Os Primeiros Sinais de Vida Extraterrestre

14 de novembro de 1979.

Na última reunião da American Chemical Society, em Washington, o geoquímico norte-americano nascido no Ceilão, Cyril Pannamperuna, que pesquisa no Laboratório de Evolução Química da Universidade de Maryland, apresentou três novas evidências de que os processos responsáveis pela formação da vida ocorreram em ambientes diversos e hostis. A autoridade de Pannamperuna em assuntos relativos à origem da vida se concretizou por dois grandes trabalhos. Pelo primeiro é considerado um dos precursores da reprodução dos processos de criação de vida em laboratório, tendo simulado as condições reinantes na atmosfera terrestre primitiva. O segundo foi a identificação em 1970, de aminoácidos no meteorito de Murchison, que havia caído na Austrália um ano antes. Agora, ao analisar o material de dois meteoritos encontrados na Antártida, onde estiveram congelados durante 200 mil anos, Pannamperuna descobriu muitos aminoácidos. Metade deles diferem dos aminoácidos encontrados em organismos vivos terrestres. Na realidade, nestes dois encontram-se os fatos comprovadores de que os ácidos são, para usar as próprias palavras de Pannamperuna, de origem "extraterrestre ou prebiótica".

Essas duas últimas descobertas são da máxima importância, pois não existe nenhum meio pelo qual seja possível afirmar que as experiências de laboratório reproduzem, com sucesso, as condições iniciais reinantes na atmosfera terrestre há alguns milhares de anos. Por essa razão, seria sempre mais interessante analisar a matéria em seu estado inicial e daí partir para o estudo dos processos e componentes que conduzem à vida.

As únicas amostras de material, com as mesmas características de seu estado inicial, analisáveis na Terra são os meteoritos que, ocasionalmente, atingem a sua superfície. Pelo estudo das propriedades radioativas dos meteoritos é possível determinar a sua idade. Em geral, eles possuem uma idade de 4 bilhões de anos, o que corresponde à própria infância do nosso sistema planetário. Infelizmente, para o estudo da origem da vida, a maioria dos meteoritos possui uma composição química de níquel e ferro ou outros minerais, não apresentando nenhum elemento associável à vida. Existem, ao contrário, alguns raros meteoritos escuros, muito frágeis, que são classificados como condritos carbonados, em virtude de sua composição rica em composto de carbono. A grande dificuldade com estes meteoritos é a sua grande fragilidade em relação aos outros. Assim, mesmo no caso de serem muito comuns no espaço, só uma pequena quantidade deve atingir a superfície terrestre, após sobreviver à travessia da atmosfera. Para complicar ainda mais o problema, os condritos carbonados devem ser analisados logo após a queda, para evitar a sua contaminação com os organismos vivos terrestres.

O mais conhecido dos condritos carbonados é o meteorito de Orgueil, que caiu no Sul da França, em 14 de maio de 1864. Na época, foram recolhidas mais de 20 pedras, a maior parte delas com as dimensões equivalentes à cabeça humana. Elas se espalharam numa área de uns três quilômetros quadrados, próximo à aldeia de Orgueil, no Departamento de Tam-et-Garonne. Dos 12 quilogramas recolhidos após a queda, existem 9 quilos que estão no Museu de História Natural de Paris. Vários químicos decidiram investigar os seus fragmentos, dentre eles, o francês Daubrée em colaboração com Choez, após se cientificar que havia sido eliminada toda possível contaminação proveniente do solo terrestre. Em seu primeiro relatório, Daubrée afirmou que havia carbono no interior dessas pedras, assim como um sal contendo amônio e cloro, provavelmente cloreto de amônio. Posteriormente numa análise mais minuciosa, Choez detectou 6,4 por cento de matéria orgânica. Quatro anos após a queda do meteorito de Orgueil, o célebre Berthelote, em estudo muito minucioso, afirmou que havia isolado alguns hidrocarbonetos, semelhantes aos alcanos normais. Tais análises foram confirmadas, em 1956, pelo mineralogista Wiik.

