “trocador de calor” que um conhecedor de máquinas térmicas poderia ter sobre o funcionamento superficial desse dispositivo. Superficial porque estas regras não são suficientes para representar um entendimento profundo dos mecanismos subjacentes a um sistema térmico como esse.

Este conjunto de regras pode também ser interpretado como definindo o funcionamento de um objeto autônomo isolado, o qual seria, então, um caso degenerado de modelo mental (i.e., um modelo mental constituído de um só objeto autônomo).

Nos experimentos que fizeram, esses pesquisadores pediam aos sujeitos que pensassem em voz alta enquanto respondiam uma série de questões sobre os valores dos parâmetros T1, T2, T3, T4, f1 e f2 e sobre os efeitos qualitativos de variações nesses parâmetros. As respostas dos sujeitos e o que eles diziam enquanto pensavam em voz alta geraram os protocolos cuja análise permitiu identificar três modelos de “trocador de calor” (p. 137-146):

No modelo 1 - Modelo do “Container” - o sistema é representado como um “container” para dentro do qual se está bombeando calor e a maneira de sair dele é através do fluxo de fluido, água ou óleo, para fora. Esquematicamente, esse modelo seria assim:

A regra dT <=> dQ diz que uma variação na temperatura (T) resulta em uma variação equivalente no calor total (Q) do fluido e vice-versa. A regra dfp/fora =>dHp/fora diz que um aumento no fluxo de fluido para fora implica um aumento no fluxo de calor para fora do sistema.

Este modelo dá conta das quatro primeiras regras do “modelo do especialista”, mas é omisso em relação às quatro últimas embora não viole nenhuma delas (p. 138). Na concepção dos pesquisadores, o modelo é constituído de quatro objetos autônomos (a entrada de calor, o “container” e as duas saídas, água ou óleo) e três portos (conexões mentais entre objetos autônomos em um modelo mental).

Os outros dois modelos são suplementares ao modelo 1, contendo mais objetos autônomos e portos necessários para justificar respostas a determinadas questões.

O conceito de modelo mental usado nessa pesquisa, semelhante ao de modelo mecanístico proposto por de Kleer e Brown (1983, p. 155), é também mais restrito do que o de Johnson-Laird. Além disso, trata-se de um modelo basicamente proposicional.

Gutierrez e Ogborn (1992) usaram o conceito de modelo mental mecanístico proposto por de Kleer e Brown (1983) para analisar protocolos relativos a força e movimento, tanto dos sujeitos de sua pesquisa como de outros estudos já publicados por outros autores. O modelo de de Kleer e Brown já foi descrito neste trabalho (p. 13), porém vale a pena retomá-lo na interpretação de Gutierrez e Ogborn (op. cit. p. 201-203), a fim de clarificar ainda mais este conceito modelo mental.

Segundo estes autores, o modelo mecanístico de de Kleer e Brown procura responder à seguinte pergunta: o que necessita um sistema cognitivo que se depara com um sistema físico (como um dispositivo hidráulico, elétrico ou térmico) para ir desde como ele é feito até uma ou mais possibilidades de como ele funciona, suficientemente boas para explicar o que ele faz? (ibid. p. 201).

Este processo pode ser analisado em quatro etapas:

Estas etapas são repetidas se a última não for satisfatória. Cinco noções básicas introduzidas por de Kleer e Brown estão implícitas nestas etapas:

topologia do dispositivo: uma representação da estrutura do sistema físico;
visionamento (“envisioning”): ir desde a estrutura até como poderia funcionar o sistema;
modelo causal: resultado do processo de visionamento;
execução (rodagem, “running”): imaginar o que faria o modelo causal;
episódio: intervalo de tempo durante o qual a explicação permanece a mesma.

O modelo de de Kleer e Brown atribui ao sistema cognitivo um compromisso ontológico básico: tudo tem uma causa; o raciocínio com este tipo de modelo é causal, não legal; as explicações são em termos de ações e efeitos, não de leis e regularidades (ibid. p. 202). O sistema cognitivo pode inclusive gerar, i.e., inventar causas. Causas que são inventadas apenas porque são necessárias causas são chamadas de míticas.

Este tipo de modelo é basicamente qualitativo. Nele não existem leis e relações quantitativas, somente relações do tipo “se isso acontecer então tal coisa acontecerá”, usando propriedades do tipo “grande”, “pequeno”, “maior”, “menor”, “negligível”, “igual”, “mesmo”.

A topologia, o visionamento, o modelo causal e a execução podem ser discriminados como segue (ibid.):

Topologia -- materiais: partes cujos atributos podem ser afetados por uma ação causal componentes: partes que podem efetuar uma mudança causal condutos: partes que podem conduzir materiais ou ações causais

Visionamento -- causas cujos efeitos estão ausentes, ou são muito pequenos, são ignoradas; até prova em contrário, atributos desconhecidos têm valores negligíveis.

Modelo causal -- princípio da localidade: a causa está estruturalmente perto de seu efeito. Se é a estrutura, como um todo, que determina a causa, então, ela é não local. princípio da assimetria: causas precedem seus efeitos. Segundo este princípio, os episódios são construídos em uma dada seqüência determinada por relações causais.

Estes dois princípios são de de Kleer e Brown, porém Gutierrez e Ogborn julgam necessário agregar três outros (p. 203):

Execução -- um modelo aceitável, quando imaginado em funcionamento deve ter consistência, correspondência e robustez. Consistência significa que o modelo não deve ter contradições internas; correspondência requer que ele prediga o que de fato acontece; robustez implica que o modelo continue fazendo previsões corretas quando o contexto muda para outro similar.

Se estes vínculos não forem satisfeitos, o modelo deve ser reconstruído (reformulado): uma nova causa pode ser introduzida, ou um novo efeito, ou a topologia deve ser modificada. Esta reconstrução é chamada de “aprendizagem” por de Kleer e Brown (apud Gutierrez e Ogborn, p. 203), porém ela não implica “ensino”, apenas observação e reflexão.

Como se disse antes, Gutierrez e Ogborn utilizaram o modelo de de Kleer e Brown para analisar protocolos relativos a força e movimento. Eles trabalharam com 10 estudantes espanhóis, cinco na faixa de 13-14 anos que haviam tido apenas uma introdução elementar à mecânica de Newton na disciplina de ciências e cinco na de 17-18 anos que haviam já cursado dois anos de mecânica newtoniana.

