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A hora do recreio

No IF todo mundo dava duro e isso não deve ter mudado. Se havia folgados, não saberia nomeá-los. Mas tínhamos horários de recreio. Às 10:00 invadíamos o minúsculo bar da família do Antônio, anexo ao também minúsculo Centro Acadêmico Franklin Delano Roosevelt, em cuja sala de estar eram organizados concorridos, aquecidos e apertados arrasta-pés em fins de semana, resultando em não poucos matrimônios, ao longo dos anos, entre engenheiros calculistas e letradas anuméricas. O café-com-leite vinha invariavelmente morno e com aquela nata que travava na língua, mas não era isso que contava, era o papo furado animado entre as turmas de amigos que lá se reuniam.

O happy-hour de fim de tarde do Irineu foi relatado primorosamente em versos pela Milena no painel dedicado neste Portal a esse grande amigo e vizinho de meia-sala, do qual eu, solteiro e retardatário, era freguês de caderno diariamente, com o privilégio de fazer roncar a última cuia da noite quando Irineu terminava de moer no almofariz de ágata uma das suas amostras Mössbauer, entre as quais, para quem não lembra, havia rochas lunares das missões Apolo.

Não sei quantos como ele, certamente poucos, receberam um presente científico desses e a visita do Nobel homônimo, com o qual trabalhou Werner e que foi convidado a conhecer o IF.

Outros dois refúgios, estes acessíveis o dia todo sob variados pretextos ou por real necessidade, eram as secretarias das divisões teórica e experimental, onde as tarefas solicitadas eram executadas à perfeição e com velocidade fulminante por Beth e Luísa no segundo andar e Ligia e Ivone no primeiro. Seus chefes tinham a ingrata missão de espantar como moscas, isto é, sem sucesso, os que atrapalhavam essas nossas belas fadas-madrinhas com flertes inoportunos. No caso de alguém me acusar de ser um desses perturbadores da ordem, o veredito é: culpado!

Os outros refúgios eram as duas seções da biblioteca, a de revistas controlada por Zuleika, exigente rigorosa do silêncio, ela própria reservada, mas eficiente, delicada e atenciosa.

Ela, mais ainda que seu chefe (cargo por assim dizer vitalício dos teóricos naqueles tempos, que assim garantiam a primeira leitura das novidades), amava aquelas magníficas estantes-gavetões de madeira envernizada que ainda perduram em algum lugar e que admirei novamente nas fotos deste Portal, ainda vigiados por sua primeira dona desde que aportaram no térreo do antigo IF.

No primeiro andar Lair tentava controlar a plebe, com menos sucesso quanto ao silêncio, inclusive por índole: era mais conversadora e contribuía um pouco para a animação. Também! como controlar a influência festeira e ruidosa dos alunos no espaço reservado ao Centro Acadêmico de Física justamente colado à Biblioteca dela? Assim relaxávamos um pouco no ambiente de trabalho. Me digam os leitores se hoje é melhor que isso no IF novo. O que melhorou - as provas estão no Portal - foram os churrascos!

Em todas as organizações há pessoas que parecem ter mais de dois cotovelos e todos pontiagudos, das quais convém manter cautelosa distância. Outros parecem ter menos de dois, ou mais fofos. Celso parecia não ter nenhum. O IF lhe deve uma placa de bronze e um Perfil neste Portal. Alice e ele realizaram as primeiras correlações angulares, e desde então teria sido penoso para todos nós, nos primeiros anos, trabalhar sem contar com a ajuda dele. Era engenheiro de mão cheia e pessoa querida e generosa. Posso afirmar isso, em vista de ele não ter se melindrado comigo por uma brincadeira prática de que foi minha vítima, que se revelou de péssimo gosto e da qual me envergonho ainda. Celso tinha reservado, com cadeado, um cubículo sanitário no térreo só para si. A higiene desses locais públicos sempre foi precária em todo o País, menos por culpa dos encarregados pela limpeza que dos próprios usuários: o calibre da civilidade é o estado do banheiro público. Crendo que Celso estava resolvendo esse problema privadamente (opa!) ao invés de pressionar pela solução geral, coloquei outro cadeado abaixo do dele. Não sabia ainda que sofria de um problema severo de saúde que o obrigava a usar o sanitário com mais urgência que nós, e pode até ser que alguém que sabia disso me deixou pagar o merecido mico (Heinz estava certo, portanto?). Rimos depois juntos, eu com certeza bem amarelo, mas Celso levou na boa e nunca me aplicou uma pegadinha sequer.

