Sítio do IF

Se houver alguma informação equivocada (data, título de evento ou nome de pessoas), ou em falta, por favor entre em contato.  

 

Index

Programação

Crônicas & depoimentos

Iconografia

Documentos históricos

IF 45 anos

Mapa do portal

Créditos

A bolsa salvadora 

As oportunidades para início de carreira oferecidas pelo IF nos anos 60 foram estupendas. A bolsa de estudos durante a graduação, algo como ½ salário mínimo, foi crucial para eu conseguir completar o curso, dado que meus pais tinham falido e que a barra pesava. Agravava esse quadro cinza a dificuldade de eu estar me tratando de uma doença cardíaca, que felizmente (garante hoje uma das minhas filhas, a cardiologista) foi completamente curada graças ao diagnóstico correto do Prof. Dr. Jayme Domingues da nossa Faculdade de Medicina, à farmacologia eficaz, e à generosidade de nossa supervisora de bolsistas, Victoria, que me concedeu, sem corte da bolsa, um regime de repouso doméstico durante ½ ano, recomendado pelo médico, mas muito desagradável para mim. Literalmente salvou minha vida.

A bolsa implicava também em colaborar no ensino da turma ingressante imediatamente seguinte à nossa, tradição simpática e ainda recomendável, que se manteve por alguns anos e viabilizou gratificantes e permanentes vínculos pessoais. A expansão exponencial dos quadros do IF naqueles anos, equiparável a uma inflação de Big Bang, nos permitiu assumir de imediato parte do ensino regular de graduação. O professor Motta, de quem falarei mais, me comissionou a disciplina de Mecânica Analítica, desenvolvida ao longo do texto do Goldstein. Nem preciso confessar aqui, meus ex-alunos e alunas lembrarão, que supríamos com entusiasmo minhas lacunas de conhecimento, aprendendo juntos sem maus tratos recíprocos: espero que tenham se beneficiado tanto quanto eu. A situação era tão inusitada que, tendo certo dia chegado um pouco mais cedo a uma aula e rabiscado umas equações no quadro negro recém-limpo, fui castigado verbalmente pelo bedel, que me confundiu, justamente, com um aluno. Explicações dadas, desculpas aceitas, restabelecida a paz e a hierarquia, esse mesmo bedel me espetou durante anos, geralmente às sextas-feiras, com pequenos empréstimos desesperados de dinheiro, que eu não conseguia recusar devido ao histórico e à minha personalidade condescendente. Na verdade, discutindo essa minha dificuldade em dizer não, Victoria me ajudou - devo mais essa a ela - a aprender a negar com firmeza. Abandonei o saldo negativo do bedel, mas meu NÃO foi convincente e me serviu bem vida afora. Cortar amarras é duro, mas deve-se saber fazer isso também.

Em adição às atividades nucleares que ocorriam principalmente no saguão adaptado que separava as duas alas do prédio original da Faculdade de Filosofia da UFGRS, gravitei para as oficinas que apoiavam, no térreo, as atividades de pesquisa. O laboratório de vácuo de Bocchese e Lourenço era um santuário de limpeza intercalado entre a vidraria fumarenta de Bruno e Irai e a oficina caótica de Joel, Eri, Ivo e Amaral, postada diante do almoxarifado ordeiro e severo de Barreto e Nelson.

Saguão do primeiro andar, na época narrada pelo autor.

Saguão do térreo, em 2005, vinte anos após a transferência do IF para o Campus do Vale.

Quem conheceu esses torneiros mecânicos na ativa lembrará que eram artistas e, como artistas, eram facilmente excitáveis e continuamente em atrito entre si. Essa parte dos problemas foi posteriormente atenuada criando-se uma oficina no Antigo Parobé para atender às necessidades da pesquisa em ensino e formação de professores para o ensino médio conduzidas por Moreira, Rolando, Victor Hugo, Wido e outros.

Virei chefe do Joel e sua equipe, imaginando que poderia, com meu espírito germânico, colocar alguma ordem na bagunça para dar mais eficiência ao trabalho daquele ítalo-brasileiro brilhante oriundo de Pelotas. Na época havia enorme demanda de serviços mecânicos e muita acotovelação por prioridade. Convinha ordenar a fila e incutir no Joel alguma organização. Vã esperança.

