Propriedades
físicas da água
Ligações
covalentes na molécula de água
A molécula de água é formada por duas ligações covalentes O - H, sendo
H - O - H sua fórmula estrutural. O átomo de oxigênio possui seis
elétrons na camada de valência, portanto são necessários mais dois
elétrons para que ele atinja estabilidade eletrônica. O átomo de
hidrogênio possui apenas um elétron, sendo necessário para sua
estabilidade mais um elétron (camada K = dois elétrons). Portanto, na
molécula de água há o compartilhamento de um par de elétrons entre cada
átomo de hidrogênio com o átomo de oxigênio.
O átomo de
oxigênio possui quatro orbitais (funções que descrevem a distribuição
dos elétrons na região que circunda um núcleo atômico). Dois deles
estão "envolvidos" com as ligações O - H, e dois estão "livres". Existe
uma repulsão entre os orbitais livres, que causa uma aproximação entre
as ligações O - H, como mostra a Fig. 2 abaixo.
A molécula
de água, apesar de ter apenas dois hidrogênios, tem uma
conformação muito semelhante à da molécula de metano (CH4)(Fig.1),
tetraédrica, uma vez que o átomo de carbono possui, assim como o do
oxigênio, quatro orbitais, e a massa molar dessas duas substâncias é
muito semelhante (metano: 16 g/mol; água: 18 g/mol). Mas no metano há
quatro ligações C - H iguais, fazendo com que não haja modificação de
ângulos. Já na molécula da água, como foi dito acima, os orbitais
livres do oxigênio se repelem, e o ângulo entre as ligações O - H é
diminuído de 109,5° (tetraedro perfeito, como na molécula de metano,
Fig. 1) a 104,5°.
Figura 11. Estrutura do Metano
O átomo de
oxigênio é mais eletronegativo que o de hidrogênio, ou seja, o núcleo
do oxigênio atrai os elétrons envolvidos na ligação O - H mais
fortemente que o núcleo do hidrogênio. Essa propriedade é decisiva na
polaridade da molécula de água, uma vez que torna o oxigênio mais
negativo (com os elétrons mais próximos) e o hidrogênio mais positivo
(com os elétrons mais afastados). Ou seja, a molécula de água é polar,
sendo o oxigênio seu pólo negativo (2δ-, já que
são dois elétrons a
mais) e os hidrogênios seus pólos positivos (δ+,
um elétron
a menos
para cada átomo).
Figura 21. Estrutura da água
Como água
é um composto polar, o pólo positivo de uma molécula atrai o pólo
negativo de outra, o que resulta em uma atração eletrostática. Essa
atração é chamada ligação de hidrogênio (ou ponte de hidrogênio), e
ocorre entre átomos de hidrogênio com oxigênio, nitrogênio ou fluor. As ligações
de hidrogênio, apesar de serem as mais fortes entre as forças
consideradas fracas, são bem menos estáveis que as ligações covalentes,
prova disso é que a energia de dissociação de uma ligação de hidrogênio
entre moléculas de água é cerca de 23 kJ/mol, enquanto que a da ligação
O - H (covalente) da água é de 470 kJ/mol.
Figura 32. Ligação de hidrogênio entre duas
moléculas de água
Outra
característica das ligações de hidrogênio é a rapidez com que elas se
formam e são quebradas. A todo instante moléculas de água estão
interagindo entre si, formando ligações de hidrogênio que duram de um a
vinte picossegundos (1 ps = 10-12 s). Quando uma ligação se quebra,
imediatamente outra se forma.
Uma
molécula de água pode fazer ligações de hidrogênio com até outras
quatro moléculas, mas isso só ocorre quando a água está solidificada.
Figura 4. Ligações de hidrogênio no gelo
No estado
líquido, cada molécula faz, em média, três ligações de
hidrogênio, devido ao aumento da entropia (grau de desordem do
sistema).
Figura 5. Ligações de hidrogênio na água
As ligações de hidrogênio, portanto, influenciam nos estados físicos da
água. Como foi dito anteriormente, a molécula de água é semelhante à de
metano, que é um gás em temperatura ambiente. Mas o metano é apolar e,
por isso, não faz ligações de hidrogênio. A água também seria gasosa em
temperatura ambiente, mas as ligações de hidrogênio causam uma maior
organização entre suas moléculas, conferindo-a estado líquido na
temperatura ambiente e alto ponto de ebulição.
Interações entre água e solutos
iônicos
Uma das propriedades da água é que sua molécula atrai íons mais
fortemente do que um íon atrai outro, devido à sua alta constante
dielétrica.
Ou seja, compostos iônicos ficam dissociados em solução porque um íon
não atrai outro com tanta força como a água atrai ambos.
Além de dissociar os íons, as moléculas de água ainda formam uma camada
de hidratação (ou camada de solvatação). A partícula iônica fica de tal
maneira cercada por água que a camada de hidratação passa a fazer parte
do íon: a camada de solvatação aumenta o tamanho do íon. A camada de
hidratação também ocorre em solutos polares e com carga, seguindo o
mesmo princípio.
Exemplos: compostos que, em solução, ficam dissociados e suas
partículas com camada de hidratação: NaCl, KCl, AgNO3 e muitos outros
sais.
Figura 62. Solubilização de um cristal iônico
pela água
Interações
entre água e solutos polares com ou sem carga
As ligações de hidrogênio não ocorrem somente entre moléculas de água.
Como foi dito anteriormente, elas podem ocorrer entre hidrogênio e
átomos de oxigênio, nitrogênio ou fluor.