Tive o prazer e o privilégio de ser parceiro dele em várias iniciativas. Na mais memorável para mim, já na “era” do efeito Mössbauer, que foi a segunda frente nuclear do IF, já caminhando para ES, liderada então por outro homem sem cotovelos e gringo alegre, Viccaro, o Celso construiu um “ferrímetro” Mössbauer, equipamento com o qual queríamos analisar em tempo quase-real (5 minutos) o percentual de redução no forno contínuo de ferro gusa da Aços Finos Piratini, menina gaúcha dos olhos de Bernardo Geisel, que acabou absorvida por outra empresa. Trabalhamos juntos alguns meses criando os parâmetros de controle e a metodologia de medidas, mas essa tecnologia não foi bem sucedida, como tampouco foi a do próprio forno contínuo. Mas me diverti, sempre atrás do Santo Graal das aplicações práticas.

Naqueles anos Celso fez rapidamente a transição da era válvula-analógico para a nova era transistor-digital, e quando o IF começou a liderar a UFRGS na área de hardware computacional - a despeito das duras pressões contrárias exercidas por outras unidades universitárias -, os Profs. Leão e Closs de um lado e Darcy e Celso de outro decidiram estabelecer uma trégua e uma aliança, constituindo com o CPD uma pós-graduação em Informática com duplo enfoque, hard e soft, que se desenvolveu bem, produziu mão de obra abundante e cientistas qualificados, e colocou o RS junto com RJ, MG, PR e SP na vanguarda digital do País. Celso e eu (não sei por que Darcy me deu essa missão, talvez para me alegrar, pois eu estava passando por uma intensa depressão e ele assim me auxiliou a debelá-la) compusemos em 1973, pelo lado do IF, a primeira Comissão de PG em CC.

A turma de hardware do IF foi sendo ampliada paulatinamente e contava com o interesse e estímulo dos físicos experimentais, notadamente o John, entusiasta incontrolável de micro-computadores: ele seria um fã dos vídeo-games de hoje. Bordini, Medero, Jürgen, Tiaraju, Navaux, Moser e tantos outros foram a geração que sucedeu a primeira leva de eletrônicos “analógicos”.

Naquela primeira geração, junto com Celso e Petry, estavam Danilo, Pedroso e outros (o Hepp não conheci), que tiveram como estagiários mais outros, alguns dos quais se fixaram no IFGW da Unicamp mais tarde: Maia, Teschke, David. Os minuciosos e prestativos técnicos eram, e creio estarem alguns ainda em atividade, Wilmar, Ennio, Otelo.

Gostaria de ter aprendido um pouco mais de eletrônica antes que a integração de circuitos tornasse o ramo inteiro “indiscreto” e já não se trata mais de soldar uns poucos componentes primitivos de funções óbvias. Continuo admirador dos magníficos osciloscópios Tektronix até hoje, e não só eu: visitando Dubna na Rússia em 1964, com meu grupo em fila indiana escoltado na rabeira por um agente da KGB, juro que vi um Tektronix reluzente num laboratório nuclear, destacando-se entre os demais equipamentos feios e escuros. Quando virei o rosto para confirmar, fui impedido pelos latidos irritados do policial. Que era um Tektronix, era!