A técnica utilizada foi a da entrevista clínica, propondo aos estudantes situações tiradas de histórias em quadrinhos envolvendo movimentos cotidianos. Com isso eles pretenderam afastar-se das situações problemáticas normalmente propostas em sala de aula e deixar os alunos mais à vontade. As entrevistas duraram aproximadamente uma hora, foram gravadas em fita magnética e transcritas.

Na análise dos protocolos assim obtidos, as explicações dos movimentos dadas pelos alunos foram divididas em episódios; cada vez que mudava a natureza da causa considerava-se um novo episódio.

De sua pesquisa e da reanálise de protocolos obtidos por outros pesquisadores, Gutierrez e Ogborn concluíram que, de modo geral, o modelo de de Kleer e Brown é adequado para descrever o raciocínio causal em uma ampla variedade de situações. Em particular, eles observaram que freqüentemente os entrevistados mudavam o modelo causal, modificando a natureza da explicação em um ou mais episódios e isso é uma coisa que o modelo dá conta (a mudança de idéia, ou aprendizagem, de de Kleer e Brown). Encontraram também evidências da causalidade mítica e dos vários princípios do modelo causal.

Stella Vosniadou (1994) diz que em suas pesquisas sobre mudança conceitual tem conseguido identificar um número relativamente pequeno de modelos mentais, concernentes aos conceitos enfocados em uma entrevista, que os estudantes usam consistentemente. Por exemplo, em relação ao conceito de Terra ela encontrou que 80% das crianças entrevistadas utilizavem de maneira consistente um dos seguintes modelos (p. 53):

1. Retangular

2. Disco

3. Dual

4. Esfera oca

5. Esfera achatada

6. Esfera

Os dois primeiros foram chamados de “iniciais” porque parecem estar baseados na experiência cotidiana e não apresentam influência do modelo científico, culturalmente aceito, de Terra esférica. Os três seguintes foram considerados sintéticos porque combinam aspectos dos modelos iniciais e do modelo científico: o modelo dual, segundo o qual há duas Terras, uma plana, na qual as pessoas vivem, e outra esférica que é um planeta no céu; o da esfera oca em que as pessoas vivem numa região plana interna; o da esfera achatada segundo o qual as pessoas vivem em regiões planas em cima e embaixo (ibid.).

Vosniadou interpreta a mudança conceitual como uma modificação progressiva dos modelos mentais que a pessoa tem sobre o mundo físico, conseguida por meio de enriquecimento ou revisão. Enriquecimento envolve a adição de informações às estruturas conceituais existentes, revisão implica nas mudanças nas crenças ou pressupostos individuais ou na estrutura relacional de uma teoria.

Esta autora estabelece uma distinção entre uma teoria física estrutural ingênua (“naive framework theory of physics”) que é constituída bem cedo na infância e teorias específicas que descrevem a estrutura interna de domínios conceituais nos quais os conceitos estão “encaixados”. Ela questiona a hipótese -- que é praticamente senso comum -- de que a construção do conhecimento começa pela formação de conceitos isolados que vão se relacionando até constituirem estruturas conceituais complexas. Sua hipótese é a de que os conceitos estão “encaixados”, desde o começo, em estruturas teóricas mais amplas. Ela argumenta, por exemplo, que desde muito pequenas as crianças desenvolvem cinco vínculos sobre o comportamento de objetos do mundo físico -- continuidade, solidez, não-ação-à-distância, gravidade e inércia -- e que estas “pressuposições entrincheiradas” (op. cit. p. 47) estão organizadas em uma teoria física estrutural ingênua não disponível para testagem consciente. Esta teoria restringe o processo de aquisição de conhecimento sobre o mundo físico.

As teorias específicas consistem de um conjunto de proposições ou crenças inter-relacionadas que descrevem as propriedades e comportamentos de determinados objetos físicos.

A mudança conceitual por revisão pode ocorrer tanto em nível de teorias específicas como ao nível da teoria estrutural, mas neste caso ela é muito mais difícil e é provável que gere as chamadas concepções alternativas (“misconceptions”). Essa pesquisadora interpreta as concepções alternativas como tentativas do aprendiz para interpretar a informação científica à luz de uma teoria estrutural que contém informações contraditórias com a visão científica.

No caso da Terra, as crianças têm dificuldade em construir mentalmente o modelo científico porque este modelo viola certas “pressuposições entrincheiradas” da teoria física estrutural ingênua na qual o conceito de Terra está “encaixado”.

O conceito de modelo mental de Vosniadou é o de “representação analógica que os indivíduos geram durante o funcionamento cognitivo e que tem a característica especial de preservar a estrutura daquilo que supostamente representa” (p. 48):

Esta definição é praticamente a de Johnson-laird. A partir dela, Vosniadou realizou várias pesquisas sobre mudança conceitual envolvendo o conceito de Terra, explicações sobre o dia e a noite, o conceito de força e o de calor. Em todos os casos, ela encontrou que os sujeitos usam consistentemente um de um pequeno conjunto de modelos mentais.

A metodologia utilizada nesses estudos consiste em formular várias questões sobre o conceito que está sendo pesquisado. Algumas delas requerem uma resposta verbal, outras estimulam a feitura de desenhos e outras implicam a construção de modelos físicos. A suposição que está por detrás é a de que os estudantes “acessam” o conhecimento relevante e constroem um modelo mental que lhes permite responder as questões propostas. A pesquisadora, então, busca entender e descrever esses modelos e usá-los para fazer inferências sobre a natureza das teorias específicas e estruturais que os restringem.

Dois aspectos dessa metodologia são destacados (p. 50): o tipo de questões utilizadas e o teste de consistência interna.

As questões são “generativas” (produtivas, não factuais), i.e., questões que não podem ser respondidas através de simples repetição de informação não assimilada. No caso da Terra, perguntas do tipo “Qual é a forma da Terra?” ou “A Terra se move?” não servem porque respostas corretas são significam necessariamente que os alunos tenham entendido o conceito em pauta. Perguntas como “Se você caminhasse muitos dias sempre em linha reta aonde chegaria?” ou “A Terra tem fim?” teriam maior potencial para fazer com que os alunos buscassem em sua base de conhecimentos a informação relevante para construir um modelo mental de Terra, ou recuperassem da memória de longo prazo um modelo já construído.

