Eletroscópio de Estado Sólido

Rafael Haag

Instituto de Física

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil

haag@if.ufrgs.br

Descrevemos a construção de um simples e eficiente eletroscópio de estado sólido construído a partir de um circuito integrado de tecnologia CMOS*, capaz de detectar cargas positivas e negativas.

1. Introdução

Podemos definir um eletroscópio como sendo um instrumento que tem por finalidade detectar a existência de um desequilíbrio de cargas elétricas num corpo. Existem vários tipos de eletroscópios, os mais conhecidos são o eletroscópio de folhas e o eletroscópio de pêndulo. Um breve histórico sobre a eletrostática e o princípio de funcionamento destes eletroscópios pode ser encontrado na referência [1]. Os eletroscópios convencionais apresentam uma baixa sensibilidade e para funcionarem corretamente necessitam de um ambiente com baixa umidade relativa do ar, o que nem sempre é alcançado, devido principalmente aos fatores climáticos existentes em nosso país. Mesmo assim, deve-se salientar que o eletroscópio de folhas, eletroscópio de pêndulo e outros, possuem um papel importante no ensino da eletrostática. No entanto, podemos construir com um baixo custo um sensível eletroscópio utilizando componentes semicondutores facilmente encontrados no comércio eletrônico dos grandes centros. Devido à sua grande sensibilidade podemos utilizar este eletroscópio em várias experiências nas áreas de eletrostática, eletrônica básica e até mesmo em física moderna.

2. Eletroscópio de Estado Sólido

Apesar de utilizar um circuito integrado CMOS (4011) tipo NAND, um componente semicondutor de alta complexidade, o funcionamento do nosso eletroscópio eletrônico pode ser explicado com facilidade, pois devemos conhecer apenas a lógica digital destas portas e como comportam-se na presença de um corpo com desequilíbrio de cargas elétricas. Basicamente os circuitos integrados CMOS são formados por uma combinação de transistores do tipo MOSFET (Transistores Semicondutor de Efeito de Campo de Óxido-Metal) que são elementos de estado sólido com uma alta impedância de entrada, ou seja, nenhuma carga "flui" pelo terminal de entrada, isto porque as junções internas do transistor MOSFET podem "sentir" com grande facilidade o campo elétrico aplicado no terminal de entrada, chamado de Gate. Numa porta lógica do nosso circuito integrado CMOS, temos transistores MOSFET sensíveis ao campo elétrico gerado por uma fonte negativa (MOSFET tipo N) e outros que são sensíveis ao campo gerado por cargas positivas (MOSFET tipo P). Na figura 1, temos o diagrama de uma porta lógica NAND do circuito integrado 4011.

Figura 1: Diagrama de uma porta NAND típica, composta por transistores MOSFET do tipo P e N. Os terminais A e B são as duas entradas e Q é a saída

Numa porta do tipo NAND do circuito integrado 4011, temos duas entradas e uma saída. A saída pode apresentar apenas dois estados, alto (1) o baixo (0), este resultado depende da combinação dos estados lógicos existente nas duas entradas, conforme pode ser visto na tabela 1.

Tabela 1: Tabela lógica da porta NAND, A e B são as entradas e Q a saída

A

B

Q

0

0

1

0

1

1

1

0

1

1

1

0

O diagrama elétrico do eletroscópio está na figura 2. Utilizamos duas portas para detectar campo elétrico positivo e as outras duas para campo elétrico negativo. As saídas estão conectadas aos diodos emissores de luz (LED) através de um resistor cuja função é limitar a corrente nas saídas de cada porta. É aconselhável usar LED de cores diferentes, por exemplo vermelho para o detector de cargas positivas e verde para o detector de cargas negativas. O sensor é um simples pedaço de fio de cobre sem capa plástica com aproximadamente 5 cm de comprimento. Não utilize sensor com comprimento maior, pois o eletroscópio pode funcionar de forma instável. Às vezes, a entrada do eletroscópio pode apresentar cargas elétricas remanescentes. Para retirar estas cargas elétricas indesejáveis basta encostar simultaneamente um dedo ao terminal negativo e outro ao sensor. Também podemos construir um eletroscópio eletrônico utilizando apenas transistores MOSFET ou mesmo FET [1] discretos, mas neste caso, devemos usar MOSFET do tipo N para um eletroscópio sensível às cargas negativas e outro MOSFET do tipo P para as cargas positivas, isto naturalmente pode ser feito mas os transistores MOSFET ou FET do tipo P não são encontrados com muita facilidade e quando encontramos o seu custo geralmente é alto. Por isto, optamos por utilizar um circuito integrado CMOS que possui em seu interior vários transistores MOSFET do tipo P e N com um custo igual ou pouco superior a um simples transistor MOSFET. Uma descrição mais detalhada do funcionamento dos transistores MOSFET e portas NAND pode ser encontrada em [2].

Figura 2: Diagrama elétrico do eletroscópio eletrônico

3. Comprovando o Funcionamento do Eletroscópio

Podemos comprovar o funcionamento do nosso eletroscópio eletrônico simplesmente "atritando" um tubo de PVC com uma toalha de papel. Aproximando o tubo ao sensor, o LED de carga negativa ilumina-se, indicando a presença de cargas deste tipo de sinal. Se aproximarmos o papel do sensor, o outro LED irá acender indicando que o papel está com carga oposta em relação ao bastão. Graças à grande sensibilidade do eletroscópio, podemos testar várias combinações de materiais, o que nem sempre é possível com eletroscópios convencionais. Pode-se inclusive detectar o desequilíbrio de cargas elétricas entre uma fita tipo durex e o rolo onde ela estava antes da sua separação. Se a montagem do eletroscópio for feita de tal forma que o mesmo seja de pequeno tamanho, podemos prendê-lo ao nosso calçado e observar a separação de cargas elétricas entre o piso e o nosso calçado enquanto caminhamos. Este efeito é mais acentuado em pisos sintéticos.

4. Conclusão

Mostramos neste trabalho a construção de um eletroscópio de estado sólido simples e de grande sensibilidade. Este eletroscópio apresenta um baixo custo e é de fácil construção. Com um dispositivo capaz de detectar desequilíbrio de cargas elétricas com alta sensibilidade podemos desenvolver inúmeras experiências que não poderiam ser realizadas com os eletroscópios tradicionais.

* CMOS (Conducting Metal-Oxide Semiconductor)

Referências


[1] D. F. de Sousa, J. L. Sartori, T. Catunda e L. A. O. Nunes, Rev. Bras. Ens. Fis., 18, 61 (1996).
[2] P. Horowitz and W. Hill, The Art of Eletronics, Cambridge University Press, 1994.