Em 23 de julho de 1872, perto de Lancé, no Departamento de Loire-et-Cher, ocorreu a queda de outro meteoritocarbonado. Recuperaram-se de 4 a 6 quilogramas. A maior pedra se encontra no Museu de História Natural de Viena.

Convém lembrar que já em 1834, o químico sueco Jons Berzelius, no Instituto Karolinska de Estocolmo, já havia publicado uma análise do condrito de Alais, que caíra na França em 1806. Segundo Berzelius, quase todo o Alais deveria conter substâncias orgânicas muito complexas. Foi com essa pesquisa que se iniciaram há 15 anos, os estudos de compostos orgânicos em condritos carbonados. A segunda análise histórica foi efetuada em 1959, por Wohler, que precipitou uma fração do meteorito de Kaba em álcool, identificando substâncias orgânicas.

Apesar de muitos dos resultados positivos obtidos, quase todos foram recebidos pelos cientistas com reserva e até mesmo cepticismo em virtude do problema de contaminação. Por este motivo, todas essas pesquisas ficaram esquecidas nas dobras do tempo, até que em meados da década de 1950, o inglês Geoerge Muller, da Universidade de Londres, obteve um precipitado do meteorito de Cold Bokkeveld, da África do Sul, e detectou a existência de matéria orgânica no seu interior. Desde essa época, o interesse pelo estudo dos condritos carbonados sofreu um ressurgimento.

Felizmente, dois meteoritos deste tipo foram estudados logo após a sua queda. O primeiro caiu em 1950 na cidade norte-americana de Murray e o outro explodiu em cima da cidade australiana de Murchison, em 1968. Neles se encontrou a presença de aminoácidos.

O primeiro dos meteoritos carbonados a serem analisados logo após a sua queda foi o que caiu à cidade de Murray, no estado de Kentucky, em 20 de setembro de 1950. Na manhã seguinte à explosão foram recolhidos vários fragmentos num total de cerca de 13 quilos. A maior parte dos pedaços deste meteorito se encontra no Museu Nacional de Washington, EUA. Seu estudo revelou a existência de substâncias no domínio da química orgânica jamais encontradas em outros meteoritos. Tais resultados permitiram a elaboração dos fundamentos de um novo setor da cosmoquímica orgânica, no mesmo tempo que conduziu a um maior interesse pelas formas de vida extraterrestres.

Em 9 de fevereiro de 1960, uma enorme bola de fogo explodiu, nas vizinhanças do Pueblito de Alllende, em Chihuahua, no México. No dia seguinte, recolheu-se grande quantidade dos seus fragmentos que são até hoje analisados por processos modernos de investigação de matéria orgânica. A maior parte deste meteorito encontra-se também no Museu de História Natural de Washington, os EUA.

Todos estes meteoritos analisados pelos métodos de cromatografia de gases, associados à espectrometria de massa permitiram coletar inequívocas provas da presença de hidrocarbonetos assim como de aminoácidos. Tais compostos são os elementos das proteínas, indispensáveis à vida.

A mais notável comprovação da existência da matéria orgânica nos meteoritos surgiu com a análise do meteorito de Murchison. Em 28 de setembro de 1969, às 11 horas, várias pessoas observaram um imenso clarão atravessar o céu, na cidade de Murchison, a 136 quilômetros ao Norte de Melbourne na Austrália. A queda deste meteorito foi assistida por inúmeras pessoas. Uma testemunha em Camberra, 370 quilômetros a Leste do local da queda relatou que observou o aparecimento de uma luz muito brilhante que desceu lentamente do céu. A 30 quilômetros ao Norte de Murchison, na cidade de Kialla West, observou-se que a bola de fogo possuía uma cor alaranjada, um halo prateado de uma extensa cauda também alaranjada. Um rastro de fumo azul foi visível durante um ou dois minutos. No local da queda, em Murchison, este objeto explodiu, com um ruído semelhante ao de um trovão. Os fragmentos resultantes da explosão cobriram uma superfície de mais de 30 quilômetros quadrados. Algumas testemunhas contaram que havia um cheiro indicativo da presença de matéria orgânica durante a queda. Um total de 80 quilogramas de material foi recolhido e enviado ao Museu Australiano, no Museu de História Natural de Washington e ao Field Museum de Chicago, os dois últimos nos EUA.