O teste de consistência interna consta em verificar se o padrão de respostas de um dado sujeito para todas as perguntas “generativas” relativas ao conceito pesquisado pode ser explicado pelo uso consistente de um único modelo mental genérico subjacente.

Harrison e Treagust (1996) fizeram um estudo sobre modelos mentais de 48 alunos de oitava a décima série (segunda do 2o grau no Brasil) relativos a átomos e moléculas. Estes autores usam o termo “modelo mental” para descrever as suas interpretações das concepções de átomos e moléculas dos alunos. Esses alunos eram de três diferentes escolas australianas e participaram voluntariamente da pesquisa. Foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas com duração média de 20 minutos.

No início da entrevista, cada aluno recebia um pedaço de folha de alumínio e um bloco de ferro e lhe era perguntado: “De que você acha que são feitos estes materiais?” Normalmente, o estudante dizia que o alumínio e o ferro eram feitos de átomos e moléculas. Quando isto não acontecia depois de quatro ou cinco perguntas do tipo da inicial, o pesquisador dava uma pista usando o termo “átomo”. A seguir, pedia-se ao aluno que pensasse sobre seu modelo mental (sic) de átomo e que o desenhasse em uma folha de papel e descrevesse o desenho (p. 515).

Como a maioria dos entrevistados desenhava ou mencionava uma bola ou uma esfera, dava-se-lhes uma bola de poliestireno de 5 cm de diâmetro e um pompom (com núcleo duro) e perguntava-se-lhes qual desses dois modelos tinha alguma semelhança com seu desenho e descrição (p. 516).

A seguir, os alunos recebiam uma folha contendo seis “diagramas de átomos”, tirados de livros didáticos e/ou usados comumente pelos professores, e deviam indicar qual desses diagramas melhor se ajustava ao seu modelo mental de átomo, qual o segundo melhor ajuste, qual o terceiro (se possível) e quais os diagramas que não gostavam. Nessa ocasião, freqüentemente os alunos falavam em núcleo, camada eletrônica, nuvem eletrônica, movimento do elétron, prótons e nêutrons. Quando isso não acontecia, o entrevistador dava pistas e perguntava aos alunos sobre nuvens e camadas eletrônicas (ibid.).

A discussão passava então para moléculas e cada entrevistado recebia dois modelos concretos de molécula de água, dos quais devia escolher um e explicar as razões de sua escolha.

Cada entrevista foi gravada em áudio-teipe e transcrita literalmente. As transcrições mais os desenhos dos alunos formaram o conjunto de dados a ser analisado. Da análise qualitativa feita, foram identificadas categorias nas quais podiam ser enquadradas as preferências dos alunos. No artigo (Harrison e Treagust, 1996), são apresentadas tabelas com tais preferências e com os atributos atômicos e moleculares segundo os modelos dos estudantes. São também apresentadas e comentadas várias descrições dos alunos sobre seus modelos mentais.

Observe-se que a metodologia usada nesta pesquisa provavelmente não seria compartilhada por outros autores que também usam entrevistas, pois muita coisa parece ser sugerida aos entrevistados. Os modelos são apresentados ao sujeito e ele ou ela deve escolher dentre eles o que mais se assemelha ao seu. Entretanto, este tipo de entrevista “não tão clínica” tem sido usada na pesquisa em ensino de ciências. A entrevista “teachback”, por exemplo, consiste de uma conversação entre entrevistador e entrevistado até chegarem a um consenso sobre o pensamento do entrevistado (Pintó et al., 1996).

Greca e Moreira (1996, 1997) conduziram uma pesquisa com 50 estudantes de engenharia em uma disciplina de Física Geral, na qual se propuseram a investigar o tipo de representação mental usado pelos alunos quando trabalhavam com o conceito de campo, particularmente no domínio do eletromagnetismo, ao resolver problemas e questões conceituais. O estudo foi conduzido em dois semestres consecutivos e teve como base conceitual a teoria de Johnson-Laird. Como foi bastante discutido nas primeiras seções deste trabalho, para Johnson-Laird existem três tipos de representações mentais: modelos mentais, proposições e imagens. Modelos mentais são análogos estruturais do mundo; proposições são cadeias de símbolos expressáveis em linguagem natural e interpretadas (em termos de verdadeiras ou não) à luz de modelos mentais; imagens são vistas de modelos mentais.

A pesquisa objetivou, então, identificar se os alunos, ao resolver problemas e questões de Física, operavam mentalmente com modelos, proposições ou imagens, ou com alguma combinação destes tipos de representações mentais propostos por Johnson-Laird.

Todo o estudo foi conduzido em condições normais de sala de aula. No primeiro semestre, com 25 alunos, a metodologia de ensino foi totalmente individualizada: o conteúdo foi dividido em 20 unidades de estudo; para cada unidade havia um roteiro de estudo e um teste escrito; quando aprovado no teste, o aluno passava para a unidade seguinte; havia possibilidade de repetir o teste tantas vezes quanto fosse necessário para dominar o conteúdo da unidade; o aluno trabalhava com ritmo próprio e contava com a assistência de monitores e do professor ao preparar cada unidade de estudo. Nesta metodologia, se desejado, é possível atingir-se um elevado grau de interação pessoal entre os estudantes e o professor, bem como entre os estudantes e os monitores. No caso, os dois pesquisadores atuaram como professores e monitores durante todo o semestre e estimularam o máximo possível a interação pessoal; procuravam discutir Física com os alunos sempre que havia oportunidade. Além disso, a avaliação de cada unidade era também dialogada.

A partir dessa forte interação, pessoal e do exame das respostas dos alunos às questões propostas nos guias de estudo e nos testes de avaliação, foi possível distinguir entre estudantes que construíram ou não um modelo mental do trabalho para o conceito de campo eletromagnético. Na primeira categoria foram enquadrados sete alunos e seus modelos foram classificados como basicamente proposicionais (matemáticos) ou essencialmente analógicos (imagísticos). Na categoria dos não modeladores foram incluídos 14 estudantes. De um modo geral, eles trabalhavam com proposições soltas (não articuladas em um modelo) e não usavam imagens. Quatro casos foram considerados intermediários entre as duas categorias.

