RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS I: DIFERENÇAS ENTRE NOVATOS E ESPECIALISTAS*

Sayonara Salvador Cabral da Costa
Instituto de Física, PUCRS
Av. Ipiranga, 6681 90619-900 - Porto Alegre - RS
Marco Antonio Moreira
Instituto de Física, UFRGS
Av. Bento Gonçalves, 9500 91501-970 - Porto Alegre - RS

Resumo

Trata-se de uma revisão de literatura na área de resolução de problemas, particularmente em Física, enfocando apenas a questão novato/especialista. Foram analisados 31 artigos em termos de base teórica - método/sujeitos - resultados, os quais foram organizados em uma tabela que serviu de base para uma síntese feita pelos autores. Este trabalho é o primeiro de uma série de quatro artigos de revisão abordando diferentes aspectos do tema resolução de problemas.

Abstract

This paper presents a review of the literature in the area of problem solving, particularly in physics, focusing only on the expert/novice issue. Thirty-one papers have been analyzed in terms of theoretical basis - method/subjects - findings, which were organized in a table that served as support for a synthesis made by the authors. It is the first of a four-paper series reviewing different aspects of the problem solving subject.

Apresentação

Este é o primeiro de uma série de quatro artigos de revisão da literatura na área de resolução de problemas, enfocando particularmente o campo da Física. Nele apresentamos apenas trabalhos que relacionam ou diferenciam a tarefa de resolução de problemas quando executada por novatos ou por especialistas.

Os demais artigos desta área focalizam, respectivamente, propostas de uma metodologia didática para trabalhar problemas em sala de aula, fatores que influenciam na resolução de problemas e estratégias específicas sugeridas para facilitar a atividades de resolver problemas.

Para fazer esta revisão consultamos as seguintes revistas, nos períodos indicados: Studies in Science Education (1981 a 1990); Journal of Research in Science Teaching (1981 a 1994); European Journal of Science Education (1979 a 1986) e International Journal of Science Education (1987 a 1994); Enseñanza de las Ciencias (1983 a 1994); Science Education (1980 a 1994); Revista Brasileira de Ensino de Física (1979 a 1994); Caderno Catarinense de Ensino de Física (1984 a 1994); Revista de Enseñanza de la Física (1985 a 1994).

Certamente não fizemos um levantamento completo da literatura, mas cremos que foi um trabalho bastante extenso cobrindo toda a década de 80 até meados da de 90 em várias das principais revistas internacionais de ensino de ciências.

Justificativa e definição

Os processos cognitivos envolvidos no que chamamos resolução de problemas, estudados há já algum tempo no campo da Psicologia, têm despertado um interesse marcante entre os pesquisadores das áreas de Ciências e Matemática. Por um lado, isto é atribuído ao fato de que a resolução de problemas (R.P.), raciocínio e pensamento são atividades que se sobrepõem e fazem parte do “menu” destas disciplinas - “... R.P. pode ser vista como um elemento do pensamento, mas é provável que seja mais apropriadamente considerada como uma atividade de aprendizagem complexa que envolve pensamento”(Garrett, 1987, p. 127); por outro, o fracasso generalizado nesta tarefa, dentro do contexto educacional, reforça a necessidade de entendê-la melhor com o objetivo de reverter esta situação.

Definir o que se entende por problema pode dar margem a várias interpretações: um problema é um estado subjetivo da mente, pessoal para cada indivíduo, um desafio, uma situação não resolvida, cuja resposta não é imediata, que resulta em reflexão e uso de estratégias conceituais e procedimentais, provocando uma mudança nas estruturas mentais. Hayes (1980) definiu problema como a fenda que separa um estado presente de um estado almejado; Gil Pérez et al. (1988) consideram problema como uma situação para a qual não há soluções evidentes; já Perales (1993) considera-o uma situação qualquer que produz, de um lado, um certo grau de incerteza e, de outro, uma conduta em busca de uma solução.

De qualquer modo, falar em problema é considerar uma gama de situações que inclui desde simples quebra-cabeças, passando por problemas que enfrentamos no nosso cotidiano até problemas específicos envolvendo conhecimentos e/ou habilidades muito particulares.

