HISTÓRIA DA GEODÉSIA

Os seres humanos temos, por séculos, nos preocupado com a Terra sobre a qual vivemos. Em passado remoto, esta preocupação se limitava a mapear a vizinhança imediata de nossas casas; com o tempo, foi se tornando útil, e mesmo necessário, localizar e mapear outras regiões, para fins de rotas comerciais e de exploração. Finalmente, com o aumento da capacidade de se transportar a grandes distâncias, surgiu o interesse em se estabelecer a forma, o tamanho e composição de todo o planeta.

Os gregos dos períodos arcaico e clássico tiveram idéias variadas quanto à forma e tamanho da Terra. Homero sugeriu uma forma de um disco plano; Pitágoras e Aristóteles advogavam uma forma esférica. Pitágoras era um matemático que considerava a esfera a figura geométrica mais perfeita, sendo para ele, portanto, natural que os deuses dessem esta forma ao mundo. Já Anaximenes acreditava que a Terra tinha uma forma retangular.

A idéia de uma Terra esférica foi predominante entre os Gregos. A tarefa seguinte e que ocupou muitas mentes foi a de determinar seu tamanho. Platão estimou a circumferência da Terra como sendo de umas 40.000 milhas. Arquimedes estimou em 30.000 milhas. Estes valores, contudo, não passavam muito do campo da mera especulação. Coube a Eratóstenes, no século II A.C, determinar o tamanho da Terra usando medidas objetivas.

Ele notou que no dia do solstício de verão os raios solares atingiam o fundo de um poço em Siena (atual Assuan, no Egito) ao meio dia. Ver Figura 1. No mesmo instante, contudo, o Sol não estava exatamente no zênite na cidade de Alexandria, a norte de Siena; o Sol projetava uma sombra tal que ele pode determinar o ângulo de incidência de seus raios: 7° 12', correspondendo a 1/50 de um círculo. Conhecido o arco de circumferência entre as duas cidades, ou seja, a distância entre elas, Eratóstenes pode então estimar a circunferência do globo. Como a distância era de umas 500 milhas (na direção norte-sul), o Terra deveria ter 50 x 500 = 25.000 milhas de circunferência. Este é um valor bastante próximo do raio equatorial terrestre (24.901 milhas, valor adotado no World Geodetic System).

FIGURA 1: MÉTODO DE ERATÓSTENES PARA DETERMINAR O RAIO DA TERRA

A precisão de medida de Eratóstenes é incrível considerando-se todas as aproximações embutidas no seu cálculo. Siena na verdade não está exatamente no trópico de Câncer (ou seja, os raios solares não são estritamente perpendiculares à superfície no solstício de verão), sua distância a Alexandria é de 453 milhas (ao invés de 500 milhas) e as duas cidades não estão alinhadas na direção norte-sul.

Outro Grego antigo a estimar o tamanho do globo foi Posidonius. Ele utilizou uma estrela que era circumpolar quando vista da cidade de Rodes, tangenciando o horizonte no instante da culminação inferior. Esta mesma estrela teve então sua altura medida em Alexandria e, conhecida, a distância entre as duas cidades, foi possível a Posidonius determinar um valor de 24.000 milhas para a circunferência da Terra. Outro filósofo grego revisou o método de Posidonius e encontrou um valor substancialmente menor: 18.000 milhas. Este valor foi o adotado por Ptolomeu, cujo trabalho e modelo de cosmos foi adotado na Europa ao longo da Idade Média. Foi possivelmente graças a esta subestimativa da circunferência do globo que Cristóvão Colombo foi levado a crer que o Extremo Oriente estaria a apenas umas 3 ou 4 mil milhas a oeste da Europa. Somente no século 15 que o valor aceito por Ptolomeu foi revisado pelo cartógrafo finlandês Mercator.

O advento do telescópio, de tabelas logarítimicas e do método da triangulação foram contribuições do século 17 à ciência da Geodésia. Nesta época, o Francês Picard fez medidas de arcos que podem ser consideradas modernas. Ele mediu uma linha de base usando traves de madeira e um telescópio para medir ângulos. Cassini posteriormente extendeu o método de Picard, fazendo medidas de linhas de base maiores e tanto a sul quanto a norte de Paris. Quando computou o comprimento das linhas de base equivalentes a um ângulo de 1°, ele Cassini notou que estas eram maiores na direção sul do que na norte. Tal resultado foi o primeiro indício de um desvio da forma da Terra com relação a um esfera.