No segundo semestre da investigação, com outros 25 alunos, os pesquisadores continuaram com o mesmo objetivo de identificar o tipo de representação mental usado pelos alunos, porém mudaram a metodologia de ensino e coletaram mais materiais de análise. O curso tinha três períodos semanais de aulas, de duas horas cada um. Em cada período, em um primeiro momento havia uma aula expositiva de 30 a 35 minutos; depois, os alunos trabalhavam em pequenos grupos (máximo quatro participantes), geralmente resolvendo problemas e questões de uma lista. Em cinco ocasiões, a lista foi substituída por um experimento de laboratório e em três por um mapa conceitual. Ao final de cada aula, os estudantes entregavam o produto de seu trabalho ao professor ou ao ajudante. Um dos pesquisadores atuou como professor e o outro como ajudante; os dois estiveram sempre presentes e durante o trabalho em grupo interagiram o máximo possível com os alunos.

O curso teve três avaliações formais individuais e uma pequena entrevista final também individual.

Todas as respostas dos alunos às listas de problemas e questões de cada aula ou aos roteiros de laboratório, todas as provas e todos os mapas conceituais foram utilizados como material de análise acoplados às observações feitas durante a interação pessoal e na entrevista final.

Todo este material gerou variáveis e escores: “conceito”, “problema”, “laboratório”, “mapa conceitual”, “trabalho em grupo” e “modelo”. A variável “modelo” foi construída a partir dos indicadores obtidos no estudo do primeiro semestre, da análise qualitativa do material escrito produzido pelos alunos e, sobretudo, da observação feita pelos pesquisadores ao longo do semestre, interagindo bastante com os estudantes. Esta variável recebeu escores de 0 a 5 correspondentes a seis categorias:

As demais variáveis foram também atribuídos escores e uma matriz de correlações foi construída. Observou-se nessa matriz que as correlações foram estatisticamente significativas e que as mais baixas em relação à variável modelo ocorreram com as variáveis “laboratório” e “trabalho em grupo”, enquanto as mais altas aconteceram com as variáveis “mapa conceitual” e “conceito”.

Tais correlações poderiam, em princípio, ser esperadas pois as variáveis “conceito” (construída a partir das respostas declarativas dos alunos) e “mapa conceitual” eram as mais “conceituais”, as quais, por sua vez, seriam mais dependentes do tipo de representação mental utilizado.

Uma análise fatorial mostrou que as variáveis “conceito”, “laboratório”, “problema”, “mapa conceitual” e “trabalho em grupo” correspondem a um único fator que correlaciona 0,72 (p=0.0001) com a variável “modelo”.

Estes resultados sugerem que a variável “modelo” explica boa parte dos escores das demais variáveis, especialmente das “conceituais”.

Esta pesquisa foi, segundo os autores (Greca e Moreira, 1996 e 1997), o começo de um programa de pesquisa(6) sobre modelos mentais e a aprendizagem de Física que partiu do zero em 1994. Nesse primeiro estudo, apenas tentaram, e aparentemente conseguiram, distinguir entre alunos que trabalhavam e não trabalhavam com modelos mentais, segundo a teoria de Johnson-Laird, enquanto se desempenhavam em tarefas instrucionais de Física.

Do ponto de vista metodológico, este estudo também usou a análise qualitativa de documentos e verbalizações dos alunos, mas, diferentemente dos outros já descritos, completou-a com um tratamento quantitativo.

Os resultados obtidos sugerem que nos cursos introdutórios universitários de Física a maioria dos alunos trabalha com proposições não integradas ou não interpretadas em um modelo mental. As proposições que eles usam são definições e fórmulas manipuladas mecanicamente para resolver problemas ou questões. Alguns, no entanto, dão evidência de construção de modelos e isso parece caracterizar uma aprendizagem mais significativa.

Ibrahim Halloun (1996) fez uma pesquisa sobre modelagem esquemática cuja base teórica vai na linha dos resultados de Greca e Moreira, pois na raiz de sua investigação está o princípio de que, em Física, a aprendizagem do aluno será tanto mais significativa quanto maior for sua capacidade de modelar. Ele argumenta que a Física é uma ciência de modelos e a modelagem é uma atividade sistemática dos físicos para construir e aplicar o conhecimento científico. Aprender Física implica, então, aprender e jogar o “jogo da modelagem”.

Como foi dito na página 14, Halloun usa o conceito de modelo mental de Johnson-Laird e supõe que, apesar de tácitos, os modelos mentais podem ser explorados, indiretamente, através dos modelos conceituais que a pessoa externaliza de maneira verbal, simbólica ou pictórica ao se comunicar com outra pessoa. Supõe também que através de instrução adequada os modelos conceituais -- que são geralmente subjetivos, idiossincráticos e não coerentemente estruturados -- podem se tornar relativamente objetivos e estruturados de maneira coerente. Esta evolução, segundo ele, é melhor atingida em ciências e matemática onde os modelos desempenham um papel central.

É na idéia de “instrução adequada” que entra a modelagem esquemática, ou processo de modelagem tal como proposto por Halloun, cujos cinco estágios são (op. cit. p. 1026-1028):

Deve ficar claro, no entanto, que a modelagem esquemática, como estratégia instrucional, se refere principalmente a modelos conceituais que o aluno externaliza. Os cinco estágios do processo da modelagem sugeridos por este pesquisador não são hierárquicos; os três estágios do meio se superpõem; o primeiro e o segundo também podem se superpor pois, na prática, em particular na resolução de problemas, a construção do modelo pode se limitar à seleção de um modelo matemático adequado.

Halloun trabalhou com 87 estudantes libaneses, 59 de escola secundária e 28 universitários, aos quais deu aulas de recuperação durante o verão, pois não haviam passado em Física durante o semestre regular. Aos secundaristas deu cinco aulas de duas horas, nas quais usou a modelagem esquemática para ensinar-lhes problemas de estática. Aos universitários deu também cinco aulas nas quais ensinou-lhes a modelagem esquemática em mecânica da partícula.

Os problemas utilizados foram daqueles normalmente encontrados nos livros de texto de mecânica. Foram aplicados pré e pós-testes e comparados os resultados. Segundo o autor, tais resultados implicam que a modelagem esquemática é uma estratégia válida para o ensino da Física (op. cit. p. 1035). Contudo, sua pesquisa tem falhas metodológicas (por exemplo, falta de grupo de controle) que limitam sua validade interna e externa.