No contexto em que está inserida esta revisão de literatura, a resolução de problemas será considerada, principalmente, uma atividade de papel e lápis, mas poderá também envolver atividades experimentais em ciências ou matemática, onde o sujeito terá oportunidade de, aplicando seus conhecimentos e procedimentos na busca de uma solução para a situação proposta, desenvolver a sua estrutura cognitiva. Na vida diária se resolve um problema para se obter um resultado; ao contrário, no contexto escolar o resultado importa menos do que a própria resolução (Dumas-Carré, 1987).

A maioria dos pesquisadores nesta área, vê a resolução de problemas como “um processo pelo qual o aprendiz descobre uma combinação de regras anteriormente aprendidas que ele pode aplicar para atingir uma solução para uma situação problemática nova” (Gagné, 1965). Este processo deve favorecer a aprendizagem significativa na medida em que propicia uma reorganização da informação e do conhecimento armazenado na estrutura cognitiva do sujeito (Novak, 1977).

Uma vez justificada a importância do tema escolhido e definido o que entendemos por resolução de problemas, podemos passar à revisão propriamente dita.

Artigos

Encontramos 31 artigos sobre resolução de problemas focalizando a questão novato/especialista. Tais artigos estão referenciados ao final e condensados na tabela 1 em termos de autores/conteúdo, base teórica, método/sujeitos e resultados. A questão foco é sempre a mesma: diferenças entre novatos e especialistas na resolução de problemas . Como a tabela é auto-explicativa, resta ver se a partir dela é possível identificar regularidades, coisas em comum nesses artigos, tanto no que se refere ao domínio conceitual como ao metodológico.

Regularidades

• No domínio conceitual das pesquisas feitas, apenas três delas não tinham por detrás um modelo de processamento da informação (Newell e Simon, 1972; Anderson, 1983). Ainda assim, dois desses três trabalhos estiveram baseados na teoria de aprendizagem de Ausubel (1980) que tem muito de processamento de informação. O terceiro estudo era de base piagetiana.

• Em termos de metodologia de pesquisa, a técnica mais usada foi a análise de protocolos verbais. Esta técnica consiste na verbalização do processo de resolução de problemas, o que permite obter informações sobre as estratégias e os conteúdos empregados. Em menor escala, foram usados testes de associação de palavras e programas de computador. • Física (18 artigos), Genética (8), Química (4) e Ciências (1) foram os conteúdos enfocados nas pesquisas.

• No que se refere aos resultados de pesquisa, em princípio foram confirmados os modelos de Larkin (1979; 1981) e de Chi, Feltovich e Glaser (1981), segundo os quais a aquisição de habilidades em R.P. (em domínios formais, como a Física) pode ser entendida pelo modelo de Sistemas de Produção. Estes sistemas, implementados computacionalmente, aprendem por enriquecimento de princípios abstratos enquanto trabalham numa sucessão de problemas. Sempre que um princípio é aplicado com êxito, o mecanismo de aprendizagem armazena na memória uma produção com uma condição indicando a situação para a qual o princípio foi aplicado e uma ação para acrescentar na representação do problema o conhecimento que pode ser gerado por aquele princípio.

Assim, o sistema inicialmente procura princípios através de estratégias fracas (e.g., análise de meio-e-fim) e recupera princípios de forma geral que devem ser interpretados para o contexto do problema. À medida que o modelo se aperfeiçoa através da prática, seu comportamento fica dominado pela informação específica que ele aprendeu e a nova informação é automaticamente adicionada com bases em padrões reconhecidos de informações presentes no problema.

• De um modo geral, os comportamentos de novatos e especialistas na resolução de problemas foram diferenciados quanto à maneira como os conceitos e princípios são armazenados e recuperados na memória de longo-prazo, bem como quanto ao estoque de estratégias utilizáveis pelos sujeitos em função de seu conhecimento e experiência (prática). Por conseguinte, fica implícito o papel relevante do conteúdo e do contexto na execução da tarefa de resolução de problemas.

Esta constatação corrobora o que diz Pozo (1994) ao afirmar que a melhor eficácia dos procedimentos técnicos e estratégicos empregados por especialistas está sujeita a maior base de conhecimentos específicos de domínio que eles têm (p. 41).

Conclusão

As diferenças observadas nesta revisão de literatura entre novatos e especialistas, quando executam tarefas de resolução de problemas, possivelmente constituem uma fonte de informações relevantes no sentido de tentar esclarecer como o conhecimento é organizado na estrutura cognitiva do indivíduo e de que forma ele é utilizado.

