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Luiz Severo Motta


Foi o mais estimulante professor universitário que tive. Integral e íntegro, ensinava-nos Análise de Fourier por obrigação e Filosofia por prazer. Formado em Matemática na URGS, chamou-o um dia ao gabinete o reitor-engenheiro da época –seu professor, amigo e admirador – para um conselho: 'Motta, agora que sabes tanta matemática, por que não fazes engenharia?' Ao invés, Motta embarcou numa viagem de iluminação espiritual à Índia, onde morou uns anos.

Só chegou àquele subcontinente mistificador pela proteção dos deuses travessos que o infestam. Inocente – ou distraído – de usos e costumes, Motta embarcou no navio que o levaria através do Golfo Pérsico até Mumbai carregando um farnel de pães e salames, que começou a consumir no almoço, no convés de terceira classe, à vista da compacta e perplexa população muçulmana. Os oficiais ingleses da tripulação que o observavam desceram para alçá-lo ao convés de primeira com as palavras 'OK, you win!' O Motta só empalideceu quando entendeu que seria jogado ao mar de noite pelos islamitas, em punição pelo ofensivo cardápio de carne suína. O capitão – felizmente – entendeu a inadvertida bravata daquele passageiro como um truque premeditado para ser guindado de graça a um convés mais confortável.

Nas suas andanças pelo mundo Motta descobriu o Eldorado, a fonte da eterna juventude na qual eu beberia também: aulas sempre cheias de alunos jovens com os quais debater socraticamente a vida, o conhecimento, o Universo. Para desespero da mulher, Saulny, nos levava ao sitio onde moravam perto de Belém Novo – ao lado do qual, segundo ele, uns generais da República confabularam a criação da Petrobrás – e esquecia das obrigações de marido e pai nos entretendo, desafiando, instruindo. Em uma vã tentativa de reproduzir domesticamente o nirvana que parecia ter encontrado no Oriente, construiu um retiro espiritual numa torre ao lado de casa, sob a caixa d'água, onde se refugiava para ler, pensar e escrever, recolhendo a escada de corda para não ser alcançado pela família. De lá o extraíamos quando chegávamos de improviso.

A maior lição de vida que nos deixou é que o menor caminho entre dois pontos não é a linha reta, mas a geodésica, ou, na falta dessa, a curva de mínimo atrito ou menor dispêndio de energia para se alcançar o objetivo. Garantia que se aplicava às atividades sociais e políticas, alertando inflexíveis calvinistas como eu do preço da clareza, da transparência, da linearidade. Anos depois, no exercício de cargo administrativo na Unicamp e infectado de hubris, fui alertado pelo Cylon - compadre dos geniais serões do Motta - que eu não tinha aprendido a lição. Por isso meu trabalho público foi sabotado – eu havia gerado excesso de resistência externa por querer fazê-lo reto, claro, justo. O avanço social só se dá por vias tortas, lentas e perdulárias. Talvez seja verdade, assim parece, mas nunca me conformei.

Por ironia, uma linha reta contribuiu para com a morte prematura de Motta. Naquele pesadelo de asfalto, concreto e presunção em que se pavoneavam os caolhos que dirigiam os cegos deste País, um caminhoneiro improvisou um retorno sobre uma das avenidas sem retornos aparentes e arrebentou o carro em que Motta de lá saía, causando-lhe penosas seqüelas e sobrecarregando seu coração já abalado pelo mal de Chagas. Faleceu alguns meses depois em São Paulo, para onde tinha ido submeter-se a um cateterismo. Foi o primeiro desastre federal que me lesou. Outros mais se sucederam.

  1. Aviso aos navegantes
  2. Os 14 de 1960
  3. A hora do recreio
  4. Luiz Severo Motta
  5. Epílogo

PS: Nomes completos e fotografias das pessoas mencionadas estão aqui.


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