O motivo de os primeiros diretores do IF, Saviniano e David, terem sido engenheiros não-cientistas era a exigência de ser catedrático para ocupar o cargo. Ambos foram ótimos diretores, sérios, apaixonados, competentes. Armavam-se de argumentos com os cientistas líderes do IF e defendiam denodadamente nossos interesses no Conselho Universitário. As universidades brasileiras públicas eram, então, arenas políticas quase exclusivas dos docentes das faculdades de Engenharia, Medicina e Direito, profissões tradicionais que preponderam, ainda, em influência na Academia.

Quando a Academia começou a ser valorizada por sua capacidade de gerar conhecimento, não só propagá-lo, o quadro mudou. Não muito, mas um pouco. Naqueles tempos os Reitores constituíam uma sucessão inabalável de médicos e engenheiros, poucos com entendimento de, ou simpatia pela ciência, embora, curiosamente, os médicos eram, em geral, mais generosos conosco que os engenheiros. O Instituto de Física era visto, naqueles anos, como uma coleção de professores de física que só servia para atender os currículos de graduação das engenharias, ponto. Ademais, poucos cientistas gostam de administração e têm paciência com burocracia, e se têm de fazer isso é só para proteger os interesses da Ciência e o fazem tão tarde em suas carreiras quanto possível – publicar tem precedência -, não só para afastar esse prato indigesto como para preparar o estômago e os talheres para mastigar e digerir o cardápio inevitável, e adquirir estatura e autoridade de gourmet com seus currículos científicos, contrapondo-se com essas armas aos que os torturam com regras insanas.

A postura da época era de que o dinheiro nunca deveria ser manejado pelos seus donos (nós, cientistas), mas por uma pirâmide de funcionários desinteressados em nossas necessidades e urgências, e acorrentados por rotinas desenhadas por contadores e auditores, não por empresários eficientes. Se alguém precisa de exemplo de agrura (não creio que precise, mas conto assim mesmo) quando ajudei a dirigir o setor financeiro do IF, batalhando ao lado de Sheila, Helio, Nelson e outros, uma importação de qualquer valor exigia preencher um formulário para o Banco do Brasil em 13 vias. As máquinas de escrever IBM só davam conta de 5 vias por vez, nossas dores de cabeça eram atrozes. Tenho dó dos nossos Diretores pelos abusos que devem ter sofrido nos escalões elevados. Muitas das incontáveis romarias, acompanhamento de processos e redação de petições eram realizadas pelo Cenno e sua equipe, ele uma verdadeira Rocha de Gibraltar, esteio dos Diretores e almotolia das engrenagens públicas, em que nos apoiávamos para vencer essa burocracia federal – novamente nos dois sentidos.

Ao Cenno também estava subalterna uma discreta e amistosa equipe de anjos da guarda, a Isaura, a Maria Helena, a Maria do Carmo, a Maria de Lourdes, o Pimentel e o Carvalho, este sempre vigiando, detrás do seu bunker, só meia cabeça de fora, o acesso ao elevador que, provavelmente símbolo máximo de nossa mínima influência na Reitoria, nunca teve o parceiro de viagens instalado no poço vazio ao lado, que eu saiba até o dia em que o prédio virou história com a mudança do IF para o Campus do Vale, para uma nova vida mais luminosa e arejada. Assim, finalmente, foi deixado em paz o “fantasma” que habitava o corredor térreo e perturbava nossas medições nas madrugadas silenciosas, eriçava nossos pelos e nos punha a correr de susto e a ir tomar um ar fresco com os macacos da Redenção.

No canto inferior da foto acima, a pontinha do bunker de "Seu" Carvalho.

À sua frente o elevador. À direita a sala do Xerox.

 

 

  1. Aviso aos navegantes
  2. Os 14 de 1960
  3. A hora do recreio
  4. Luiz Severo Motta
  5. Epílogo

PS: Nomes completos e fotografias das pessoas mencionadas estão aqui.


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