A importância deste esclarecimento para a pesquisa em ensino de Ciências pode ser muito grande uma vez que representa um significativo passo na tentativa de responder a outras questões como “É possível ensinar a resolver problemas? O que um novato precisa para tornar-se um especialista? Até que ponto o conteúdo e o contexto interferem ou influenciam na tarefa de resolução de problemas?”

Para o professor, especialmente, oportuniza uma reflexão para a sua proposta de trabalho em sala de aula, permitindo um questionamento se a atividade de resolução de problemas que proporciona a seus alunos é compatível com o objetivo de promover com eficácia o desenvolvimento de suas estruturas cognitivas.

TABELA 1

Trabalhos que relacionam/diferenciam a tarefa de R.P. feita por novatos e especialistas

* Os trabalhos assinalados com asterisco nesta tabela não estavam diretamente acessíveis no momento da pesquisa. Por isso, não foi possível identificar de maneira direta o(s) método/sujeitos. Contudo, foram incluídos na tabela por terem sido citados em vários dos artigos efetivamente analisados.

** Os trabalhos assinalados com dois asteriscos nesta tabela citam outros que se utilizam de resultados da ciência cognitiva, especialmente a metáfora da mente como um sistema de processamento de informação. Como não é explícito o engajamento dos autores nesta teoria, parece ser esta a sua base teórica.

Referências

ANDERSON, J.R. (1983). The architecture of cognition. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press.

AUSUBEL, D.P.; NOVAK, J.D. e HANESIAN, H. (1980). Psicologia educacional. Rio de Jeneiro: Interamericana.

BARBA, R.H. e RUBBA, P.A. (1992). A comparison of pre-service and in-service earth space science teachers general mental abilities, content knowledge and problem solving skills. Journal of Research in Science Teaching. 29(90):1021-1035.

BARBA, R.H. e RUBBA, P.A. (1993). Expert novice earth and space science: teachers declarative, procedural and structural knowledge. International Journal of Science Education, 15(3): 273-282.

CHI, M.T.H., FELTOVICH, P.J. e GLASER, R. (1981). Expertise in problem solving. Em R. Sternberg (Ed.), Advances in the psychology of human intelligence, 1. Hillsdale, N.J.: Lawrence Erlbaum Associates.

DUFRESNE, R.J. (1988). Problem solving: learning from experts and novices. Trabalho financiado por National Science Foundation (NSF), University of Massachusetts.

DUMAS-CARRÉ, A. (1987). La résolution de problèmes en physique au licée. Tese de doutorado, Universidade de Paris 7.

GABEL, D.L., SHERWOOD, R.D. e ENOCHS, L. (1984). Problem solving skills of high school chemistry students. Journal of Research in Science Teaching, 21(2): 165-176.

GAGNÉ, R.M. (1965). The conditions of learning. New York: Holt, Rinehart and Winston.

GARRETT, R.M. (1987). Issues in science education: problem solving, creativity and originality. International Journal of Science Education, 9(2):125-137.

GIL PEREZ, D., MARTINEZ TORREGROSA, J. e SENENT PEREZ, F. (1988). El fracaso en la resolución de problemas de Física: una investigación orientada por nuevos supuestos. Enseñanza de las Ciencias, 6(2): 131-146.

GOOD, R. (1984). Scientific problem solving by experts systems. Journal of Research in Science Teaching, 21(3): 263-275.

HACKLING, M.W. e LAWRENCE, J.A. (1988). Expert and novice solutions of genetic pedigree problems. Journal of Research in Science Teaching, 25(7):531-546.

HARDIMAN, P.T., DUFRESNE, R. e MESTRE, J.P. (1988). The relation between problem categorization and problem solving among novices and experts. Submetido a Memory and Cognition, Universidade de Massachusetts.

HAYES, J.R. (1980). The complete problem solving. Philadelphia: Franklin Institute.

HELLER, J. e REIF, F. (1984). Prescribing effective human problem solving processes: problem description in physics. Cognition and Instruction, 1(2):177-276.

JOSHUA, S. e DUPIN, J.J. (1991). In physics class, exercises can also cause problems... International Journal of Science Education, 13(3):291-301.

KEMPA, R.F. e SLIMMING, D. (1980). Resultados de um estudo de pesquisa não publicado, Universidade de Keele (Inglaterra).

KEMPA, R.F. e NICHOLS, C.E. (1983). Problem solving ability and cognitive structure - an exploratory investigation. European Journal of Science Education, 5(2):171-184.