Logo após a queda, um fragmento, que infelizmente conservou a sua crosta fundida no espaço, foi enviado por Carleton Moore do Instituto de Meteorítica da Universidade do Arizona, ao Laboratório de Cyril Pannamperuna. Depois de extrair cuidadosamente a crosta, a parte interna do meteorito foi pulverizada e extraída com água. A análise mostrou que o meteorito continha hidrocarbonetos bem como a presença de aminoácidos. O exame destes revelou a existência de 18 diferentes tipos. Seis deles eram variedades muito freqüentes nas proteínas dos tecidos vivos. Os outros 12, embora quimicamente semelhantes, não foram jamais registrados nas proteínas terrestres.

Com efeito, quando a luz polarizada passa através da água e de alguns aminoácidos, sofre um desvio para a direita. Na Terra existem dois tipos de aminoácidos que embora possuam as mesmas propriedades químicas, se diferenciam pelo sentido para o qual eles desviam a luz polarizada, seja para a esquerda (levógiros) ou para a direita (dextrógiros). A maior parte das moléculas opticamente ativas dos organismos vivos são do tipo levógiros.

Nesses dois meteoritos os aminoácidos apresentam moléculas levógiras e dextrógiras em igual quantidade. A probabilidade de uma contaminação terrestre na análise do meteorito foi eliminada desde que se sabe que uma contaminação biológica recente levaria ao predomínio das moléculas de aminoácidos levógiros, que estão presentes nos organismos terrestres.

Os resultados da análise do meteorito de Murchison confirmaram os dados obtidos com o meteorito de Murray.

Seria conveniente lembrar que apesar dos dois meteoritos terem caído num intervalo de tempo de 19 anos, e em pontos quase antípodas, os resultados das análises foram impressionantemente semelhantes.

A natureza sempre utiliza na edificação das proteínas uma só variedade de aminoácidos, pois só assim elas se tornam estáveis. A vida se desenvolveu a partir da variedade levógira, de tal modo que os aminoácidos dextrógiros são extremamente raros na Terra. A presença de aminoácidos sob as formas dextrógira e levógira nos meteoritos carbonados que é muito pouco provável que eles tenham pertencido a organismos vivos. No entanto, tal presença mostra que as moléculas de evolução prebiótica, na concepção de Oparin, existem em outros pontos do sistema solar.

Aliás, todas as experiências de criação de matéria orgânica em laboratório conduziram ao aparecimento de aminoácidos levógiros e dextrógiros, o que permite afirmar que os processos de constituição de formas prebióticas se desenvolveram no espaço interplanetário há bilhões de anos.

Pannamperuna expôs as conclusões a que chegou pela análise da mais velha rocha (3800 milhões de anos) encontrada na Groenlândia, na qual se detectaram hidrocarbonetos de origem biótica. Com efeito, como a quantidade de carbono 12, isótopo mais empregado nos processos biológicos, foi mais elevada do que em relação ao carbono 13, concluiu-se que esse fato era uma evidência de que esses hidrocarbonetos foram produzidos por fotossíntese, processo pelo qual as plantas transformam o dióxido de carbono em componentes orgânicos e oxigênio. Assim, parece que a vida está presente na Terra há 3300 milhões de anos, quando a idade da Terra era de somente 800 milhões de anos. A mais antiga vida terrestre conhecida anteriormente datava de 3400 milhões de anos.

Todos estes estudos parecem provar que a vida é um fenômeno natural, normal e mesmo inevitável, que surge desde que as mínimas condições favoráveis à vida apareçam.

Artigo do Livro "Em Busca de Outros Mundos" de Ronaldo Rogério de Freitas Mourão.