É preciso mais pesquisa sobre modelagem conceitual (aquela que se pode ensinar) e modelagem mental (aquela que se tenta investigar e, talvez, facilitar na instrução) e sua inter-relação. O valor da pesquisa de Halloun é que ela parece tentar algo nesse sentido.

Voltando à questão metodológica

Com exceção da última pesquisa descrita na seção anterior, a qual, na verdade, não investigou modelos mentais, todas as demais fizeram uso da análise qualitativa de protocolos verbais e documentos (desenhos, esquemas, soluções de problemas, mapas conceituais, ...) produzidos pelos sujeitos pesquisados em entrevistas ou tarefas instrucionais.

Isso é consistente com o fato de que “os modelos mentais estão na cabeça das pessoas” e a única maneira de investigá-los é, indiretamente, através daquilo que elas externalizam verbalmente, simbolicamente ou pictoricamente.

É interessante notar que esse tipo de metodologia é semelhante a que foi desenvolvida na “Escola de Würzburg”, na Alemanha, no final do século passado e início deste, pelos psicólogos Oswald Külpe e Karl Bühler, denominada “instropecção experimental sistemática”. Külpe foi discípulo de Wilhelm Wundt, considerado o fundador da ciência experimental da psicologia. Wundt estabeleceu na Universidade de Leipzig, também na Alemanha, em 1875, um laboratório de psicologia que ficou famoso e atraiu muitos estudantes interessados nessa nova ciência. Entre estes estava Külpe que mais tarde tornou-se professor na Universidade de Würzburg e criou seu próprio laboratório que logo começou a rivalizar com o de Wundt em importância (Schultz e Schultz, 1995).

A “introspecção experimental sistemática” de Külpe envolvia a realização de uma tarefa complexa (como o estabelecimento de ligações lógicas entre conceitos), depois da qual se pedia aos sujeitos que fizessem um relato retrospectivo de seus processos cognitivos durante a realização da tarefa (op. cit. p. 97). Tarefas semelhantes eram repetidas muitas vezes para que os relatos retrospectivos pudessem ser corrigidos, corroborados e ampliados. Esses relatos eram freqüentemente suplementados por perguntas que dirigiam a atenção do sujeito para pontos particulares (ibid.).

Wundt também usava a introspecção em suas pesquisas, porém raramente a do tipo qualitativa em que o sujeito descreve suas experiências mentais. A espécie de relato introspectivo que Wundt buscava em seu laboratório tratava principalmente dos julgamentos conscientes do sujeito acerca do tamanho, da intensidade e da duração de vários estímulos físicos -- julgamentos quantitativos típicos da pesquisa psicofísica (op. cit. p. 83).

Ele acreditava no estudo da experiência consciente tal como ocorria, não na memória dela após a ocorrência. Para ele, os psicólogos deveriam ocupar-se do estudo da experiência imediata, não da mediata. Isso porque ele considerava a experimentação científica impossível no caso do estudo dos processos mentais superiores como a aprendizagem, o pensamento, a memória: estes processos, por estarem condicionados por hábito lingüísticos e outros aspectos culturais, só podiam ser efetivamente estudados mediante as abordagem não experimentais da sociologia, da antropologia e da psicologia social (op. cit. p. 81).

A pesquisa de Wundt se restringia, então aos processos mentais mais simples, como a sensação e a percepção. Külpe procurou contornar essa limitação.

Segundo Schultz e Schultz (1995, p. 98):

Wundt defendia o ponto de vista de que a experiência consciente podia ser reduzida aos seus elementos sensoriais ou imaginais componentes. Para ele, toda a experiência consciente se compunha de sensações ou imagens. Külpe através de sua introspecção experimental sistemática encontrou evidências na direção oposta, i.e., o pensamento pode ocorrer sem conteúdos sensoriais ou imaginais (pensamento sem imagens) (op. cit. p. 98).

Karl Bühler, também de Würzburg, usou em suas pesquisas um método que era praticamente o mesmo de Külpe e que também lembra muito a metodologia usada hoje nos estudos sobre modelos mentais na aprendizagem de ciências (ibid.):

Os resultados obtidos por Bühler reforçaram as descobertas de Külpe sobre os aspectos não sensoriais da consciência. (A existência de tais processos veio a ser, posteriormente, um pressuposto básico da Psicologia Cognitiva.)

Portanto, a metodologia da pesquisa em representações mentais, mais especificamente em modelos mentais não é nova. Vem sendo usada na psicologia experimental desde o final do século passado. Mas, como alertam Simon e Kaplan (1989, p. 21):

A questão da consciência e a computabilidade

A seção anterior nos remete inevitavelmente à questão da consciência, a qual, dentro do referencial da Psicologia Cognitiva, nos conduz ao tema da computabilidade.

Afinal os modelos mentais são conscientes? Não conscientes? Parcialmente conscientes?

Porque essa insistência com simulação computacional, “rodar” o modelo, procedimento efetivo, enfim, a metáfora do computador?

Comecemos com a segunda questão, cuja resposta parece ser mais imediata.

Modelos mentais é um tópico da Psicologia Cognitiva, a qual não deve ser confundida com outras áreas da Psicologia, ou com outras psicologias. A Psicologia Cognitiva é recente, data dos anos cinqüenta deste século. No núcleo duro desta “nova psicologia” estão a existência de processos mentais de “cima para baixo” e a metáfora do computador. Fazer Psicologia Cognitiva implica aceitar que existem outros processos mentais além daqueles “de baixo para cima” que caracterizam o processamento da informação recebida através dos órgãos dos sentidos. (Vide referência às pesquisas de Wundt e Külpe na seção anterior.) Implica também pensar a mente como um sistema de cômputo, o que não significa que ela seja um computador tal como o conhecemos, nem que as pessoas sejam computáveis. Provavelmente, há aspectos da mentalidade humana que nunca poderão ser explicados por uma teoria científica. Porém há outros que sim. Possivelmente, há aspectos da mentalidade humana que nunca poderão ser implementados em um programa de computador. Mas há outros que sim. E aí entramos na Psicologia Cognitiva, a qual pretende estudar a mente humana cientificamente.

Para Johnson-Laird (1983, p. 8) qualquer teoria científica da mente deve, necessariamente, tratá-la como um sistema de cômputo; deve ficar restrita a aspectos que possam ser formulados como programas de computador. “Abandonar este critério é permitir que as teorias científicas sejam vagas, confusas e, assim como as doutrinas místicas, propriedade apenas de seus proponentes”(ibid.). (O problema com este critério é que os computadores atuais são seriais e a mente é um sistema de processamento em paralelo.)