Para um soluto ser polar, é necessário que haja uma diferença de
eletronegatividade entre os átomos que o compõem. Essa diferença ocorre
normalmente entre os elementos citados acima. Quando em solução, um
composto polar forma ligações de hidrogênio com a água, já que seus
pólos interagem com os pólos da água.
Figura 73. Ligações de hidrogênio por grupos
funcionais
No caso de um soluto com carga, a interação da molécula de água é bem
semelhante à citada acima: a parte carregada da molécula do soluto
atrai eletricamente um dos pólos da molécula de água; assim, o soluto
fica “cercado” pela água.
Portanto, um soluto polar ou carregado forma uma mistura homogênea com
a água, já que todas as suas moléculas (ou quase todas, dependendo do
coeficiente de solubilidade) interagem com a água e ficam separadas
umas das outras, “cercadas” pela água.
Interações
entre água e solutos apolares
Quando um composto apolar - como o óleo, por exemplo - é misturado à
água, forma-se uma solução heterogênea. Isso ocorre porque tais
compostos não possuem carga nem pólos, ou seja, não têm regiões que
possam interagir com a molécula de água.
No contato inicial de uma substância apolar com a água, há rompimento
não compensado de muitas ligações de hidrogênio, pois a água não forma
ligações de hidrogênio com moléculas apolares. (Esse rompimento ocorre
também quando um soluto polar entra em contato com a água; neste caso,
entretanto, as ligações de hidrogênio são compensadas pela interação da
molécula de água com as moléculas do soluto.) A fim de fazer o maior
número de ligações de hidrogênio possível, as moléculas de água
orientam-se envolta da substância apolar e a envolvem, de modo que uma
rede de ligações de hidrogênio é formada ao redor de um soluto apolar.
Figura 83. Orientação das moléculas de água ao
redor de um soluto apolar
Essa rede de ligações de hidrogênio representa um decréscimo na
entropia do sistema, ou seja, é energeticamente desfavorável. Por esse
motivo, quando várias moléculas apolares entram em contato com a água,
elas se agrupam, a fim de aumentar a entropia do sistema. Ou seja, ao
invés de fazerem uma rede de ligações de hidrogênio ao redor de cada
molécula apolar – o que diminui a entropia e é, conseqüentemente,
energeticamente desfavorável –, as moléculas de água “forçam” as
apolares a se agruparem. Dessa forma, a superfície de contato entre
soluto e água é menor e, portanto, a rede de ligações de hidrogênio
formada também. Isso faz com que a diminuição da entropia seja menor
quando as moléculas apolares estão agrupadas.
Figura 91. Agregação de solutos apolares em água
Há alguns
compostos, como os fosfolipídeos, que possuem tanto uma região polar
(“cabeça”) como uma apolar (“cauda”). Essas substâncias, em solução,
tendem a expor sua porção hidrofílica (polar) e “esconder” sua porção
hidrofóbica (apolar), formando micelas ou bicamadas, como mostra a
figura. Dessa forma, não há contato entre a água e as porções apolares
desses compostos.
Figura 102. Agregação de moléculas anfipáticas
em água
Membranas celulares e grandes compostos moleculares, como proteínas,
por exemplo, adotam sua forma em função dessa relação entre a água e os
compostos apolares: as membranas organizam-se em bicamada para
“esconder” a cauda dos seus fosfolipídeos; as proteínas organizam-se
para “esconder” seus aminoácidos apolares.
Tensão
superficial
No interior de uma quantidade de água, as moléculas sofrem atração umas
pelas outras (formam ligações de hidrogênio), de modo que a força
resultante sobre cada molécula é nula. Entretanto, na superfície da
água, as moléculas estão em contato tanto com outras moléculas de água
como com moléculas de gases presentes no ar. A atração do ar pelas
moléculas de água é muito menor do que a que ocorre entre as moléculas
água-água, de modo que a força resultante nas moléculas de superfície
não é nula. A conseqüência disso é a formação de um filme, uma
finíssima membrana que limita a água e dificulta que gases a penetrem.
Além disso, esse filme constitui uma barreira mecânica, que dificulta a
penetração de pequenas partículas na água. Um exemplo claro dessa
barreira mecânica é mostrado na Fig. 11. A essa propriedade da
água damos o nome de tensão superficial.
Figura 114. Direção das forças atuantes sobre as moléculas de água no
interior e na superfície de uma solução
Figura 124. A tensão superficial permite que insetos caminhem sobre a
água.
Quando inspiramos certa quantidade de ar, necessitamos que o O2
penetre
nossos alvéolos para que seja transportado para todas as nossas
células. Mas o citoplasma das células alveolares é composto, entre
outras coisas, por água e apresenta, logo, tensão superficial. Então,
como o O2 penetra o citoplasma das células
alveolares? No nosso pulmão,
as células que formam os alvéolos são os pneumócitos primários e
secundários. Os pneumócitos II produzem uma substância capaz de
diminuir a tensão superficial da água, o surfactante
(dipalmitoil-lecitina). O surfactante é uma molécula de detergente, e
como tal apresenta uma porção polar (cabeça) e uma apolar (cauda). [Em
água, essas substâncias tendem a formar micelas (como foi dito
anteriormente); entretanto, há uma concentração micelar crítica –
limite de concentração de fosfolipídeos em que há formação de micelas –
e a partir desse ponto não há mais formação de micelas. O pneumócito II
secreta surfactante em concentração acima da micelar crítica, de modo
que algumas moléculas não conseguem formar micelas, nem interagem com a
água.] Essas moléculas rompem a membrana de água da superfície para
poderem interagir com o ar, que é apolar. Desse modo, a tensão
superficial é rompida e a entrada de O2 nas
células alveolares é
facilitada.