CULMINAÇÃO DE UMA ESTRELA

Uma estrela culmina quando sua altura atinge um valor extremo. Isso ocorre duas vezes ao longo do dia sideral: na culminação inferior, sua altura é mínima (ângulo horário H = 180°) e na culminação superior sua altura é máxima (H = 0°). Esta última situação é a mais favorável para observá-la. Em ambas as culminações, a estrela está contida no plano meridiano do observador e sua velocidade zenital é nula, ou seja, a estrela, no instante da culminação, se move apenas em azimute. A figura abaixo mostra uma foto do céu noturno na direção do pólo norte celeste, tirada por D. Malin, e contendo os arcos descritos por várias estrelas circumpolares ao longo de uma noite. A posição da culminação superior de uma estrela brilhante está indicada em amarelo. Em azul temos a posição da elongação, situação da qual trataremos no ítem seguinte.


 

Uma outra vantagem de observarmos uma estrela durante sua culminação superior é o fato de que, neste caso, não precisamos de trigonometria esférica para estabelecermos relações entre as diferentes coordenadas da estrela e as coordenadas do observador. Todas as relações se simplificam imensamente, pois o triângulo esférico da estrela deixa de existir, já que polos, zênite e estrela estão todos alinhados sobre o meridiano astronômico. Para observadores no hemisfério sul, por exemplo, se a estrela culmina a sul do zênite (ou seja, com azimute A=180°), temos a seguinte relação entre sua declinação δ, sua distância zenital mínima zmin e a latitude φ do observador:

δ = φ - zmin

Caso a estrela culmine a norte do zênite (A=0°), podemos escrever:

δ = φ + zmin

A figura abaixo mostra a situação característica da culminação superior. A estrela K culmina a norte do zênite (A = 0°) e a estrela V a sul (A = 180°). Neste instante suas distâncias zenitais são mínimas, de valor zk e zv, respectivamente, tal como mostradas na figura. As duas equações acima são claramente válidas para V e K, respectivamente. Ou seja, φ = δk - zk = δv + zv.

 

Basta, portanto, determinarmos o valor da distância zenital zmin na culminação de uma estrela de declinação δ conhecida para determinarmos nossa latitude φ. Um problema, contudo, é sabermos o exato instante em que a estrela culmina. Isso é equivalente a determinarmos a direção norte-sul com precisão, já que o meridiano astronômico passa por estes pontos cardeais, além do zênite.

Uma maneira de determinar a posição do meridiano astronômico e nossa latitude sem conhecimento prévio de nenhum dos dois é observarmos uma estrela com um teodolito aproximadamente de meia hora antes até meia hora depois de sua culminação superior, anotando-lhe a leitura vertical LV e a leitura horizontal LH para diferentes instantes. Esperamos que os pontos LV x LH, uma vez colocados em um gráfico, descrevam uma parábola. Ou seja, espera-se que eles satisfaçam uma relação do tipo:

LV= a LH2 + b LH + c

Se ajustarmos uma parábola a estes pontos, determinando os valores dos parâmetros a, b e c, podemos então inferir o valor de LH para o qual LV é mínimo. Basta tomarmos a derivada dLV/dLH da parábola acima e a igualarmos a zero. Assim teremos:

LH(zmin) = -b/2a

Sabemos que este valor de LH(zmin) corresponde ao instante da passagem meridiana, tendo assim um azimute, Aculm, igual a 0° ou de 180°, dependendo de a estrela culminar a norte ou a sul do zênite, respectivamente. Assim, qualquer outra leitura LH que tenhamos, como por exemplo, a leitura horizontal de uma mira fixa qualquer, pode ser convertida em um valor de azimute A. Suponha, por exemplo, que tenhamos obtido um valor LH,mira para a leitura horizontal de um marco qualquer ao longo do nosso horizonte, cujo azimute desejamos conhecer. A contagem de leitura horizontal tem um zero arbitrário, mas sempre podemos escrever que:

Amira - Aculm = LH,mira - LH(zmin)

Ou seja, a diferença entre dois azimutes é igual à diferença entre as leituras horizontais correspondentes.

Além disso, o valor mínimo de LV, obtido substituindo-se LH por -b/2a na expressão da parábola, nos permite determinar a latitude φ do ponto de observação. O valor extremo de LV é LV,min = -b2 / 4a + c.

