Meio Interestelar (ISM)

O espaço entre as estrelas é mais vazio que o melhor vácuo criado em laboratórios na Terra. No entanto, existe um material entre as estrelas que é composto de gás e poeira, o meio interestelar.
O meio interestelar compõe de 10 a 15% da matéria visível da Via Láctea. Mais de 95% desse material é gás e o restante poeira.
 
  Poeira

A poeira é composta por grãos de grafite e silicatos cobertos com gelo. Cada grão é grosseiramente do tamanho do comprimento de onda da luz azul, ou menor. A poeira é provavelmente formada nas camadas mais externas das estrelas gigantes vermelhas e adicionada ao meio pelos ventos dessas estrelas ou por nebulosas planetárias.

a typical tiny piece of dust


O meio interestelar existe também em outras galáxias, como a galáxia espiral M104, conhecida também como galáxia do sombrero, devido à sua aparência. Na foto abaixo, vemos a presença da poeira pelo efeito de extinção da luz que ela causa (ver discussão a seguir).

Sombrero

Galáxia do Sombrero, com sua faixa de poeira.



Extinção

A luz de uma estrela, ao passar por uma nuvem de poeira, sofre dois processos: a absorção e o espalhamento. Ambos provocam a diminuição da intensidade da luz da estrela que chega até nós. Não importando o comprimento de onda da luz, sempre ocorrerá atenuação da radiação. Contudo, essa atenuação, principalmente devida ao espalhamento, é mais efetiva nos comprimentos de onda mais curtos, ou seja, no azul (se consideramos somente luz visível). Com isso, além da intensidade da luz dos objetos ser menor, o objeto parece mais avermelhado, fenômeno que chamamos de avermelhamento.
Resumindo: a extinção da luz é causada pelo espalhamento e absorção da luz por poeira existente na linha de visada. Como resultado, a luz chega até nós com uma menor intensidade e, pela depêndecia do espalhamento com o comprimento de onda ( 1/l  para grãos da ordem do comprimento de onda da luz e 1/l4 para grãos muito menores), também ocorre o avermelhamento do objeto.

extinction and reddening of starlight

Reddening

star with and without dust in front

 

O mesmo efeito explica a cor vermelho-alaranjada do sol quando perto do horizonte. A luz dos objetos que estão próximos ao horizonte atravessa uma camada de atmosfera maior do que a dos objetos que estão no zênite. Durante o pôr-do-sol, as outras cores do visível que compõem o espectro do sol sofrem um maior espalhamento que a luz vermelha (comprimento de onda  mais longo). Assim a luz visível do sol que chega até nós tem o aspecto vermelho alaranjado. Nesse caso, o agente que causa a extinção é a poeira existente na atmosfera.



Gas

Carca de 95% ou mais do meio interestelar está na forma de gás, e desses, 90% está na forma de hidrogênio atômico ou molecular, 10% de Hélio e há pequeníssimas porções de outros elementos.
A presença do gás interestelar pode ser constatada quando olhamos as linhas espectrais de um sistema binário de estrelas.

O gás hidrogênio é observado em uma variedade de estados: ionizado, atômico (ou neutro) e molecular.  O hidrogênio ionizado emite luz na banda do visível, quando os elétrons se recombinam com os prótons. O hidrogênio neutro e o molecular emitem na banda do rádio.

Regiões HII

Regiões HII são regiões quentes em que o hidrogênio encontra-se ionizado, isto é, sem um elétron. Daí o numeral II (uma nebulosa de HI é feita de hidrogênio neutro). A luz ultravioleta das estrelas quentes O e B ionizam o gás de hidrogênio ao seu redor. Quando os elétrons recombinam, eles emitem principalmente no visível e especificamente no comprimento de onda 6563Å , cor vermelha.
Abaixo, temos a famosa região HII, conhecida como Nebulosa de Órion. No centro da nebulosa existem 4 estrelas O e B que formam um trapézio.


 the Orion Nebula

Outra grande região HII é a nebulosa da Lagoa, que está na constelação de Sagitário. Ela está a 5000 anos-luz e tem um tamanho de 90x40 minutos de arco no céu, o que dá um tamanho real de 130x60 anos luz (A nebulosa de Órion tem somente 29x26 anos-luz de tamanho. Abaixo temos uma imagem telescópica da nebulosa da Lagoa. 

the Lagoon Nebula

Próximo à nebulosa da Lagoa encontra-se a nebulosa Trífida, assim conhecida por causa das faixas de poeira que cortam a região HII. A imagem ilustra três tipos de nebulosas: a nebulosa de emissão, região HII (vermelha); a nebulosa de reflexão (azul, devido ao espalhamento preferencial de comprimentos de onda mais curtos); e a nebulosa escura de poeira (mostrando o efeito de extinção da luz).

the Trifid Nebula


As estrelas O e B se encontram somente em regiões de formação estelar, porque são muito jovens, quentes, muito luminosas e vivem muito pouco para distanciarem-se do lugar onde se formam. Através da análise espectral, se vem estudando as regiões HII, pois elas são uma importante ferramenta para estudar a história de formação estelar da Galáxia. Além disso, elas delineam o padrão espiral do disco, já que a maioria se distribui ao longo dos braços espirais.

