Determinação da constante solar por meio de um "calorímetro" com gelo

        A descrição  deste experimento consta de um artigo escrito por Cláudio A. Perottoni e Janete E. Zorzi, no Caderno Catarinense de Ensino de Física, volume 10 , agosto de 1993.

     Trata-se da medida da taxa de incidência de radiação solar por metro quadrado de superfície terrestre utilizando um calorímetro com gelo.

 

2.    Material e montagem experimental:

 Material necessário:

-         recipiente para o gelo (no experimento  descrito, as dimensões eram 0,5x0,29x0,05m);

-         proveta graduada, ou outro recipiente que permita medidas de volume;

-         cronômetro.  

Execução:

 O recipiente com o gelo é deixado por alguns minutos ao ar livre, protegido do sol,  de modo a que se inicie o processo de fusão. Então, retira-se o líquido assim formado e dispõe-se o recipiente horizontalmente, sustentado em seus quatro cantos por apoios de madeira, procurando diminuir ao máximo a transferência de calor por condução.

 

3.    Procedimento Experimental:

 O recipiente, com uma camada de gelo, (mais ou menos 1cm de espessura), é colocado ao ar livre, protegido da incidência da radiação solar direta por meio de um anteparo posto 50 cm acima dele.

 Com esse arranjo, mede-se o volume de água acumulada da fusão do gelo, a cada 10 min. Esse procedimento é repetido de 3 a 4 vezes, até haver reprodutibilidade nos resultados,  com os quais calcula-se a taxa de fusão do gelo decorrente da transferência de calor por convecção do ar,  mconv (considerando a densidade da água igual á 1000Kg.m-3).

 Em seguida, retira-se o anteparo, expondo o sistema à radiação solar direta.

     Repete-se a coleta de água acumulada pela fusão do gelo a cada 10 minutos, conforme o procedimento anterior. A média dos valores assim obtidos corresponde à taxa de fusão do gelo devido à transferência de calor por convecção do ar e radiação (mt). Os resultados de uma experiência são mostrados na tabela 1.

 O ângulo q entre a direção de incidência dos raios solares e a normal à superfície do gelo é facilmente obtido medindo-se o comprimento da sombra projetada por uma haste vertical de altura conhecida. Para os valores na tabela 1, o valor do ângulo q era de 45,6º.

 

Tabela 1- Resultados experimentais obtidos conforme o procedimento descrito.

 

 Hora: 13h30min             Temperatura ambiente: 19oC

Condições 

  Massa de gelo derretida (kg)  
Com anteparo

0,120

 

0,115

 

0,119

Sem anteparo

0,187
  0,189
  0,188

  

       A partir de três ou mais medidas obtém-se a média de massa de gelo que se funde, devido ao recebimento de calor por convecção.                    

       mconv= (1,97 0,04) x 10-4 Kg .s-1    

        Realizadas as medidas da massa de delo derretido quando o "calorímetro" está exposto ao sol, obtém-se a média da massa de gelo que se funde recebendo calor por convecção e irradiação.      

mt= (3,13 0,02) x 10-4Kg .s-1

 

    Nem toda a radiação incidente é absorvida pela crosta de gelo. Usando uma fotocélula para uma medida relativa da luz incidente sobre a camada de gelo e a fração desta que é refletida, estimou-se em cerca de 0,5 0,05 a fração da luz incidente que é absorvida pelo gelo, em conformidade com os valores fornecidos na literatura.

 O balanço energético sobre a superfície de gelo leva á seguinte expressão (1):

     ffcosq = L/A ( mt-mconv)

                      

Onde f é a fração de radiação incidente que é absorvida pela camada de gelo, f  é o fluxo de radiação total que atinge a superfície terrestre, em W .m –2 ,q  o ângulo azimutal, A a área da superfície exposta ao sol, L o calor latente de fusão do gelo, mt  a taxa de fusão do gelo devido ás troca de calor com o ar circundante e pela radiação solar direta e difusa, em Kg .s-1, e mconv é a taxa de fusão de gelo devido à transferência de calor por convecção pelo ar, também em Kg.s-1.

 Substituindo na expressão acima os valores obtidos experimentalmente, e tomando L=33,5 kJ.Kg-1 e A= 0,145m2 chegamos a um valor para o fluxo de radiação solar por metro quadrado de superfície terrestre igual a

                      F=767 97W.m-2

    Em boa concordância com os valores fornecidos na literatura, para a latitude onde foi realizado o experimento, e para a época do ano.

    Uma parte da radiação que chega ao nosso planeta é absorvida pelos gases da atmosfera e o decréscimo na intensidade desta radiação segue uma relação exponencial. O resultado obtido acima pode ser substituído na expressão (2), de modo a se obter o valor do fluxo de radiação solar por metro quadrado fora dos limites da atmosfera terrestre fo.

   fo/f = exp(n.a.m)                      (2)

onde n é o fator de opacidade do ar, a é o coeficiente de dispersão molecular e m a espessura relativa da massa de ar.

   Para uma atmosfera limpa, n=2. A espessura relativa da massa de ar corresponde à secante do ângulo azimutal, m= 1,429. O coeficiente de dispersão molecular é calculado para o ar, à pressão atmosférica, através da relação:

           a=0,128-0,054 log m

   Então, a=0,12, que conduz a  fo= 1080136W.m-2

   Dividindo fo/ cos q, temos o valor do fluxo da radiação solar através de uma superfície de 1 m2  orientada perpendicularmente à direção do fluxo, a uma distância de 1 UA do Sol, valor este conhecido como constante solar (f), cujo resultado ,

                          f= 1544252W.m2

       está 11% acima do valor aceito, 1369 W.m2 .

 

Comentários dos autores:

   A maior parte da incerteza no resultado final se deve à estimativa do valor de f, de modo que devem ser tomadas certas precauções na sua determinação. A fração de radiação incidente absorvida pelo gelo também pode ser estimada usando-se valores para a taxa de incidência de radiação solar fornecida por um pireliômetro, quando disponível.

   Uma experiência semelhante a esta pode ser usada como elemento motivador para introdução de alguns tópicos de astrofísica, como, por exemplo, a origem dessa tremenda energia proveniente do Sol.

   A partir da estimativa     f= 1544252W.m2  , um breve cálculo permite determinar a potência emitida pelo Sol, como segue

P= 4pR2f

onde R é o raio médio da órbita terrestre (1 UA ou 1,49.1011 m) e

                                      P= 4,3.1026 W

   Desse total, cerca de 178.000 tera-watts-ano chegam ao nosso planeta. Isso representa aproximadamente 15.000 vezes o consumo energético mundial (no ano em que foi realizada a experiência).

   Desde que essa energia é liberada a partir de reações termonucleares no interior do Sol, segundo os resultados dos autores, pode-se estimar, de E=mc2 , que cerca de 4,8 milhões de toneladas de matéria são convertidas em energia a cada segundo, na imensa fornalha solar.