A FIGURA DA TERRA

A expressão "figura da Terra" tem significados diversos em geodésia de acordo com o contexto e com o grau de precisão com que se deseja definir a tamanho e a forma do planeta. A verdadeira superfície topográfica é bem diversificada com sua variedade de formações de solo e áreas líquidas. É nessa superfície, na verdade, que as medidas são feitas. Ela não é, contudo, adequada para cálculos matemáticos exatos, pois as fórmulas necessárias para acomodar as irregularidades exigiriam uma quantidade proibitiva de parâmetros e cálculos. A superfície topográfica é, em geral, preocupação de topógrafos e de hidrógrafos.

O conceito esférico de Pitágoras oferece uma superfície simples e fácil de se lidar matematicamente. Muitos cálculos astronômicos e de navegação fazem uso desta representação da superfície da Terra. Ainda que uma esfera seja uma aproximação fiel e satisfatória em muitos casos, geodesistas interessados em medidas de grandes distâncias, envolvendo continentes e oceanos, uma figura mais exata se faz necessária. A idéia de uma superfície plana, por outro lado, ainda é aceitável em pesquisas sobre pequenas áreas. Modelos planos são usados em pesquisas em área relativamente pequenas, sem nenhuma correção para a curvatura da Terra. Um levantamento de uma cidade, por exemplo, provavelmente seria levado a cabo desprezando-se tal curvatura. Para áreas pequenas assim, posições relativas entre pontos podem ser determinadas com exatidão sem considerar-se o tamanho e a forma do planeta.

O Elipsóide de Revolução

Dado que a Terra é ligeiramente achatada nos pólos e se alarga mais no equador, a figura geométrica regular usada em Geodésia e que mais se aproxima de sua verdadeira forma é o elipsóide de revolução. O elipsóide de revolução é a figura que se obtém ao se rodar um elipse em torno de seu eixo menor. Ver Figura 2.

FIGURA 2: ELEMENTOS DE UMA ELIPSE

Um elipsóide de revolução é univocamente determinado pela especificação de dois parâmetros. Geodesistas, por convenção, usam o semi-eixo maior e o achatamento. O tamanho da figura é determinada pelo raio do equador, o semi-eixo maior, geralmente representado pela letra a. A forma do elipsóide é definida pelo achatamento, f, que indica o quanto o elipsóide se aproxima de uma esfera. A diferença entre um elipsóide de revolução que represente a Terra e uma esfera é bem pequena. Ver Figura 3.

FIGURA 3: ACHATAMENTO DA TERRA

Geóide

Sabemos que as medidas em geodésia são feitas sobre a superfície aparente ou topográfica da Terra e que os cálculos teóricos assumem um modelo, geralmente elipsoidal. Há uma outra superfície também envolvida nos cálculos: o geóide. Em levantamentos geodésicos, a computação das coordenadas geodésicas de pontos é feita em um elipsóide que aproxima com precisão o tamanho e a forma da Terra na região considerada. As medidas, por seu turno, feitas na superfície da Terra com determinados instrumentos se referem ao geóide, tal como explicado abaixo. O elipsóide é uma superfície regular definida matematicamente e com dimensões especificadas. O geóide, por seu turno, coincide com a superfície que os oceanos descreveriam se fossem livres para se ajustar ao efeito combinado da atração gravitacional causada pela distribuição de massa da Terra e pela força centrífuga resultante de sua rotação. Devido à distribuição irregular da massa da Terra, a superfície do geóide é irregular e, como o elipsóide é regular, essas superfícies não serão coincidentes. As diferenças são usualmente chamadas de ondulações geoidais, alturas geoidais ou separações geoidais.