Radiação de linha a 21 cm

O hidrogênio ainda pode estar na forma atômica fria, ou molecular. Em 1944, Hendirk van de Hulst previu que o hidrogênio neutro (HI) emitiria num comprimento de onda particular na banda do rádio. O comprimento de onda é 21.1 centímetros (f=1420.4 MHz); tal radiação ficou conhecida como radiação da linha de 21-cm . As temperaturas do gás de hidrogênio neutro variam entre 100K a 3000K.

O elétron ao redor do próton pode ter spin paralelo ou anti-paralelo em relação ao spin do próton. O estado anti-paralelo representa um estado de mais baixa energia do que o paralelo. Lembrando que o átomo sempre busca o menor estado de energia, ocorre uma transição do estado paralelo para o antiparalelo por parte do elétron, e a diferença de energia emitida corresponde à radiação de 21-cm. Porém essa transição demora alguns milhões de anos para acontecer.


 how hydrogen produces 21-cm line radiation

Apesar de ser uma transição rara, devido à grande quantidade de HI ela é facilmente detetada pelos radiotelescópios, já que a Galáxia possui cerca de 3 bilhões de massas solares na forma de HI.

Usando a radiação de 21-cm para mapear a Galáxia

Pela quantidade e por a extinção não ser muito eficiente em 21-cm, essa radiação constitui uma boa indicadora da estrutura da Galáxia. A intensidade da linha em 21-cm depende da densidade de coluna de HI na linha de visada. Observando HI em diferentes direções da Galáxia e determinando a distância das nuvens de HI, podemos construir uma figura 3D da Galáxia.
Por  estarem distribuídas ao longo do disco galático, as nuvens de HI, assim como as estrelas, possuem uma velocidade orbital devido à rotação do disco galático. E essa velocidade de rotação, conforme Oort (1927), é maior no centro do que nas regiões mais externas, ou seja, a rotação é diferencial.

A curva de rotação é um gráfico da velocidade orbital em função da distância ao do centro galático. 

A curva de rotação pode ser determinada pelas velocidades doppler do gás de HI ao longo de diferentes linhas de visada.

differential rotation

Moléculas

Diferentes tipos de átomos podem se combinar nas regiões mais frias do espaço (em torno de 10K) para fazer moléculas. Essas moléculas frias podem ser detetadas na banda do rádio; as principais são o hidrogênio molecular (H2) e o monóxido de carbono (CO). Na verdade, o hidrogênio molecular não emite em rádio, mas se encontra junto ao monóxido de carbono. Portanto, o CO é usado como traçador do hidrogênio molecular. O CO emite em rádio em 1.3mm e 2.6mm, devido à colisão dessas moléculas com o hidrogênio molecular. O hidrogênio molecular produz linhas de absorção no ultravioleta, que são absorvidas pela poeira existente onde se formam essas moléculas. Outras moléculas existentes:  H2O (água), OH (hidróxido), NH3 (amonia), SiO (monóxido de silício), CO2 (dióxido de carbono), dentre muitas.

 Mapa da Via-Láctea em CO

Mapa em CO da nossa Galáxia, mostrando a distribuição do gás molecular (gás frio).


Nuvens Moleculares

Baseados nas observações de emissão de CO, os astrônomos chegaram à conclusão de que as moléculas no meio interestelar estavam agrupadas em nuvens. Essas nuvens moleculares possuem massas de poucas massas solares até milhões de massas solares, com dâmetros de alguns anos-luz a 600 anos luz. As nuvens moleculares sobrevivem num meio propício, longe da alta energia emitida pelas estrelas e são protegidas pelos grãos de poeira, que são bem maiores que as moléculas e que, além de processar a luz pela extinção, servem de escudo para as moléculas.

Formação de estrelas em Nuvens Moleculares. Se a nuvem molecular é fria e suficientemente densa, ela colapsa devido à sua própria gravidade. Fragmentos menores podem se formar e gerar condições para formar estrelas. Na Via Láctea existem cerca de 2.5 bilhões de massas solares de gás molecular; 70% encontra-se no anel compreendido entre 13000 e 26000 anos luz do centro galáctico.