LARKIN, J.H. (1979). Processing information for effective problem solving. Engineering Education, dez., 285-288.

LARKIN, J.H. (1981). Enriching formal knowledge: a model for learning to solve textbook physics problems. Em J.R. Anderson (Ed.) Cognitive skills and their acquisition (p.311-333). Hillsdale, N.J.: Lawrence Erlbaum Associates.

LARKIN, J.H. e REIF, F. (1979). Understanding and teaching problem solving in physics. European Journal of Science Education, 1(2):191-203.

LARKIN, J.H., MCDERMOTT, J., SIMON, D.P. e SIMON, H.A. (1980). Expert and novice performance in solving physics problems. Science, 208(4450):1334-1342.

MALONEY, D.P. (1988). Novice rules for projectile motion. Science Education, 72(4):501-513.

MCMILLAN, C. e SWADENER, M. (1991). Novice use of qualitative versus quantitative problem solving in electrostatic. Journal of Research in Science Teaching, 28(8):661-670.

NEWELL, A. e SIMON, H.A. (1972). Human problem solving. Englewood Cliffs, N.J.: Prentice Hall.

NORMAN, D.A. (1982). Learning and memory. São Francisco, Califórnia: WH Freeman.

NOVAK, J.D. (1977). A theory of education. Ithaca: Cornell University Press.

PERALES, F.J. (1993). La resolución de problemas: una revisión estructurada. Enseñanza de las Ciencias, 11(2):170-178.

POLYA, G. (1945). How to solve it - a new aspect of mathematical method. (2nd. ed). New Jersey: Princeton University Press.

POZO, J.I. et al. (1994). La solución de problemas. Madri: Santillana, S.A.

REIF, F. (1983). Understanding and teaching problem solving in physics. Aulas no International Summer School on Physics Education, La Londe les Maures, França, jun.-jul.

ROSA, P.R.S., MOREIRA, M.A. e BUCHWEITZ, B. (1992). Alunos bons solucionadores de problemas: caracterização a partir de um questionário para análise de entrevistas. Revista Brasileira de Ensino de Física, 14(2):94-100.

ROSA, P.R.S., MOREIRA, M.A., BUCHWEITZ, B. (1993). Alunos bons solucionadores de problemas: caracterização a partir da análise de testes de associação de conceitos. Revista Brasileira de Ensino de Física, 15(1 a 4): 52-60.

SIMMONS, P.E. e LUNETTA, V.N. (1993). Problem solving behaviors during a genetic computer simulation beyond the expert/novice dichotomy. Journal of Research in Science Teaching, 30(2):153-173.

SIMON, D.P. e SIMON H.A. (1978). Individual differences in solving physics problems. Em R.D. Siegler (Ed.), Children’s thinking: what develops?. Hillsdale, N.J.: Lawrence Erlbaum Associates.

SLACK, S.J. e STEWART, J. High school student’s problem solving performance on realistic genetics problems. Journal of Research in Science Teaching, 27(1): 55-67.

SMITH, M.U. (1988). Successful and unsuccessful problem solving in classical genetics pedigrees. Journal of Research in Science Teaching, 25(6):441-433.

SMITH, M.U. (1992). Expertise and the organization of knowledge: unexpected differences among genetic counselors, faculty and students on problem categorization tasks. Journal of Research in Science Teaching, 29(2):179-205.

SMITH, M.U. e GOOD, R. (1984). Problem solving in classical genetics: successful and unsuccessful performance. Journal of Research in Science Teaching, 21(9):885-893.

STEWART, J. e VAN KIRK, J. (1990). Understanding and problem solving in classical genetics. International Journal of Science Education, 12(5):575-588.

TOBON, R., R. e PEREA, A., 1985. Problemas actuales en la enseñanza de la Física. Revista de Enseñanza de la Física, 1(1):7-15.

YARROCH, W.L. (1985). Student understanding of chemical equation balancing. Journal of Research in Science Teaching, 22(5):449-459.

ZAJCHOWSKI, R. e MARTIN, J. (1993). Differences in the problem solving of stronger and weaker novices in physics: knowledge, strategies on knowledge structure? Journal of Research in Science Teaching, 30(5):459-470.

Trabalho arbitrado pela Comissão Organizadora da IX Reunião de Educação em Física da Associação Argentina de Professores de Física, Salta, Argentina, setembro de 1995.

Return to the top

Return to Main Page