Como foi dito, a metodologia usada na pesquisa sobre modelos mentais trata os protocolos verbais e outros documentos simbólicos ou pictóricos produzidos pelos sujeitos como fontes de dados a serem explicados por teorias geradas pelo pesquisador. Obviamente, para que tais teorias não sejam vagas, confusas, místicas, elas devem poder ser descritas na forma de procedimentos efetivos. Procedimento efetivo é aquele que pode ser executado por uma máquina (um computador) sem que nenhuma decisão seja tomada na base da intuição ou de qualquer outro ingrediente “mágico”.

É por isso que, na ótica de Johnson-Laird, o critério de validade para os resultados da pesquisa sobre modelos mentais é a possibilidade de descrevê-los na forma de procedimentos efetivos que possam ser implementados em computadores.

Quer dizer, os modelos mentais estão nas cabeças das pessoas. Se, através da pesquisa, conseguimos identificar alguns desses modelos é porque interpretamos os dados (que estão nos protocolos) à luz de alguma teoria que temos. Aliás, o próprio modelo identificado é, por si só, uma teoria que temos sobre o que está na mente do outro. A maneira de testar a validade dessa teoria é descrevê-la na forma de um procedimento efetivo que possa ser formulado com um programa de computador. Naturalmente, a “rodagem” desse programa deve fornecer resultados compatíveis com as previsões da teoria.

Passemos agora à questão da consciência que, na visão de Johnson-Laird, tem a ver com a computabilidade.

Johnson-Laird assume uma posição funcionalista em relação ao problema cérebro-mente: os fenômenos mentais não dependem de como o cérebro é constituído mas de como ele está funcionalmente organizado, ou seja, os fenômenos mentais correspondem a computações do cérebro (op. cit. p. 448 e 474). A metáfora do computador serve muito bem para a doutrina funcionalista: a mente está para o cérebro assim como o “software” está para o “hardware” em um computador. Mas há um problema, talvez o maior de todos no que se refere a fenômenos mentais: a consciência.

Até hoje não se sabe realmente o que é a consciência, o que ela faz, qual sua função. As alternativas para que este problema vão desde considerar a consciência como um fenômeno sobrenatural até supor que ela é computável.

A alternativa funcionalista adotada por Johnson-Laird é a de que a consciência depende de cômputos do sistema nervoso (p. 450). Tais cômputos requerem um cérebro de certo tamanho e complexidade porque a capacidade computacional depende de memória e porque a velocidade computacional depende do tamanho das unidades que podem ser processadas simultaneamente, i.e., do número de processadores que podem ser postos em ação em uma tarefa (ibid.). Tanto a capacidade como a velocidade computacionais são importantes para a consciência. Basta lembrar o uso da linguagem (que requer grande habilidade mental computacional) e o fato de que decisões conscientes são tomadas em tempo real.

Outro ponto importante na visão funcionalista é o de que o processamento mental ocorre em paralelo. Três argumentos sustentam esta asserção (p. 451):

1. a mente emprega distintos níveis de organização; na linguagem, por exemplo, em um primeiro nível são processados os sons, os quais combinados formam morfemas que têm significados e devem ser processados em outro nível; morfemas combinados geram sentenças que implicam outro nível de processamento pois os significados das sentenças vão além dos significados dos morfemas; finalmente, inferências a partir dos significados das sentenças levam a modelos mentais do discurso;

2. o processamento mental, em cada nível, leva o contexto em consideração; novamente a linguagem surge como exemplo, pois a identificação e interpretação de palavras depende do contexto;

3. o processamento em diferentes níveis não é autônomo, mas interativo; por exemplo, significados de proposições podem ser obtidos por referência a outras proposições; o reconhecimento de uma palavra facilita o reconhecimento de outras semanticamente relacionadas.

Resumindo, a hipótese é que há diferentes níveis de organização mental porque processadores separados podem operar em distintos níveis simultaneamente; em um dado nível, um processador trabalha um certo item enquanto outros se encarregam do contexto; a comunicação entre processadores em diferentes níveis permite que interajam. Tudo isso leva a um aspecto essencial do processamento mental: ele ocorre em paralelo (p. 452).

Naturalmente, há distintas maneiras de implementar um processamento em paralelo. Uma possibilidade é um sistema completamente distribuído no qual cada processador está em pé de igualdade com os demais e não pode comunicar instruções a outros, apenas o produto do processamento realizado. Outra alternativa seria um sistema baseado em um processador central que “rodaria” um programa principal que daria instruções, e receberia informações, de processadores independentes.

Johnson-Laird imagina a mente humana funcionando em um sistema híbrido que tira partido tanto da organização centralizada como da distribuída: um processador de alto nível que monitora e controla os objetivos gerais de processadores de nível mais baixo que, por sua vez, monitoram e controlam processadores que operam mais abaixo do que eles, e assim por diante em uma hierarquia de processadores paralelos, a qual no seu nível mais inferior governa as interações sensoriais e motoras com o mundo externo (p. 463).

O processador de alto nível corresponderia ao que em um computador chama-se de sistema operacional, um conjunto de programas que permite ao operador humano manejar o computador. Quando o computador é ligado, o sistema operacional é automaticamente, ou através de algum comando simples, carregado e o operador tem a sua disposição mecanismos para recuperar programas e arquivos gravados no disco rígido, rodar os programas, ler os arquivos, editar, gravar, imprimir, etc.

A mente teria, então, um sistema operacional com considerável autonomia, mas sensível a demandas de outros processadores e que poderia ser ligado e desligado pelos mecanismos de controle do sono. Ele dependeria de processadores de segunda ordem para perceber, entender, agir, lembrar, comunicar e pensar. Estes processadores, por sua vez, dependeriam de processadores de terceira ordem para passar “para baixo” instruções mais detalhadas de controle e para passar “para cima” informações sensoriais parcialmente interpretadas. Haveria interações entre processadores de mesmo nível ou de distintos níveis e mecanismos que permitissem que mensagens prioritárias de um nível inferior interrompessem o processamento em andamento em um nível superior (p. 464).

Uma das mais importantes funções do sistema operacional mental seria o desenvolvimento de novos programas para dar conta de novas situações, visto que a mente humana pode desenvolver e rodar seus próprios programas (modelos mentais).