Creio que só alcançamos metade do meu objetivo, mas nunca perdemos a amizade, decididamente éramos confidentes e parceiros, e nos ajudávamos na base da troca, eu resolvendo problemas de que ele não gostava, ele fazendo aqui e ali algumas melhorias no seu convoluido ateliê. Ateliê, mais que oficina! Cada novo instrumento desses técnicos era uma obra de arte.
Quem não lembra da mesa automática de correlações angulares do Flávio, do forno de alta temperatura do Delmar, e tantos outros belos equipamentos? O Ialo, por exemplo, ganhou uma cavidade metálica de secção elíptica para seu laser a rubi: você sabe como se usina isso num torno? Deploro até hoje ter perdido, numa mudança, a forquilha de bodoque em madeira laminada com que Joel me presenteou.

Compartilhávamos a afeição pelo artesanato, nossas dificuldades mais graves eram os “cabritos” da turma toda. Não sei como estão os salários técnicos hoje, suspeito que ainda baixos demais, mas na época eram francamente miseráveis. Os técnicos se viam forçados a trabalhar fora do horário de serviço confeccionando encomendas particulares, com o que melhoravam sua renda. Suspeito que parte da minha aceitação como “chefinho faz-de-conta” advinha de genuinamente me preocupar pelos problemas pessoais da equipe e batalhar pela valorização e expansão desses setores auxiliares essenciais à pesquisa. Festejávamos, quando obtínhamos uma nova máquina-ferramenta para a oficina, como se fosse um nascimento em família, com churrasco e chope para todos (alguém lembra do consórcio da serpentina de gelar chopp que fabricamos, e ainda tem o certificado de adesão mimeografado a álcool?). Com essa turma aprendi uns rudimentos de psicologia, a escutar mais do que falar quando o outro está numa crise maior que a gente. Pena que não se consegue ser psicólogo de si mesmo.

Em 1964 aportou John entre nós, e isso marcou claramente um divisor de águas no desenvolvimento do IF: agora a física experimental tinha um guru “importado” de calibre equivalente ao da teoria, Maris. Gerhard, Darcy e Maris tinham clara noção de que o IF devia balancear suas competências e apoiaram pró-ativamente o desenvolvimento da área experimental. Basta lembrar das madrugadas que compartilhei com Darcy, manipulando, ambos mortos de sono, experimentos de física nuclear para colegas, em dupla por segurança, para o caso de um do time ser eletrocutado pela alta voltagem que alimentava as foto-multiplicadoras.

John, também ele simpaticíssimo como todos os cientistas americanos (não falei?), para mim significou um refresco, pois criou-se um dipolo de visões e de liderança científica onde antes havia um virtual monopolo, o teórico. John, também ele um “nuclear”, era cientificamente estabelecido, criativo e flexível. Tinha personalidade aglutinante, era disponível intelectual e socialmente, divertido, conversador, festeiro e, treinado no Caltech e em Copenhagen, sabia sua física nuclear de ida e de volta. Aclimatou-se perfeitamente ao País, ficou fluente em português, casou com Cecy, teve um filho e uma filha - minha afilhada -, da qual fui mais tarde professor na Unicamp.

Na primeira tarde de John em Porto Alegre, Beto e eu o levamos a um passeio no parque St. Hilaire, lhe apresentamos pitangas e araçás, e lhe mostramos eucaliptos como sendo nativos. Delicado, corrigiu que eram australianos, e emendou com o relato de sua viagem de Kombi e barraca, da Dinamarca à Índia via Turquia, Iraque, Irã e Paquistão. John fez uma bela diferença para o estilo de trabalho experimental no IF, e ainda faz falta como cientista, pessoa, amigo e compadre. Anos depois, falecido durante minha gestão como Diretor, batizei o Centro de Computação do Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp com seu nome. Gerou muitos e férteis frutos na UFRGS por uns 10 anos. Em seguida mudou-se para Campinas, no rescaldo do que se poderia rotular de “A Guerra do Momentum Angular”, uns debates públicos um tanto acalorados e perfeitamente dispensáveis entre Maris e ele sobre uma questão computacional vetorial quântica, que não eram de vida ou morte, mas se tornaram fatais. A saída do John foi um notável prejuízo para o IF.

  1. Aviso aos navegantes
  2. Os 14 de 1960
  3. A bolsa salvadora
  4. A hora do recreio
  5. Luiz Severo Motta
  6. Epílogo

PS: Nomes completos e fotografias das pessoas mencionadas estão aqui.


mec capes cnpq finep fapergs

© 2008 Instituto de Física - UFRGS
C.P. 15051, Campus do Vale
91501-970 Porto Alegre RS, BRASIL