Claro que o valor de LV,min obtido a partir da parábola é um valor instrumental de distância zenital. Para convertermos este valor em zmin temos que corrigí-lo para dois efeitos:

1 - Erro zenital do teodolito, z0, tal como descrito na seção sobre montagem, nivelamento e calibração do teodolito: zcorr = LV - z0, sendo que o erro zenital é obtido pela expressão:

z0 = (LVD + LVI - 360°)/2,

onde LVD e LVI são leituras verticais de uma mira fixa, obtidas com a luneta do teodolito nas posições direta e inversa, respectivamente.

2 - Refração, efeito cuja correção também é descrita na mesma seção: zmin = zcorr + Rm * F

Como alternativa às tabelas que dão os valores de Rm e F (como as do Anuário do Observatório Nacional), na correção para refração pode usada a fórmula:

R = 0.00452° P / {[273 + T(°C)] tan h},

onde R é a correção a ser aplicada no lugar de Rm*F, P é a pressão atmosférica em milibares (1 atm = 1013 mbar), T(°C) é a temperatura atmosférica em Celsius e h é a altura da estrela (h = 90° - zcorr). A fórmula acima é valida para h > 15°. Para valores mais próximos do horizonte, usa-se:

R = P (0.1594° + 0.0196 h + 0.00002 h2) / {[273 + T(°C)][1 + 0.505 h + 0.0845 h2]}

Estas fórmulas se aproximam bastante dos valores listados nos anuários. Foram tiradas do endereço URL: wise-obs.tau.ac.il/~eran/Wise/Util/Refraction.html


Escolha do alvo


Previamente à noite de observação precisamos então definir estrelas que:

1) Culminem durante o intervalo disponível para o trabalho de campo.

Para escolhermos a(s) estrela(s) a ser(em) usada(s) temos então que seguir os seguintes passos:

A) Dada a longitude aproximada do local da observação e o intervalo de hora legal disponível para a mesma, obter o intervalo de hora sideral correspondente. Isso envolve uma transformação de hora legal para hora solar local e uma conversão de hora solar local em hora sideral. Sejam HL1 e HL2 os limites do intervalo de hora legal disponível para observação. Neste caso, os limites em hora solar média, M1 e M2, correspondentes a estes dois instantes serão:

Mi = HLi + (λc - λ)

onde i=1,2 e λc e λ são, respectivamente, a longitude do meridiano central do fuso horário onde se dá a observação e a longitude do observador.

Já a conversão de hora solar média local para hora sideral se faz pela equação:

Si = S0 + Mi(1 + η) + λ η

onde S0 é a hora sideral em Greenwich à TU=0h na data da observação, cujos valores, dia após dia, são listados no Astronomical Almanac, no Anuário do Observatório Nacional ou no Apparent Places of Stars.

B) Dado o intervalo em hora sideral, procurar estrelas que culminem dentro deste intervalo. Sabemos que a hora sideral em que uma estrela culmina é igual à sua ascensão reta (pois no meridiano o ângulo horário é nulo). Logo, com o auxílio de uma lista contendo as coordenadas equatoriais de várias estrelas, tudo que precisamos fazer é determinar que estrelas têm ascensão reta contida no intervalo de hora sideral definido no ítem A.

Observações

Uma vez definida(s) a(s) estrela(s), é importante que se anotem suas coordenadas equatoriais α e δ, sua magnitude e sua cor (ou tipo espectral), além do nome e/ou designação. Estes dados visam a facilitar o reconhecimento da estrela-alvo no céu, bem como são importantes do ponto de vista de descrição das observações. Após a montagem e nivelamento do teodolito, então procede-se à determinação do erro zenital, e à leitura horizontal de uma mira fixa cujo azimute queiramos determinar, se for o caso.

Uma vez feitas as calibrações, estamos prontos para fazer leituras horizontais e verticais da estrela com o teodolito para diferentes instantes, os quais devem ser anotados cuidadosamente. Note que valores de LV precisam ser corrigidos para refração, o que exige conhecimento da temperatura e pressão atmosféricas.

Os pontos LV x LH, tomados de meia hora antes até meia hora depois do instante previsto para a culminação, deverão formar uma parábola, sendo então possível, usando técnicas de ajuste, determinar o valor extremo da leitura vertical LV. Este corresponderá à distância zenital da estrela no instante da culminação, permitindo-se assim determinar a latitude. Além disso, como o azimute neste instante é 0° ou 180°, temos também determinada a posição do nosso meridiano astronômico e do azimute da mira.

Exemplo de tabela com dados de LV x LH usados na determinação da latitude.


Outras referências bibiliográficas: Determinações Astronômicas, F. Hatschbach; Geodésica Elementar e Astronomia de Campo, J. Haertel; Notas de Aula de J.M. Arana.



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Basilio Santiago, santiago@if.ufrgs.br