Mas os “programas” que as pessoas produzem para resolver problemas podem ter grandes defeitos (falhas, “bugs”), de modo que sua implementação poderia requerer configurações anômalas de processadores. Como o sistema operacional mental não tem proteção contra configurações anômalas, uma forma primitiva de consciência poderia ter emergido originalmente da rede de processadores paralelos como forma de contornar tais configurações e outras interações patológicas entre eles (ibid.).

Portanto, na base de considerações puramente computacionais, Johnson-Laird argumenta que há uma divisão na mente entre um sistema operacional de alto nível e uma organização hierárquica de processadores. E vai além: ele assume que “os conteúdos da consciência são os valores correntes dos parâmetros que governam as computações de alto nível do sistema operacional” (p. 465). O sistema operacional pode receber estes valores de outros processadores, mas não pode inspeccionar as operações internas desses processadores. A seleção natural teria assegurado que eles são necessariamente não-conscientes (p. 465).

O principal argumento de Johnson-Laird neste caso é exatamente o fato de que há coisas que o ser humano pode ser consciente e outras não.

Quando falamos com outra pessoa podemos ter consciência das palavras que ela usa e se entendemos ou não o que ela está dizendo, mas não podemos tornar conscientes os mecanismos que nos permitem entender as palavras e os significados das proposições formadas, isto é processado em nível não-consciente.

Podemos estar conscientes de muitas coisas -- sentimentos, atitudes, intenções, motivos, expectativas, temores -- mas não de mecanismos específicos subjacentes a elas.

Inclusive no que se refere a habilidades mentais, nunca estaremos completamente conscientes de como exercitá-las.

Analogamente, as pessoas não são conscientes da natureza e dos mecanismos subjacentes às representações mentais. Elas são conscientes do que está representado e de se é percebido ou imaginado, mas não da natureza intrínseca da representação em si (ibid.).

Em termos de modelos mentais, poderíamos então dizer que as pessoas são conscientes do conteúdo de seus modelos e de se eles são frutos de percepção ou imaginação, mas não de seus mecanismos intrínsecos.

É tambem importante notar que, segundo a hipótese de Johnson-Laird, qualquer tentativa de usar a introspecção para tornar consciente alguma coisa que é não-consciente, falhará: não só porque a informação é inacessível mas também porque um processo essencialmente paralelo teria que ser captado pelas operações em série do sistema operacional.

Quer dizer, há uma distinção entre as computações do sistema operacional que são em série e as computações em paralelo dos múltiplos processadores. A introspecção força noções intrinsecamente paralelas em um corredor serial.

Paradoxalmente, a mente humana consciente, que é um sistema operacional em série, não é capaz do grau de processamento paralelo necessário para produzir consciência (p. 475).

É também importante notar que além de não ter acesso às operações internas dos processadores de níveis inferiores, o sistema operacional mental também não tem completo controle sobre eles. Há muitos fenômenos sugerindo que certos processadores retêm bastante autonomia. Por exemplo, sentimentos de amor e ódio podem ser conscientemente experimentados, mas não podem ser invocados por uma decisão consciente.

A mente tentando entender a mente, i.e., buscando construir um modelo mental de um dispositivo que constrói modelos mentais, é um problema que além de ser paradoxal envolve um enigma que é a consciência.

Para Johnson-Laird, a construção de um modelo mental é um processo computacional e ele imagina que um componente da solução do paradoxo cognitivo (i.e., a mente tentando entender a mente) está na construção recursiva de modelos mentais, i.e., modelos dentro de modelos: “em um estágio 0, a mente constrói um modelo de uma proposição p; no estágio 1, ela pode construir um modelo de si mesma operando no estágio 0 e, em geral, em qualquer estágio pode construir um modelo de si mesma operando no estágio anterior (p. 472).

Este procedimento recursivo parece estar sempre presente nos fenômenos da consciência. Por exemplo, um indivíduo pode perceber alguma coisa, ter consciência de que está percebendo-a, ter consciência de que está consciente de que está percebendo essa coisa e assim por diante... Analogamente, a intencionalidade depende da construção recursiva de modelos dentro de modelos (“embedding of mental models”): um organismo pode ter uma intenção, i.e., uma decisão consciente de agir para atingir determinado fim, somente se ele tiver um sistema operacional capaz de construir um modelo mental de um estado de coisas futuro e, em um segundo estágio, capaz de construir um modelo de si mesmo construindo o modelo mental inicial e decidindo agir de acordo com tal modelo (p. 473). Quer dizer uma decisão consciente implica a construção recursiva de modelos mentais. Um sistema operacional necessita, então, apenas ter acesso a um modelo de si mesmo a fim de ter intenções (ibid.).

Obviamente, as pessoas têm intenções e, portanto, devem ter, e têm, modelos mentais de si mesmas. Seus modelos incluem lembranças de coisas que sentiram ou fizeram no passado e conhecimentos de seus gostos e preferências, habilidades e capacidades. Porém, como já foi dito, elas não têm acesso ao funcionamento interno dos múltiplos processadores paralelos ou ao processo que subjaz sua própria representação. Seus modelos mentais de si mesmas estão limitados às opções disponíveis aos seus sistemas operacionais.

Mas os modelos mentais não precisam ser nem completos nem inteiramente acurados para serem úteis. No caso das pessoas, o que seu limitado conhecimento de seu próprio sistema operacional lhes dá é um sentido de identidade, continuidade e individualidade (p. 474).

Para Johnson-Laird, a mente opera, então, em três níveis computacionais principais: processadores que computam em nível não-consciente, mecanismos que constroem modelos mentais do mundo externo e dispositivos com a habilidade recursiva de construir modelos dentro de modelos.

O primeiro nível é, portanto, não-consciente. E os outros dois? Bem, no segundo a hipótese é a de que são conscientes os conteúdo dos modelos mentais e se eles são percebidos ou imaginados, mas não são seus mecanismos intrínsecos. No terceiro, como foi recém visto, a intencionalidade depende da capacidade recursiva do organismo de construir modelos de si mesmo operando em estágios anteriores e a plena consciência humana depende da intencionalidade e de ter consciência de estar consciente.