O geóide é uma superfície ao longo da qual o potencial gravitacional é em todo lugar igual (ou seja, é uma superfície de isopotencial). Assim, a aceleração gravitacional é sempre perpendicular à superfície geoidal. Esta última característica é particularmente importante, pois instrumentos óticos que contém mecanismos de nivelamento são comumente usados em medições geodésicas. Quando ajustadas de maneira apropriada, o eixo vertical do instrumento coincide com a direção da gravidade e é, por conseguinte, perpendicular ao geóide. O ângulo entre a linha de prumo que é perpendicular ao geóide (por vezes chamada simplesmente de "vertical") e a perpendicular ao elipsóide (por vezes chamada de "normal") é definida como o desvio da vertical.

FIGURA 4: DESVIO DA VERTICAL

Determinação de Posição pela Astronomia

A posição de um ponto pode ser obtida diretamenta pela observação de estrelas. Este método de posicionamento astronômico é o mais antigo de todos. Tem sido usado ao longo dos anos por navegadores e, mais recentemente, por aviadores. Exploradores freqüentemente usavam o método de posicionamento pelos astros para se situarem em regiões não cartografadas. Geodesistas precisam de determinações astronômicas, conjuntamente com outros tipos de dados, provenientes por exemplo de triangulações e trilaterações, para estabelecer posições precisas. Posições obtidas astronomicamente e não vinculadas a levantamentos geodésicos não podem ser relacionadas umas às outras com precisão suficiente para o cálculo de distâncias e direções.

Como o próprio termo sugere, posições astronômicas são obtidas pela medida de ângulos entre uma linha de prumo (vertical) em um dado ponto e a direção a uma estrela (ou várias), anotando-se o instante exata em que tais medidas são feitas. Ao se combinar essas observações com dados de catálogos estelares ou anuários astronômicos, a direção da vertical (zênite) é então determinada.

Ainda que técnicas elaboradas e bastante precisas de se determinar latitudes astronômicas sejam usadas pelos geodesistas, o método mais simples, pelo menos no Hemisfério Norte, é o de ser medir a altura da estrela Polaris. De qualquer forma, podemos definir latitude astronômica como sendo o ângulo entre a perpendicular ao geóide no ponto considerado e o plano do Equador. Figura 5. Já longitude astronômica é definida como o ângulo entre o plano do meridiano de Greenwich e o plano do meridiano que contém o ponto considerado. Figura 5.

FIGURA 5: COORDENADAS ASTRONÔMICAS

Na verdade, a longitude astronômica de um ponto é medida pela determinação da diferença de tempo (em horas, minutos e segundos) entre o instante em que uma estrela específica faz sua passagem pelo meridiano de Greenwich e o instante em que ela passa pelo meridiano do ponto considerado. Equipamento de rádio na faixa de ondas curtas é usado para obter sinais que informam a hora em Greenwich (hora sideral ou a hora universal) a intervalos regulares, permitindo assim determinar-se a hora da passagem meridiana de uma estrela em um ponto cuja longitude se deseja medir. Usando-se informações de anuários e efemérides, pode-se obter a hora em que a estrela passou pelo meridiano de Greenwich naquele dia. A diferença de tempo, convertida em ângulos, nos dá a longitude astronômica do local. Como a informação sobre a hora em Greenwich pode não ser obtida simultâneamente à observação da passagem meridiana da estrela no ponto em questão, é comum usar-se um cronômetro de precisão para medir o intervalo entre o instante da observação e o da informação sobre a hora universal.

Outra determinação astronômica importante é a do azimute de uma mira. Medidas azimutais de alta precisão são usadas no método de triangulação. Novamente usando-se a Figura 5, o azimute astronômico de um ponto Q com relação ao ponto P é definido como o ângulo entre o plano meridiano que contém P e o plano que contém tanto Q quanto a perpendicular ao geóide passando por P. Este ângulo, em geral, tem origem no ponto cardeal norte e é contado de 0° a 360° no sentido leste.

Observações astronômicas são feitas com instrumentos óticos, como o teodolito, a câmara zenital ou o astrolábio, todos contendo mecanismos de nivelamento da base do instrumento. Quando nivelados de forma adequada, o eixo vertical desses instrumentos (que é perpendicular à sua base) coincide com a direção da aceleração gravitacional, sendo, portanto, perpendicular ao geóide naquele ponto. Dessa forma, determinações astronômicas sempre se referem ao geóide. Como o geóide é uma superfície irregular, as posições assim determinadas para diferentes pontos são independentes umas das outras.

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Basilio Santiago, santiago@if.ufrgs.br