Esta resposta não é totalmente esclarecedora. E nem poderia ser pois a consciência é o problema maior que enfrenta a doutrina funcionalista, segundo a qual os fenômenos mentais correspondem a computações do cérebro. Johnson-Laird tenta abordar este problema propondo a teoria apresentada nesta seção, a qual supõe a mente constituída por um sistema operacional de alto nível e uma organização hierárquica de processadores. Não obstante, como diz o próprio Johnson-Laird (op. cit. p. 470), a mente deve ser mais complicada do que qualquer teoria sobre ela.

Conclusão

Na pesquisa em ensino de ciências, a década de setenta foi a das concepções alternativas e a de oitenta a da mudança conceitual. É bem possível que estejamos hoje, nos anos noventa, vivendo a década das representações mentais, em particular dos modelos mentais.

Os dois livros básicos sobre modelos mentais -- o de Johnson-Laird e o organizado por Gentner e Stevens -- são de 1983, mas foi nos primeiros anos da década de noventa, como bem destacam Pintó et al. (1996), que esse referencial começou a ganhar corpo no domínio conceitual da pesquisa em ensino de ciências.

Não se trata, no entanto, simplesmente de uma questão de moda, mas de uma evolução, uma etapa que é conseqüência das anteriores. Com as pesquisas sobre concepções alternativas, típica dos anos setenta, ficamos sabendo, ou passamos a dar atenção, que os alunos vêm para a sala de aula com uma “ciência alternativa”. Logo em seguida, passamos a nos preocupar em como promover a mudança conceitual, i.e., como fazer com que os alunos abandonassem suas concepções alternativas em favor das concepções científicas que, afinal, eram muito mais explicativas e preditivas. Mas aí nos perdemos porque supusemos que a mudança conceitual era uma substituição de uma concepção por outra na cabeça do aluno e que isso poderia ser feito, até com certa facilidade, através de estratégias instrucionais adequadas. (Tais estratégias estavam, geralmente, baseadas no modelo kuhniano de mudança de paradigmas e na idéia piagetiana de conflito cognitivo.) Muita pesquisa foi feita tendo, implícita, essa suposição, porém, a modéstia dos resultados nos esclareceu que mudança conceitual é uma coisa muito complicada e deve ser pensada de outra maneira, muito mais como uma evolução conceitual do que como uma substituição de concepções (Moreira, 1994).

Vosniadou (1994), por exemplo, interpreta a mudança conceitual como uma modificação progressiva dos modelos mentais que o aluno tem sobre o mundo físico, conseguida por meio de enriquecimento ou revisão. Enriquecimento envolve a adição de informações aos modelos existentes, revisão implica mudanças nas crenças ou pressupostos individuais ou na estrutura relacional do modelo.

Ou seja, o aparecimento de um número cada vez maior de artigos e pesquisas sobre modelos mentais pode ser visto como uma conseqüência da grande ênfase na mudança conceitual que pautou muito da pesquisa em ensino de ciências na década passada. E talvez essa tenha sido uma etapa necessária, pois foram os resultados (no mínimo modestos) dessa pesquisa que levaram os pesquisadores a buscar outros referenciais teóricos e, nessa busca, chegar aos modelos mentais.

Possivelmente, este é um referencial teórico mais promissor, porém mais difícil metodologicamente. A idéia de que as pessoas, ou os alunos no caso, constroem modelos mentais do mundo, i.e., “re-presentam” internamente o mundo externo, é atraente. O problema é que é difícil investigar tais modelos. Os modelos mentais das pessoas, ao invés de serem precisos, consistentes e completos, como os modelos científicos, são, simplesmente, funcionais. Na pesquisa, ao invés de buscar modelos mentais claros e elegantes, teremos que procurar entender os modelos confusos, “poluídos”, incompletos, instáveis que os alunos realmente têm. E isso é difícil!

Em termos de teoria sobre modelos mentais, a de Johnson-Laird é, até hoje, a mais completa e articulada. Por esta razão, impregnou todo este trabalho.

No que se refere à metodologia, a análise qualitativa de protocolos verbais e de documentos produzidos pelos alunos, tem sido a técnica mais utilizada na pesquisa sobre modelos mentais. Através de referências históricas e descrição de pesquisas recentes, procurou-se neste artigo dar atenção ao aspecto metodológico do tema modelos mentais.

Além disso, procurou-se não deixar de lado a questão da consciência, uma vez que é praticamente impossível falar em modelos mentais, ou em qualquer teoria sobre a mente humana, sem falar da consciência. Aliás, para falar em modelo mental é preciso ter um modelo mental de modelo mental, é preciso estar consciente de que se trata de um modelo mental de modelo mental, e por aí vai...

Tudo isso, como foi dito no início, foi feito com o objetivo de subsidiar o ensino e a pesquisa em ensino de ciências à luz desse (novo) referencial que são os modelos mentais.

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· Artigo arbitrado pela Comissão Organizadora do “Encontro sobre Teoria e Pesquisa em Ensino de Ciências - Linguagem, Cultura e Cognição, Reflexões para o ensino de Ciências”, Faculdade de Educação da UFMG, de 05 a 07 de março de 1997.

NOTAS DE RODAPÉ:

(1) Trabalho apresentado no Encontro sobre Teoria e Pesquisa em Ensino de Ciência - Linguagem, Cultura e Cognição, Faculdade de Educação da UFMG, Belo Horizonte, 5 a 7 de maró de 1997. (Volta para o texto)

(2) Os modelos conceituais de Johnson-Laird não são os mesmos de Norman (1983, p. 12) que são modelos precisos, consistentes e completos inventados por professores, pesquisadores, engenheiros, e projetados como instrumentos para a compreensão e o ensino. Os de Johnson-Laird são modelos que as pessoas têm nas suas cabeças e que represntam estados de coisas abstratos em relação aos estados de coisas físicos, representados pelos modelos físicos.(Volta para o texto)

(3) Reitera-se que não são os mesmos modelos de Norman.(Volta para o texto)

(4) Obviamente, estas notações são arbitrárias; é improvável que se venha a saber como estes elementos são de fato representados na mente.(Volta para o texto)

(5) Objeto autônomo é, para Williams, Hollan e Stevens (1983), um objeto mental que representa explicitamente alguma coisa, cujas conexões topológicas com outros objetos é também explícita, e que tem um certo número de parametros internos.(Volta para o texto)

(6) "Modelos Mentais e Aprendizagens de Física segundo a Tipologia de Johnson-Laird", apoio CNPq.(Volta para o texto)